BE1015

Compartilhe:


 

Função econômica do Registro de Imóveis - Debate com Fernando Méndez González
 
Como noticiamos no BE 870, o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, Irib, aproveitou o III Foro Internacional de Microcréditos, de 6 a 8 de outubro, em Brasília, para realizar, paralelamente e no mesmo Hotel Blue Tree Park, o workshop Função Econômica do Registro, com a presença de Fernando Méndez González, decano presidente do Colégio de Registradores da Espanha, que veio ao Brasil como  convidado do fórum para a mesa redonda Aprendendo a base para iniciar um programa de microcrédito. 
 
No BE 1008, divulgamos a palestra proferida no workshop promovido pelo IRIB para discutir a função econômica do registro. Fernando Méndez González expôs o funcionamento do sistema registral espanhol e a importância da segurança jurídica para o incremento das transações financeiras e imobiliárias e conseqüente desenvolvimento econômico. 
 
Agora trazemos o debate que se seguiu à palestra e que focou a regularização de títulos e propriedades como forma de inserção do cidadão na economia formal. Veja, a seguir, o debate do registrador espanhol com os colegas brasileiros. (Tradução: Francisco Tost) 
 
Debatedores 
 
Participaram do debate com Fernando Méndez González: Sérgio Jacomino, presidente do Irib; Helvécio Duia Castelo, vice-presidente do Irib/ES; João Pedro Lamana Paiva, vice-presidente do Irib/RS; João Baptista Galhardo, secretário-geral do Irib; Francisco Rezende, presidente da Associação dos Serventuários de Justiça de Minas Gerais, Serjus; José de Mello Junqueira, consultor jurídico do Irib; Marcelo Terra e Frederico Henrique Viegas de Lima, advogados especializados em Direito imobiliário; os registradores Léa Emília Braune Portugal (DF); Ruy V. P. Rebello Pinho (SP); Ari Pires (MG), e Luis Joça, jornalista da Anoreg-DF. 
 
Com o objetivo de informar o mercado a respeito da importância social e econômica do registro imobiliário o Irib convidou algumas entidades parceiras cujos representantes também participaram do debate: Arnaldo Prieto, Alessandro Camilo Pereira e Paulo Efraim Nogueira da Silva, da Associação Brasileira das Empresas de Crédito Imobiliário e Poupança, Abecip; Alexandre Assolini Mota, da Companhia Brasileira de Securitização, Cibrasec; Francisco Russo Jr., da Câmara Brasileira da Indústria da Construção, Cbic; Silvinho Ximenes, da Câmara do Mercado Imobiliário; Rosângela Ferreira, da Caixa Econômica Federal, CEF, e Evangelina Pinho, da Prefeitura do Município de São Paulo. 
 
Debate com Fernando Méndez González, Brasília, 6/10/2004: 
 
Presidente Sérgio Jacomino - Da clara exposição de Fernando Méndez, seria oportuno recolhermos alguns elementos que parecem indicativos de como um bom sistema registral pode e deve funcionar e prestar bons serviços à comunidade e impulsionar os negócios da sociedade. De outra parte, quais são as máculas que podem comprometer um bom sistema registral, tornando-o, na verdade, um grande freio ao desenvolvimento econômico, obstaculizando as iniciativas e interesses sociais. Ele apresentou problemas relacionados à profusão normativa, difusão caótica de normas e procedimentos. Afirmou que os custos relacionados com o registro têm que ser compatíveis e adequados à realidade econômica, têm que ser módicos, têm que favorecer a circulação da riqueza. Falou muito sobre a independência do registrador sem a qual vai faltar confiabilidade ao mercado; é necessário que o registrador seja independente e atue como um juiz, decidindo livremente sobre a admissibilidade ou não de acesso ao registro. 
 
Há uma realidade que se pode lamentar no Brasil: a superposição dos custos não relacionados diretamente ao registro, fato que ocorre em muitos estados do Brasil. São artifícios indiretos de recolhimento de impostos, expedientes arrecadatórios de duvidosa legalidade; há casos em que esses valores chegam a 60% de cada real depositado no cartório de registro de imóvel e esses recursos não estão sendo aplicados diretamente na atividade registral. 
 
Também debateu-se o modelo de seguro de títulos, assunto que vez por outra circula por aqui também. Temos notícias de pessoas que sustentam que esse sistema seria capaz de superar as dificuldades que eventualmente o registro imobiliário no Brasil experimenta. 
 
De qualquer forma, creio que poderíamos abrir a discussão com a experiência de cada um, diversificada e plural, ótima oportunidade para trocarmos idéias. 
 
