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Curso de Especialização de Direito Registral - Barcelona - Espanha  - João Pedro Lamana Paiva[i]*


O terceiro Curso de Especialização em Direito Registral levado a efeito em Barcelona, Espanha, de 10 de novembro a 4 de dezembro de 2003, organizado pelo Colégio de Registradores da Propriedade, Bens Móveis e Mercantis da Espanha, juntamente com a Universidade Ramón Llull – ESADE – Faculdade de Direito, com a colaboração da Fundação Internacional e para a Iberoamérica de Administração e Políticas Públicas – FIIAPP, com duração de cento e vinte (120) horas-aula, compensou e, sendo assim, valeram o sacrifício e o estudo despendidos, com a outorga pela, ESADE, do Certificado por Haver Cumprido Satisfatoriamente os Requisitos do Curso, no final do encontro, para quem superou as provas finais.

A programação foi extensa e os temas abordados foram palpitantes, com aulas teóricas, na ESADE, e práticas em vários serviços registrais da propriedade imobiliária e mercantil, no Instituto Cartográfico, na Escola Judicial de Formação de Magistrados, no Instituto do Solo, entre outros.

Dentre as exposições realizadas, todas de grande valia para o aprimoramento científico e cultural dos participantes, contou-se com a presença do maior hipotecarista espanhol, o Registrador da Propriedade Imóvel José Manuel García García, do Decano do Colégio D. Fernando P. Mendéz González, do Registrador e Diretor de Relações Internacionais D. Nicolás Nogueroles, bem como do Civilista e Coordenador do Curso, Dr. Sergio Llebaría Samper.

Assim, passo a discorrer sobre os principais pontos, de acordo com os ensinamentos e os ditames da legislação espanhola, os quais poderão contribuir de alguma forma para o desenvolvimento do sistema brasileiro, conforme segue:

a) da vinculação, do funcionamento e da natureza jurídica da atividade registral espanhola;

b) dos princípios e do procedimento registral;

c) da qualificação e o Registrador Substituto (pré-determinação das substituições);  

d) da hipoteca;

e) da integração do sistema registral;

f) do panorama econômico.

Da vinculação, do funcionamento e da natureza jurídica da atividade registral espanhola

Primeiramente, compete ressaltar que os registradores espanhóis exercem suas funções por intermédio da vinculação que têm, por serem funcionários públicos, com o Ministério da Justiça. São membros do Estado, mas com caráter profissional liberal, estando, porém, submetidos ao controle da Direção-Geral dos Registros e do Notariado, órgão censor da administração.

Os registradores são obrigatoriamente associados ao Colégio dos Registradores da Espanha, entidade que congrega, orienta e fiscaliza seus sócios. Como se vê, há obrigatoriedade da inscrição corporativa naquele País, fortalecendo a instituição, o que não ocorre, infelizmente, no Brasil. Aqui, temos mais de três mil Registradores Imobiliários, mas apenas um mil e duzentos são associados do nobre Instituto de Registro Imobiliário do Brasil – IRIB - em virtude ao grande empenho do atual Presidente, Sérgio Jacomino - entidade que tem contribuído não só para com seus filiados, como também para toda a comunidade jurídica nacional e internacional. Se vigorasse a mesma regra no Brasil, com certeza teríamos se não a maior, mas talvez uma das mais fortes e importantes instituições de registros do mundo, podendo ajudar ainda mais a coletividade. Será que já não é tempo de rever a Lei dos Notários e Registradores (Lei nº 8.935/94), introduzindo um dispositivo obrigando a contribuição para as entidades de classe quando da delegação?

Para ser registrador naquele país, o candidato tem que ter nacionalidade espanhola, deve ser formado em Direito, submeter-se a um concurso público, sendo considerado, portanto, um jurista. O sistema é privado, com autonomia e independência plenas, respondendo civilmente pela qualificação documental e por todos os danos e prejuízos que causarem a terceiros; em primeiro lugar, por meio da garantia de fiança e, em segundo, com seus bens particulares (arts. 296 e seguintes, da Lei Hipotecária, de 8 de fevereiro de 1946). Como se vê, não estão submetidos à hierarquia administrativa e são independentes no estrito exercício de sua profissão.

