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II Encontro Ibero-Americano de Direito Registral - Cartagena de Índias, Colômbia, 2004. - CRÉDITO IMOBILIÁRIO NO BRASIL E EXECUÇÕES HIPOTECÁRIAS - Carlos Eduardo Duarte Fleury  *
 
O CRÉDITO IMOBILIÁRIO NO BRASIL 
 
I - INTRODUÇÃO 
 
Nos últimos anos a economia brasileira passou por uma fase de intensa transformação. Após décadas de instabilidade monetária, o Plano Real pôs fim à inflação crônica, um dos maiores obstáculos ao crescimento auto-sustentado. Houve também nesse período a abertura da economia, o que vem permitindo a inserção do País nos mercados globais. Além disso, o papel do Estado evoluiu nesses últimos anos, passando a centrar-se mais na regulação dos mercados e no provimento à sociedade dos serviços próprios do setor público do que na intervenção direta como empresário em áreas como sistema financeiro, telecomunicações, energia elétrica etc. 
 
Estas transformações, no entanto, não foram suficientes para estimular o Crédito Imobiliário, um dos grandes responsáveis pela alavancagem da atividade econômica, muito pelo contrário, a conjuntura pós Plano Real que, sem sombra de dúvidas, trouxe muitos benefícios ao País, especialmente, para classe de menor poder aquisitivo, desequilibrou o modelo com a adoção de  políticas antiinflacionárias, imputando ao sistema elevados índices de inadimplência[ 1].
 
Gráfico
 
Após uma década marcada por sucessivos planos econômicos que objetivaram subsidiar os mutuários através da redução das  prestações, transferindo para o Fundo de Compensação das Variações Salariais - FCVS[ 2] todo o ônus relativo às parcelas do principal não pagas, os esforços foram concentrados na reestruturação do sistema. Começando pela flexibilização das regras até o equacionamento do FCVS que impôs aos agentes financeiros uma grande parcela de contribuição, a estabilidade econômica prometia um cenário próprio para o desenvolvimento do Crédito Imobiliário. 
 
No entanto, esta previsão não foi confirmada. O recrudescimento da inadimplência[ 3] tornou-se fator preponderante na retração de novos créditos na medida em que parte dos recursos emprestados acabou não retornando, mesmo quando, com o objetivo de recuperar o crédito concedido, o credor recebe o imóvel dado como garantia através de execução da dívida. 
 
Este novo cenário apresentado pós Plano Real que impôs aos mutuários dificuldades de saldar seus compromissos, conjugado com um judiciário que decide sob a égide da justiça social em detrimento do contrato, criou uma nova figura: a indústria das liminares. Armando Castelar Pinheiro, economista do Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicada - IPEA, em trabalho intitulado “Decisões Judiciais, Desenvolvimento Econômico e Crédito no Brasil”, divulga pesquisa com cerca de 600 magistrados de todos os níveis, onde se extrai a seguinte conclusão:  perto de 80% dos juízes julgam de acordo com a repercussão social e apenas 20% dos magistrados julgam de acordo com o contrato e a leis próprias do crédito imobiliário (veja quadro a seguir):
 
Tabela
 
A evolução destes acontecimentos construiu um sistema altamente frágil e desestimulador à atividade de Crédito Imobiliário, porém, o processo de transformação já está acontecendo. A prioridade nos próximos anos deve centrar-se na geração das condições para o crescimento auto-sustentado da economia, a única maneira de gerar empregos e renda de forma a reduzir as graves diferenças sociais que existem em nosso País. Para tanto, é necessário aumentar a poupança doméstica, reduzindo a dependência de recursos externos, cuja oferta tem sido extremamente volátil, impondo ao Brasil um limite claro ao crescimento econômico.  
 
O crescimento da poupança doméstica depende de vários fatores. Passa certamente pela reforma da Previdência e pela redução do déficit nominal do setor público que hoje é um despoupador líquido que diminui o volume de recursos disponíveis para o investimento privado. Mas, também certamente depende do aumento da eficiência da intermediação financeira, de modo que os recursos poupados possam ser colocados à disposição dos investidores, com condições adequadas de remuneração e prazo. 
 