Dr. Lamana Paiva – Pelo exposto brilhantemente nesta tarde, podemos colher muitos frutos e verificar que o Brasil é privilegiado também em matéria de sistema registral, em relação à América e ao mundo. Digo privilegiado porque, segundo nosso mestre, neste país, desde a época da hipoteca, que precedeu o sistema imobiliário registral, passamos a ter o sistema de registro, quando já se falava de um sistema privatizado de emolumentos para custear as despesas de registro das negociações. E a propósito de privatização, o Brasil entra nesse contexto com o Equador, o Chile e a Espanha. São pouquíssimos os países que têm esse dom, essa sorte de exercer uma atividade dessa natureza. Além disso, no Brasil, o sistema registral faz parte do nosso Código Civil, que, apesar de comum, é um sistema obrigatório, que assegura jurídica e inegavelmente seus clientes. 
 
A propósito de segurança jurídica, verificamos também que aqui no Brasil, talvez em virtude de sua extensão e de sua cultura, a informalidade está sendo substituída pela formalidade. Ela entra no contexto econômico para ganho de todos: ganha o Estado, ganha o corretor, ganha o notário e ganha o registrador. Entretanto, há muito que ser melhorado ainda. 
 
Digo isso porque, também no Brasil, volta e meia fala-se de estatização das atividades. A Constituição anterior havia estatizado os serviços por ocasião da vacância, mas felizmente, com a de 1988, conseguimos o que todos desejávamos, o serviço privatizado, serviço esse que dá autonomia ao registrador e com ela a liberdade e a confiabilidade necessárias ao sistema registral nacional. 
 
Mas temos um estado da nossa federação que não conseguiu sair da estatização. Sem dúvida nenhuma, o carro-chefe da economia brasileira é a construção civil, é ela que comanda a economia nacional; a cada quadra existe no mínimo uma obra. Essa preocupação também está na Câmara Brasileira da Construção Civil, no Secovi, no Sinduscom, em todas as entidades que pertencem à construção civil. Por isso a preocupação com a estatização. 
 
A construção civil, no Brasil, não quer a estatização; o que ela quer é um sistema confiável, rígido, rápido e eficiente e que não demore em praticar esses atos. Eu não saberia dizer qual é o número de hipotecas que temos no Brasil, mas creio que elas não chegam nem próximo ao caso da Espanha. É essa segurança que há na Espanha que necessitamos trazer para o Brasil. 
 
Precisamos também que haja modificações em nossas leis de modo que o sistema registral brasileiro seja mais integrado e conseqüentemente mais rápido; que qualquer cidadão possa acessar a matrícula do imóvel, negociar com ele e trazê-lo para o comércio, para a economia. 
 
Estimo importante, por certo, uma iniciativa tomada pela construção civil que foi a de conversar sobre modificações legais nessa área. Talvez o professor Fernando possa nos ajudar no tema da interligação dos registros a propósito do fornecimento de informações, uma vez que na Espanha trabalha-se com milhões de transações por mês. Não podemos fazer o mesmo com nossas informações porque nosso sistema é um pouco precário. Talvez não se trate da forma como ele é aplicado no Brasil, que é um dos bons sistemas que há no mundo, mas de modificá-lo para que cheguemos lá. 
 
Em face de todo o sistema registral do mundo, em que sentido podemos avançar para colaborar também com a economia? Infelizmente as irregularidades são muitas aqui. Para que os imóveis possam ficar livres delas, precisamos trazê-los para o mercado. 
 
Respeito aos contratos e aos registros 
 
Fernando Méndez González – Creio que o problema é muito importante. Esqueci-me de dizer uma coisa. A economia de mercado requer que haja um escrupuloso respeito às normas. E um contrato está sujeito a normas imperativas, a limites que não podem ser ultrapassados; ultrapassá-los com êxito significaria obter vantagens competitivas. O que gera um efeito terrível, nocivo para a economia. Ou por outra: numa economia de mercado, o organismo responsável pelo incentivo ao cumprimento de contratos deve ser o sistema registral. É ele que vai dizer ao banco se tem que suspender ou se pode fazer um empréstimo hipotecário ao indivíduo, embora ele e o devedor queiram. 
 
Quanto à informalidade, o assunto é gravíssimo. As cifras apresentadas por Hernando de Soto – e não sei se são corretas – mostram que aproximadamente dois terços dos ativos imobiliários da América Latina acham-se na informalidade. Mesmo que fosse um terço, seria igualmente grave. É uma barbaridade! O que significa isso? Afinal de contas, vivemos num contexto internacional caracterizado por uma intensa luta pela captação de capitais. Vou lhes contar uma anedota que ouvi na Rússia. 
 
