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Cobrança de ISS dos serviços públicos notariais e de registro é inconstitucional
 
O Informativo Eletrônico Anoreg-BR 159/2004 divulgou o parecer da Procuradoria-geral da República, referente ADin 3089, sobre a cobrança de ISS para notários e registradores. Confira a seguir. 
 
Parecer da Procuradoria Geral da República - ADIN 3089 
 
ISS 
 
Parecer no 1.810/CF 
 
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE No 3.089-2/600 - DF 
 
RELATOR: EXMO. SR. CARLOS BRITTO 
 
REQUERENTE: ASSOCIAÇÃO DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DO BRASIL - ANOREG 
 
REQUERIDOS: PRESIDENTE DA REPÚBLICA CONGRESSO NACIONAL 
 
ISS. Serviços notariais e de registro. Inconstitucionalidade dos itens 21 e 21.1 da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar no 116, de 31 de julho de 2003. Violação aos artigos 145, II e §2o, 150, VI e art. 236, caput, da CRF/88. 
 
Parecer pela procedência da ação. 
 
EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO RELATOR, 
 
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, proposta pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil - ANOREG, com pedido de medida cautelar, em face dos itens 21 e 21.1 da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar no 116, de 31 de julho de 2003. 
 
1. A Lei Complementar no 116/2003 dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS, e, nos itens 21 e 21.1 da Lista de Serviços anexa, inclui, dentre os serviços a sofrerem a incidência do referido imposto, os serviços de registros públicos, cartorários e notariais. 
 
2. Eis o teor dos dispositivos normativos vergastados: 
 
“21. Serviços de registros públicos, cartorários e notariais. 
 
21.1. Serviços de registros públicos, cartorários e notariais.” 
 
3. Alega a requerente, em síntese, que a cobrança do ISS sobre os serviços notariais e de registro viola os artigos 145, inciso II, 150, inciso VI, alínea “a”, §§ 2o e 3o, e o art. 236, caput, da Constituição da República. Segundo afirma em suas teses, as atividades notariais e registrais são serviços públicos específicos e divisíveis, cuja realização o Estado delega aos particulares (art. 236, caput) e, portanto, os emolumentos cobrados pela prestação desses serviços possuem a natureza de taxa (art. 145, II), conforme já decidiu esse Supremo Tribunal Federal em diversas ocasiões. Dessa forma, não pode o Município ou o Distrito Federal instituir e cobrar o ISS sobre um serviço público concernente a um Estado-Membro (art. 150, VI, alínea “a”, §§ 2o e 3o). Em reforço de suas teses, a requerente junta parecer da lavra dos ilustres professores Osiris Lopes Filho (fls. 65-91) e Roque Antonio Carraza (fls. 92-125). 
 
4. O Congresso Nacional, representado pela Advocacia-Geral do Senado, presta informações às fls. 135-148, aduzindo, em caráter preliminar, a ausência dos pressupostos para a concessão de medida liminar. Ademais, argumenta, em defesa do ato normativo impugnado, que a delegação de serviços notariais e registrais em nada difere da concessão e permissão de serviços públicos, uma vez que são atividades públicas exercidas em caráter privado e, portanto, torna-se questão de política de justiça tributária dar igual tratamento tributário tanto a empresas delegatárias como a empresas permissionárias e concessionárias de serviços públicos. Alega, ainda, que não se pode falar em violação ao princípio constitucional da imunidade recíproca, visto que os emolumentos, embora considerados taxas, não são recolhidos pelos entes públicos, nem repassados aos cofres dos Estados. Em suas próprias palavras, “a aplicação da imunidade recíproca somente tem lugar quando o próprio ente político presta o serviço. Ora, se este é prestado através de particulares permissionários, concessionários, autorizados e delegatários, em caráter privado, não há que se falar em imunidade, posto que nem mesmo as empresas públicas, sociedades de economia mista as têm no desempenho de suas atividades”. 
 
