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Conclusões da XI JORNADA NOTARIAL IBERO-AMERICANA - Buenos Aires – Março de 2004
 
TEMA I – Panorama atual das garantias no Direito Privado.  Garantias mobiliárias e imobiliárias.  Pessoais e reais. 
 
CONSIDERAÇÕES 
 
Nas legislações ibero-americanas existe similitude entre as principais figuras de garantias, especialmente aquelas tradicionais reguladas pelo Código Civil, como a fiança, o penhor e a hipoteca. 
 
Além das tradicionais garantias já mencionadas, em praticamente todas as legislações estão regulamentadas algumas garantias especiais, como o penhor sem a transmissão da posse ou sem a entrega do bem, a hipoteca marítima ou naval e a hipoteca sobre aeronaves. 
 
No direito dos países ibero-americanos surgiram novas figuras de garantias, tanto pessoais quanto reais.  Destacam-se como garantias importantes o aval cambiário, a garantia bancária, a carta de crédito stand by, o leasing ou arrendamento financeiro e o lease back, a hipoteca sobre a totalidade ou parte de uma empresa e o fideicomisso de garantia. 
 
Há uma influência dos negócios internacionais sobre as novas garantias que estão sendo reconhecidas pelos ordenamentos jurídicos, como a garantia bancária, a carta de crédito stand by ou o leasing e o fideicomisso de garantia. 
 
As legislações ibero-americanas permitem a intervenção notarial na constituição, modificação, transferência e extinção das garantias que têm por objeto bens imóveis e excepcionalmente em outras garantias que são objeto de inscrição registral, como a hipoteca sobre embarcações ou sobre aeronaves ou em alguns casos de penhor sem a entrega do bem ou sem transmissão da posse. 
 
Existe concordância nas diversas legislações nacionais a respeito da proibição de ajustar o chamado pacto comissório no momento de constituição de uma garantia real. 
 
É reconhecida uma tendência importante em admitir algumas garantias cuja execução ou realização se processe de forma extrajudicial.  Nesses casos, deverá considerar-se sua coordenação com as normas gerais e especiais vigentes em cada país. 
 
Em matéria de publicidade registral há uma tendência clara no sentido da criação de registros especializados para certos bens, nos quais se inscrevem as garantias sobre esses bens.  Por exemplo: o Registro Público Marítimo, o Registro Aeronáutico, os Registros de Penhores e outros. 
 
RECOMENDAÇÕES 
 
Que a recepção das novas formas de garantia se faça sob o critério da necessária adaptação dessas figuras aos princípios essenciais de cada ordenamento nacional, com a consulta prévia do poder legislativo às entidades que sejam referência na matéria. 
 
Em razão da importância de que se reveste o assessoramento, a certeza e a segurança jurídica; o complexo das garantias que se reconhecem e regulamentam nos países ibero-americanos; e suas múltiplas aplicações, que o notário seja assessor, consultor e, dentro do possível, aquele perante o qual sejam outorgados os atos jurídicos nos quais se constituem garantias. 
 
Que em todas as garantias que recaiam sobre bens imóveis ou registráveis se utilize a escritura pública como meio idôneo e eficaz de documentação, para efeitos de sua inscrição registral. 
 
Que se promova nas legislações a intervenção notarial para que, dentro do possível, as garantias sejam outorgadas ante o notário pelas vantagens que o instrumento público oferece às partes contratantes, a saber: 
 
a) – proporciona certeza quanto à data de celebração do ato; 
 
b) – o notário assegura a identidade das partes; 
 
c) – o notário analisa a representação das partes; 
 
d) – a licitude do negócio é conseqüência natural da atuação notarial; 
 
e) – a intervenção notarial dá ao documento autenticidade que assegura sua validade e a eficácia do ato; 
 
f) – o documento notarial é com freqüência título executivo, e em alguns casos comparável a uma sentença judicial; 
 
g) – o documento notarial pode ser inscrito como documento autêntico em vários registros. 
 
Recomenda-se que sejam promovidas as reformas necessárias para permitir ao notário utilizar as novas técnicas informáticas de comunicação, para seu acesso direto aos registros de publicidade e contribuir para a mais perfeita constituição e tráfego de garantias reais. 
 
TEMA II – Responsabilidade do notário.  O seguro chamado de mala praxis.  Suas diferenças com o seguro de título. 
 
Toda função que pretenda permanecer de forma eficiente tem a obrigação de analisar-se permanentemente para adaptar-se às novas mudanças e exigências da comunidade a que serve. 
 
A sociedade elege aquilo que mais lhe convém por razões de economia e eficiência, não por tradição ou história. 
 
Lamentavelmente, alguns critérios meramente economicistas priorizam a redução de custos, sem importar-se se afetam com isso a segurança jurídica que nosso trabalho gera. 
 
