BE1024

Compartilhe:


 

ISS e os serviços de registros públicos e notariais - Marcelo Terra, Roberto Junqueira de S. Ribeiro e Jayr Viégas Gavaldão Jr.  *
 
I. Lei Complementar nº 116/03 
 
1. Com o advento da Lei Complementar nº 116, de 31.07.03, nova feição se deu ao regime do imposto sobre serviços de qualquer natureza – ISS, notadamente quanto ao rol de serviços tributáveis pelo imposto inserido na competência tributária dos municípios. 
 
2. Dentre os novos serviços, que por força da Lei Complementar estariam ao alcance do ISS mediante a edição das normas municipais competentes, encontram-se aqueles prestados pelos titulares dos serviços notariais e de registro, insertos na lei tributária sob a epígrafe “Serviços de registros públicos, cartorários e notariais”. 
 
3. Especialmente quanto aos referidos serviços, a Lei Complementar nº 116/03 mostra-se incompatível com a Constituição Federal, que reserva aos serviços prestados por delegação do Poder Público, como é o caso dos serviços notariais e de registro, um regime tributário diverso daquele afeto aos impostos, qual seja a disciplina dos chamados tributos vinculados, as taxas. 
 
II. ISS e Lei Complementar 
 
4. A competência tributária é exercida mediante a instituição, por meio de lei, dos tributos que a  Constituição Federal exaustivamente discriminou e atribuiu a cada ente da federação.
 
No exercício da prerrogativa de instituir e arrecadar tributos, portanto, os entes federados estão adstritos às disposições constitucionais que delimitam as respectivas competências tributárias.
 
5. O imposto sobre serviços de qualquer natureza, particularmente, por força de disposição constitucional expressa, depende não apenas de normas municipais que disciplinem sua instituição, mas também de norma de caráter geral, que definam quais são os serviços tributáveis, emitida pela União mediante Lei Complementar. 
 
6. Esse é o papel exercido pela Lei Complementar nº 116/03, cuja atribuição conferida pela Constituição Federal é a de relacionar os serviços que, passíveis de serem tributados pelo ISS, são exaustivamente descritos por norma veiculada pela União Federal. 
 
7. Apesar de exercer a função de discriminar os serviços tributáveis, não é dado à Lei Complementar descrever serviços que não sejam passíveis de tributação pelo ISS. O que compete à Lei Complementar é, justamente, no universo de serviços existentes que podem ser tributados pelo ISS, definir quais serão onerados pelo tributo municipal nos termos das legislações locais. 
 
8. Ao incluir no catálogo de serviços tributáveis pelo ISS os serviços notariais e de registro, a Lei Complementar nº 116/03 atenta contra a Constituição Federal, pois pretende possibilitar a incidência de imposto sobre a prestação de serviços que só podem ser onerados por taxa. 
 
III. Os serviços notariais e de registro e as taxas 
 
9. Nos termos do art. 236 da Constituição Federal, os serviços notariais e de registro são exercidos mediante delegação do Poder do Público, o que lhes confere a qualidade de serviço público, apesar de não serem prestados por órgão do Estado. ( 1) 
 
10. A índole desses serviços lhes transfere para um regime tributário específico, diverso daquele que orienta os impostos, à vista (i) da essencialidade que lhes é inerente e (ii) do fato de que cabe ao Estado disponibilizá-los, mesmo que sob a forma de delegação. 
 
11.  As taxas são os tributos que podem onerar os serviços públicos em geral, nesse gênero incluídos os serviços notariais e de registro, nos termos do art. 145, II, da Constituição Federal. 
 
12. Tais serviços, dessa forma, estão excluídos da competência tributária municipal relativa ao ISS, haja vista que a cobrança de taxa, conforme a disciplina constitucional vigente, exclui a sujeição do fato tributário a um imposto, qualquer que seja. 
 
13. A natureza pública dos serviços em apreço já foi certificada tanto pelo Superior Tribunal de Justiça quanto pelo Supremo Tribunal Federal, sendo certo que ambas as Cortes reconhecem o regime da taxa como sendo aplicável aos mesmos. Tal circunstância contribui para afastar dúvidas quanto à natureza dos “emolumentos” cobrados em contra-prestação dos serviços notariais e de registro. Estes são verdadeiras taxas, que remuneram serviços públicos específicos e divisíveis em benefício do contribuinte, destinatário dos serviços. 
 
14. Vale destacar, nesse sentido, a manifestação do Supremo Tribunal Federal que vem ao encontro do entendimento ora externado. Trata-se do julgamento, pelo plenário, de pedido de medida liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.378-5/ES, relatado pelo Ministro Celso de Mello, de onde se destaca o seguinte excerto: 
 
“A Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que as custas judiciais e os emolumentos concernentes aos serviços notariais e registrais possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos, sujeitando-se, em conseqüência, quer no que concerne à sua instituição e majoração, quer no que se refere à sua exigibilidade, ao regime jurídico-constitucional pertinente a essa especial modalidade de tributo vinculado, notadamente aos princípios fundamentais que proclamam, dentre outras, as garantias essenciais (a) da reserva de competência impositiva, (b) da legalidade, (c) da isonomia e (d) da anterioridade. Precedentes. Doutrina.” 
 
15. O Superior Tribunal de Justiça não se distancia de tal entendimento, o que é comprovado no julgamento do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 7.730/RS, relatado pelo Ministro José Delgado, em que restou expresso o seguinte: 
 
“A natureza pública dos serviços notariais e de registro não sofreu qualquer desconfiguração com a cf/1988 em razão de tais serviços estarem situados em tal patamar, isto é, como públicos, a eles são aplicados o entendimento de que cabe ao estado o poder indeclinável de regulamentá-los e controlá-los exigindo sempre sua atualização e eficiência, de par com o exato cumprimento das condições impostas para sua prestação ao público” 
 
16. As taxas são espécies tributárias destinadas, especificamente, a remunerar o serviço público que cabe ao Estado prestar. Daí serem classificadas como tributos vinculados, que dependem de uma prestação do Estado, mesmo que realizada mediante delegação, para que sejam exigidos. Bem diverso é o regime típico dos impostos, que têm por hipótese de incidência fatos que não guardam qualquer relação com a prestação de serviços públicos. 
 
17. A Lei Complementar nº 116/03, nesse particular, portanto, ostenta inconstitucionalidade que macula sua perfeita aplicação e observância pelas legislações locais. 
 
IV. Questionamento das leis municipais baseadas na Lei Complementar nº 116/03 
 
18. Nesse contexto, qualquer norma municipal que busque fundamento de validade na Lei Complementar nº 116/03 também afrontará a Constituição Federal, o que justificará seu afastamento utilizando-se a medida judicial competente. 
 
19. O instrumento processual apto a afastar a legislação municipal que pretenda exigir o ISS sobre os serviços notariais e de registro deve ser cuidadosamente estudado a fim de que a demanda não coloque em risco os autores lesados pela exigência. 


Últimos boletins



Ver todas as edições