Em 05/09/2010

Não é possível reconhecimento judicial da isenção de ITCMD em arrolamento sumário


Esse é o entendimento da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ)


A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou recentemente o Recurso Especial nº 1.150.356 – SP (REsp), que versou sobre a impossibilidade de reconhecimento judicial da isenção do imposto “causa mortis” (ITCMD), nos casos de processos sucessórios sob o rito do arrolamento sumário. O REsp, que teve como relator o Ministro Luiz Fux, foi provido por unanimidade.

No caso sob análise, o Juiz Singular determinou a isenção do pagamento do imposto causa mortis, não sendo necessário procedimento administrativo para tal, tendo em vista que o valor do monte mor é inferior ao atribuído em lei para isenção e afirmou que “procedimentos procrastinatórios em nada alterariam o direito da isenção.” A Fazenda Pública paulista apelou da decisão, onde o Tribunal a quo negou provimento ao recurso, bem como foram rejeitados posteriores embargos de declaração. No REsp, sustenta a recorrente que o acórdão atacado violou os arts. 1.031, § 2º, e 1.034, § 2º, c/c o art. 1.013, do Código de Processo Civil, e dos arts. 96, 150 e 179, do Código Tributário Nacional. Alega, em síntese, que o reconhecimento da isenção tributária, quando não concedida em caráter geral, deve ser efetivada em cada caso, mediante despacho da autoridade administrativa e que não pode ser expedido carta de adjudicação ou formal de partilha enquanto não se concretizarem o lançamento e homologação do tributo por parte do agente fiscalizador, inclusive, nos casos de isenção ou não incidência.

Acompanhando o voto do Ministro-Relator, a Primeira Seção do STJ entendeu que, nos casos de inventários processados sob a modalidade de arrolamento sumário, o juízo do inventário não é competente para reconhecer a isenção do ITCMD, pois tal procedimento (arrolamento sumário) não permite o conhecimento ou apreciação de questões relativas ao lançamento, pagamento ou quitação do imposto causa mortis. Salienta-se, também,a ausência de intervenção da Fazenda até a prolação da sentença de homologação da partilha ou adjudicação.

O Boletim Eletrônico do IRIB #3988, publicado em 20/08/2010, divulgou a notícia referente a este REsp, comentada pelo registrador imobiliário Luciano Lopes Passarelli (clique aqui). Porém, à época da divulgação da notícia o acórdão proferido ainda não tinha sido publicado, o que aconteceu somente no dia 25/08/2010.

Confira a íntegra da decisão:

 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RECURSO ESPECIAL Nº 1.150.356 – SP (2009/0142439-2)

RELATOR: MINISTRO LUIZ FUX

RECORRENTE: FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROCURADOR: MARIA DE LOURDES SAMPAIO SEABRA E OUTRO(S)

RECORRIDO: MARIA MARCÁCIO RODRIGUES

ADVOGADO: CLAUDIA VALERIA DE MELO

EMENTA

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. ARROLAMENTO SUMÁRIO POST MORTEM. RECONHECIMENTO JUDICIAL DA ISENÇÃO DO ITCMD. IMPOSSIBILIDADE. ARTIGO 179, DO CTN.

1. O juízo do inventário, na modalidade de arrolamento sumário, não detém competência para apreciar pedido de reconhecimento da isenção do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de quaisquer Bens ou Direitos), à luz do disposto no caput do artigo 179, do CTN, verbis:

Art. 179. A isenção, quando não concedida em caráter geral, é efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou contrato para concessão.

(…)

2. Como cediço, a abertura da sucessão (morte do autor da herança) reclama a observância do procedimento especial de jurisdição contenciosa denominado “inventário e partilha”, o qual apresenta dois ritos distintos: “um completo, que é o inventário propriamente dito (arts. 982 a 1.030) e outro, sumário ou simplificado, que é o arrolamento (arts. 1.031 a 1.038)” (Humberto Theodoro Júnior, in “Curso de Direito Processual Civil: Procedimentos Especiais”, Vol. III, 36ª Ed., Ed. Forense, pág. 240).

3. O artigo 1.013, do CPC, rege o procedimento para avaliação e cálculo do imposto de transmissão causa mortis no âmbito do inventário propriamente dito, assim dispondo:

Art. 1.013. Feito o cálculo, sobre ele serão ouvidas todas as partes no prazo comum de 5 (cinco) dias, que correrá em cartório e, em seguida, a Fazenda Pública.