Por outro lado, o registro da propriedade imóvel é eficiente porque é uno, harmônico, estando montada a sua estrutura da mesma forma que uma máquina que controla o tráfico jurídico-imobiliário dos negócios (entrada de títulos, qualificação etc) e atua como instrumento de vigilância em favor dos cidadãos. Na cidade de Barcelona, existem vinte e seis Registros da Propriedade Imobiliária, os quais estão situados em um único local, centralizando, assim, os registros. O expediente ao público é de segunda à sexta-feira, das 9 horas às 18 horas, com intervalo de duas horas, inclusive aos sábados, em regime especial. Recentemente, em 2001, a Direção-Geral dos Registros e do Notariado, órgão máximo da categoria, determinou que os registradores obrigatoriamente deverão reservar três horas diárias de seu expediente para atendimento às partes interessadas. Compete lembrar que os atos registrais são assinados exclusivamente pelos titulares.

A natureza jurídica da atividade registral é considerada como de jurisdição voluntária, onde o Estado intervém numa relação tipicamente privada, para atribuir a garantia e a segurança jurídica necessária às relações particulares.

Logo, o registrador espanhol, no exercício de suas atribuições, é considerado “quase um magistrado”, pois é livre para desempenhar sua atividade que serve ao “direito da vida dos cidadãos”, às relações inseridas dentro da normalidade.

Dos princípios e do procedimento registral

O Sistema Registral Espanhol é movido por princípios, iguais aos adotados no Brasil, destacando-se, entre eles, o da prioridade, o da qualificação e o da publicidade, que adotam procedimentos específicos, ainda não estudados no nosso País. Com relação ao princípio da prioridade, que vale por sessenta dias úteis, foi previsto um procedimento que se presta à antecipação da prenotação, onde há um sistema de comunicação prévia, com prazo de 10 dias - via fax ou telex – no qual o o que formaliza o título, notário ou magistrado, remete ao serviço registral um resumo do ato já elaborado. Este procedimento gera maior segurança jurídica até a apresentação do original, para o início da qualificação registral. Ressalta-se que não se trata de reserva da prioridade, porque esta se refere a um pedido antecipado à formalização do documento.

No tocante à qualificação registral, relevante mencionar que a atual Lei nº 24, previu a mais nova forma de qualificação, que é a do Registrador Substituto, o qual não se confunde com os substitutos dos serviços registrais e notariais brasileiros (oficial ajudante, ajudante, substituto etc.), conforme exposição infra mencionada no item “Da Qualificação e do Registrador Substituto”.

Já o principio da publicidade formal é restrito às pessoas legitimadas, uma vez que não se poderá fornecer informações registrais para terceiros, somente para as partes interessadas: proprietário, credor, usufrutuário etc, diferente da lei brasileira, que é muito ampla; ou seja, há de se provar o legítimo interesse do solicitante, para se poder acessar as informações do registro de imóveis.

O sistema de registro da propriedade é “quase sempre constitutivo”, pois sem a inscrição não há a produção de efeitos em relação a terceiros; a transmissão da propriedade se dá pelo título (escritura pública, documento judicial ou administrativo), com efeitos probatórios entre as partes, mas erga omnes com o registro constitutivo (quem inscreve, adquire o direito). Como exemplo trazemos a hipoteca, abaixo mencionada, que se constitui com o registro, gerando o direito real. No caso da hipoteca, estando a mesma fora do Fólio Real, gerará tão-somente direitos obrigacionais, Geraldo efeitos apenas entre as partes contratantes.

Na Espanha, para que se alcance uma plena segurança jurídica é necessário que haja um procedimento registral forte, capaz, confiável, eficaz e célere, a fim de que os titulares de direitos reais tenham uma proteção especial no sistema registral,  por isso que cada registro tem competência determinada (princípio da territorialidade), não podendo haver concorrência entre registradores da propriedade, uma vez que são independentes.

