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Decisão 1ª VRPSP
Fonte: 1055211-73.2015.8.26.0100
Julgamento: 24/06/2015 | Aprovação: Não disponível | Publicação: 01/07/2015
Estado: São Paulo | Cidade: São Paulo (12º SRI)
Relator: Tânia Mara Ahualli
Legislação: Lei nº 6.015/1973 e art. 130, parágrafo único do CTN.Ementa:
Dúvida – carta de arrematação – quebra do princípio da continuidade – modo de aquisição derivado, segundo entendimento mais recente do Conselho Superior de Magistratura – procedência.Íntegra:
1ª VARA DE REGISTROS PÚBLICOS DA CAPITAL DO ESTADO DE SÃO PAULO
Processo Digital nº: 1055211-73.2015.8.26.0100
Classe - Assunto Dúvida - Registro de Imóveis
Suscitante: 12º Oficial de Registro de Imóveis da Capital/SP
Suscitado: Comercial e Serviços JVB Ltda.
Juíza de Direito: Drª. Tânia Mara Ahualli
Dúvida – carta de arrematação – quebra do princípio da continuidade – modo de aquisição derivado, segundo entendimento mais recente do Conselho Superior de Magistratura – procedência.
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 12º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de COMERCIAL E SERVIÇOS JVB LTDA., após negativa de registro de carta de arrematação extraída dos autos do processo nº 00859002820015020068, da 68º Vara do Trabalho da Capital, relativo a 58,33% do imóvel pertencente a Maria Aprile, de matrícula nº 114.097 daquela serventia.
O óbice apontado tem por fundamento o fato de que 1/6 do imóvel, conforme R.2, foi transmitido a Maria Aprile no estado civil de casada, não havendo porém a informação sobre o regime de bens do casamento. Desta forma, para o ingresso do título, deve a suscitada apresentar a certidão de casamento e em caso de comunhão universal de bens, registro da partilha dos bens do marido falecido, para provar que toda esta parte ideal de 1/6 coube à viúva. Juntou documentos às fls. 04/29.
A suscitada apresentou impugnação às fls. 37/40, aduzindo que não cabe ao Registrador qualificar título judicial, sobretudo pelo entendimento jurisprudencial de que a carta de arrematação é forma originária de aquisição de propriedade.
O Ministério Público se manifestou pela procedência da dúvida às fls. 34/36.
É o relatório. Decido.
Com razão a Douta Promotora e o Oficial Registrador.
Em primeiro lugar, ressalte-se que a origem judicial do título não torna prescindível a qualificação registrária, conforme pacífico entendimento do Colendo Conselho Superior da Magistratura:
“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental” (Ap. Cível nº 31881-0/1)
Apesar da alegação da suscitada de que a arrematação judicial é forma originária de aquisição, esse entendimento não é pacífico, conforme recentemente exposto pelo voto do MMº Dr. Hamilton Elliot Akel, na apelação cível nº 9000002-19.2013.8.26.0531, do Conselho Superior de Magistratura, in verbis:
“A arrematação constitui forma de alienação forçada, e que, segundo ARAKEN DE ASSIS, revela negócio jurídico entre o Estado, que detém o poder de dispor e aceita a declaração de vontade do adquirente (Manual da Execução. 14ª edição. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 819). É ato expropriatório por meio do qual “o órgão judiciário transfere coativamente os bens penhorados do patrimônio do executado para o credor ou para outra pessoa”.
Em relação ao título da aquisição, por se tratar de alienação forçada, há acordo de transmissão e, no caso, o Estado transmite ao adquirente os direitos do executado na coisa penhorada, desde a assinatura do auto, destacando-se o duplo papel desse último, pois constitui a forma e a ultimação do negócio jurídico de adjudicação, e a partir dele é que será originado o título formal, que é a carta de adjudicação.
Vale, nesse sentido, a observação do processualista gaúcho supra mencionado, no sentido de que “respeitando a correlação entre dívida e responsabilidade (art. 591), ao Estado descabe expungir dos bens do executado alguns ônus (v.g., servidão de passagem que grava o imóvel penhorado), que beneficiam a terceiros, ou assegurar, tout court, o domínio apenas aparente do devedor em face doverus dominus. Também aqui calha o velho brocardo: não se transfere mais do que se tem (nemo plus iuris in alios transfere potest quam ipse haberet)” (idem, ib., p. 820).
(...)
Em todos esses precedentes [que entendem a arrematação como forma originária], a solução dada, a meu sentir, foi muito peculiar e relacionada, na quase totalidade dos casos, à responsabilidade tributária, especialmente à vista do disposto no parágrafo único do artigo 130 do Código Tributário Nacional, no sentido de que, no caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação do crédito tributário ocorre sobre o respectivo preço.
O fato de inexistir relação jurídica ou negocial entre o antigo proprietário (executado) e o adquirente (arrematante ou adjudicante) não afasta, contudo, o reconhecimento de que há aquisição derivada da propriedade.
Nesse sentido, destaca-se a observação feita por Josué Modesto Passos, no sentido de que “a arrematação não pode ser considerada um fundamento autônomo do direito que o arrematante adquire. A arrematação é ato que se dá entre o Estado (o juízo) e o maior lançador (arrematante), e não entre o mais lançador (arrematante) e o executado; isso, porém, não exclui que se exija - como de fato se exige -, no suporte fático da arrematação (e, logo, no suporte fático da aquisição imobiliária fundada na arrematação), a existência do direito que, perdido para o executado, é então objeto de disposição em favor do arrematante. Ora, se essa existência do direito anterior está pressuposta e é exigida, então - quod erat demonstrandum - a aquisição é derivada (e não originária)” (op. cit., p. 118).
A propósito, não há como simplesmente apagar as ocorrências registrarias anteriores ao ato de transmissão coativa, quando é da essência do registro público justamente resguardar as situações anteriores, situação que não se confunde com mecanismos de modulação dos efeitos da transmissão coativa, para atingir ou mesmo resguardar direitos de terceiros.
Em suma: a arrematação não constitui modo originário de aquisição da propriedade, caindo por terra as alegações formuladas pelo recorrente.”
Desta forma, podemos concluir que, se entendido como modo derivado de aquisição da propriedade, deve ser respeitado o princípio da continuidade. Nas palavras de Afranio de Carvalho, em sua obra Registro de Imóveis (Editora Forense, 4ª edicção, pafina 253): “Princípio de continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individualizado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fara a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente”. Esse encadeamento sucessivo de titularidade é que confere segurança ao registro.
Aliando as duas exposições jurisprudenciais e doutrinárias acima, conclui-se que o Registrador agiu de forma correta ao apresentar óbice ao ingresso do título, pois o casamento pode ensejar a comunicação dos bens dos cônjuges, de forma que o bem só pode ser alienado com anuência de ambos. Se a carta de sentença tornou disponível o bem de Maria sem verificar se este também pertencia ao falecido esposo, existe um erro que não pode ser sanado pelo Oficial nem por este Juízo, restando apenas ao adquirente comprovar que o imóvel tornou-se inteiramente da parte que sofreu a penhora com a partilha dos bens.
Do exposto, julgo a dúvida procedente, mantendo o óbice registrário ofertado pelo 12º Registro de Imóveis da Capital em face de COMERCIAL E SERVIÇOS JVB LTDA.
Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.
Oportunamente, arquivem-se os autos.
P.R.I.C.
São Paulo, 24 de junho de 2015.
Tânia Mara Ahualli, Juíza de Direito
(DJe de 01.07.2015)
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