Nos reunimos em Minsk com o ministro da Economia e três bancos, onde há quatro anos as hipotecas haviam sido regularizadas. Dizia-se por isso que haviam privatizado o sistema, uma vez que num período de três anos não havia sido concedida nem uma só hipoteca. O ministro queria saber o por quê. Começou a reunião dizendo: “se os bancos não dão hipotecas, por decreto os obrigarei a dá-las!”. Era um ministro stalinista. Vocês sabem que aquilo continua igual. A Bielo Rússia é o único país do mundo em que não há propriedade. Naquele momento dei-lhe um exemplo – pelo qual rogo às mulheres presentes que não se ofendam. Eu disse: “olhem, a economia é como uma bela dama, você não a pode obrigar a bailar; tem que seduzi-la. Esses senhores têm todo o planeta para investir seu dinheiro; por isso o senhor tem que convencê-los a investir em seu país e não em outro. Posso lhe assegurar que, caso o senhor os obrigue, não tornará a ver um só dólar”. 
 
Por que razão as hipotecas não funcionavam? Porque, no caso de não-pagamento, o prédio não poderá ser executado, uma vez não haja hipotecas. Esse é o problema da informalidade. Se a situação de uma propriedade é informal, está-se dilapidando a riqueza do país, uma vez que a propriedade nessas condições não pode ser utilizada como garantia para atrair investimentos nem para obter crédito. O custo é enorme. No limite, a propriedade informal não é propriedade. É só posse, o que significa que, enquanto você a possui não acontece nada, nem mesmo qualquer pessoa vai impedir que continue dormindo nela. Porém, se você a quiser vender, já não pode; para isso, terá necessidade do consentimento dos que estão ao seu lado. E se você quiser um crédito então, menos ainda; a não ser que o consiga no seu círculo de amigos, quero dizer, círculo normalmente composto por usurários, a um preço tão alto que o impedirá de obter qualquer benefício. O que for obtido já está perfeitamente calculado para pagamento do usurário. No mais, será possível continuar trabalhando e comendo um pouquinho e nada mais. 
 
Registro e cadastro 
 
O Brasil tem uma enorme vantagem sobre a maioria dos países da América Latina. Em geral, aqui há um sistema registral e público de qualidade, este, sem dúvida, o melhor de todos. São dois elementos, portanto, que os outros países não têm. 
 
“Há países na América que foram mapeados várias vezes e continuam iguais. Porque o problema não é mapear o país, mas dotá-lo de uma legislação de direitos de propriedade, de contratos e de registros que permitam assegurar os direitos e, sobretudo, as transações”. 
 
A propósito, quero chamar-lhes a atenção para outro assunto. Quando alguém começa a lidar com os temas registrais, dá-se conta de que o Estado não sabe o que é registro, não o entende e o confunde com cadastro. O cadastro tem suas vantagens sobre o registro: é informatizado, possui mapas, fotos, cores, coisas que, para o político, são muito atraentes porque vendem. Em nome dos muitos dólares gastos em mapear o país, exige-se como requisito necessário para o registro que ele tenha que levantar o território e confeccionar o mapa. Olhem, isso não serve absolutamente para nada. Há países na América que foram mapeados várias vezes e continuam iguais. Porque o problema não é mapear o país, mas dotá-lo de uma legislação de direitos de propriedade, de contratos e de registros que permitam assegurar os direitos e, sobretudo, as transações. Os registros europeus e americanos desenvolveram-se antes que houvesse mapas, computadores e funcionaram perfeitamente. Na Espanha, há um ano nos obrigam a juntar mapas cadastrais, mediante a geração de um projeto ineficaz, porém, um grande negócio. 
 
Participante – Dom Fernando, há alguns pontos sobre os quais controvertem alguns operadores aqui presentes: um é a concorrência entre os registradores; outro é relacionado à profusão normativa, sendo que um registro funciona sob determinadas regras e outros sob outras regras, porque há uma estadualização, uma regionalização do registro. Um terceiro ponto é a estandardização que acaba de ser mencionada. Sobre esses temas controvertem os operadores presentes. 
 
Estatização e concorrência nos cartórios 
 
Fernando Méndez González – Bem, quanto à estadualização, devo dizer que os estudos que temos feito sobre sistemas estatizados, de gestão franqueada, como os chamamos, são muito baratos sempre. Os demais são um pouco mais caros. Claro que estamos falando em várias ordens de magnitude. Em Portugal, por exemplo, o registro é em média cinco vezes mais caro que na Espanha. 
 