A Espanha considera que o princípio da territorialidade é essencial para manter a independência e a imparcialidade, que aliado ao princípio da qualificação, bem como ao da justa remuneração pela prática dos atos, formam o tripé dos atributos do registrador como respeitável profissional do direito, independente, livre de qualquer pressão política, administrativa ou econômica.

Com referência ao registro, estabelece a lei espanhola que o registro tem por objeto a inscrição (fólio – livros foliados e visados judicialmente – art. 238 LH) e a anotação dos atos e contratos (v.g. escrituras públicas, documentos judiciais, administrativos e uma exceção de documentos privados) relativos ao domínio e demais direitos reais sobre bens imóveis, sendo que a compra e venda é facultativa, e os direitos reais são obrigatórios, dentro da circunscrição territorial onde estão situados.

A descrição do imóvel (principio da especialidade) no fólio não requer maiores exigências. O que chama a atenção é o conteúdo do registro, principalmente o da hipoteca, no qual devem constar as principais informações (cláusulas contratuais) e deve ser procedido com clareza, com detalhes e todas as formalidades legais, a fim de evitar qualquer dúvida para as partes, pois o registro é constitutivo, sem discussão.

Naquele país, somente são admitidas as inscrições dos documentos públicos, neles compreendendo as escrituras, as sentenças judiciais, os atos administrativos e documentos de procedência estrangeira legitimados segundo as normas do direito processual civil. Excepcionalmente, são permitidos documentos privados, tais como: arrendamento, alguns cancelamentos etc. Atualmente, não se admite o registro da posse, situação que ocorreu até o ano de 1945.

Da qualificação e do registrador substituto

Segundo a legislação espanhola, o registrador tem o prazo de quinze dias úteis (art. 2º, do Decreto Real nº 1039, de 1º de agosto de 2003) para qualificar o documento apresentado para registro. O prazo começa a contar a partir do apontamento do título no livro diário de operações (protocolo) do registro da propriedade, ou então, no caso de escritura pública ou título judicial, há a possibilidade do magistrado e do notário, após a lavratura do ato competente, remeter via fax ou telex, um pedido resumido em forma de comunicação. Neste caso, o registrador apontará no livro protocolo, e aguardará o prazo de dez dias úteis para que seja apresentado o documento original. Apresentado dentro dos dez dias, começará a contar o prazo para a qualificação, sob pena de caducidade, retroagindo a vigência do protocolo ao dia da remessa do fax ou telex.

Como se vê, apresentado o documento definitivo para inscrição, tem o registrador o prazo de quinze dias úteis para qualificar o título. Assim, denegando o registro, ou não tendo o registrador competente procedido à qualificação no prazo estabelecido, poderá o interessado solicitar ao registrador a quem se apresentou o documento que intervenha um registrador substituto, conforme quadro de substituição (art. 18, da LH). O registrador que não cumpriu com o seu dever de qualificação terá o prazo improrrogável de três dias úteis para remeter o documento ao substituto, para que este qualifique o título. Neste último caso (não ter havido a qualificação dentro do prazo legal), será reduzido em trinta por cento (30%) dos honorários (para nós emolumentos) a que teria direito o registrador substituído em favor da parte interessada (art. 9º, 2, do novo regulamento). De outra banda, o registrador substituto também tem o prazo máximo de quinze dias úteis a contar da data da entrega completa da documentação correspondente para a qualificação (art. 4 da Lei 24/2001, que alterou a Lei Hipotecária). Não havendo defeito ou qualquer obstáculo ao registro, o registrador substituto comunicará a autorização da operação registral ao registrador substituído, juntando o texto - minuta do assento a ser praticado (art. 7 da Lei 24/2001) e este deverá praticar o ato registral solicitado no prazo máximo de três dias úteis, contados do dia do recebimento da documentação, identificando no assento o registrador substituto e o registro de que é titular. Praticado o ato, o registrador substituído comunicará a circunstância ao registrador substituto e entregará o título registrado ao interessado, percebendo o registrador substituto a importância de 50% dos honorários e o registrador substituído 20% do total (art. 9, item 2 da Lei 24/2001), em virtude da não qualificação.