Não temos dúvida de que nosso trabalho possibilita a diminuição da litigiosidade, a convivência harmônica e a realização da justiça.  Porém, a percepção que a sociedade tem de qualquer profissão muda permanentemente.  O mais importante é que a comunidade sinta que a intervenção do notário é absolutamente conveniente, que a deseje e a solicite como útil e necessária para garantir o conteúdo de sua vontade quando contratam.  Devemos conscientizar a sociedade do valor e utilidade que tem a segurança jurídica preventiva. 
 
O custo de um sistema não passa somente pelos honorários, mas pelas conseqüências que toda a sociedade sofre quando confundimos eficiência com rapidez.  Não se pode cair no erro de acreditar que sacrificando a segurança jurídica se poderá obter uma diminuição de custos. 
 
Preservando nossa essência, temos o dever de nos adaptar para dar cada vez mais uma eficiente resposta aos reclamos permanentes da sociedade e aos novos pleitos de um mercado em contínua evolução.  Este é precisamente o sentido da convocação destas Jornadas Ibero-americanas: meditar em conjunto, trazendo nossas diferentes experiências geográficas e culturais, e ver como podemos ser mais competitivos, melhorando nossa função. 
 
Hoje existem dois sistemas nitidamente diferentes para a constituição e transferência de direitos reais sobre imóveis: o notariado latino e aquele que se vale do chamado seguro de títulos. 
 
I – NOTARIADO LATINO 
 
Neste sistema, é obrigatória a intervenção de um notário, que é um profissional do direito ao qual o Estado investe com uma função de fé pública e no exercício da qual ele dá autenticidade aos fatos, declarações e convenções que perante ele ocorram e que perceba com seus sentidos. 
 
No exercício de suas funções não litigiosas o notário: 
 
• assessora os outorgantes, qualificando, interpretando e traduzindo juridicamente os fatos e a vontade dos mesmos; 
 
• age como mediador de forma imparcial entre os requerentes; 
 
• configura o documento assumindo a autoria sob sua responsabilidade; 
 
• identifica os outorgantes e avalia sua capacidade; 
 
• inscreve esse documento autêntico, que goza de presunção de legitimidade e validade, no Registro da Propriedade correspondente, para efeitos de sua oponibilidade contra terceiros; 
 
• o sistema matricial, complementado adequadamente com a guarda e arquivamento do original, garante a segurança dos documentos ante a possibilidade de alteração, perda ou roubo dos títulos de propriedade; 
 
• gera certeza nas relações jurídicas, o que previne litígios posteriores. 
 
O fato de centralizar a função assessora, instrumentadora e autenticadora na figura do notário garante a economia de custos e a celeridade do processo. 
 
II – SEGURO DE TÍTULO 
 
Nos Estados Unidos da América, por ser uma federação, cada Estado possui seu próprio regime, mas em sua maioria se observam as seguintes características: 
 
• as transmissões de imóveis se realizam por instrumento particular, sem a intervenção de um funcionário público, carecendo o documento de autenticidade; 
 
• o assessoramento jurídico é opcional; 
 
• a inscrição no Registro da Propriedade não é obrigatória e se faz mediante o arquivamento dos documentos; 
 
• as inseguranças originadas por estes sistemas fizeram com que se recorressem ao instituto comercial do seguro, para diminuir os danos que seu emprego gerava: produzida a perda total ou parcial de seu direito de evicção em razão de vício dos títulos anteriores à aquisição, o segurado tem direito a uma indenização combinada; 
 
• o pagamento da indenização se realiza ao fim do processo judicial, se o fato não se enquadrar nos casos de exclusão da cobertura; 
 
• a obrigação da companhia é pagar a compensação monetária pactuada, não o valor real do imóvel, não inclui o valor das benfeitorias incorporadas  nem a desvalorização monetária, produzindo aquilo que os economistas chamam de “perda do excedente do consumidor”; 
 
• a situação se agrava se o seguro é contratado pela entidade financeira que outorga o crédito destinado à aquisição do imóvel, pois o valor segurado vai diminuindo à medida que o mútuo é amortizado. 
 
Essa segurança econômica subsidiária satisfaz plenamente os interesses do credor hipotecário, mas não aqueles dos adquirentes.  O seguro de nenhuma maneira evita que o dano se produza.
 
Esta solução não busca aperfeiçoar o sistema de transmissão de direitos reais, assegurando que as partes não vejam frustradas as expectativas que tiveram ao contratar, mas somente indeniza o prejudicado pelo mau funcionamento do sistema vigente. 
 