§ 1o Se houver impugnação julgada procedente, ordenará o juiz novamente a remessa dos autos ao contador, determinando as alterações que devam ser feitas no cálculo.

§ 2o Cumprido o despacho, o juiz julgará o cálculo do imposto.

4. Conseqüentemente, em sede de inventário propriamente dito (procedimento mais complexo que o destinado ao arrolamento), compete ao Juiz apreciar o pedido de isenção do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis, a despeito da competência administrativa atribuída à autoridade fiscal pelo artigo 179, do CTN (Precedentes do STJ: REsp 138.843/RJ, Rel. Ministro  Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 08.03.2005, DJ 13.06.2005; REsp 173.505/RJ, Rel. Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma, julgado em 19.03.2002, DJ 23.09.2002; REsp 143.542/RJ, Rel. Ministro  Milton Luiz Pereira, Primeira Turma, julgado em 15.02.2001, DJ 28.05.2001; REsp 238.161/SP, Rel. Ministra  Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 12.09.2000, DJ 09.10.2000; e REsp 114.461/RJ, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, julgado em 09.06.1997, DJ 18.08.1997).

5. É que a prévia oitiva da Fazenda Pública, no inventário propriamente dito, torna despiciendo o procedimento administrativo, máxime tendo em vista o teor do artigo 984, do CPC, verbis:

Art. 984. O juiz decidirá todas as questões de direito e também as questões de fato, quando este se achar provado por documento, só remetendo para os meios ordinários as que demandarem alta indagação ou dependerem de outras provas.

6. Por seu turno, os artigos 1.031 e seguintes, do CPC, estabelecem o procedimento a ser observado no âmbito do arrolamento sumário, cujo rito é mais simplificado que o do arrolamento comum previsto no artigo 1.038 e o do inventário propriamente dito, não abrangendo o cálculo judicial do imposto de transmissão causa mortis.

7. Deveras, o caput (com a redação dada pela Lei 7.019/82) e o § 1º (renumerado pela Lei 9.280/96) do artigo 1.031, do CPC,  preceituam que a partilha amigável (celebrada entre partes capazes) e o pedido de adjudicação (formulado por herdeiro único) serão homologados de plano pelo juiz, mediante a prova da quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas.

8. Entrementes, o artigo 1.034, do CPC (com a redação dada pela Lei 7.019/82), determina que, “no arrolamento, não serão conhecidas ou apreciadas questões relativas ao lançamento, ao pagamento ou à quitação de taxas judiciárias e de tributos incidentes sobre a transmissão da propriedade dos bens do espólio (caput), bem como que “o imposto de transmissão será objeto de lançamento administrativo, conforme dispuser a legislação tributária, não ficando as autoridades fazendárias adstritas aos valores dos bens do espólio atribuídos pelos herdeiros(§ 2º).

9. Outrossim, é certo que, antes do trânsito em julgado da sentença de homologação da partilha ou adjudicação (proferida no procedimento de arrolamento sumário), inexiste intervenção da Fazenda Pública, a qual, contudo, condiciona a expedição dos respectivos formais, à luz do disposto no § 2º, do artigo 1.031, do CPC, verbis:

Art. 1.031. (…)

§ 2o Transitada em julgado a sentença de homologação de partilha ou adjudicação, o respectivo formal, bem como os alvarás referentes aos bens por ele abrangidos, só serão expedidos e entregues às partes após a comprovação, verificada pela Fazenda Pública, do pagamento de todos os tributos. (Incluído pela Lei nº 9.280, de 30.5.1996)

8. Consectariamente, nos inventários processados sob a modalidade de arrolamento sumário (nos quais não cabe o conhecimento ou a apreciação de questões relativas ao lançamento, pagamento ou quitação do tributo de transmissão causa mortis, bem como tendo em vista a ausência de intervenção da Fazenda até a prolação da sentença de homologação da partilha ou da adjudicação), revela-se incompetente o Juízo do inventário para reconhecer a isenção do ITCMD, por força do disposto no artigo 179, do CTN, que confere, à autoridade administrativa, a atribuição para aferir o direito do contribuinte à isenção não concedida em caráter geral.

9. Ademais, prevalece o comando inserto no artigo 192, do CTN, segundo o qual “nenhuma sentença de julgamento de partilha ou adjudicação será proferida sem prova da quitação de todos os tributos relativos aos bens do espólio, ou às suas rendas”, impondo-se o sobrestamento do feito de arrolamento sumário até a prolação do despacho administrativo reconhecendo a isenção do ITCMD.

