Em 29/08/2016

Direitos de comunidades tradicionais devem ser resguardados na transferência de terras da União para Amapá, alerta MPF


Decreto editado em abril deste ano tem acirrado conflitos fundiários no estado


O coordenador da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (MPF), subprocurador-geral da República Luciano Mariz Maia, defendeu a participação de povos indígenas e comunidades tradicionais no processo de transferência de terras da União para o estado do Amapá, e a garantia de respeito aos seus direitos e interesses. Os impactos sociais dessa transferência foram debatidos em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, nessa quarta-feira, 24 de agosto.

Pela Lei nº 10.304/2001, a União passou para o domínio do estado do Amapá as terras que lhe pertencem, situadas no limite territorial daquele Estado. O Decreto 8.713/2016, de abril deste ano, regulamentou a transferência ao estado, que atinge cerca de 4,5 milhões de hectares de terras de domínio da União, pois a Constituição de 1988, que transformou o ex-território federal em estado, não tratou dessa questão.

Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), pequenos agricultores familiares, extrativistas, ribeirinhos e pescadores têm sido ameaçados por supostos detentores de títulos de propriedade nessas terras da União, ou mesmo quem apenas é pretendente a detentor desses títulos. As agressões teriam aumentado após a assinatura do decreto. A entidade defende a anulação do decreto. “Sabemos que em algum momento as terras teriam que ser passadas para o estado, mas veio em um momento errado, porque problemas anteriores ainda não foram resolvidos. Pessoas de outros estados se apropriam das terras como se fossem suas, esse é um dos problemas que deveriam ser resolvidos antes do repasse”, argumentou o coordenador da CPT no Amapá, Padre Sisto Magro.

O decreto, expressamente, exclui da transferência territórios quilombolas já delimitados e aqueles a serem delimitados pelo Incra por meio de relatório antropológico. Mas ultrapassa a mera regulamentação, como, por exemplo, confere ao Instituto o prazo definitivo de 20 meses, contando da data de publicação deste decreto, para identificar as áreas, sob pena de ser automaticamente operada a transferência, na situação em que se encontrarem os processos de identificação e delimitação. A coordenadora-geral de Regularização de Territórios Quilombolas do Incra, Isabelle Picelli, informou que, atualmente, há 29 processos abertos que tratam desses territórios. “Estamos trabalhando para cumprir o cronograma. Está sendo feito um grande esforço, temos que parar alguns trabalhos para focar nesses”, ressaltou.

Na avaliação do subprocurador-geral Luciano Mariz Maia, as questões apontadas pela Pastoral da Terra e pelo Incra mostram a gravidade da situação. “Os intérpretes do decreto passam a compreensão de que a União se auto estabeleceu um prazo compulsório, resolutivo, não importando o que possa acontecer com os povos indígenas e quilombolas, uma vez vencido o prazo mencionado”, ressaltou. Ainda segundo ele, para garantir segurança aos povos que habitam essas terras, é imprescindível a conclusão do processo de georreferenciamento das terras da União, delimitando “cirurgicamente”o perímetro da área que pertence a União e o perímetro da área a ser destacada para transferência ao estado do Amapá.

Maia também afirmou que o Estado brasileiro tem responsabilidade, pela Constituição e pelos tratados internacionais de Direitos Humanos dos quais é signatário, de assegurar os direitos desses povos em quatro níveis: reconhecer direito às terras que ocupam, respeitar esse direito, protegê-lo, impedindo que outros desrespeitem, e garantir a implementação dos direitos desses povos. “Temos uma preocupação com os povos envolvidos, com a legalidade e com um patrimônio público gigantesco que está sendo transferido sem nenhuma condicionante de como será feita transferência aos particulares daí em diante”.

Ex-territórios – Além do Amapá, Roraima também está vivenciando o processo de transferência de terras da União para o estado. Em ambos os casos, a transferência de terras é posterior à transformação dos ex-territórios em estados pela Constituição de 1988, não resultando de Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mas da Lei nº 10.304/2001.

O coordenador Câmara do MPF que atua na defesa das populações indígenas e comunidades tradicionais lembrou que é preciso aprender com a experiência de Roraima, cujas terras foram transferidas em 2009. “O lado positivo é o dever de prévio georreferenciamento de todas as áreas pertencentes à União que serão transferidas, e igual identificação das que são excluídas de transferência, por serem territórios indígenas, quilombolas, de populações tradicionais, de assentamentos, ou de preservação ambiental”, esclareceu.

Luciano Maia informou que promoverá diálogo entre as unidade do MPF no Amapá e em Roraima, que trabalharão em conjunto para identificar irregularidades e atuar para que os direitos dessas comunidades sejam resguardados. O subprocurador-geral também afirmou que discutirá o caso com as Câmaras do MPF que atuam com as temáticas do Meio Ambiente e dos Direitos Sociais e Fiscalização de Atos Administrativos.

“Temos a preocupação de que haja respeito aos direitos fundamentais e aos direitos humanos nesse processo de transferência. Que esse processo de transfência conviva com e respeito o modo de ver, respeitar e conviver com a alteridade e diversidade de povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais”, concluiu.

Fonte: MPF

Em 26.8.2016



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