5. O Presidente da República, representado pela Advocacia-Geral da União, presta informações às fls. 152-153, reconhecendo a inconstitucionalidade da norma impugnada, tendo em vista que o “serviço de registro público e notarial é considerado serviço público, como tem diversas vezes assentado o Supremo Tribunal Federal (...) e, nessa linha, a instituição do imposto sobre serviços de qualquer natureza incidente sobre o serviço de registros públicos cartorários e notarias parece incorrer na vedação do art. 150, VI, ‘a’, da Constituição Federal”. 
 
6. Às fls. 155, o Advogado-Geral da União ratifica as informações prestadas pelo Presidente da República. 
 
7. Prestadas as devidas informações e ouvida a douta Advocacia-Geral da União, vieram os autos a esta Procuradoria-Geral da República. 
 
8. A controvérsia constitucional a respeito da cobrança do Imposto Sobre Serviços – ISS dos serviços de registros públicos, cartorários e notariais, conforme dispõe a Lei Complementar no 116/03, nos itens 21 e 21.1 da Lista de Serviços Anexa, encontra solução na correta interpretação da natureza jurídica dos serviços notariais e de registro, assim como da natureza jurídica dos emolumentos cobrados pela prestação desses serviços. 
 
9. Esse Excelso Pretório já possui jurisprudência assentada no sentido de que os serviços de registros públicos e notariais são serviços públicos, e sujeitam-se a estrito regime de direito público. Assim ficou consignado no voto do Ministro CELSO DE MELLO, relator, na ADIN no 1.378-5/ES, DJ 30.05.97: 
 
“Não se pode perder de perspectiva que a atividade notarial e registral, ainda que executada no âmbito de serventias extrajudiciais não oficializadas, constitui, em decorrência de sua própria natureza, função revestida de estatalidade, sujeitando-se, por isso mesmo, a um estrito regime de direito público. 
 
A possibilidade jurídico-constitucional de a execução dos serviços notariais e de registro ser efetivada ‘em caráter privado, por delegação do poder público’ (CF, art. 236), não descaracteriza a natureza essencialmente estatal dessas atividades de índole administrativa, cabendo ter presente, neste ponto, o preciso magistério de HAMILTON DIAS DE SOUZA E MARCO AURÉLIO GRECO (‘A Natureza Jurídica das Custas Judiciais’, p. 102, 1982, OAB/SP – Resenha Tributária), no qual se acentua, verbis: 
 
‘Vale refletir que não infirma essa conclusão a existência de cartórios não oficializados, pois esses desempenham função pública, sendo públicos os serviços por eles prestados. De resto, a circunstância de estes serviços serem prestados por pessoas outras que não o Estado não desnatura como públicos, sendo a relação jurídica que se estabelece entre aqueles e os usuários de direito público, como bem o demonstrou Renato Alessi. 
 
Verifica-se, destarte, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal prestigia a doutrina nacional e estrangeira citada, concluindo que a remuneração percebida em razão do desempenho de serviço eminentemente público é taxa e não preço público. 
 
Impõe-se enfatizar que as serventias extrajudiciais, instituídas pelo Poder Público para o desempenho de funções técnico-administrativas destinadas a ‘garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos’ (Lei no 8.935/94, art. 1o), constituem órgãos públicos titularizados por agentes que se qualificam, na perspectiva das relações que mantêm com o Estado, como típicos servidores públicos.” 
 
10. Destarte, esse entendimento, quando confrontado com a doutrina especializada na matéria atinente a serviços públicos, parece ser o mais adequado, do ponto de vista técnico-científico. 
 
11. Como é sabido, os serviços públicos podem ser prestados de forma direta, isto é, pelo próprio Estado, quando este se utiliza de seus próprios bens e agentes, ou de forma indireta, ou seja, quando confere, por meio de delegação, concessão ou permissão, a prestação dos serviços a outras pessoas, de natureza pública ou privada. 
 
12. Para que os serviços públicos possam ser prestados, o poder público (União, Estados e Municípios): a) cria, mediante lei, pessoas jurídicas de direito público ou privado, como autarquias, fundações governamentais, sociedades de economia mista e empresas públicas, a elas atribuindo a titularidade e a execução de determinado serviço público; b) ou outorga a particulares, por meio de contrato (concessão de serviço público) ou ato unilateral (permissão de serviço público), somente a execução, e não a titularidade, de determinado serviço público. 
 