Concorrência entre registradores. Na minha opinião, não deve existir. E vou dizer por quê. Não é para que os registradores vivam melhor, senão para que os demais estejam mais seguros. Imaginem se uma equipe de futebol pudesse escolher a defesa da equipe adversária? Evidentemente não escolheria a melhor. Se eu pudesse escolher o fiscal da Fazenda que vai me inspecionar, evidentemente também não escolheria o melhor. 
 
A eleição de registrador é algo que os notários suscitaram; essa é a origem. Por quê? Por uma razão muito simples: graças ao movimento geral na Europa de liberalização das vias de acesso ao registro, no âmbito mercantil, em quase sua totalidade, e no âmbito da propriedade, menos, para alguns casos apenas. O empréstimo hipotecário é um deles. Por quê? Porque é estandardizado, seus agentes intervêm no mercado e são de tal porte que sua principal garantia é sua reputação. Realmente, quando contrato uma hipoteca nem a leio; contrato a reputação do banco, que não pode me enganar. Se fizer isso, estará brincando, será expulso do sistema pelo mercado. 
 
Isso tem feito com que em todos os países europeus não seja necessária a intervenção notarial nas hipotecas, salvo na França e na Espanha. Mesmo não sendo necessário, todavia, quase todas se fazem mediante notários. Este é outro ensinamento que há que se extrair: mesmo sem obrigação legal, o mercado ainda costuma requerer os serviços notariais. 
 
Sendo assim, em alguns países da Europa, o notariado desenvolveu sua estratégia: para apoderar-se basicamente das funções do registro, é necessário alcançar a qualificação. E para apoderar-se da qualificação, é necessário demonstrar previamente que é possível qualificar sob o regime de livre concorrência. 
 
Que diferença há entre a intervenção de um advogado, de um notário ou de um registrador? Há bastante, uma das quais é essencial: A intervenção do notário ou do advogado se vincula fundamentalmente às partes contratantes; a do registrador não, porque, para que eu seja dono de algo, tenho que sê-lo em relação a todos e não apenas em relação ao vendedor. 
 
Essa é a razão pela qual a decisão registral vincula a todos. Escolher notários é fácil, uma vez que todos os afetados pela sua decisão, comprador e vendedor, intervêm a qualquer momento em sua própria defesa. 
 
Poder-se-ia escolher o registrador? Sim, desde que interviessem todos os afetados pela decisão dele, ou seja, os 200 milhões de brasileiros! 
 
De outro ponto de vista, suponhamos que alguém queira embargar sua propriedade. O senhor ficaria muito tranqüilo se pudesse escolher o juiz e o registrador que vão decidir se ela será ou não embargada? Eu não estaria nada tranqüilo! Em economia, esse é o fenômeno da seleção adversa. A concorrência não produz apenas efeitos positivos, senão também negativos, basicamente quando se trata de atividades que pertencem ao Estado e não ao mercado. Há que desenvolver todo tipo de mecanismo para evitar que o regulador ou o registro possam ser capturados. Além disso, o mercado hipotecário tem uma estrutura oligopsônica. [ 1] 
 
O que você pensa que aconteceria se pudesse escolher o registro? Já sabemos o que aconteceu. Hoje, um notário não altera uma vírgula sequer de uma escritura de hipoteca. Se o fizer, o cliente procura outro notário não só para reparar essa escritura como todas as demais. Creio que isso está bastante claro na Espanha, que já resolveu esse problema. 
 
Normatização profusa é um mal 
 
O outro problema é o da profusão normativa. Isso é muito grave, porque deve haver circuitos estandardizados. Caso as conseqüências sejam positivas sempre e quando o mercado assim discriminar, é possível que num lugar X a normatividade possa baixar os juros, por exemplo. 
 
No entanto, isso é mais técnico do que real. O mercado necessita de códigos estandardizados para favorecer a circulação, o que deprime os custos. No Brasil, ou num outro país qualquer, devemos supor que nos atemos às mesmas normas. Caso contrário, a unidade de mercado ressente-se bem com a facilidade dos intercâmbios. No México, o registro mercantil é federal e o registro da propriedade é estadual. A diferença é abismal! 
 
Participante – Estimo que não exista nada melhor para os construtores, para a Caixa Econômica e para as instituições locais do que algo correto, perfeito. Isso passa necessariamente por um registro correto e perfeito. Quando temos algumas dificuldades de registro em alguns estados e cidades, isso naturalmente atrasa a construção, o crédito da Caixa Econômica ou das instituições financeiras, o que traz problemas para a população. Em que sentido isso se dá? 
 