10.Assim, falecendo competência ao juízo do inventário (na modalidade de arrolamento sumário), para apreciar pedido de reconhecimento de isenção do ITCMD, impõe-se o sobrestamento do feito até a resolução da quaestio na seara administrativa, o que viabilizará à adjudicatária a futura juntada da certidão de isenção aos autos.

12. Recurso especial fazendário provido, anulando-se a decisão proferida pelo Juízo do inventário que reconheceu a isenção do ITCMD. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da PRIMEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir,  por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques e Benedito Gonçalves votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido e Eliana Calmon.

Brasília (DF), 09 de agosto de 2010 (Data do Julgamento) 

MINISTRO LUIZ FUX, Relator 

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator):Trata-se de recurso especial interposto pela FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO, com fulcro na alínea “a”, do permissivo constitucional, no intuito de ver reformado acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estadual, cuja ementa restou assim vazada:

ARROLAMENTO POST MORTEM – ITCMD – ISENÇÃO – Pretensão da Fazenda Pública de apreciação da matéria na esfera administrativa – Desnecessidade – Possibilidade de reconhecimento judicial – Precedentes do Superior Tribunal de Justiça – Recurso desprovido.

Noticiam os autos que MARIA MARCÁCIO RODRIGUES, com fulcro no artigo 1.031, § 1º, do CPC, formulou pedido de adjudicação do bem imóvel pertencente a BENEDITO VITOR RODRIGUES, falecido em 16.05.2002, com o qual era casada em regime de comunhão universal de bens.

Sobreveio sentença que julgou procedente o pedido de adjudicação do bem imóvel deixado pelo falecido, reconhecendo a isenção do pagamento do ITCMD (valor do monte mor inferior ao fixado em lei para isenção) pela viúva. Na oportunidade, o Juízo Singular consignou que:

As pessoas que pedirem isenção do pagamento do imposto ‘causa mortis’ ou sobre doação não serão compelidas por este Juízo a comparecerem ao Posto Fiscal a fim de requererem administrativamente tal isenção, uma vez que a lei é clara com relação ao valor dos bens do espólio que isenta o recolhimento.

O procedimento administrativo, pela quantidade de documentos a serem apresentados é moroso, além do que o arrolamento não pode ficar à espera do procedimento administrativo para prosseguir.

Neste caso, é óbvio que o valor do monte mor é inferior ao atribuído em lei para isenção, ou seja, procedimentos procrastinatórios em nada alterariam o direito da isenção.

Em sede de apelação manejada pela Fazenda Pública Estadual, o Tribunal de origem negou provimento ao recurso, nos termos da ementa anteriormente reproduzida. No voto-condutor, restou assente que:

Desnecessária a providência administrativa, que não pode entravar o curso do processo. Ou seja, inexigível procedimento administrativo prévio, só se conferindo à apelante vista (ou ciência) para verificação do pagamento de tributos. É do que se infere, sobretudo, do art. 1.034 do Código de Processo Civil (CPC). Assim, inda que, por hipótese, inexistente fato gerador de isenção, pago o imposto, segundo valor atribuído pelos herdeiros – ao qual não adstrita a Fazenda – , a esta se dá lance valor considerado adequado, cobrando-se o faltante (caso, de fato, algo falte) – (§ 2º, artigo citado). A questão da expedição de formal de partilha, condicionada àquilo realmente devido (vide art. 1.031, § 2º, desse Código), aí sim, na hipótese de nada se haver decidido judicialmente, seria relevante; mas, aqui, sequer cabe considerá-la.

De fato, pois, a intenção da apelante fere o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição (art. 5o, XXXV, da Constituição Federal).

Além disso, a questão pode ser resolvida judicialmente. Segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, em hipótese de inventário de bens, o disposto no art. 179 do Código Tributário Nacional não exclui a possibilidade de reconhecimento da isenção pelo juiz do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD), sem exaurimento da via administrativa.

No caso, pela leitura e interpretação dos artigos 6º, I, “b” e “d” e 9º, “caput” e § 1º, da Lei Estadual n° 10.705/2000 (com a redação da Lei n° 10.992/01), infere-se que a base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido, considerado à data da abertura da sucessão – ocorrida em maio de 2002 (fl. 10). Aqui, trata-se de imóvel único, cujo valor venal – R$18.561,54 (fl. 13) – não ultrapassa 2.500 (duas mil e quinhentas) UFESPs, à época do óbito (UFESP de maio de 2000 = R$10,52 x 2.500 = R$26.300).