Outrossim, ocorrendo a qualificação no prazo legal, mas sendo ela impeditiva do registro (negativa), a parte que não concordar com as exigências do registrador poderá pedir a qualificação de um registrador substituto, conforme quadro de substituições organizado pelo colégio de registradores, o qual, no prazo de quinze dias úteis, submeterá o título a nova qualificação. Caso a primeira qualificação seja mantida, poderá o interessado interpor recurso à Direção-Geral de Registros e do Notariado, ficando prorrogado o prazo de prioridade indefinidamente (este recurso assemelha-se à dúvida registral que vigora no Brasil). Na hipótese do registrador substituto qualificar positivamente o título, será feito o mesmo procedimento acima descrito. Neste caso, os honorários (100%) serão divididos igualmente entre os registradores substituto e substituído.

Em complemento ao assunto, face à sua relevância e aos avanços implementados na legislação espanhola, foi publicado no Boletim Eletrônico do IRIB-Anoreg número 910, em 28 de outubro de 2003, uma análise da moderna legislação feita pelo renomado Decano Fernando P. Méndez González, informando acerca da não apreciação do recurso interposto pelo interessado à Direção-Geral, no prazo de três meses, possibilitando recurso ao juiz da primeira instância correspondente.

Em suma, há dois momentos distintos acerca da intervenção do registrador substituto. O primeiro, onde não há a qualificação dentro do prazo legal pelo registrador competente, reduzindo seus honorários em 30%; o segundo, onde há a qualificação, mas a parte não se conforma, tendo esta mais um meio ágil para a viabilização do registro do seu título por meio da qualificação feita por outro registrador, não importando, neste caso, na redução dos emolumentos, mas sim, na divisão.

Da hipoteca

A hipoteca precedeu o Código Civil e o Registro de Imóveis, não só na Espanha como também no Brasil. Aqui, o instituto originou-se da Lei Orçamentária nº 317, de 21/10/1843, regulamentada pelo Decreto nº 482, de 14/11/1846; naquele país, com a Lei Hipotecária de 1861 e, posteriormente, com o Código Civil de 1889. Tais legislações surgiram numa época de desenvolvimento das relações de crédito, que exigiam a previsão de garantias suficientes para a segurança dos negócios e, conseqüentemente, do sistema econômico implementado, além do barateamento do custo do dinheiro, diante da diminuição do risco de direitos contraditórios precedentes.

Como se vê, o instituto da hipoteca é muito antigo, mas sempre eficiente, concebido para garantir o crédito e terminando com as hipotecas ocultas (sem publicidade), que geravam incertezas e dispendiosos conflitos, pois não havia o controle sobre o que estava ou não onerado.

Convém ressaltar, neste momento, a importância que o brilhante magistério do maior hipotecarista espanhol, José Manuel Garcia Garcia, teve para o estudo do Direito Comparado referente ao instituto, inclusive pelo enfoque aos princípios da fé-pública e da oponibilidade.

O Sistema Hipotecário sofreu modificações com o decorrer do tempo (as últimas leis datam de 1944 e 1946) em função do progresso econômico dos países, principalmente os desenvolvidos, como por exemplo, o sistema espanhol, um dos mais eficientes do mundo.

A lei espanhola tem mais de cento e quarenta (140) anos e é importantíssima para sociedade e para a economia, desenvolvendo a indústria da construção civil (mão-de-obra) e a de materiais e insumos para fabricação de residências, incentivando a produção e a realização de novos negócios imobiliários.

A hipoteca é revestida de todas as formalidades legais que o cidadão merece, face à perfeição do sistema adotado por meio do registro voltado ao princípio da especialidade formal registral, onde o registrador estabelece os requisitos que devem conter, assim como as cláusulas do instrumento que servirão de base para o efetivo pagamento da execução, que é célere e ágil. Assim como no Brasil, o registrador tem a atribuição de realizar o controle das cláusulas negociais, impedindo que cláusulas abusivas e que firam direitos dos consumidores possam surtir efeitos jurídicos.

