Em 25/03/2019

CGJ/SP: Registro de Imóveis – Averbação de cancelamento de usufruto pela morte da usufrutuária


A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 76/77).


Número do processo: 1066337-86.2016.8.26.0100
 
Ano do processo: 2016
 
Número do parecer: 51
 
Ano do parecer: 2017
 
Parecer
 
PODER JUDICIÁRIO
 
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
 
CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA
 
Processo CG n° 1066337-86.2016.8.26.0100
 
(51/2017-E)
 
Registro de Imóveis – Averbação de cancelamento de usufruto pela morte da usufrutuária – Consolidação da propriedade do bem em nome do nu-proprietário – Exigência de complementação do ITCMD, calculado e recolhido sobre 2/3 do valor do bem por ocasião da doação da nua-propriedade – Exigência mantida pela Juíza Corregedora Permanente – Consolidação da propriedade que não caracteriza hipótese de incidência do tributo – Precedente desta Corregedoria Geral – Decreto regulamentar nº 46.655/2002, que, na espécie, extrapola seus limites – Parecer pelo provimento do recurso.
 
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,
 
Trata-se de apelação interposta por Pompeu de Prado Rossi contra a sentença de fls. 49/54, que indeferiu pedido de providências, mantendo o óbice ao cancelamento do usufruto registrado sob n° 4 na matrícula n° 64.221 do 13° Registro de Imóveis da Capital.
 
Sustenta o recorrente: a) que a extinção do usufruto não gera transmissão de bem, pressuposto para incidência do ITCMD; e b) que consolidação da propriedade não se confunde com transmissão. Pede, por fim, o afastamento do óbice (fls. 61/66).
 
A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 76/77).
 
É o relatório.
 
Opino.
 
Inicialmente, verifico que o ato buscado pelo recorrente – cancelamento de usufruto – é de averbação, na forma do artigo 167, II, 2, da Lei n° 6.015/73[1]. Assim, o recurso cabível contra a sentença prolatada pela MM. Juíza Corregedora Permanente é o recurso administrativo – e não a apelação – na forma do artigo 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo[2], e o órgão competente para apreciá-lo é a Corregedoria Geral da Justiça.
 
Em que pese o equívoco em sua denominação (fls. 61), o caso é de se receber a apelação como recurso administrativo.
 
Segundo consta, no ano de 2003, Maria Gilda Souza Pinto do Prado Rossi doou a nua propriedade do imóvel matriculado sob o n° 64.221 no 13° Registro de Imóveis da Capital ao recorrente, reservando para si o usufruto vitalício do bem (cf. R.2 e R.4 da matrícula n° 64.221 – fls. 18/19).
 
Em fevereiro de 2015, Maria Gilda Souza Pinto do Prado Rossi faleceu (fls. 24).
 
Com o falecimento, o recorrente, no ano de 2016, apresentou pedido de cancelamento do usufruto.
 
Sobreveio nota devolutiva (fls. 37), por meio da qual se exigiu a apresentação de comprovante de recolhimento do ITCMD, devido em virtude da consolidação da propriedade.
 
Segundo o registrador, o recorrente, por ocasião da doação, recolheu o ITCMD apenas sobre 2/3 do valor venal do imóvel, na forma do artigo 12, § 2º, IV, do Decreto n° 46.655/2002. Faltaria, portanto, o recolhimento do tributo em relação ao usufruto, devendo ser utilizado como base de cálculo 1/3 do valor do bem.
 
Em situação idêntica, o então Juiz Assessor da Corregedoria, Dr. Álvaro Luiz Valery Mirra, apresentou parecer, devidamente aprovado pelo Corregedor Geral da Justiça, Des. Luiz Elias Tâmbara:
 
“O recurso comporta provimento, merecendo acolhida os argumentos expendidos pela Recorrente, em conformidade, inclusive, com decisão normativa do Ilustríssimo Senhor Coordenador da Administração Tributária do Estado de São Paulo, recentemente proferida. (Decisão Normativa CAT–10, de 22.06.2009 – DOE 23.06.2009, p. 14).
 