Como bem disse VALLET DE GOYTISOLO, é como se na medicina fossem substituídas as vacinas e medidas higiênicas e profiláticas por um seguro monetário que indenizasse os danos produzidos pelas enfermidades que gostaríamos de ter prevenido. 
 
Com a figura do seguro se socializam os riscos, em lugar de tomar medidas preventivas com um sistema adequado; como diz ÂNGULO RODRIGUEZ, o dano é recebido como um castigo divino e, em lugar de pagá-lo aquele que o produz, se reparte o custo por toda a sociedade. 
 
Neste sistema, as companhias seguradoras terminam monopolizando a atividade imobiliária e a informação sobre a qualidade dos títulos mediante os chamados title plant que organizam, estabelecendo aquele que é comercializável e aquele ao qual se nega a cobertura.  Nossa sociedade está disposta a delegar a estas companhias privadas a função qualificadora dos títulos? 
 
Cremos que o sistema notarial latino é eficiente e eficaz para garantir a segurança jurídica na contratação imobiliária, tornando desnecessária a incorporação do seguro de título. 
 
Na atual sociedade globalizada, a confrontação entre os dois sistemas é inevitável. 
 
Nos Estados Unidos da América, o seguro de título hoje constitui um importante negócio, que busca expandir-se e buscar novos mercados.  A estreita vinculação entre bancos e companhias de seguro, somada à importância da contratação econômico-financeira no mundo, nos deve fazer refletir sobre os riscos da intenção de imposição deste tipo de seguro por parte das entidades financeiras como condição para a concessão de seus créditos, como já ocorreu em Québec, estabelecendo um gasto desnecessário que constitui uma fraude ao consumidor. 
 
Tem sido argumentado que os investidores institucionais americanos, acostumados às garantias econômicas que costumam acompanhar os créditos hipotecários no sistema de seguro de crédito, iriam tornar-se reticentes em investir na securitização de hipotecas naqueles países que não adotassem esse sistema.  Na Argentina, tal afirmativa ficou totalmente desacreditada tendo sido aceita plenamente a segurança jurídica que adequadamente oferece o sistema latino.  Em nível científico, jurídico, econômico, sociológico e prático, a superioridade de um sistema sobre outro ficou absolutamente comprovada. 
 
Propõe-se como curso de ação a empreender: 
 
Reforçar a difusão desta superioridade documental e registral e dos riscos que adviriam com a deterioração ou perda de sua vigência para a sociedade.  Esta advertência deve chegar à opinião pública, às associações de consumidores e aos âmbitos universitários, legislativos e governamentais para fazer notar que é claramente mais justo e mais eficiente para lograr a segurança jurídica em geral.  A qualidade da prestação que oferece o notariado é universal e chega a todos os setores econômicos e sociais com igual qualidade e em toda a extensão territorial, o que não sucede quando se pretender suplantar a segurança jurídica pela meramente econômica em mãos de sociedades comerciais cujo legítimo objetivo é unicamente o fim de lucro, razão pela qual obviamente atenderão somente os setores mais rentáveis. 
 
• Sermos sumamente estritos na busca da excelência no exercício da função.  Por isso: 
 
a) – o acesso à mesma deve ser permitido aos mais capacitados e mediante concurso; 
 
b) – a capacitação contínua deve ser um requisito para a permanência na função; 
 
c) – os controles funcionais devem ser constantes e estritos, e as eventuais faltas disciplinares severamente sancionadas; 
 
d) – a colegiação deve ser obrigatória em todos os países. 
 
• Buscar uma garantia econômica complementar para o usuário do sistema notarial, na hipótese de eventual insolvência do notário, quando este deva responder pelos danos produzidos no exercício da função. 
 
• Transmitir ao presidente da UINL o sentido destas conclusões a fim de que, pelos meios e formas que estime mais convenientes, procure os governos dos Estados Unidos da América e do Canadá para transmitir-lhes a conveniência de que esses países adotem um sistema documental similar àqueles dos países de notariado latino, pelo menos para uso externo.  Fazer extensiva esta recomendação às autoridades que estão trabalhando no convênio multilateral denominado ALCA, sem prejuízo de comunicar a mesma intenção a todos os delegados latino-americanos perante esses organismos. 
 
III – SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL 
 
Recomendou-se a todos os Colégios o estudo da implementação de um seguro de responsabilidade civil obrigatório que cubra os danos ocasionados pelos notários no exercício de sua função, tal como ocorre na Espanha, Alemanha, Áustria, Itália e França, entre outros.
 
Isso constitui uma garantia para o usuário, o que faz aumentar sua confiança no sistema.  Não se fundamenta tanto na proteção do segurado, mas a de terceiros.
 