13. O art. 236, caput, da Constituição da República, dispõe que “os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do poder público”. Nesse caso, como se pode perceber, trata-se de delegação de serviço público, que, no caso específico dos serviços notariais, assume caráter peculiar em relação ao conceito geral de delegação de serviços públicos, que abrange as concessões e permissões. A delegação de serviços notariais constitui figura autônoma, decorrente do próprio art. 236, caput, da Constituição, e do regime específico criado pela Lei no 8.935/94, ainda que se insira nas características essenciais do conceito geral de delegação. 
 
14. A delegação de serviços notariais e de registro muito se aproxima da permissão, com a diferença de que não é precária, pois sua outorga é de caráter permanente, podendo apenas ser extinta em vista das hipóteses relacionadas no art. 39 da Lei 8.935/94. Ademais, a outorga do serviço deve ser precedida de concurso público de provas e títulos, consoante o disposto no § 3o do art. 236 da CRF/88, e a permissão, assim como a concessão, é precedida de licitação. 
 
15. Portanto, no caso específico da delegação de serviços notariais, o poder público somente transfere aos particulares a execução do serviço público, permanecendo com o próprio Estado a sua titularidade. Com efeito, o delegatário de serviços notarias e registrais realiza esses serviços sob permanente fiscalização do poder público delegante, que, no caso, é realizada pelo Poder Judiciário. 
 
16. Dessa forma, não resta dúvida de que os serviços de registros públicos, cartorários e notarias são serviços públicos, exercidos em caráter privado por delegação do poder público, conforme a norma constitucional insculpida no art. 236, caput, da Constituição da República. A titularidade desses serviços pertence ao poder público, que apenas delega sua execução a particulares. As atividades notariais e de registro, apesar de exercidas em caráter privado, consoante a dicção do preceito constitucional do art. 236, caput, da CRF/88, submetem-se a estrito regime de direito público. 
 
17. Enfim, os serviços notariais e de registro podem ser perfeitamente enquadrados nos três critérios construídos doutrinariamente para a definição de serviço público: a) critério subjetivo: serviço prestado por particular por delegação do Estado, o qual permanece com a sua titularidade; b) critério material: serviço que visa atender ao interesse público, qual seja, o estabelecimento da publicidade, certeza e segurança dos atos jurídicos praticados no âmbito da sociedade; c) critério formal: serviço público realizado sob regime de direito público. 
 
18. Assim, se os serviços notariais e registrais caracterizam-se como serviços públicos, delegados pelo Estado-Membro, não poderão os Municípios cobrar imposto sobre esses serviços, sob pena de ser violado o princípio constitucional da imunidade recíproca (art. 150, VI, “a”). 
 
19. Deveras, a proibição constitucional de que as pessoas jurídicas de direito público interno exijam impostos sobre o patrimônio, renda e serviços umas das outras já está assentado no constitucionalismo brasileiro, tendo recebido guarida por primeira vez na Constituição de 1891 (art. 10), por influência da jurisprudência norte-americana delineada no famoso leading case McCulloch vs. Maryland. Desde então, essa limitação constitucional ao poder de tributar vem sendo adotada nas Constituições brasileiras (art. 17, X, CRF/34; art. 15, § 3o e 19, § 4o, art. 31, V, “a”, CRF/46; art. 19, III, “a”, CRF/67/69) consolidando-se como autêntico princípio constitucional, que hoje está insculpido no art. 150, VI, “a”, da Constituição de 1988. 
 