De acordo com a referida decisão normativa, que aprovou entendimento expresso na Resposta à Consulta n. 152/2008, de 13.05.2009:
 
“1 – Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica, tendo em vista os requerimentos de averbação de cancelamento de usufruto decorrente de óbito do usufrutuário, indaga se as isenções do ITCMD referentes à transmissão de imóveis e valores, previstas no artigo 6º, I, alíneas ‘a’ e ‘b’, e I, alínea ‘a’, da Lei n° 10.705/2000 aplicam-se à extinção do usufruto.
 
2 – Para melhor entendimento da matéria, transcrevemos o dispositivo constitucional que outorga aos Estados e ao Distrito Federal a competência para a instituição do Imposto sobre Transmissão ‘Causa Mortis’ e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD, nos seguintes termos:
 
‘Art. 155 – Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
 
/ – transmissão ‘causa mortis’ e doação, de quaisquer bens ou direitos (…)’.
 
3 – No exercício dessa competência, o Estado de São Paulo instituiu o imposto por meio da Lei 10.705/2000, que em seu artigo 2º dispõe:
 
‘Art. 2º – O imposto incide sobre a transmissão de qualquer bem ou direito havido:
 
I – por sucessão legítima ou testamentária, inclusive a sucessão provisória;
 
II – por doação’.
 
4 – Conforme se verifica, no que se refere à transmissão em decorrência da morte, para a lei paulista, somente ocorre o fato gerador do ITCMD quando o ‘de cujus’ transmitir bens ou direitos aos seus herdeiros, sejam eles legítimos ou testamentários, ou ao legatário. Tanto é assim que a Lei 10.705/2000, ao tratar dos contribuintes do imposto na transmissão ‘causa mortis’, somente se refere ao herdeiro e ao legatário (artigo 7º, inciso I), não havendo qualquer previsão de exigência do imposto em relação àquele que recebe bem ou direito em decorrência da morte de outrem sem, no entanto, ser seu sucessor hereditário, ou em razão de testamento.
 
5 – É importante destacar que o usufruto é sempre temporário, sendo que, por força do artigo 1.410, inciso I, do Código Civil, no máximo será vitalício. Assim, sem prejuízo do disposto nos artigos 1.411 e 1.946 do Código Civil, o usufrutuário não transmite, por sucessão hereditária ou testamentária, o direito de usufruto.
 
6 – Nesse sentido, com a morte do usufrutuário do imóvel, a propriedade plena se consolida na pessoa do nu-proprietário.
 
E, na legislação paulista, não há previsão de incidência do ITCMD quando da consolidação da propriedade plena, ou quando da extinção do usufruto.
 
7 – Vale lembrar que o direito de propriedade, embora possa ser cindido quanto ao seu exercício, é uno. Em virtude da própria natureza temporária do usufruto, o verdadeiro proprietário do bem, em última análise, é o titular da nua-propriedade, já que a extinção do usufruto é inevitável.
 
8 – Releva considerar também que, mesmo que se considere a consolidação da propriedade pela extinção do usufruto como uma transmissão de “direitos”, não se trata de transmissão hereditária ou testamentária de modo a ensejar a cobrança do ITCMD, ainda que, coincidentemente, o nuproprietário seja herdeiro legítimo do usufrutuário.
 
9 – Assim, em conclusão, na situação apresentada não há incidência do ITCMD” (autos n° 2009/38005).
 
É certo que, em 26 de fevereiro de 2010, por meio da Decisão Normativa CAT – 3/10, a Fazenda do Estado modificou o entendimento acima transcrito, passando a defender que, com o cancelamento do usufruto, seria necessária a complementação do ITCMD, caso o recolhimento inicial tenha sido feito com base em 2/3 do valor do bem (fls. 39/40).
 
No entanto, pelos próprios argumentos apresentados pela Fazenda do Estado na Decisão Normativa CAT-10, de 22/6/2009, não há que se falar em complementação do recolhimento do ITCMD na hipótese de cancelamento de usufruto.
 
Com efeito, a Lei Estadual n° 10.705/2000, que institui o ITCMD, estabelece em seu artigo 7º:
 
Artigo 7º – São contribuintes do imposto:
 
I – na transmissão “causa mortis”: o herdeiro ou o Legatário;
 
II – no fideicomisso: o fiduciário;
 
III – na doação: o donatário;
 
IV– na cessão de herança ou de bem ou direito a título não oneroso: o cessionário.
 