As instituições do Sistema Financeiro Nacional estão no mesmo nível de suas congêneres dos principais mercados financeiros internacionais, seja pelos critérios de solidez, capacidade tecnológica e de desenvolvimento de produtos e contam com confiança da população brasileira, se avaliada pelo expressivo volume de recursos financeiros confiado pela sociedade à administração das instituições do SFN. 
 
Apesar disso, o volume de crédito das instituições financeiras como proporção do PIB ainda é baixo, se comparado com os percentuais encontrados nos países desenvolvidos. Essa carência de crédito acentua-se no caso das operações de longo prazo, normalmente associadas ao financiamento do investimento em capital fixo, bem como, no caso dos consumidores, à aquisição de imóveis residenciais. 
 
Historicamente, esse baixo percentual se deve às sofríveis condições macroeconômicas do País, fontes de incertezas que encarecem e reduzem a oferta de crédito para as atividades produtivas. Contudo, o Brasil está caminhando para um desenvolvimento sustentado, na medida em que as taxas de juros estão em queda acentuada, passando de 26,5% para 16,5% ao ano, nos últimos 6 meses. Esta melhora nos fundamentos macroeconômicos, com a queda das taxas de juros, permitirão a expansão do crédito bancário no Brasil, principalmente o de prazo mais longo. 
 
No caso do financiamento às pessoas físicas, mormente nas operações de crédito imobiliário, cabe destacar também a desigual distribuição de renda como um dos obstáculos para a expansão do crédito, tendo em vista a reduzida capacidade de comprometimento adicional da renda com o serviço da dívida eventualmente constituída para a aquisição de moradia própria.  
 
Cumpre destacar que, no caso específico do segmento voltado para o financiamento imobiliário, importantes inovações foram implementadas, nos últimos anos, como é o caso da criação, em 1997, do Sistema de Financiamento Imobiliário – SFI, para viabilizar a securitização dos créditos imobiliários, e da alienação fiduciária, para agilizar a execução das garantias. Em 2001, importantes adaptações foram introduzias nestes mecanismos e também foi criado o Patrimônio de Afetação, para dar segurança aos adquirentes de imóveis em construção e aos agentes financeiros que financiam esses empreendimentos.  
 
Por outro lado, é necessário considerar que a falta de habitação condigna é um dos problemas sociais mais graves do País, que o atual Governo já declarou ser um dos problemas a ter tratamento  prioritário. A criação do Ministério das Cidades pelo governo que assumiu em 2003 é uma prova de que isso deverá se concretizar.   
 
A solução desse problema, face sua magnitude e pelo fato de o déficit habitacional estar concentrado em famílias com reduzida capacidade de absorver o encargo em sua renda exige esforços que vão muito além do crédito imobiliário provido pelas instituições financeiras. É necessário o uso de mecanismos de subsídio direto e de crédito com base em recursos captados a taxas inferiores às de mercado, para que as camadas de menor renda possam adquirir moradia adequada.   
 
Destaque-se que os investimentos na área habitacional trazem um elevado e rápido retorno para a sociedade. A construção civil é uma atividade intensiva em mão-de-obra e empregadora de trabalhadores com menor grau de especialização. Quanto maior for o aquecimento da indústria da construção civil, menor será o índice de desemprego.  
 
II- A EVOLUÇÃO DO SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO  
 
O modelo de financiamento habitacional criado pela Lei nº 4.380/64, contando com recursos de depósitos voluntários - captados por intermédio das cadernetas de poupança - e compulsórios - feitos pelos empregadores nas contas vinculadas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) – foi estruturado com base nas seguintes principais premissas: 
 
• Identidade de índices de atualização monetária no ativo e passivo; 
 
• Reajuste de encargos pelo mesmo indexador do ativo; 
 
• Manutenção de ambiente econômico estável e em crescimento; e 
 
• Segurança jurídica dos contratos. 
 