Como já foi dito aqui, a construção civil é uma grande alavanca de empregos. Neste momento em que a Caixa Econômica, a CBIC e o governo estão fazendo isso rapidamente, conseguir-se-ia alavancar algo em torno de 400 mil a 600 mil empregos no país, em tempo razoavelmente curto. Isso passa necessariamente por registro corretos. 
 
Vamos dizer, o tempo que demora para se conseguir um registro ou para validá-lo influi nos custos, influi diretamente na Caixa Econômica, pelos quais as instituições financeiras também precisam demandar internamente. Por isso, mais uma vez concordo plenamente com o que está sendo dito: os registros são necessários e obrigatórios para as operações de crédito. Sem dúvida nenhuma, isso acontece no mundo todo; sem registros precisos, os bancos e instituições financeiras não disponibilizam créditos não só para os construtores como para os compradores finais. Essas duas situações – crédito para as construtoras e crédito para os proprietários finais – interagem nas vendas e, eventualmente, também recorrem à Caixa Econômica. 
 
Mais uma vez, os registros são necessários, se nem tanto para a construção civil, certamente para a população como um todo. Acho que esse é o ponto principal. O registro deve proteger a quem? A ambos. Todo mundo deve estar protegido pelos registros e quanto mais rapidamente eles forem conseguidos mais facilmente as operações se realizarão e mais facilmente a população estará assegurada do bem que possui. Acho que esse é o caminho por onde precisamos caminhar. 
 
Quanto à concorrência, acho que ela é sempre positiva em qualquer setor da economia. 
 
Concorrência entre Estados é guerra! 
 
Fernando Méndez González – Creio que a concorrência é positiva exatamente em qualquer setor da economia. Entretanto, ela não cabe no Estado; entre Estados se chama guerra, e a função do Estado é necessariamente monopolista. Se em vez de haver um houvesse 27 chefes de governo, não seria possível saber quem governa; quem decide. Tem que ser um único. 
 
Creio ser necessário produzir estímulos para que o registro funcione o mais rapidamente possível. Não sei se agradaria aos legisladores brasileiros, mas na Espanha acaba de ser introduzida uma medida cujos efeitos ainda estamos esperando. Ela consiste em fixar o prazo que o registrador tem para despachar um processo: 15 dias, salvo três exceções, que permitem a ampliação para mais 15 dias e mais 30, respectivamente. Caso ele não cumpra esses prazos, automaticamente há um rebaixamento de 30% no preço de seus serviços. Caso haja mais atraso ainda, o processo irá para as mãos de registradores substitutos, não escolhidos pelo cidadão, pertencentes a um quadro rotativo, o que tornaria os honorários 50% mais baratos. Ainda não temos experiência nem sabemos que efeitos essas medidas vão produzir. Vamos ver. Creio que produzirão efeitos positivos, na sua maioria, e alguns negativos também. 
 
“A eleição de registrador, entretanto, não me parece correta, salvo que todos possam participar dela. Por exemplo, se o controlado pode eleger seu controlador, o resultado é o que se deu nas companhias americanas Enron, Worldcom”. 
 
O que tem feito o legislador espanhol? Investido em incentivos muito potentes para que o registro seja ágil. O que me parece uma medida correta. A eleição de registrador, entretanto, não me parece correta, salvo que todos possam participar dela. Por exemplo, se o controlado pode eleger seu controlador, o resultado é o que se deu nas companhias americanas Enron, Worldcom. O sistema entra em crise, uma vez que o controlador não é independente para decidir, são-lhe oferecidos mecanismos para comprar. Creio que essa razão é óbvia. Insisto, pois, que não se pode eleger o juiz, ou o fiscal fazendário ou o policial, ou aquele que desempenha a função pública. 
 
Evangelina Pinho – Está sendo extremamente proveitosa esta oportunidade de ouvir a tantos registradores ao mesmo tempo, uma experiência realmente que nós da administração pública não temos o hábito de compartilhar. 
 
Venho trabalhando na administração pública há muito tempo, oportunidade em que temos conversado muito pouco com os registradores, o que tem sido muito ruim. Estejam certos disso. 
 
Verifiquei que, quando um membro da CBIC fala do alto custo da indústria da construção, da morosidade e da dificuldade do registro, isso remete também à administração pública pelos mesmos motivos. Na verdade, o alto custo não é só o alto custo político, como se poderia entender; é um alto custo financeiro, levando em consideração que não conseguimos fazer o registro das casas que produzimos e colocamos no mercado também, como é o caso das Cohabs. Com isso, também não conseguimos recuperar e reinvestir em habitação de interesse social e em habitação pública. 
 