Naquele país, a hipoteca é um direito real de garantia da propriedade imóvel e também da propriedade móvel, podendo, ainda, ser dado em hipoteca o direito de usufruto convencional (art. 107, da LH). Convém realçar que, entre outros, também poderão ser hipotecados os direitos de hipoteca voluntária e os direitos de superfície. De outra parte, não se poderão hipotecar as servidões, o usufruto legal, o uso e a habitação.

Compete realçar que no Brasil vigora a premissa de que ostenta a faculdade de oneração apenas quem pode alienar (art. 1.420, do CC), e face à norma do artigo 1.393, do mesmo diploma legal, não é possível a constituição de hipoteca sobre usufruto.

Ademais, por ser a propriedade um direito real, para ser dada em garantia tem que estar inscrita (registrada) em nome do devedor, sob pena de quebrar o princípio do trato sucessivo (continuidade), o que não poderá ocorrer, porque o sistema não aceita o registro da hipoteca se o imóvel não estiver em nome do devedor, do avalista ou de terceiro hipotecante.

Por outro lado, a hipoteca da Espanha poderá ser voluntária ou convencional (formalizada apenas por escritura pública) e legal, formalizada por um título judicial. Difere a referida lei do ordenamento jurídico nacional, uma vez que o legislador brasileiro tem, cada vez mais, atribuído força de escritura pública a instrumentos privados, que, via de regra, se apresentam precários e defeituosos. Infelizmente, o nosso legislador, ao invés de prestigiar o documento público (escritura notarial) revestido de publicidade e de imparcialidade, não vem reconhecendo sua importância como faz, com muita razão, o espanhol. Exemplo disso é a recente disposição inserida no Código Civil de 2002, pelo artigo 108.

A hipoteca pode garantir uma obrigação determinada (ex. compra e venda de um imóvel) ou indeterminada (obrigação de dar, fazer e não-fazer), bem como poderá ser pactuada por um valor determinado ou indeterminado (abertura de crédito), apresentando as seguintes características: a) acessória de um contrato principal; b) indivisível; c) oponível erga omnes; d) ausência do desmembramento da posse; e) de caráter econômico (valor); f) incompatível com o pacto comissório.

Naquele país, a garantia dada ao credor está assegurada pelo registro do título no Ofício Imobiliário. Uma vez registrada a hipoteca, a mesma se torna oponível contra terceiros e fica revestida de juridicidade, de fé pública e de presunção de veracidade. Isto significa que o registro também é constitutivo, não possibilitando discussões, dúvidas etc.

O registrador espanhol, ao examinar e qualificar o título intrinsecamente e com as formalidades especiais, está investido de todos os poderes inerentes à função que exerce, com autonomia plena e independência, vindo a responder civilmente pelos prejuízos causados em virtude do seu mister. Assim, todos confiam e acreditam na instituição registral, estruturada e indicada para a perfectibilização dos direitos aos titulares de imóveis, principalmente ao credor, que está seguro em relação ao seu crédito, o qual, não sendo pago, estará habilitado para executar a dívida na forma prevista no registro.

Quanto ao grau da hipoteca, que representa a preferência, o devedor somente pagará o que for pactuado e, se existirem várias hipotecas, o que executar receberá o seu crédito e as posteriores deixarão de existir, salvo se houver saldo. As anteriores permanecerão intocáveis.

Há, também, a possibilidade de permutar graus entre os credores e, ainda, a reserva de grau, que valerá pelo prazo de sessenta (60) dias.

Informa-se que a ação hipotecária prescreve em vinte (20) anos, diferentemente do prazo de validade da inscrição hipotecária, que é de trinta (30) anos.

Quanto à responsabilidade patrimonial do devedor, o artigo 105, da LH, prevê, como regra geral, a responsabilização pessoal ilimitada. Todavia, nas hipotecas voluntárias, poderá ser convencionado que apenas os bens hipotecados responderão pela dívida (art. 140).

Já no que se refere à execução da hipoteca, pode-se notar aspectos interessantes na legislação espanhola. Assim como no Brasil, há a execução judicial e a extrajudicial, sendo esta diferente do sistema brasileiro, pois lá o procedimento de execução é feito pelo notário do local do registro da hipoteca, desde que previsto expressamente no título que originou o gravame (arts. 129 e segs., da LH e arts. 234 ao 236, do Regulamento Hipotecário).