Esses pressupostos, entretanto, não foram confirmados na prática, notadamente em razão da queda do poder de compra dos salários, circunstância que, a partir de meados da década de 80, levou o Poder Público a intervir indiscriminadamente nos contratos para reduzir o valor das prestações abaixo até do efetivo poder de compra dos salários, sem levar em conta a real capacidade de pagamento de cada mutuário individualmente, o que implicou na concessão de subsídios socialmente injustos com recursos públicos.  
 
O modelo teórico de funcionamento do SFH previa, ainda, um processo de evolução dinâmica onde, na fase inicial, os recursos necessários dependeriam principalmente da captação via FGTS e cadernetas de poupança. Posteriormente, no momento em que o volume de captação líquida tendesse a alcançar o limite em que o crescimento fosse apenas marginal, deveria ocorrer a natural substituição dessas fontes de recursos pelos retornos dos financiamentos.  
 
EVOLUÇÃO DO SALDO DAS CONTAS DE POUPANÇA
 
Tabela
 
Fontes: Banco Central e ABECIP 
Obs: Valores convertidos para US$ pela cotação de venda do último dia do período 
 
A intervenção nos contratos, praticamente, eliminou o retorno das operações, inibindo uma das principais fontes de recursos que deveria irrigar o Sistema, após os quarenta anos de sua vigência e criou um passivo para a sociedade, estimado em cerca de R$ 70 bilhões, correspondentes a cerca de US$ 23 bilhões, que é o saldo residual a cargo do FCVS.  
 
Os efeitos dos sub-reajustes das prestações, além da redução no nível de retorno dos financiamentos, impedindo novas contratações, também criou uma grave distorção nas operações do SFH, na medida em que os valores pagos pelos mutuários, na grande maioria das situações, passaram a ser inferiores à quota de juros. Com isso, boa parte os saldos devedores passaram a ter “amortizações negativas”, fazendo com que, em termos reais, as dívidas se tornassem crescentes. Vários contratos, após decorrido o prazo pactuado para a amortização da dívida, registram saldo residual correspondente a mais de 3 vezes o valor em UPC (moeda referencial dos financiamentos) originalmente contratado. 
 
Os sub-reajustes aplicados ao longo do tempo associados aos efeitos dos planos econômicos levaram a que boa parte dos mutuários tivesse seus encargos reduzidos para menos de ¼ da prestação, caso a mesma tivesse sido reajustada por índices de correção idênticos aos aplicados nos saldos devedores. 
 
Com a entrada em vigor do Plano Real e a adoção de uma política monetária contracionista para incentivar a poupança e inibir o consumo, associada à livre negociação salarial, surge um novo problema representado pelo saldo residual dos financiamentos ao final do prazo contratual  
 
Com efeito, a livre negociação salarial foi implementada num período de retração econômica. Desta forma, a grande maioria das categorias profissionais não obteve aumento de salário, tendo as reivindicações dos trabalhadores priorizado a manutenção do emprego. Várias categorias, como é o caso de funcionários públicos, ficaram um longo tempo sem receber quaisquer aumentos.  
 
Outro aspecto observado com a implantação do Plano Real, como conseqüência das elevadas taxas de juros praticadas, foi a estagnação e, em alguns casos, a própria desvalorização do preço dos imóveis residenciais e comerciais.  
 
O resultado disso foi o descolamento do saldo devedor do valor dos imóveis, tanto pela baixa amortização do saldo, devido ao congelamento das prestações que seguem os mesmos parâmetros dos salários, como pela queda do valor de mercado dos imóveis. Em 1993, o número de mutuários com mais de três prestações atrasadas situava-se em 5,8% e em dezembro de 2003 já alcançava 30%.  
 