20. Ademais, a imunidade recíproca não precisaria estar positivada na Carta de 1988 para valer como princípio constitucional, uma vez que ela decorre do princípio federativo, segundo o qual as unidades políticas são autônomas e convivem de forma harmônica e isonômica, sem que possa haver qualquer tipo de hierarquia de poderes ou tratamentos diferenciados entre as ordens jurídicas. Com efeito, os entes federados, em regime de igualdade, não podem tributar bens, rendas e serviços uns dos outros, até mesmo porque o poder de tributar traz implícito a supremacia de quem tributa em relação a quem é tributado . Nesse sentido, PAULO DE BARROS CARVALHO conceitua de forma exemplar a imunidade recíproca: 
 
“A imunidade recíproca, prevista no art. 150, VI, a, da Constituição é uma decorrência pronta e imediata do postulado da isonomia dos entes constitucionais, sustentado pela estrutura federativa do Estado brasileiro e pela autonomia dos Municípios. Na verdade, encerraria imensa contradição imaginar o princípio da paridade jurídica daquelas entidades e, simultaneamente, conceder pudessem elas exercitar suas competências impositivas sobre o patrimônio, a renda e os serviços, umas com relação às outras. Entendemos, na linha do pensamento de Francisco Campos, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello e Geraldo Ataliba, que, se não houvesse disposição expressa nesse sentido, estaríamos forçados a admitir o princípio da imunidade recíproca, como corolário indispensável da conjugação do esquema federativo de Estado, com a diretriz da autonomia municipal. Continuaria a imunidade, ainda que implícita, com o mesmo vigor que a formulação expressa lhe outorgou”. 
 
21. Assim, o princípio constitucional da imunidade recíproca, decorrente dos princípios da federação e da isonomia entre os entes federados, proíbe a tributação entre as diversas esferas de governo. Conforme as lições de JOÃO BARBALHO, nem o Estado-Membro pode reclamar imposto de outro, ou de Município deste, nem o Município pode fazer o mesmo em relação a outro ou ao Estado. Portanto, não se pode deixar de considerar que os Municípios estão proibidos de instituir e cobrar imposto incidente sobre os serviços notariais e de registro, que são serviços públicos delegados pelo Estado-Membro, conforme já delineado. Nesse caso, resta indubitável que a cobrança do ISS sobre os serviços notariais afronta o art. 150, VI, “a” da Constituição da República. 
 
22. O Imposto Sobre Serviços - ISS, somente poderá incidir sobre serviços prestados em regime estritamente privado, como os serviços advocatícios, médicos, bancários, jogos e diversões, locação etc. Como bem salientou MISABEL DERZI , a doutrina e a jurisprudência extraem da Constituição as seguintes características da hipótese de incidência do Imposto Sobre Serviços – ISS: 
 
“1. A prestação de serviços configura uma utilidade (material ou imaterial), como execução de obrigação de fazer e não de dar coisa; 
 
2. deve ser prestada a terceiro, excluindo-se os serviços que a pessoa executa em seu próprio benefício, como o transporte de mercadoria de um estabelecimento a outro da mesma pessoa; 
 
3. executado sem vínculo de subordinação jurídica, mas em caráter independente, razão pela qual excluem-se os serviços prestados pelos empregados a seus empregadores e pelos servidores públicos; 
 
4. deve ser habitual, e não meramente eventual; 
 
5. assim como ser objeto de circulação econômica, executado com objetivo de lucro, excluindo-se os serviços gratuitos ou de cortesia, beneficentes ou a preços baixos, como alimentação servida a empregados gratuitamente ou a preço de custo; 
 
6. finalmente, o serviço deve ser prestado em regime de direito privado (por pessoa física ou jurídica, empresa pública ou sociedade de economia mista); se público, haverá imunidade, exceto para aquele serviço dado em concessão ou permissão a terceiros.” (ênfases acrescidas) 
 
23. Os serviços notariais, como serviços públicos específicos e divisíveis, são cobrados mediante taxa. A jurisprudência desse Supremo Tribunal Federal já possui assentado o entendimento segundo o qual os emolumentos concernentes aos serviços notariais e registrais possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos e, portanto, sujeitam-se, por conseqüência, ao regime jurídico-constitucional pertinente a essa específica modalidade de tributo (ADIN 948/GO, Relator Ministro FRANCISCO REZEK, RTJ 172/778; ADIN 2.059/PR, Relator Ministro NELSON JOBIM, DJ 21.09.2001; ADIN 1709/MT, Relator Ministro MAURÍCIO CORRÊA, DJ 31/3/2000; ADIN 1.778-MC/MG, Relator Ministro NELSON JOBIM, DJ 31/3/2000). 
 