Na escritura pública constará, também, o valor de avaliação para fins de alienação, bem como o domicílio do devedor, que fixará a competência para o início do procedimento executivo. Neste caso, o devedor procurando transferir seu domicílio para outra cidade, deverá buscar a concordância do credor, ficando dispensada se a mudança de domicílio ocorrer dentro da circunscrição onde se situem os bens hipotecados. Denota-se a preocupação com o domicílio das pessoas - naturais e jurídicas, o que não se verifica no Brasil, onde o devedor fica descompromissado de qualquer comunicação ou registro na mudança de domicílio. Entende-se que o legislador brasileiro deverá refletir acerca do comprometimento das pessoas quando da sua alteração de endereço.

Finalmente, percebe-se que a hipoteca espanhola é mais avançada do que a brasileira, sendo um processo célere e ágil, demorando aproximadamente seis meses para a satisfação do credor, ao contrário do Brasil, onde uma execução se estende por anos, mitigando a adoção desta modalidade de garantia e fazendo com que sejam previstas novas modalidades de garantia, que também solucionam o impasse, a exemplo do que ocorre com a alienação fiduciária de bem imóvel (Lei nº 9.514/97).

De tudo, verifica-se que aquele avançado sistema hipotecário reconhece acertadamente a função da atividade notarial, conferindo-lhe maiores poderes para atender ao interesse da sociedade em geral, o que não ocorre, infelizmente, no Brasil, onde, repito, o Governo não detém o controle das negociações entre os particulares, o que poderia ser alcançado pela utilização da escritura pública, elaborada por notário – digno representante do Poder Público em cada comunidade brasileira, onde, pelo seu conhecimento, dá fé pública e representa a imparcialidade entre os contratantes, saneando os negócios que são levados a efeito.

Da integração do sistema registral

Pode-se observar, ainda, a apresentação de novas tecnologias relativas ao sistema registral espanhol, tais como a integração entre os oitocentos e oitenta e oito (888) serviços de registro de imóveis daquele país, uma verdadeira interligação, para facilitar o acesso às informações, dando agilidade e segurança com as novas modalidades implantadas. Esta integração tem como fundamento a Lei número 24/2001, que estabeleceu o prazo máximo até o final do ano de 2004 para a total integração dos registros.

Esta centralização trará inúmeros benefícios para o sistema registral, bem como para os seus usuários. Para o registro, servirá para a simplificação e eficácia operativa dos processos, para a conservação adequada dos originais com valor legal, para acesso e reprodução à documentação de forma mais fácil e rápida, para a sistematização e modernização dos critérios de gestão, para evitar a manipulação dos documentos originais e para a diminuição de custos.

Já para o usuário, as vantagens se darão pela maior rapidez no acesso à informação, oferta de serviços, disponibilidade das informações atualizadas, segurança e confiabilidade dos dados.

O sistema conta com a participação aproximada de 15.000 operadores nos 888 Registros da Propriedade, em 500 localidades geográficas diferentes, e disponibiliza informações de 512.045 livros antigos e de 362.892 novos, correspondendo ao lançamento de 60% do total dos atos registrais espanhóis, mediante o investimento de 30.726.621,15 de Euros, custeado pelo Colégio de Registradores da Propriedade, Bens Móveis e Mercantis da Espanha.

Até o presente momento, no Brasil não há esta preocupação com a interligação dos ofícios registrais imobiliários. Porém, cabe informar que no Estado do Rio Grande do Sul, já está em funcionamento o projeto denominado Cartórios Online – O Portal dos Registradores Civis na Internet.

Este sistema tem a finalidade de registrar, cadastrar, pesquisar e emitir certidões (segundas vias) de todos os atos praticados (nascimento, casamento, óbito, separação, divórcio etc.) pelos quatrocentos e trinta Ofícios Gaúchos, facilitando a vida do cidadão, além de permitir a mobilidade (o registrador pode realizar registros em qualquer lugar dentro da sua circunscrição), a geração automática de todas as estatísticas (SUS, INSS, IBGE etc.) e a padronização de procedimentos.

