BE2016
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Regularização fundiária e registro predial
Samantha Buglione *
Uma política urbana capaz de preservar o meio ambiente e promover a cidadania pressupõe o devido resguardo da legalização das práticas sociais. O problema não está em um aparente conflito entre a preservação do patrimônio ambiental e o interesse das populações que ocupam áreas irregulares. Este conflito não existe, até porque, para satisfação dos interesses, pressupõe-se um meio ambiente protegido. O que há é um crescimento desordenado, em parte, por conseqüência da irregularidade. O fato é que se o poder público não regulariza as invasões ou os parcelamentos clandestinos, alguém irá fazê-lo - no caso o mercado informal, o tráfico, o crime, a especulação imobiliária - atores cuja motivação é a satisfação de interesses privados ao custo da realização do bem comum.
Os registros públicos, enquanto espaço de garantia de publicidade e autenticidade, não apenas promovem a segurança jurídica, mas incluem as práticas sociais no espaço comum da legalidade. Ao contrário do que possa parecer, a legalidade não limita a liberdade, mas a garante. Isso porque a regularização fundiária não se encerra em ato isolado do Executivo, aprovando o parcelamento e verificando sua observância às regras vigentes. A regularização está além da obtenção de um título de propriedade decorrente de um registro, como também não se trata de mera burocratização das práticas sociais, mas implica o reconhecimento e materialização jurídica dos direitos reais. O devido registro impede que os sujeitos estejam subordinados ao arbítrio de relações de força e com isso se tornem vitimas da ilegalidade ou se beneficiem dela.
Por exemplo, a locação de imóveis em áreas irregulares, segundo o IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, é, em regra, 30% mais cara que os valores do mercado. Isso faz com que as pessoas com menor poder aquisitivo sofram não apenas o peso da exclusão, mas o seu preço. Ademais, torna-se praticamente impossível pensar políticas de preservação ambiental quando grande parte das construções - e não me refiro aqui apenas às construções de baixa renda - são negociadas e implementadas à margem da lei. O que temos são dois danos crescentes: o das pessoas que sofrem a exclusão, sendo a única alternativa a moradia em áreas de risco com custos reais mais elevados e sem a presença do poder público -, e o dano causado pelo lucro insaciável das especulações que se aproveitam, justamente, da fragilidade da não regularização. A lei já prevê alternativas, como a concessão de uso especial para fins de moradia, o usucapião especial, como também as previsões legais de responsabilização por conta de danos ambientais. Falta, porém, comprometimento.
É preciso destacar que a moradia não é apenas uma construção composta de paredes, piso e teto, mas implica a relação que as pessoas e famílias estabelecem com a cidade. Conforme prescreve o art. 2º. inciso I da Lei 10.257/2001 uma cidade sustentável significa: direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações. Em outras palavras, uma política efetiva só ocorre com a integração dos diferentes atores destas relações, com a promoção da cidadania e a limitação do abuso -, o que só é possível com a devida legalização, registro e regularização.
* Samantha Buglione, professora de direito na Univali/SJ e doutoranda em ciências humanas. Este artigo foi originalmente publicado no Jornal ANOTÍCIA, no caderno ANOTÍCIA Capital, em 14.09.2005. Joinvile-Florianópolis/SC.
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