Apesar de toda essa problemática, nas quatro décadas de vigência do SFH foi possível viabilizar o acesso à moradia para mais de 7,3 milhões de famílias, beneficiando cerca de 25 milhões de pessoas. Os melhores resultados foram obtidos no início dos anos 80 quando a média anual de financiamentos superou 545 mil unidades, nos anos de 1981, 1982 e 1983.  
 
NÚMERO DE UNIDADES FINANCIADAS PELO SFH
 
Gráfico
 
A partir de 1984, com a aceleração da inflação e devido aos subsídios concedidos indiscriminadamente aos mutuários, de forma  direta ou como reflexo dos vários Planos Econômicos que o país experimentou, sem que fossem explicitadas no Orçamento as fontes de recursos para fazer frente aos mesmos, o modelo criado pela Lei nº 4.380/64 começou a se deteriorar, na medida em que esses fatores reduziram uma das principais fontes de sua alimentação - o retorno das operações anteriores. Com isso, a média anual de unidades financiadas nos últimos 10 anos caiu para menos de 150 mil. 
 
Porém, apesar da redução dos financiamentos, o estoque de unidades habitacionais do país apresentou crescimento expressivo de 29% nos últimos anos, passando de 34,7 milhões de moradias em 1991 para 44,9 milhões em 2000. Merece ser destacado que, no mesmo período a população cresceu cerca de 15%, passando de 147 milhões em 1991 para 170 milhões em 2000.          
 
O crescimento do parque de habitações, mesmo com a escassez de recursos demonstra o empenho da população para viabilizar sua moradia, buscando alternativas para concretizar o sonho da casa própria.    
 
Apesar desse esforço estima-se a existência de um déficit de 6,6 milhões de unidades habitacionais, contra as 5,4 milhões estimadas para 1995. Portanto, em 5 anos o déficit habitacional brasileiro teve um crescimento de quase 1,2 milhão, resultando numa média aproximada de 250 mil unidades ao ano. 
 
A moradia é um dos direitos do cidadão consignados na Constituição, mas a maior parte da população não tem condições de alocar parte de sua renda para o pagamento do encargo mensal requerido num financiamento.         
 
O montante do déficit habitacional brasileiro indica que o problema é sério, requerendo das autoridades nas várias esferas de governo empenho no sentido de encontrar soluções para atender a essa aspiração que, além do bem estar que proporciona, também, faz com que as pessoas se considerem mais cidadãs.  
 
Neste sentido, é fundamental que se busquem alternativas para viabilizar a ampliação do crédito habitacional e se estimulem os agentes econômicos a participarem do processo.  
 
III- O SISTEMA DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO  
 
Em novembro de 1997, por intermédio da Lei 9.514, foi criado o Sistema de Financiamento Imobiliário – SFI, um sistema moderno, inspirado em modelos praticados por países já desenvolvidos, com eficiência comprovada. 
 
Embora o SFH tenha financiado, desde sua criação, mais de 7 milhões de unidades residenciais, ficou patente o esgotamento do referido Sistema. Assim, dada a necessidade de construção de residências para atender o crescente déficit habitacional, foi observado que o SFH sozinho não seria mais capaz de financiar toda a demanda, tendo em vista que a caderneta de poupança, principal fonte de recursos, não estava tendo incremento positivo. 
 
Diante disto, após a análise da experiência de vários países, onde é mostrado que o crescimento habitacional está intimamente ligado à existência de garantias efetivas de retorno dos recursos aplicados, com liberdade das operações e um mercado de crédito imobiliário dinâmico, capaz de canalizar recursos de longo prazo, é que o SFI foi concebido. 
 
O SFI está alicerçado em princípios que levam à modernidade, a saber: implementação da economia de mercado; desregulamentação; desestatização de atividades e desoneração dos cofres públicos. É um sistema voltado para o mercado, que independe de intervenção do Estado. 
 
Importante destacar que o SFI trouxe para o mercado brasileiro importantes inovações, como a criação das companhias securitizadoras de créditos imobiliários, que estão permitindo a instalação e a consolidação de um mercado secundário de hipotecas no Brasil e, ainda, a introdução, em lei, da securitização de créditos no nosso país. 
 