É muito interessante ouvir a opinião de algumas pessoas daqui sobre pontos polêmicos, como, por exemplo, a questão da privatização, digamos, total ou não do sistema de registros públicos. É forçoso notar que, entre as pessoas que estão hoje em dia discutindo isso na administração pública, existem ainda muitos preconceitos, quando, a meu ver, se adota uma posição ou outra. Criam-se atitudes de que a melhor operação do registro de imóveis seja necessariamente uma operação privada ou pública. 
 
Na verdade, acho que o Estado tem um papel muito importante no desenvolvimento desse trabalho de registro de imóveis, que é o papel de regulamentação, de fiscalização bem como o de retomada de concessões, se for o caso, se essa gerência não for feita a contento. 
 
Presidente Sérgio Jacomino – Eu diria que tão necessário quanto discutir o novo perfil do registrador imobiliário é discutir o perfil do juiz corregedor, especialmente a partir da Constituição de 1988. O cenário mudou. As referências foram alteradas. Temos, propriamente, uma mudança de paradigmas no registro predial brasileiro. 
 
Hoje, não encontro mais fundamento jurídico para que essas coisas continuem como estão. É um longo processo, um trabalho muito intenso que vamos ter que realizar modificando e afastando os entulhos já superados pela nova ordem constitucional. É preciso abandonar uma visão estreita que localizava a atividade notarial no coração da galáxia judiciária. Hoje não estamos mais lá; estamos, na verdade, um pouco à deriva, porque não temos um órgão normativo de perfil federal, assunto bastante discutido com o pessoal do Ministério das Cidades e da prefeitura de São Paulo. Se não há uma referência básica para a atuação do registrador em todo o território nacional, sua independência jurídica, exercitada a partir de uma lei de caráter federal, não tem sentido; ela não se faz viável concretamente. 
 
Entendo que hoje vivemos um período de reestruturação da atividade, por isso a importância de trazer experiências da Espanha e de países que deram certo no que diz respeito ao registro imobiliário. Temos que considerar que o registro imobiliário espanhol hoje é um luminar para todos nós ibero-americanos. É um sistema de êxito incontestável, cuja atividade é exercida sem sujeição hierárquica. 
 
J.P.Lamana Paiva – Só um segundo antes de passar, só para completar o que está sendo dito. 
 
Na minha ótica, a Constituição de 1988 e a lei 8935/94 mudaram o sistema total da atividade notarial e registral. O ato formal do registro permanece, mas o contexto mudou. E só agora os tribunais estão começando a entender essa mudança, que houve há 15 anos. Exemplo disso é a grande decisão do dia 3 de abril de 2003 do Supremo Tribunal Federal, por 10 a 0, em que foi reconhecida a natureza jurídica da atividade registral notarial no Brasil, que é de direito privado. Está reconhecido. Isso não volta atrás. Talvez esteja aí a grande oportunidade para que nós, registradores e notários, também tenhamos o mesmo espaço que eles têm na Espanha. 
 
Fernando Méndez González – Bem, eu não costumo entrar em questões nacionais, senão em questões de princípios, que é a chave. Trata-se de independência registral, da independência do registrador que, ao tomar uma decisão de aceitar ou rechaçar um título, não receba instruções de ninguém. Mesmo que se recorra dessa decisão, ao tomá-la, ele não pode receber comandos ou instruções. 
 
O que está se passando em outros países? O registrador pode ser chamado a atenção pelo ministro por decidir que determinados prédios não serão dados à publicidade, ou porque pretende privilegiar a sociedade de um seu amigo porque esta se inscreve. É isso o que acontece. No final, certamente, é o juiz quem sempre decide, porque, num Estado de direito, a decisão sobre litígios cabe ao poder Judiciário. 
 
O que queremos dizer com independência do registrador é isso, independência na tomada de decisões. Do mesmo modo que um juiz não pode receber pressões para decidir, ainda que em seguida se possa recorrer de sua decisão. É isso o que queremos dizer. O que, no caso do registro, está bastante relacionado, mais do que parece, à sua autonomia financeira. 
 
A senhora que me precedeu utilizou uma expressão que me agradou bastante e que é o que define. O problema da estatização, da privatização e da gestão do registro é uma discussão que, do ponto de vista de sua organizacão, está resolvida; não há dúvida de que uma gestão privada é muito melhor. Periodicamente pode-se propor isso, o que, de fato, é bem mais um problema de ciúme entre os funcionários e não propriamente uma discussão de ciência pública, para a qual a questão já está clara. Não é o mercado que costuma pedi-la, mas seus próprios funcionários. 
 