24. No julgamento da ADIN no 1.378-5/ES, acima citada, esse entendimento assim ficou consignado: 
 
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - CUSTAS JUDICIAIS E EMOLUMENTOS EXTRAJUDICIAIS - NATUREZA TRIBUTÁRIA (TAXA) - DESTINAÇÃO PARCIAL DOS RECURSOS ORIUNDOS DA ARRECADAÇÃO DESSES VALORES A INSTITUIÇÕES PRIVADAS - INADMISSIBILIDADE - VINCULAÇÃO DESSES MESMOS RECURSOS AO CUSTEIO DE ATIVIDADES DIVERSAS DAQUELAS CUJO EXERCÍCIO JUSTIFICOU A INSTITUIÇÃO DAS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS EM REFERÊNCIA - DESCARACTERIZAÇÃO DA FUNÇÃO CONSTITUCIONAL DA TAXA - RELEVÂNCIA JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. NATUREZA JURÍDICA DAS CUSTAS JUDICIAIS E DOS EMOLUMENTOS EXTRAJUDICIAIS. 
 
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que as custas judiciais e os emolumentos concernentes aos serviços notariais e registrais possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos, sujeitando-se, em conseqüência, quer no que concerne à sua instituição e majoração, quer no que se refere à sua exigibilidade, ao regime jurídico-constitucional pertinente a essa especial modalidade de tributo vinculado, notadamente aos princípios fundamentais que proclamam, dentre outras, as garantias essenciais (a) da reserva de competência impositiva, (b) da legalidade, (c) da isonomia e (d) da anterioridade. Precedentes. Doutrina. 
 
SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. - A atividade notarial e registral, ainda que executada no âmbito de serventias extrajudiciais não oficializadas, constitui, em decorrência de sua própria natureza, função revestida de estatalidade, sujeitando-se, por isso mesmo, a um regime estrito de direito público. A possibilidade constitucional de a execução dos serviços notariais e de registro ser efetivada "em caráter privado, por delegação do poder público" (CF, art. 236), não descaracteriza a natureza essencialmente estatal dessas atividades de índole administrativa. - As serventias extrajudiciais, instituídas pelo Poder Público para o desempenho de funções técnico-administrativas destinadas "a garantir a publicidade, a autenticidade, a segurança e a eficácia dos atos jurídicos" (Lei no 8.935/94, art. 1o), constituem órgãos públicos titularizados por agentes que se qualificam, na perspectiva das relações que mantêm com o Estado, como típicos servidores públicos. Doutrina e Jurisprudência. 
 
DESTINAÇÃO DE CUSTAS E EMOLUMENTOS A FINALIDADES INCOMPATÍVEIS COM A SUA NATUREZA TRIBUTÁRIA. - Qualificando-se as custas judiciais e os emolumentos extrajudiciais como taxas (RTJ 141/430), nada pode justificar seja o produto de sua arrecadação afetado ao custeio de serviços públicos diversos daqueles a cuja remuneração tais valores se destinam especificamente (pois, nessa hipótese, a função constitucional da taxa - que é tributo vinculado - restaria descaracterizada) ou, então, à satisfação das necessidades financeiras ou à realização dos objetivos sociais de entidades meramente privadas. É que, em tal situação, subverter-se-ia a própria finalidade institucional do tributo, sem se mencionar o fato de que esse privilegiado (e inaceitável) tratamento dispensado a simples instituições particulares (Associação de Magistrados e Caixa de Assistência dos Advogados) importaria em evidente transgressão estatal ao postulado constitucional da igualdade. Precedentes.” (ênfases acrescidas) 
 
25. O mesmo entendimento é defendido por autorizada doutrina do direito tributário brasileiro, como SACHA CALMON NAVARRO COELHO , ROQUE ANTONIO CARRAZA , ALIOMAR BALEEIRO e THEODORO NASCIMENTO. 
 