Além disto, a Lei do SFI introduziu no direito brasileiro uma nova forma de garantia real. Trata-se da alienação fiduciária em garantia, muito utilizada na aquisição, com financiamento, de automóveis e eletrodomésticos. Esta forma de garantia foi instituída com vista a dar maior segurança jurídica nas relações contratuais, tendo em vista que a hipoteca, principal garantia utilizada no crédito imobiliário, vem tendo, em alguns aspectos, um grau baixo de segurança. 
 
Desde a criação do SFI foram securitizados créditos em cifras equivalentes a R$ 1 bilhão. Com a redução das taxas reais de juros, os negócios que envolvem securitização tenderão a ter um crescimento bastante elevado, fazendo com que o déficit habitacional seja reduzido. Espera-se para os próximos 5 anos um crescimento do parque habitacional da ordem de 30 milhões de metros quadrados, o que equivale a construção de 470 mil novas residências. 
 
O SFI orienta-se pelas diretrizes de desregulamentação da economia e modernização dos instrumentos e mecanismos de financiamento à atividade produtiva. Seu objetivo fundamental é estabelecer condições mínimas necessárias ao desenvolvimento de um mercado de financiamento imobiliário, para o que se criaram novos instrumentos e mecanismos que possibilitam a livre operação de crédito para o setor e a mobilização dos capitais necessários à sua dinamização. 
 
A grande novidade trazida pela lei do SFI é a alienação fiduciária de bem imóvel. O Brasil já tem, desde 1964, o instituto da alienação fiduciária, que somente era permitido para bens móveis.  
 
Pelo contrato de alienação fiduciária, constitui-se em favor do credor uma propriedade resolúvel sobre o imóvel objeto do financiamento, sendo prevista sua obrigação de transferir a plena propriedade do imóvel ao devedor, uma vez que tenha resgatado a totalidade da dívida. Enquanto a dívida estiver em aberto, o devedor estará investido apenas na posse do imóvel. Ao quitar integralmente a dívida, a propriedade plena lhe será transferida, bastando para tanto simples pedido de cancelamento do registro da fidúcia. 
 
Esta modalidade de contrato concilia a segurança e celeridade necessárias, superando as formas tradicionais de garantia, que tornam os negócios imobiliários demasiadamente lentos e onerosos, tolhendo o potencial de expansão do setor. 
 
Com a alienação fiduciária espera-se que a cobrança de um crédito imobiliário leva em torno de 1 ano, enquanto que na hipoteca este prazo é elevado para mais de 5 anos, dada a burocracia e ao número elevado de processos judiciais que emperram o Judiciário brasileiro. 
 
III- A EXECUÇÃO HIPOTECÁRIA NO BRASIL  
 
A hipoteca é a garantia que mais foi utilizada nos financiamentos imobiliários no Brasil. 
 
Desde a criação do Sistema Financeiro da Habitação, em agosto de 1964, foram financiadas mais de 7 milhões de imóveis, sendo todas as operações garantidas por hipoteca, primeira, única e especial. 
 
O SFH foi concebido dentro do princípio de que os recursos, embora subsidiados, deveriam retornar à fonte doadora de recursos. De fato, no SFH duas são as fontes de recursos para o financiamento da moradia: o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, depósito de forma compulsória pelos empregadores e as cadernetas de poupança, mecanismo de captação voluntária de recursos do público. Ambas as fontes tem como destino principal a aplicação dos recursos captados em financiamentos imobiliários. 
 
Assim, para poder dotar o SFH de um mecanismo eficaz na recuperação dos recursos investidos, foram criados dois procedimentos de execução de hipotecas nesse Sistema, além do sistema tradicional de execução, previsto no Código de Processo Civil brasileiro, que a princípio seria mais lento: a execução extrajudicial, do Decreto-Lei 70, de 1966, e a execução judicial por rito especial, da Lei 5.741, de 1971. 
 
