Em 23/04/2018

CSMSP - SERVIDÃO PREDIAL POR DESTINAÇÃO DO PROPRIETÁRIO. PARCELAMENTO IRREGULAR DO SOLO.


Escritura de instituição de servidão predial por destinação do proprietário (imóveis dominante e serviente pertencentes ao mesmo proprietário). Notícia de que a servidão visa à realização de parcelamento irregular do solo, com a abertura de via pública.


CSMSP - APELAÇÃO CÍVEL: 1000862-76.2016.8.26.0071
LOCALIDADE: Bauru DATA DE JULGAMENTO: 12/12/2017 DATA DJ: 15/03/2018
UNIDADE: 2
RELATOR: Manoel de Queiroz Pereira Calças
LEI: CC2002 - Código Civil de 2002 - 10.406/2002 ART: 1.378

Registro de Imóveis – Dúvida – Escritura de instituição de servidão predial – Desqualificação – Manutenção das exigências pela MM. Juíza Corregedora Permanente – Imóveis dominante e servientes pertencentes ao mesmo proprietário – Notícia, ademais, de que a servidão visa à realização de parcelamento irregular do solo, com a abertura irregular de via pública – Impossibilidade da inscrição – Recurso improvido.

ÍNTEGRA

PODER JUDICIÁRIO - TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1000862-76.2016.8.26.0071

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1000862-76.2016.8.26.0071, da Comarca de Bauru, em que são partes é apelante GCKON PARTICIPAÇÕES LTDA., é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE BAURU. ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento. v. u.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente sem voto), ADEMIR BENEDITO (VICE PRESIDENTE), PAULO DIMAS MASCARETTI(PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA), XAVIER DE AQUINO (DECANO), LUIZ ANTONIO DE GODOY(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E SALLES ABREU (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 12 de dezembro de 2017.

PEREIRA CALÇAS
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Apelação nº 1000862-76.2016.8.26.0071
Apelante: Gckon Participações Ltda.
Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Bauru

Voto nº 29.819

Registro de Imóveis – Dúvida – Escritura de instituição de servidão predial – Desqualificação – Manutenção das exigências pela MM. Juíza Corregedora Permanente – Imóveis dominante e servientes pertencentes ao mesmo proprietário – Notícia, ademais, de que a servidão visa à realização de parcelamento irregular do solo, com a abertura irregular de via pública – Impossibilidade da inscrição – Recurso improvido.

Trata-se de recurso de apelação interposto por GCKON Participações Ltda. contra a sentença de fls. 304/306, que julgou procedente a dúvida registrária, mantendo a recusa ao registro de escritura pública de instituição de servidão predial relativa a imóveis matriculados no 2º Registro de Imóveis de Bauru. Sustenta a apelante, em resumo, que a figura da servidão por destinação é aceita pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e pelos Tribunais Superiores; que a situação de seus imóveis é regular perante a Prefeitura de Bauru; e que a inscrição pretende regularizar situação consolidada. Pede, for fim, a reforma da sentença de primeiro grau (fls. 312/320)

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 337/340).

É o relatório.

Segundo consta, a apelante apresentou no 2º Registro de Imóveis de Bauru a escritura pública copiada a fls. 11/16, por meio da qual, na condição de outorgante e de outorgada, institui servidão em favor de dez imóveis de sua propriedade (matrículas nº 105.191, 105.192 105.195, 105.196, 115.771, 115.772, 113.011, 113.012, 113.013 e 113.014), figurando como serviente outro imóvel de que é titular (matrícula nº 105.197).

O título foi desqualificado por duas razões: a) não há previsão legal de instituição de servidão predial na hipótese de os imóveis serviente e dominante serem do mesmo titular; e b) a qualificação positiva aparentemente implicaria parcelamento irregular do solo urbano (fls. 2).

Suscitada a dúvida, ambas as exigências foram mantidas pela MM. Juíza Corregedora Permanente (fls. 304/306). Agora, apela GCKON Participações Ltda., pedindo a reforma da sentença de primeiro grau.

O recurso não vinga.

Preceitua o artigo 1.378 do Código Civil:

Art. 1.378. A servidão proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava o prédio serviente, que pertence a diverso dono, e constitui-se mediante declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e subseqüente registro no Cartório de Registro de Imóveis.

A leitura do dispositivo legal mostra que um dos pressupostos da servidão é que os imóveis dominante e serviente sejam de titularidade dominial diversa. E isso aqui não ocorre, pois o imóvel dominante e os dez servientes são todos de propriedade da apelante.

Não se ignora que a doutrina e a jurisprudência reconhecem que uma servidão pode ser constituída por destinação do proprietário, quando esse, titular de domínio de dois imóveis, estabelece uma serventia de um prédio sobre o outro.

No entanto, mesmo nesse caso, para que se reconheça que a mera serventia se tornou servidão, imprescindível a diversidade de proprietários. Sobre o tema, citando a lição de Washington de Barros Monteiro, ensina Carlos Roberto Gonçalves:

“A servidão nasce, portanto, no momento em que os prédios passam a pertencer a donos diversos, deixando de ser mera serventia do anterior e único proprietário.

(...)

Esse modo de constituição das servidões subordina-se, segundo a lição de Washington de Barros Monteiro, ao concurso de três requisitos: 'a) o estado visível da coisa, existência de obras que revelem a destinação; b) a separação dos dois prédios, que passam a pertencer a proprietários diferentes; c) a falta de declaração contrária ao estabelecimento da servidão'”[1].

Ou seja, para que a serventia possa ser tida como servidão, indispensável que os imóveis passem a ter diferentes proprietários. Se não bastasse esse obstáculo de ordem formal, a segunda exigência, que diz respeito ao possível parcelamento irregular do solo, também deve ser mantida.

Com efeito, em que pesem as alegações da apelante, o Município de Bauru, intimado neste procedimento administrativo, afirmou, de modo categórico, que a instituição das servidões aqui analisadas visa ao parcelamento irregular do solo. Explicou, confirmando a suspeita do registrador, que a apelante realizou desdobros da gleba original sem autorização do Poder Público, comercializou as áreas resultantes e agora, sem projeto de loteamento, pretende instituir as servidões justamente para que elas façam as vezes de rua (fls. 153/161).

Considerando esses fatos e que o parcelamento do solo urbano deve observar os ditames da Lei nº 6.766/79 e do Plano Diretor Municipal, não se pode admitir manobra que tenha por objetivo driblar disposições cogentes que visam a organizar a ocupação da cidade.

Ante o exposto, nego provimento à apelação.

PEREIRA CALÇAS
Corregedor Geral da Justiça e Relator


[1] Direito Civil Brasileiro, Volume V: Direito das Coisas 2ª ed. rev. e atual. Saraiva 2008, p. 431.

 



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