Falamos de administração franqueada. É exatamente isso o que a define. O fiscal federal ou estatal deve fazer como faz a central do MacDonald’s: definir o produto e todas as suas características e inspecionar. E retirar a licença daqueles que não cumprirem. E acabou-se! A falha de um afeta a reputação de todos e o conjunto não pode permitir que qualquer funcione mal. A função do poder público é assegurar isso, a qualidade homogênea e, insisto, retirar a licença de quem não cumpre a estandardização de qualidade decidida, nesse caso, por lei. 
 
Isso seria uma administração franqueada. Porém, para se conseguir tudo isso, do mesmo modo que o MacDonald’s, o registrador X deve se valer de seus próprios meios, obtidos mediante os recursos auferidos com as tarifas aprovadas oficialmente. Essa, basicamente, é a idéia. 
 
Responsabilidade do registrador 
 
Mas isso tudo tem o reverso da medalha. No caso espanhol ou em qualquer sistema, em caso de erro, a responsabilidade pessoal é do registrador. Esse é um dos principais custos do registrador espanhol. Caso eu lhe diga que um prédio está livre de encargos, se de fato ele está hipotecado, devo indenizá-lo por isso e rapidamente. Esse é o grande contrapeso do sistema: Por um lado, o registrador estará interessado em inscrever, porque essa é a condição para auferir seus ganhos; porém, por outro lado, estará interessado em fazê-lo bem, porque se o fizer mal... Suportará as conseqüências. 
 
Atenção! Uma das características de um sistema de registro público de direitos é que depois de o registrador assinar, a pessoa passa a ser proprietário ou deixa de sê-lo; ou, ao dizer que um direito é preferente, automaticamente está dizendo que o outro não o é. Portanto, caso ele não decida corretamente, não há dúvida de que receberá em contrapartida uma demanda. E caso haja cometido erros, vai responder civilmente por eles. Por isso, insisto, ele é obrigado a ser cuidadoso ao extremo. Esse é o grande contrapeso. 
 
Ruy Pinho – Tenho uma observação e uma preocupação. Minha observação é com relação aos custos do sistema. Não sou nenhum especialista, falo da minha experiência de poucos meses como registrador concursado em São Paulo. Com a utilização da alienação fiduciária, as prestações que se pode cobrar do adquirente são menores, justamente pela maior facilidade de execução da alienação fiduciária que da hipoteca. Ou seja, como hoje, no Brasil, é muito mais difícil executar uma hipoteca, é muito mais fácil resolver esse problema pela alienação fiduciária, cujo custo é bem menor. 
 
Agora, minha preocupação. É com relação ao acesso ao registro imobiliário. Há uma irregularidade fundiária muito grande. Minha preocupação é de natureza formal, em abstrato, regular, não faz parte do registro imobiliário, uma vez que, para as classes de baixa renda, o registro é caro, vai custar uns 300 reais, razão pela qual ele só vai ser feito em último caso. Não sei se há algum tipo de solução pensada para esse tipo de questão. 
 
José de Mello Junqueira – Completando esse raciocínio, dom Fernando, sinto que, no Brasil, o problema todo é que a relação custo original e desenvolvimento econômico, mesmo na construção civil, não é tão grande assim. Senão vejamos. Nem sempre o custo do registro influi tão significativamente no bolso do usuário. À exceção das grandes construções incorporadoras, o brasileiro se utiliza do registro uma ou duas vezes na vida. Não acredito que o custo do registro no Brasil influencie tanto a economia como, por exemplo, a segurança jurídica. 
 
O senhor já percebeu quais são os problemas do Brasil apontados aqui em relação ao registro: primeiro, a qualificação do registrador brasileiro é muito rigorosa e diferenciada de serventia para serventia; ela não é padronizada. O Brasil precisaria ter uma agência reguladora registral, que padronizasse essa formação em âmbito nacional. Isso é importante. 
 
Segundo, quanto aos emolumentos, não vejo entrave nenhum ao registro de imóveis, uma vez que, no Brasil, eles não representam o mesmo que na Europa. Na Holanda, o custo de expedição de um registro chega a 10% do valor do imóvel. Caberia, talvez, à Caixa Econômica, às Cohabs, incluir no financiamento o custo do registro. 
 
Não sei se, na Espanha, esse sistema de qualificação registral é tão rígido como aqui, cujo formalismo é tão severo que emperra a circulação de bens e a própria economia. Esse sim é um dos grandes entraves. 
 
