Em 18/09/2018

Artigo - Resolução dos contratos de compra e venda e as soluções propostas pelo PLC 68/2018 - Por Alan Melo


3ª turma do STJ também decidiu que taxa condominial deve ser paga pela inventariante


Tramita no Senado Federal o Projeto de Lei da Câmara 68/2018, oriundo do Projeto de Lei 1.220/2015, aprovado pela Câmara dos Deputados, que visa alterar dispositivos da Lei de Incorporação Imobiliária (Lei 4.591/64), regulando o desfazimento dos contratos de compra e venda de imóveis na hipótese de inadimplemento dos adquirentes.
 
É inegável que ao longo dos últimos anos os tribunais vêm sendo palco de múltiplas demandas judiciais iniciadas por adquirentes, consumidores ou não, visando o desfazimento de contratos celebrados em momento econômico mais favorável, muitas das vezes sob o argumento de que não mais possuem condições financeiras para arcar com o pagamento do preço ajustado pela aquisição de determinada unidade imobiliária.
 
Ocorre que muitos desses adquirentes passaram a se utilizar de tal argumento para exercer uma pretensão de mero arrependimento na aquisição do imóvel, em decorrência da desvalorização identificada especialmente com a grave crise econômica que se instaurou no país a partir de 2014. Em outras palavras, passaram a se utilizar da alegação de “hipossuficiência financeira” para eliminar os riscos naturais da aquisição de imóveis, isto é, se o imóvel valoriza a partir da aquisição, o adquirente permanece no contrato gozando dos frutos da valorização, caso o imóvel sofra qualquer desvalorização desde a celebração do negócio, o adquirente, arrependido da contratação, busca judicialmente o seu desfazimento, muitas das vezes pleiteando a devolução integral e corrigida de todos os valores pagos e ainda com a aplicação de juros de mora.
 
Obviamente não se pode fechar os olhos para as verdadeiras dificuldades enfrentadas pelos adquirentes diante do já conhecido cenário de crise econômica do país, sendo evidente a necessidade de se criar mecanismos que possam regular a desvinculação dos adquirentes de negócios jurídicos que evidentemente não conseguirão cumprir. Contudo, tal resolução — frise-se, pautada em descumprimento contratual do adquirente — não pode se dar à margem de critérios objetivos e às custas das empresas da construção civil, sufocando o mercado imobiliário nacional.
 
Em verdade, o PLC 68/2018 tem a pretensão de sanar um problema muito mais econômico do que jurídico ou até mesmo legislativo, já que o ordenamento jurídico brasileiro possui mecanismos suficientes para pacificar qualquer controvérsia relacionada ao inadimplemento contratual tanto de adquirentes quanto dos incorporadores e/ou construtores.
 
Dentre os variados temas abordados pelo PLC 68/2018, estão: (i) a positivação do prazo de tolerância para a entrega do imóvel (180 dias), contado a partir do prazo fixado contratualmente (artigo 43-A, caput); (ii) a devolução corrigida dos valores pagos, admitidos os descontos atinentes à comissão de corretagem e pena convencional, esta última não inferior a 25% do valor pago (artigo 67-A); (iii) o desconto dos impostos, taxas e cotas condominiais incidentes sobre o bem, além da denominada “taxa de ocupação”, que nada mais é do que a remuneração pelo eventual período em que o adquirente permaneceu na posse do imóvel (parágrafo 2º, artigo 67-A); (iv) a proteção do patrimônio de afetação, com a postergação do ressarcimento de quantias pagas para após a expedição do habite-se, majorando ainda a pena convencional para 50% (parágrafo 4º, artigo 67-A); (v) o ressarcimento dos valores decorrentes da resolução contratual em até 180 dias a contar do desfazimento do contrato, caso a incorporação não esteja submetida ao patrimônio de afetação (parágrafo 5º, artigo 67-A); (vi) a antecipação do prazo de pagamento dos valores para 30 dias, caso haja a revenda da unidade (parágrafo 6º, artigo 67-A); (vii) a isenção da cláusula penal ajustada, caso o adquirente encontre um “comprador substituto”, desde que conte com a anuência do incorporador e seja reconhecida a capacidade financeira do novo adquirente (parágrafo 8º, artigo 67-A); e (viii) a regulamentação de um “direito de arrependimento” a ser exercido pelo adquirente no prazo improrrogável de sete dias e apenas caso os contratos tenham sido firmados fora da sede do incorporador (parágrafo 11º, artigo 67-A), a partir de quando será observada a irretratabilidade prevista no artigo 32, parágrafo 2º, da Lei 4.591/64.
 
Embora muitos dos temas abordados pelo PLC 68/2018 tenham sido pacificados pela jurisprudência ao longo dos últimos anos, é evidente que a sua positivação é relevante tanto para a proteção de importantes direitos dos adquirentes quanto para evitar um colapso do mercado imobiliário nacional, trazendo regras claras e objetivas a serem observadas pelo Judiciário em demandas que versem sobre tal matéria.
 
De qualquer forma, de nada adiantará a criação de novos instrumentos legislativos se tais regras deixarem de ser observadas pelos operadores do Direito no dia a dia forense, não sendo demais lembrar que a irretratabilidade dos contratos de compra e venda vem sendo vulgarmente flexibilizada ao longo dos anos, mesmo havendo previsão expressa no artigo 32, parágrafo 2º, da Lei de Incorporações Imobiliárias.
 
Por fim, é de extrema importância que, sendo convertido em lei o PLC 68/2018, as eventuais novas regras sejam aplicáveis não só aos contratos firmados após a vigência da futura lei, tal como pretende preocupante emenda apresentada ao PLC 68/2018 (Emenda 1), mas, especialmente, àqueles firmados anteriormente e que atualmente são objeto de inúmeras demandas judiciais perante os tribunais brasileiros, sob pena de se esvaziar o sentido remediador da norma.
 
Desse modo, a expectativa é que com a eventual futura norma tenhamos um cenário de maior segurança jurídica no desfazimento dos contratos de compra e venda, capaz de trazer um necessário alívio às relações imobiliárias tão conturbadas no atual cenário econômico do país.
 
Alan Melo é sócio do Vieira, Cruz Advogados, pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Candido Mendes e membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (Ibradim).
 
Fonte: Conjur

 



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