Um desenho ideal da função deve fomentar um comportamento correto, e o seguro de responsabilidade civil deve configurar-se como residual.  Torna-se imprescindível a participação dos Colégios na redação da apólice e na fixação do prêmio.  A imagem do notariado e a confiança pública na profissão se vêm seriamente danificadas quando o notário se porta de forma irregular e por causa de sua insolvência frustra a efetivação de sua responsabilidade.
 
É necessário estabelecer alguma garantia coletiva ou individual complementar ao patrimônio pessoal do notário.  Na opinião do Dr. GABRIEL VENTURA, entretanto, o seguro de responsabilidade civil é incompatível com o caráter de funcionário público, pelo que deve responder o Estado.
 
Também surgiu a proposta que os Colégios estudem a criação de um seguro cooperativo ou a criação de um fundo que permita assumir o pagamento de indenizações em favor de quem tenha sofrido o dano.  Levando em conta que o que se deseja é um instrumento de segurança econômica residual para a proteção dos usuários, a exclusão do dolo perde o sentido.  Na busca de soluções, devemos considerar que esta cobertura do dolo não deve funcionar como incentivadora de conduta desse tipo.  Aquele que se conduzir de forma dolosa deve ser excluído de suas funções.  Os notários deveriam prestar algum tipo de garantia efetiva para permitir a recuperação do valor pago pelo fundo. 
 
TEMA III – O notário e os registros.  Registros mercantis.  A função qualificadora do notário na elaboração documental. 
 
Para o melhor serviço de segurança jurídica preventiva e agilidade no recebimento da documentação inscrita em benefício dos usuários e da comunidade é recomendado: 
 
São pilares da segurança jurídica preventiva o título autêntico, que nas relações jurídicas privadas é a escritura pública e os registros públicos. 
 
A autenticidade do título está diretamente relacionada com a perfeição e qualidade do mesmo.  Os controles que lhe conferem autoridade requerem a intervenção notarial, resposta imediata, a qualificação do notário que autoriza o documento e sua contínua capacitação.  Estes requisitos serão de aplicação qualquer que seja o suporte sobre o qual esteja criado o documento. 
 
Permitir o acesso aos registros públicos de títulos de qualidade inferior faria supor um fracasso do sistema de segurança jurídica preventiva. 
 
Os aspectos mínimos que devem ser qualificados pelo notário são a capacidade, a identificação, a legitimidade e representação dos outorgantes (orgânica, voluntária e legal), assim como a validade do negócio escriturado. 
 
O notário deve controlar que o documento em sua totalidade (fundo e forma) esteja conforme ao direito. 
 
Todos os requisitos mínimos anteriores somente podem ser controlados pelo notário em razão de sua interação com os outorgantes na elaboração e autorização do documento. 
 
As comunicações entre notários e registros públicos devem tender para a aplicação de técnicas eletrônicas que impliquem agilidade no tráfego e segurança na autoria do emitente para informação em tempo real do conteúdo do registro (publicidade, notícia ou certificação); registros de medidas cautelares e levantamentos; imediata inscrição do documento; comunicação ao notário da continuidade da inscrição. 
 
QUALIFICAÇÃO A CARGO DO REGISTRADOR 
 
I – Deve qualificar, tendo em conta exclusivamente os documentos apresentados e os assentos registrais: a competência material e territorial do registro; a rogação; que exista identidade entre o objeto escriturado e o registrado; a autenticidade e legalidade extrínseca do documento a registrar; a inexistência de nulidades absolutas e manifestas; legitimação registral; consentimento do titular registral; trato sucessivo; respeito à reserva de prioridade, recomendada quando emanada da informação registral prévia, nas legislações que não a tiverem. 
 
II – Não deve qualificar: tudo que tiver sido motivo de qualificação pelo notário, por exemplo a identificação dos comparecentes, a capacidade das partes e a representação invocada, o conteúdo do negócio refletido na escritura pública ainda que a seu respeito haja discrepância doutrinária ou jurisprudencial, em cujo caso a revisão estará exclusivamente reservada ao órgão jurisdicional competente.  Naqueles aspectos em que o notário tiver omitido a qualificação, quando por disposições legais devesse fazê-lo, o registrador poderá devolver o documento, solicitando ao notário que efetue a qualificação pertinente.  A falta de certificação registral prévia priva o documento da proteção legal pré-escriturária (reserva de prioridade), mas não obsta sua inscrição, na medida em que não existam registrados direitos que se lhe oponham, gozando da prioridade direta. 
 
(Traduzido do espanhol por João Figueiredo Ferreira). 
 
A respeito da extensão da qualificação registral de escrituras notariais, verificar artigo do registrador e Decano-Presidente do Colégio de Registradores da Espanha, Fernando González Méndez: http://www.irib.org.br/rdi/rdi53_013.asp (NE).


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