Em 06/09/2010

PEC do divórcio: dúvidas dos notários e registradores. Como agir? A inaceitável fuga da responsabilidade


Por Luciano Lopes Passarelli


A Folha de São Paulo, pelo segundo dia seguido, noticiou que cartórios têm se negado a aplicar a Emenda Constitucional nº 66/2010(reproduzo a notícia no final deste texto).

Com todo o respeito aos colegas que foram entrevistados, penso ser inaceitável lançar a responsabilidade sobre a Corregedoria Geral da Justiça. Aliás, na notícia abaixo, a Folha revela que o Tribunal de Justiça “afirma que a lei é suficientemente clara e não há necessidade de instruções”.

Me manifestei recentemente acerca da necessidade dos notários e registradores fazerem valer sua condição de profissionais do direito, inclusive aplicando e dando concretude à Constituição Federal (vejam o post  “Ministro Ayres Britto, valorização da Constituição e os notários e registradores”).

Também já publiquei texto onde explicitei que deveríamos, ainda fazendo valer nossa condição de profissionais do direito, editar enunciados para orientar nossa atuação (confiram o texto “Auto-regulação e qualificação registral”).

Fazendo um paralelo com a atividade jurisdicional: o juiz não pode emitir o non liquet, isto é, não pode deixar de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. Conforme se vê do artigo 126 do Código de Processo Civil, “no julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito”.

Claro que os notários e registradores não são juízes e nem há texto expresso nesse sentido referida à nossa atividade, mas, guardadas as proporções, o que o artigo 126 do CPC nos traz é, na verdade, o que qualquer profissional do direito deve fazer: interpretar o ordenamento vigente e dele extrair a solução para o caso concreto!

Ora, se somos profissionais do direito, de duas uma: ou entendemos que agora é possível o divórcio imediato, sem prazo a cumprir, e fazemos os atos respectivos, ou entendemos que os prazos continuam a prevalecer, já que o Código Civilainda não foi alterado, e nos negamos à pratica de tais atos.

Temos que definir uma posição, fundamentá-la e sustentá-la. Ela poderá ser revista no futuro, mas mantemos a nossa dignidade profissional.

O que não me parece aceitável é fugir desse nosso mister. Se procedemos assim, diminuímos a nossa importância. Cavamos para nós o sepulcro da insignificância e da irrelevância, e nos consagramos como burocratas.

Se quisermos resgatar a dignidade da nossa atividade como essencial ao mundo jurídico moderno, temos que nos portar como tal, estudando, escrevendo, definindo posições e fundamentando-as, tomando a frente da sociedade no papel que ela espera de nós.

As associações de classe devem ocupar esse espaço promovendo Enunciados sobre esses temas.

O Colégio Notarial de São Paulo está de parabéns, porque rapidamente traçou Enunciados para os notários, muito embora eu discorde do texto do Enunciado nº 2, por entender que o Código Civil deve ser lido a partir da lente constitucional. A meu ver, os prazos de 1 e 2 anos outrora referidos não mais subsistem. Há que se interpretar o Código Civil sob a luz da Constituição.

Mas aí entramos no campo da saudável divergência de opinião. O importante é o que o Colégio não se furtou ao seu dever e, por isso, está de parabéns.

Os enunciados do CNB-SP são:

1. Para a lavratura de escritura publica de divórcio direto não há mais que se exigir a comprovação de lapso temporal nem presença de testemunhas, desde que respeitados os demais requisitos da Lei 11.441/07.

2.Para a lavratura de escritura de separação consensual deve-se observar o prazo referido no artigo 1.574 do Código Civil, pois muito embora a EC66 tenha suprimido os prazos para realização do divórcio, não fez referência à separação judicial ou extrajudicial.

No campo do debate de idéias, eu proponho que o Enunciado nº 2 seja excluído, e que o Enunciado nº 1 tenha o seguinte texto:

Para a lavratura de escritura publica de divórcio e de separação não há mais que se exigir a comprovação de lapso temporal nem presença de testemunhas, desde que respeitados os demais requisitos da Lei 11.441/07.

Retirei o “direto” porque todo divórcio agora é só isso: divórcio.

Incluí a separação porque penso que ela continua existindo entre nós, para os casais que assim o preferirem (vide meu texto publicado ontem, “PEC do divórcio: a separação acabou? Parece que não”).

Confira a notícia publicada na Folha de São Paulo:

Maioria dos cartórios de SP ainda ignora nova lei do divórcio

Vinícius Queiroz Galvão

De São Paulo

No primeiro dia de vigência da nova lei que cria o divórcio direto no Brasil, cinco dos maiores cartórios de São Paulo ignoraram a mudança.

O cartório do Ibirapuera foi exceção entre os que a Folha consultou. Registrou três pedidos com base na nova regra, segundo o tabelião Rodrigo Dinamarco. O primeiro deles, afirmou, será concluído amanhã; os outros ainda dependem de documentação adicional.

Os cartórios que não cumpriram a lei dizem esperar orientação do Tribunal de Justiça para agir. O TJ, por sua vez, afirma que a lei é suficientemente clara e não há necessidade de instruções.

Espécie de associação do setor, a seção São Paulo do Colégio Notarial do Brasil decidiu agir para evitar recusas desnecessárias a pedidos de divórcio direto. Hoje, a entidade deve concluir um texto no qual orientará os cartórios a seguirem o texto da lei.

A mudança acabou com a exigência da separação judicial de 12 meses ou da separação de fato de dois anos. ‘Na teoria é assim, mas na prática não muda nada para nós. Não foi passado nada para os cartórios’, afirmou o escrevente Antonio Cezar Lima Rocha, do 2º Tabelião de Notas de São Paulo, no centro da cidade. A mesma informação foi obtida em cartórios do entorno da Paulista.

PORTO ALEGRE

O problema se repetiu em Porto Alegre. Em oito tabelionatos consultados pela reportagem, não houve aplicação do divórcio direto. No 1º Tabelionato de Notas local, um ex-casal tentou o divórcio pela nova lei, mas o cartório preferiu não fazê-lo.

Para José Fernando Simão, professor de direito civil da USP e diretor do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família), não é preciso nova resolução. ‘Cartórios que iniciaram processo de separação pela regra antiga praticaram ato nulo.’

REVISÃO

Como em vez de dois processos agora haverá só um, casais também esperam gastos menores com custas processuais, mas, na prática, os advogados não passaram a cobrar honorários menores.

‘Não se previa a mudança. A tabela pode ser revista’, disse Fábio Trombetti, da Comissão de Revisão da Tabela de Honorários da OAB-SP.

Tabelião substituto do 23º Ofício de Notas do Rio, Guy Catrambry Maciel foi beneficiado pela nova lei. Ele e a ex-mulher entraram com um processo de separação em dezembro e não terão de esperar os 12 meses. ‘Vou usar a mudança a meu favor.’”

* Luciano Lopes Passarellié Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Batatais/SP; Mestre e Doutorando em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP; Professor de cursos de Especialização em Direito Civil, Notarial e Registral e Coordenador Editorial do IRIB.

Fonte: InfoIRIB



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