III.1   EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL
 
A Execução extrajudicial preconizada pelo Decreto-Lei 70, de 21 de novembro de 1966, é aquela em que, não havendo o pagamento das hipotecas nos respectivos vencimentos, poderão ser executadas, à escolha do Credor, pela forma definida nesse Decreto-Lei, fora do âmbito do Judiciário.  
 
A execução é realizada por um agente fiduciário, que é uma instituição financeira autorizada a operar pelo Banco Central do Brasil, instituição essa que é neutra e não mantém nenhum vinculo com o credor hipotecário ou o devedor. Com o inadimplemento do devedor, o mesmo será notificado pelo agente fiduciário para purgar a mora e, não o fazendo, o imóvel irá a leilão público nos 15 dias subseqüentes, pelo valor da dívida e acrescidos.  Havendo licitante, se o valor proposto para arrematação for superior ao valor da dívida, a diferença é entregue ao devedor. Não havendo licitante, o imóvel é adjudicado ao credor hipotecário pelo valor da dívida, cabendo ao credor, se o imóvel continuar ocupado pelo devedor, ingressar em juízo buscando a imissão na posse do imóvel cuja hipoteca foi executado. 
 
Este procedimento leva, em média, de 6 a 10 meses para se concretizar. Contudo, por várias décadas, a constitucionalidade da execução extrajudicial foi discutida em juízo. A questão que mais se debateu foi a afronta à norma constitucional de que ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal. Os devedores que discutiam a constitucionalidade do Decreto-lei 70/66 alegavam em suas ações que o processo extrajudicial não encontrava amparo na carta magna brasileira, pelo fato de não existir um processo judicial e sim um processo extrajudicial. 
 
Em 1998, Supremo Tribunal Federal, a mais alta corte de Justiça no Brasil, decidiu que o Decreto-Lei 70/66 era constitucional e que foi recepcionado pela carta de 1988. Na referida decisão, foi “declarada a compatibilidade do aludido diploma legal com a carta da república, posto que além de prever uma fase de controle judicial, conquanto a posteriori, da venda do imóvel objeto da garantia pelo agente fiduciário, não impede que eventual ilegalidade perpetrada no curso do procedimento seja reprimida, de logo, pelos meios processuais adequados”. 
 
Tendo em vista que no Brasil as decisões do Supremo Tribunal Federal não vinculam as instâncias inferiores, vários juízes ainda continuam a prolatar decisões considerando a execução extrajudicial inconstitucional. Os credores precisam recorrer dessas decisões, e após longos anos de debates, quando o recurso ingressar no STF, a decisão será revertida para reformar a decisão de primeira instância e admitir a execução da hipoteca por esse procedimento. Porém, da decisão monocrática até a decisão da Corte Suprema irão passar quase uma década. 
 
Para melhor ilustrar essa situação, citamos decisão recente do Tribunal Regional Federal de São Paulo (16/02/2004), que suspendeu liminar que inadmitia a utilização da execução extrajudicial. A ação foi proposta pelo Instituto de defesa do Consumidor – IDEC, para beneficiar todos os mutuários do Brasil. Entre a decisão que proibia a utilização desse meio de cobrança e a decisão de instância imediatamente superior, passaram mais de 3 anos. Enquanto isto, milhares de devedores deixaram de pagar suas prestações, permanecendo nos imóveis morando de “graça”.
 
Tabela
 
III.2  EXECUÇÃO ESPECIAL
 
Em 1º de dezembro de 1971, o Governo brasileiro promulgou a Lei 5.741, chamada de “Lei Buzaid”, tendo em vista que o Ministro da Justiça naquela época era o Sr. Alfredo Buzaid. 
 
Esta lei, ainda em vigor, é específica para cobrança de crédito hipotecário vinculado ao SFH. É uma lei especial e tem um rito mais célere do que a execução pelo Código de Processo Civil. 
 