26. Nesse passo, já sob o manto da ordem constitucional de 1967/69, esse Excelso Pretório considerava a natureza jurídica de taxa dos emolumentos cobrados pela prestação dos serviços notariais. Esse entendimento ficou assentado na decisão proferida na RP n° 1295, de relatoria do Ministro MOREIRA ALVES: 
 
“CUSTAS DESTINADAS A ENTIDADES DE CLASSE. - NO JULGAMENTO DA REPRESENTAÇÃO No 1094, DE QUE FUI RELATOR, DECIDIU O PLENARIO DESTA CORTE QUE CUSTAS TEM A NATUREZA JURÍDICA DE TAXA, SENDO, PORTANTO, ESPÉCIE DE TRIBUTO. - SENDO TRIBUTO, NÃO PODEM AS CUSTAS - COMO SE DECIDIU NA REPRESENTAÇÃO No 1.139 - SER DESTINADAS A ENTIDADES COM PERSONALIDADE JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO. POR OUTRO LADO, EM FACE DA PROIBIÇÃO CONSTANTE DA PRIMEIRA PARTE DO PARÁGRAFO 2o DO ARTIGO 62 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ('RESSALVADOS OS IMPOSTOS NOS ITENS VIII E XI DO ARTIGO 21 E AS DISPOSIÇÕES DESTA CONSTITUIÇÃO E DE LEIS COMPLEMENTARES, É VEDADA A VINCULAÇÃO DO PRODUTO DA ARRECADACAO DE QUALQUER TRIBUTO A DETERMINADO ÓRGÃO, FUNDO OU DESPESA'), NÃO PODEM AS CUSTAS SER VINCULADAS A DETERMINADO ÓRGÃO OU FUNDO, AINDA QUE TENHAM ELES PERSONALIDADE JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO.” (RP no 1295, relator ministro MOREIRA ALVES, DJ 17/3/89, p. 3604) (ênfases acrescidas) 
 
27. Os emolumentos, por possuírem natureza jurídico-tributária de taxa, não se confundem com preços públicos e tarifas e, portanto, não recebem a incidência da norma do § 3o do art. 150 da CRF/88. Aliás, a exceção do § 3o do art. 150 somente incidirá sobre serviços relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, o que não é o caso dos serviços notarias e registrais, como já demonstrado. 
 
28. De acordo com clássica divisão dos tributos em vinculados e não vinculados, conforme os ensinamentos de GERALDO ATALIBA, as taxas são tributos vinculados a um serviço público ou ao exercício do poder de polícia. Por outro lado, os impostos, na dicção do art. 16 do CTN, são tributos cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte. Com essas considerações, afere-se prontamente que sobre os serviços públicos notariais e de registro somente poderá incidir a taxa de serviço, restando impossibilitada a cobrança de imposto, sob pena de violação frontal à norma constitucional do art. 145, § 2o, da CRF/88. Deveras, se as taxas não podem ter base de cálculo própria de impostos, a recíproca se faz verdadeira, não se podendo também instituir impostos vinculados a um serviço público específico e divisível, como é o caso do serviço de registros públicos, cartorários e notariais. 
 
29. Nesse sentido, a incidência do ISS sobre serviços já tributados por meio de taxa, ou seja, a estipulação para o ISS de hipótese de incidência idêntica à das taxas cobradas pela prestação dos serviços notariais, configura violação clara ao princípio da intangibilidade do fato gerador pré-tributado por meio de taxa. É dizer, a norma ora impugnada, ao permitir a utilização, como base para o cálculo do ISS, dos serviços notariais e registrais, já tributados mediante taxa de serviço, institui inegável bis in idem tributário, uma vez que tanto o ISS quanto os emolumentos terão a mesma hipótese de incidência. 
 
30. Portanto, conclui-se que os itens 21 e 21.1 da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar no 116, de 31 de julho de 2003 são inconstitucionais, por violação direta aos artigos 145, II e § 2o, 150, VI, “a” e 236, caput, da Constituição da República. 
 
31. Ante o exposto, o parecer é pela procedência do pedido, para declarar a inconstitucionalidade dos itens 21 e 21.1 da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar no 116, de 31 de julho de 2003. 
 
Brasília, 20 de fevereiro de 2004. 
 
CLAUDIO FONTELES 
 
PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
 


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