Participante – A questão dos emolumentos para circulação dos bens e dos direitos que têm acesso ao registro de imóveis é importante. Aliás, um dos pontos abordados por Fernando Méndez foi a economia de escala, que se faz necessária para que haja desenvolvimento econômico. Um registro talvez possa não ser relevante, temos que considerar que, se esse mesmo registro vai circular 10 ou 20 vezes, aí sim ele passe a ser relevante. 
 
Fernando Méndez González – Na verdade, o número ótimo de registros é um problema, uma vez que os custos diminuem e todos sabemos que em organizações empresariais há mecanismos de simulação de preços de mercado e determinação de benefícios razoáveis. É o que se pode perfeitamente fazer e chegar a um mecanismo, mediante o qual se alcança um patamar e a uma estrutura de preços racionais. O que não é difícil do ponto de vista teórico. Por isso estou de acordo que as economias de escala no registro são fundamentais. 
 
“Por que uma informação registral na Espanha pode valer três dólares? Graças à imensa quantidade de informações que se expedem. É mais barata que uma entrada de cinema. Não é custo nenhum para ninguém, não é dissuasório para ninguém e as custas determinam-se assim”. 
 
Por que uma informação registral na Espanha pode valer três dólares? Graças à imensa quantidade de informações que se expedem. É mais barata que uma entrada de cinema. Não é custo nenhum para ninguém, não é dissuasório para ninguém e as custas determinam-se assim. Para os casos de cidadãos de renda baixa, existem subvenções. Na Espanha, o preço do registro para a regularização da propriedade agrária é simbólico. Por quê? Porque, mesmo para o registrado, é rentável que a propriedade se regularize, porque só regularizada ela passará a circular no registro, ao passo que antes disso ela não circulava, o que prejudicava todo mundo. 
 
Se falarmos de residências protegidas com créditos públicos, estabelece-se um preço ainda muito mais baixo que o regular. Se o preço estiver subvencionado, é necessário emitir faturas “sombra”, em o que o usuário não sabe que está subvencionado. “O preço disso seria X, porém, para você, é X menos três, por uma disposição do poder público. É bom que você saiba que não está cobrindo o custo do serviço.” 
 
Entretanto, devo dizer que as subvenções têm que ser as menores possíveis, porque, se alguém paga menos, isso quer dizer que alguém estará pagando mais do que deveria, o que, numa economia competitiva, é uma distorção. Portanto, subvenções sim, desde que as menores possíveis. 
 
Preço máximo de registro e criação de cartórios 
 
Na Espanha, ainda, estabeleceu-se um preço máximo. Por que um preço máximo? Porque, para surpresa dos senhores, isso foi pedido pelos próprios registradores, logo depois de uma operação de fusão de duas grandes sociedades de vários bilhões de dólares. Se o registrador tivesse se equivocado, não teria sido possível indenizar os interessados, uma vez que o custo de uma operação não justifica o incremento de preço dos serviços registrais e tampouco a responsabilidade dos profissionais. Quero dizer que tudo isso está perfeitamente estudado. Sabe-se muito bem como gerar um sistema de preços. 
 
“Isso nos leva a uma conclusão que deve também ser levada em conta pelo poder político: é mais rentável ter os registros necessários que muitos registros; ter todos os que façam falta, mas não mais do que isso”. 
 
Isso nos leva a uma conclusão que deve também ser levada em conta pelo poder político: é mais rentável ter os registros necessários que muitos registros; ter todos os que façam falta, mas não mais do que isso, o que encareceria desnecessariamente os custos. Por isso, insisto: trata-se de um problema bastante simples, embora haja muitos interesses em jogo. Na Holanda, por exemplo, os custos são ainda muito altos, bem como em outros países. Nos países onde há gestão franqueada, os preços são mais baixos. Na Espanha, um empréstimo hipotecário médio, para compra de um apartamento de uns 30 milhões de pesetas, que equivalem a 200 mil dólares, custaria entre 300 a 400 dólares mês. 
 
Participante – Somos registradores de áreas rurais extensas. O colega aqui é registrador de nove mil km2; eu, de mais de mil km2; 90% do trabalho em minha serventia é rural, é de crédito rural, serviços que são prestados num máximo de 24 a 48 horas. Gostaria que dom Fernando levasse este testemunho: no sistema registral brasileiro também existem grandes soluções para nosso sistema registral, que é a mola propulsora da economia. Mais uma vez, muito obrigado! 
 
Fernando Méndez González – Gostaria de agradecer, imensamente surpreso e agraciado pelo convite e pela preocupação dos senhores em dinamizar, democratizar e melhorar o sistema de registro no Brasil. 
 
Muito obrigado! 


Últimos boletins



Ver todas as edições