O nu-proprietário do bem, que receberá a propriedade plena do imóvel com a morte do usufrutuário, por força do artigo 1.410, I, do Código Civil, não se enquadra em nenhuma das hipóteses acima mencionadas.
 
Não é fiduciário nem cessionário; foi donatário, mas não recebe o usufruto do bem por doação; e embora possa eventualmente ser herdeiro ou legatário, também não é nessa qualidade que recebe o usufruto.
 
Além disso, dispõe o artigo 2º da Lei Estadual nº 10.705/2000:
 
Artigo 2º – O imposto incide sobre a transmissão de qualquer bem ou direito havido:
 
/ – por sucessão legítima ou testamentária, inclusive a sucessão provisória;
 
II – por doação.
 
Mais uma vez, a hipótese que aqui se analisa não se encaixa nas previsões da Lei Estadual. A consolidação da propriedade não pode ser tida como transmissão decorrente de sucessão legítima ou testamentária e muito menos de doação.
 
Por fim, o artigo 9º, § 2º, IV, da mesma Lei Estadual estabelece que, na transmissão não onerosa da nua-propriedade, a base de cálculo do ITCMD é equivalente a 2/3 do valor do bem. Por outro lado, não há na Lei menção alguma à complementação desse valor por ocasião da consolidação da propriedade.
 
Não há dúvida de que o artigo 31 do Decreto n° 46.655/2002, que regulamenta a Lei Estadual n° 10.705/2000, expressamente prevê a necessidade de complementação do ITCMD, por ocasião da consolidação da propriedade plena na pessoa do nu-proprietário.
 
Essa hipótese de incidência, todavia, diante dos limites estabelecidos pela Constituição Federal (artigo 155, I, da CF[3]) e do silêncio absoluto da Lei Estadual que o instituiu, não poderia ser criada por decreto regulamentar.
 
Os julgados das Câmaras de Direito Público deste Tribunal de Justiça não se afastam desse entendimento:
 
APELAÇÃO CÍVEL. Mandado de Segurança. ITCMD. Cancelamento de usufruto, sem recolhimento do imposto. Admissibilidade. Tributo que deve incidir apenas nos casos de transmissão causa mortis e doação, nos termos do art. 155, da CF. Concessão da segurança em primeiro grau. Manutenção da r. sentença. Precedentes. Recurso não provido. (Apelação n° 1018585-65.2016.8.26.0053, 8ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Antônio Celso Faria, j. em 19/10/2016).
 
“EMBARGOS INFRINGENTES TRIBUTÁRIO – ITCMD REPETIÇÃO DE INDÉBITO DOAÇÃO DE AÇOES DE EMPRESA HOLDING BASE DE CÁLCULO. Equivocado, o entendimento da embargante ao confundir o ativo que integra o patrimônio da holding, com o valor patrimonial de suas ações. “É muito simplório adotar-se como base de cálculo do ITCMD na hipótese de doação de ações de uma holding o valor de papéis que podem porque dos autos não há qualquer prova nesse sentido compor o seu ativo”. TRIBUTAÇÃO DE EXTINÇÃO DE USUFRUTO Inocorrência do fato gerador da transferência. Decreto 46.655/02, ao regulamentar a Lei 10.705/00, previu a obrigatoriedade de recolhimento do ITCMD sobre 1/3 do valor do bem, por ocasião da consolidação da propriedade plena, o que constitui nova hipótese de incidência do ITCMD, criada por norma regulamentar, extrapolando os limites da norma regulamentada. Embargos infringentes rejeitados” (Embargos Infringentes n° 0006997-54.2011.8.26.0053/50000, 3ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Camargo Pereira, j. em 4/11/2014).
 
Portanto, o óbice levantado pelo registrador, ratificado pela MM. Juíza Corregedora Permanente, deve ser afastado, o que leva ao provimento do recurso interposto.
 
Nesses termos, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de receber a apelação como recurso administrativo e a ele dar provimento.
 
Sub censura.
 
São Paulo, 7 de março de 2017.
 
Carlos Henrique André Lisboa
 
Juiz Assessor da Corregedoria
 
DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, recebo a apelação como recurso administrativo e a ele dou provimento. Publique-se. São Paulo, 08 de março de 2017. (a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça – Advogado: POMPEU DO PRADO ROSSI, OAB/SP 67.827 (em causa própria).
 
 
Fonte: CGJ/SP
 


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