Por este tipo de execução, o devedor que contar com mais de 3 prestações em atraso, será executado judicialmente, a requerimento do credor, sendo penhorado o imóvel objeto da hipoteca, devendo o devedor desocupar o imóvel para que a execução prossiga. Caso outra pessoa que não o devedor esteja na posse do imóvel, o juiz ordenará a desocupação, entregando a posse nas mãos do credor. 
 
Nas execuções comuns no direito brasileiro, há sempre a obrigação,  de antes de se levar um bem a leilão, que se faça uma avaliação para esse fim. Na execução na forma da lei 5.741 a avaliação é dispensada. 
 
Não havendo pagamento do atrasado, o bem será vendido em hasta pública, em um único leilão, por valor superior ao valor da dívida, das custas e honorários advocatícios. Não havendo licitante, o bem será adjudicado ao credor. 
 
Como se vê, este procedimento conduz a uma rápida recomposição do crédito, de um lado, permitindo que o devedor possa regularizar suas pendências e de outro lado, não ocorrendo o pagamento do atraso, a rápida venda do bem em leilão público, permitindo que o imóvel possa retornar ao mercado, cumprindo sua função social, inclusive com novo financiamento, se for o caso. Aliás, na hipótese de o bem não atingir valor suficiente para quitar as obrigações do devedor, assim mesmo, a ele será dado quitação não podendo dele ser exigido nenhuma outra compensação. 
 
Contudo, o nosso Judiciário ao longo dos anos “modificou” algumas disposições desse tipo de execução. 
 
Em primeiro lugar, apesar da dispensa de avaliação, os Tribunais passaram a exigir do credor que, antes do leilão, faça uma avaliação por perito judicial. Além de atrasar o andamento do procedimento, cria despesas que oneram ainda mais o custo da execução. Em segundo lugar, os credores não conseguiram que os juízes determinassem a desocupação do imóvel para que se procedesse a execução. Os devedores permanecem nos imóveis e após a adjudicação do bem ao credor, este terá que ingressar com uma específica ação possessória para que aquele devedor desocupe o imóvel. Esta atitude, por vezes, dificulta a venda do bem em leilão, pois o adquirente terá que ingressar com a ação de tomada do bem, cujos custos importam em tornar o valor do imóvel bem acima do valor de mercado, causando prejuízos para os credores, pois para vender o imóvel terá que reduzir o valor e a diferença será suportada pelo credor. 
 
Em relação ao leilão, que a lei estabelece como sendo único, também a jurisprudência alterou a norma legal, determinando a realização de pelo menos dois leilões, o que acarreta, mais uma vez, em aumento de custos que prejudicam a recuperação de valores investidos.  
 
Contudo, importa registrar que as execuções hipotecárias, em muitos casos, são suspensas com o ingresso de ações contra os agentes financeiros, com o fim meramente protelatório, já que apenas 25% dos mutuários saem vencedores da demanda e, mesmo assim, somente para reduzir o valor da prestação, sem modificar o saldo devedor, o que provoca uma situação sui-generis, isto é, o mutuário ganha mas não leva, tendo em vista que a dívida crescerá pelo fato de a prestação ter sido reduzida. 
 
RESULTADO DO JULGAMENTO DE AÇÕES CONTRA
 
Gráfico
 
III.3 HIPOTECAS – SITUAÇÃO GERAL DAS EXECUÇÕES – IMÓVEIS EM CONSTRUÇÃO  
 
No Sistema Financeiro da Habitação existe uma modalidade de financiamento que consiste na entrega de recursos ao proprietário de um terreno, onde será erigido um prédio, na maioria das vezes, residencial. Por este tipo de financiamento é possível a construção de inúmeros prédios de apartamentos, que são vendidos ainda na fase de construção, assumindo o comprador do apartamento, parte da dívida que o empresário assumiu junto ao credor. 
 
Como garantia dessas operações o proprietário dá em hipoteca o terreno e todas as benfeitorias que a ele acedem ou acederão. 
 