De igual forma, o valor bancário, de R$ 2.461,43 (fl. 15), é inferior a 1.000 UFESPs (R$10,52 x 1.000 = R$10.520,00). Assim, abstração feita à questão do FGTS (ausentes, inclusive, elementos de informação sobre o valor desse Fundo), há indicativos seguros da indigitada isenção. Evidentemente, resguardada eventual apuração administrativa que, repita-se, não tem o condão de obstar se prossiga no processo.

(…)

Os embargos de declaração opostos pela ora recorrente foram rejeitados, uma vez não vislumbrados quaisquer dos vícios enumerados no artigo 535, do CPC.

Nas razões do especial, sustenta a recorrente que o acórdão hostilizado incorreu em violação dos artigos 1.031, § 2º, e 1.034, § 2º, c/c o artigo 1.013, do CPC, e dos artigos 96, 150 e 179, do CTN. De acordo com a recorrente: (i) “se à luz da norma contida no caput do artigo 1.034, do CPC, nos inventários que se processam sob o rito do arrolamento (artigos 1.031 a 1.034, do CPC), não podem ser conhecidas ou apreciadas questões relativas ao lançamento e pagamento de tributos, aludido impedimento não significa que o arrolamento não deva ser sobrestado até que sejam resolvidas as questões tributárias junto à esfera administrativa, sede própria para dirimir controvérsias desta natureza”; (ii) “não se pode permitir a expedição de carta de adjudicação e/ou formal de partilha ou ainda qualquer alvará referente aos bens do espólio, enquanto não se concretizarem o lançamento e a conseqüente homologação do mesmo por parte do agente fiscalizador, inclusive quando se tratar de hipótese de não incidência ou isenção”; e (iii) “o reconhecimento da isenção de um determinado tributo, a teor do artigo 179, do Código Tributário Nacional, quando não concedida em caráter geral, só pode ser efetivada em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou contrato para sua concessão”.

O prazo para oferecimento de contra-razões decorreu in albis

O recurso recebeu crivo positivo de admissibilidade na origem. 

Em 10.03.2010, o presente recurso especial foi submetido ao regime do recurso representativo de controvérsia (artigo 543-C, do CPC), tendo sido afetado à Primeira Seção desta Sodalício (artigo 2º, § 1º, da Resolução n.º 08, de 07.08.2008, do STJ), por se vislumbrar multiplicidade de recursos atinentes à competência do juízo do inventário (arrolamento sumário) para apreciar pedido de reconhecimento de isenção do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de quaisquer Bens ou Direitos), à luz do disposto no artigo 179, do CTN. 

O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso, nos termos da seguinte ementa:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. ITCMD – Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de quaisquer Bens ou Direitos. Competência do juízo do inventário, sob o rito de arrolamento sumário, para apreciar pedido de reconhecimento de isenção do ITCMD, à luz do disposto no artigo 179, do CTN. Pleito de adjudicação de bem imóvel pela viúva. Inexistência de herdeiros. Sentença que deferiu o pedido de adjudicação. Recurso especial contra acórdão que negou provimento à apelação do recorrente. Aplicação incorreta do direito. Prequestionamento verificado. Alegada violação aos artigos 1013, 1031, § 2º, e 1034, § 2º, do CPC, e artigos 96, 150 e 179, do CTN. Procedência. Sentença de adjudicação. Prolação que exige comprovação prévia do pagamento do tributo ou, no caso de isenção tributária, apresentação da certidão de isenção. Inteligência do art. 192, do CTN. Recurso que deve ser conhecido e provido.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator):Preliminarmente, revela-se cognoscível a insurgência especial, uma vez prequestionada a matéria federal ventilada. 

Cinge-se a controvérsia a competência do juízo do inventário (arrolamento sumário) para apreciar pedido de reconhecimento de isenção do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de quaisquer Bens ou Direitos), à luz do disposto no artigo 179, do CTN, verbis:

Art. 179. A isenção, quando não concedida em caráter geral, é efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou contrato para concessão.

§ 1º Tratando-se de tributo lançado por período certo de tempo, o despacho referido neste artigo será renovado antes da expiração de cada período, cessando automaticamente os seus efeitos a partir do primeiro dia do período para o qual o interessado deixar de promover a continuidade do reconhecimento da isenção.

§ 2º O despacho referido neste artigo não gera direito adquirido, aplicando-se, quando cabível, o disposto no artigo 155.

Como cediço, a abertura da sucessão (morte do autor da herança) reclama a observância do procedimento especial de jurisdição contenciosa denominado “inventário e partilha”, o qual apresenta dois ritos distintos: “um completo, que é o inventário propriamente dito (arts. 982 a 1.030) e outro, sumário ou simplificado, que é o arrolamento (arts. 1.031 a 1.038)” (Humberto Theodoro Júnior, in “Curso de Direito Processual Civil: Procedimentos Especiais”, Vol. III, 36ª Ed., Ed. Forense, pág. 240). 

O artigo 1.013, do CPC, rege o procedimento para avaliação e cálculo do imposto de transmissão causa mortis no âmbito do inventário propriamente dito, assim dispondo:

Art. 1.013. Feito o cálculo, sobre ele serão ouvidas todas as partes no prazo comum de 5 (cinco) dias, que correrá em cartório e, em seguida, a Fazenda Pública.

§ 1o Se houver impugnação julgada procedente, ordenará o juiz novamente a remessa dos autos ao contador, determinando as alterações que devam ser feitas no cálculo.

§ 2o Cumprido o despacho, o juiz julgará o cálculo do imposto.

Conseqüentemente, é certo que, em sede de inventário propriamente dito (procedimento mais complexo que o destinado ao arrolamento), compete ao Juiz apreciar o pedido de isenção do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis, a despeito da competência administrativa atribuída à autoridade fiscal pelo artigo 179, do CTN, uma vez que a prévia oitiva da Fazenda Pública torna despiciendo o procedimento administrativo, máxime tendo em vista o teor do artigo 984, do CPC, verbis:

Art. 984. O juiz decidirá todas as questões de direito e também as questões de fato, quando este se achar provado por documento, só remetendo para os meios ordinários as que demandarem alta indagação ou dependerem de outras provas.

No mesmo diapasão, confiram-se as ementas dos seguintes julgados desta Corte:

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO ‘CAUSA MORTIS’. ART. 179 DO CTN. COMPETÊNCIA PARA DECLARAR ISENÇÃO.

1. “Cabe ao juiz do inventário à vista da situação dos herdeiros, miseráveis na forma da lei, por isto ao apanágio da Justiça Gratuita, declará-los isentos do pagamento do imposto de transmissão causa mortis” (REsp n. 238.161/SP, Rel. Min. Eliana Calmon). Outros precedentes.

2. “Não se conhece de recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida” (Súmula 83/STJ).

3. Recurso não conhecido.

(REsp 138.843/RJ, Rel. Ministro  Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 08.03.2005, DJ 13.06.2005)

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ARTIGO 105, INCISO III, “A” , DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. INVENTÁRIO. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS. ISENÇÃO. COMPETÊNCIA DO JUIZ DO INVENTÁRIO. ARTIGOS 179 DO CTN E 1.013 DO CPC. ALEGADA VIOLAÇÃO À DIREITO LOCAL. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 280/STF.

O artigo 179 do Código Tributário Nacional, ao regular a concessão da isenção pela autoridade administrativa, não ofende a regra inserida no artigo 1.013 do Código de Processo Civil, aplicável à atividade jurisdicional no processo de inventário, onde compete ao juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, julgar o cálculo do imposto de transmissão causa mortis.

Assim, o juiz do processo de inventário, além de determinar o cálculo do valor do imposto, é competente para declarar sua isenção, porquanto a competência da autoridade administrativa fiscal prevista pelo Código Tributário Nacional não exclui a competência do magistrado.

Precedentes.

A competência deste Sodalício, segundo os preceitos da Constituição Federal, restringe-se à uniformização da aplicação da legislação federal infraconstitucional. Incabível a interposição de recurso especial por ofensa a direito local (Súmula n. 280 do STF).

Recurso especial não conhecido.

(REsp 173.505/RJ, Rel. Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma, julgado em 19.03.2002, DJ 23.09.2002)

Processual Civil e Tributário. Inventário. Imposto de Transmissão causa mortis. Isenção Reconhecida na homologação dos Cálculos. CTN, art. 179. CPC, arts. 984 e 1013 e § 2º. Lei Estadual nº 1427/89 (art. 29).