É procedimento comum no mercado imobiliário brasileiro que o construtor/proprietário comece a compromissar a venda os apartamentos ainda em construção, transmitindo a propriedade somente após o término da construção e obtenção de certidão da municipalidade quanto à permissão de habitar o referido imóvel. 
 
Para agilizar a construção do prédio de apartamentos, os incorporadores solicitam empréstimo a uma instituição financeira e esta recebe em garantia a hipoteca do imóvel. O pagamento da hipoteca será feito com os recebíveis decorrentes da venda dos imóveis em construção. 
 
Na última década, várias construtoras no Brasil passaram por momentos de grande dificuldade, deixando de cumprir seus compromissos, não pagando as hipotecas regularmente instituídas e não concluindo as respectivas obras. Exemplo disto foi o caso de uma grande construtora brasileira que no fim dos anos 90 deixou cerca de 42.000 famílias sem os seus apartamentos. E, ainda, deixou de pagar as hipotecas. 
 
Os credores, com o inadimplemento das obrigações assumidas pelo construtor (construção da obra e pagamento da hipoteca), viram-se obrigados a executar a hipoteca regularmente instituída.  
 
Ressalte-se que a legislação brasileira destaca que nas dívidas garantidas por penhor, anticrese ou hipoteca, o bem dado em garantia fica sujeito, por vínculo real, ao cumprimento da obrigação.   
 
Verifica-se, assim, que a hipoteca, direito real de garantia, presta-se a destacar certos bens do patrimônio do devedor (garantia geral dos credores), permitindo que o credor hipotecário tenha preferência na excussão da coisa dada em garantia, por ocasião de execução.   
 
Por se tratar de um direito real, a hipoteca segue a coisa “por vínculo real”. Por conseguinte, o imóvel poderá ser levado à excussão, ainda que não integre mais o patrimônio do devedor, conseqüência do atributo da seqüela que marca os direitos reais. 
 
Contudo, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, tribunal ao qual cabe unificar o entendimento e a interpretação da legislação federal, tem relativizado e criado exceções não legais ao direito de seqüela e preferência relativo à garantia hipotecária, nas hipóteses em que a construtora hipotecou o imóvel a um determinado credor, recebeu dos compradores importâncias referente a aquisição dos apartamentos e não transferiu esses recursos ao credor.  
 
Basicamente o Superior Tribunal de Justiça, nesses casos, tem negado a oponibilidade erga omnes dos direitos reais de garantia, no caso de hipoteca, permitindo que direitos pessoais, estabelecidos em relações contratuais, da qual não participa o credor hipotecário, sejam opostas a este para excluir a garantia. Os fundamentos de tal entendimento está fulcrado na boa-fé do adquirente, ainda que ciente da hipoteca, bem como na ausência de diligencia por parte do credor hipotecário na satisfação de seu crédito, o que segundo o tribunal conduz ao exercício abusivo de seus direitos. A jurisprudência do tribunal é inspirada, também, na legislação protetiva do Código de Defesa do Consumitor.  
 
De fato, as instituições financeiras credores de construtores passaram a ter a eficácia da hipoteca contestada pelos Tribunais, em face da proteção que o comprador deve ter do Judiciário, por ser a parte mais frágil da relação contratual. Não pode ele comprador perder tudo que pagou e, assim, a hipoteca em relação àquela unidade, não produz efeitos. Na prática o credor perde a garantia hipotecária. 
 
Contudo, o legislador brasileiro, para resolver estes casos, introduziu no direito pátrio, uma nova forma de proteção para o comprador de imóvel em construção e, em última análise, para o credor hipotecário. Trata-se do patrimônio de afetação nas incorporações imobiliárias, onde os bens e direitos vinculados à incorporação, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes. 
 
A  partir da utilização desse novo instituto, acredita-se que as posições dos nossos Tribunais serão reformulados, para admitir a execução hipotecária em todos os seus termos. 


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