1. Competindo ao Juiz do inventário julgar o cálculo do imposto, apreciando questões de direito e de fato, permite-se-lhe declarar a isenção.

2. Precedentes jurisprudenciais.

3. Recurso não provido.

(REsp 143.542/RJ, Rel. Ministro  Milton Luiz Pereira, Primeira Turma, julgado em 15.02.2001, DJ 28.05.2001)

TRIBUTÁRIO – IMPOSTO DE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS (ART. 179 DO CTN).

1. Cabe ao juiz do inventário à vista da situação dos herdeiros, miseráveis na forma da lei, por isto ao apanágio da Justiça Gratuita, declará-los isentos do pagamento do imposto de transmissão causa mortis.

2. Providência que independe de burocrático requerimento na esfera administrativa para o reconhecimento judicial.

3. Recurso especial provido.

(REsp 238.161/SP, Rel. Ministra  Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 12.09.2000, DJ 09.10.2000)

INVENTÁRIO. TRIBUTO. ISENÇÃO. COMPETÊNCIA. CABE AO JUIZ DO INVENTÁRIO JULGAR O CÁLCULO DO IMPOSTO, PODENDO NESSE INSTANTE RECONHECER A ISENÇÃO. ART. 179 DO CTN E 1.013 DO CPC. CONCORDANDO A FAZENDA COM O CALCULO, FALTA AO ESTADO INTERESSE PARA RECORRER. RECURSO NÃO CONHECIDO.

(REsp 114.461/RJ, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, julgado em 09.06.1997, DJ 18.08.1997)

Por seu turno, os artigos 1.031 e seguintes, do CPC, estabelecem o procedimento a ser observado no âmbito do arrolamento sumário, cujo rito é mais simplificado que o do arrolamento comum previsto no artigo 1.038 e o do inventário propriamente dito, não abrangendo o cálculo judicial do imposto de transmissão causa mortis

Deveras, o caput (com a redação dada pela Lei 7.019/82) e o § 1º (renumerado pela Lei 9.280/96) do artigo 1.031, do CPC,  preceituam que a partilha amigável (celebrada entre partes capazes) e o pedido de adjudicação (formulado por herdeiro único) serão homologados de plano pelo juiz, mediante a prova da quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas

Entrementes, o artigo 1.034, do CPC (com a redação dada pela Lei 7.019/82), determina que, “no arrolamento, não serão conhecidas ou apreciadas questões relativas ao lançamento, ao pagamento ou à quitação de taxas judiciárias e de tributos incidentes sobre a transmissão da propriedade dos bens do espólio (caput), bem como que “o imposto de transmissão será objeto de lançamento administrativo, conforme dispuser a legislação tributária, não ficando as autoridades fazendárias adstritas aos valores dos bens do espólio atribuídos pelos herdeiros(§ 2º). 

Outrossim, é certo que, antes do trânsito em julgado da sentença de homologação da partilha ou adjudicação (proferida no procedimento de arrolamento sumário), inexiste intervenção da Fazenda Pública, a qual, contudo, condiciona a expedição dos respectivos formais, à luz do disposto no § 2º, do artigo 1.031, do CPC, verbis:

Art. 1.031. (…)

§ 2o Transitada em julgado a sentença de homologação de partilha ou adjudicação, o respectivo formal, bem como os alvarás referentes aos bens por ele abrangidos, só serão expedidos e entregues às partes após a comprovação, verificada pela Fazenda Pública, do pagamento de todos os tributos. (Incluído pela Lei nº 9.280, de 30.5.1996)

Consectariamente, nos inventários processados sob a modalidade de arrolamento sumário (nos quais não cabe o conhecimento ou a apreciação de questões relativas ao lançamento, pagamento ou quitação do tributo de transmissão causa mortis, bem como tendo em vista a ausência de intervenção da Fazenda até a prolação da sentença de homologação da partilha ou da adjudicação), revela-se incompetente o Juízo do inventário para reconhecer a isenção do ITCMD, por força do disposto no artigo 179, do CTN, que confere, à autoridade administrativa, a competência para aferição do direito do contribuinte à isenção não concedida em caráter geral. 

Ademais, prevalece o comando inserto no artigo 192, do CTN, segundo o qual “nenhuma sentença de julgamento de partilha ou adjudicação será proferida sem prova da quitação de todos os tributos relativos aos bens do espólio, ou às suas rendas”, impondo-se o sobrestamento do feito de arrolamento sumário até a prolação do despacho administrativo reconhecendo a isenção do ITCMD. 

In casu, restou assente na origem que:

Desnecessária a providência administrativa, que não pode entravar o curso do processo. Ou seja, inexigível procedimento administrativo prévio, só se conferindo à apelante vista (ou ciência) para verificação do pagamento de tributos. É do que se infere, sobretudo, do art. 1.034 do Código de Processo Civil (CPC). Assim, inda que, por hipótese, inexistente fato gerador de isenção, pago o imposto, segundo valor atribuído pelos herdeiros – ao qual não adstrita a Fazenda – , a esta se dá lance valor considerado adequado, cobrando-se o faltante (caso, de fato, algo falte) – (§ 2º, artigo citado). A questão da expedição de formal de partilha, condicionada àquilo realmente devido (vide art. 1.031, § 2º, desse Código), aí sim, na hipótese de nada se haver decidido judicialmente, seria relevante; mas, aqui, sequer cabe considerá-la.

De fato, pois, a intenção da apelante fere o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição (art. 5o, XXXV, da Constituição Federal).

Além disso, a questão pode ser resolvida judicialmente. Segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, em hipótese de inventário de bens, o disposto no art. 179 do Código Tributário Nacional não exclui a possibilidade de reconhecimento da isenção pelo juiz do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD), sem exaurimento da via administrativa.

No caso, pela leitura e interpretação dos artigos 6º, I, “b” e “d” e 9º, “caput” e § 1º, da Lei Estadual n° 10.705/2000 (com a redação da Lei n° 10.992/01), infere-se que a base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido, considerado à data da abertura da sucessão – ocorrida em maio de 2002 (fl. 10). Aqui, trata-se de imóvel único, cujo valor venal – R$18.561,54 (fl. 13) – não ultrapassa 2.500 (duas mil e quinhentas) UFESPs, à época do óbito (UFESP de maio de 2000 = R$10,52 x 2.500 = R$26.300).

De igual forma, o valor bancário, de R$ 2.461,43 (fl. 15), é inferior a 1.000 UFESPs (R$10,52 x 1.000 = R$10.520,00). Assim, abstração feita à questão do FGTS (ausentes, inclusive, elementos de informação sobre o valor desse Fundo), há indicativos seguros da indigitada isenção. Evidentemente, resguardada eventual apuração administrativa que, repita-se, não tem o condão de obstar se prossiga no processo.

Assim, falecendo competência ao juízo do inventário (na modalidade de arrolamento sumário), para apreciar pedido de reconhecimento de isenção do ITCMD, impõe-se o sobrestamento do feito até a resolução da quaestio na seara administrativa, o que viabilizará à adjudicatária a futura juntada da certidão de isenção aos autos.

Com essas considerações, DOU PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL FAZENDÁRIO, anulando a decisão proferida pelo Juízo do inventário que reconheceu a isenção do ITCMD. 

Porquanto tratar-se de recurso representativo da controvérsia, sujeito ao procedimento do artigo 543-C, do CPC, determino, após a publicação do acórdão, a comunicação à Presidência do STJ, aos Ministros dessa Colenda Primeira Seção e aos Presidentes dos Tribunais Regionais Federais, com fins de cumprimento do disposto no § 7º, do artigo 543-C, do CPC (artigos 5º, II, e 6º, da Resolução STJ 08/2008).  

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

PRIMEIRA SEÇÃO

Número Registro: 2009/0142439-2        

PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.150.356 / SP

Números Origem: 19762002 3019574 3019574801

PAUTA: 09/08/2010 – JULGADO: 09/08/2010

Relator: Exmo. Sr. Ministro  LUIZ FUX

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI 

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. MOACIR GUIMARÃES MORAES FILHO 

Secretária: Bela. Carolina Véras

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROCURADOR: MARIA DE LOURDES SAMPAIO SEABRA E OUTRO(S)

RECORRIDO: MARIA MARCÁCIO RODRIGUES

ADVOGADO: CLAUDIA VALERIA DE MELO 

ASSUNTO: DIREITO TRIBUTÁRIO – Impostos – ITCD – Imposto de Transmissão Causa Mortis

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia PRIMEIRA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Seção, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques e Benedito Gonçalves votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido e Eliana Calmon. 

Brasília, 09 de agosto de 2010 

Carolina Véras, Secretária

(D.J. de 25.08.2010)

 

Fonte: InfoIRIB - Jurisprudência Selecionada



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