Panorama econômico

Não é novidade para nós que o Brasil vêm atravessando uma crise econômica, com reflexo no direito de propriedade, pois é muito grande o número de imóveis fora do registro, prejudicando o mercado e os negócios. Diante deste fato, conforme já havia anteriormente dito, em sua recente palestra em Brasília-DF, em outubro do corrente, o Decano dos registradores da Espanha, Fernando P. Mendéz González, reafirmou de maneira contundente o momento histórico que vive o registrador brasileiro diante da possibilidade de, juntamente com o Governo Federal, regularizar as propriedades que se encontram à margem da lei, resultando desta situação maior possibilidade de acesso ao crédito de financiamento, consabidamente um dos principais fatores de giro da economia.

Na Espanha, os juros para a aquisição da propriedade imóvel variam de 1,5% a 3% ao ano, ao passo que no Brasil, a taxa média de juros anual supera, de longe, os 10% ao ano.

Podemos identificar a Espanha como exemplo, onde o sistema hipotecário representa um montante de 54% do PIB, cerca de quatrocentos bilhões de Euros, com aproximadamente cem milhões de contratos hipotecários, demonstrando, com isso, a pujança e a força do sistema registral.

Verificou-se que a sociedade espanhola investe na aquisição da propriedade com o intuito de adquirir a casa própria, fazendo com que o mercado de locações seja muito pequeno, representando apenas onze por cento (11%) do mercado.

Como se vê, o dinheiro colocado no mercado circula em todos os setores da economia, elevando o índice de crescimento do País, valorizando sobremaneira a propriedade – aproximadamente 17% no último ano.

Diferentemente do Brasil, onde os juros variam entre 15% a 18% ao ano, tornando quase impossível e raros os casos de financiamento para aquisições e reformas, grande parte dos imóveis se apresentam em situações clandestinas e irregulares, ficando, de conseqüência, fora do comércio formal, não gerando riquezas para o País.

Percebe-se que a grande diferença do Sistema Brasileiro para o Espanhol, o qual serve de supedâneo para o desenvolvimento e a implementação do instituto da hipoteca, afetando a sociedade em geral positivamente, é o custo do crédito. Enquanto no Brasil são cobrados elevadíssimos juros, fazendo com que o adquirente de um imóvel pague pela coisa algumas vezes o seu valor e o preço estipulado, na Espanha os juros são cobrados em níveis compatíveis para o desenvolvimento de diversos setores da sociedade, e não de um em especial. Lá ocorre o processo inverso do que acontece aqui, pois o imóvel tem um custo superior, mas o crédito para adquirí-lo é facilitado, enquanto aqui, as propriedades apresentam preços compatíveis com a nossa realidade, mas os juros pela concessão do crédito são estratosféricos. Por isso, indaga-se sobre a efetiva necessidade de manutenção dos juros como se apresentam hoje (entre 15 a 20%), embora já tenhamos alcançado o controle da inflação.

Do acima exposto, conclui-se que é chegado o momento de repensar o sistema nacional de crédito, com a adoção de medidas que incentivem o desenvolvimento econômico. Neste sentido, deverá a sociedade brasileira se engajar neste propósito, pressionando o governo para a resolução urgente do problema enfrentado, incluindo toda a classe registral e notarial, para que colaborarem com o governo em prol da regularização, matriculando, desta forma, todos os imóveis sem registro, a custos baixos.

Participaram do curso representantes de quinze países iberoamericanos, incluíndo o Brasil, com a presença, ainda, dos colegas abaixo nominados, que de uma maneira ou de outra, contribuíram para a realização do acima exposto. São eles:

José Alexandre Dias Canheo – 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Bauru-SP.

Luiz Guilherme de Andrade Vieira Loureiro – Titular do Sexto Ofício de Campos-RJ.

Marcos Pascolat – Oficial do Registro de Imóveis e Anexos de Chopinzinho-PR.

Rosângela Vilaça Bertoni – Docente da Universidade de Franca-SP.



[i]* João Pedro Lamana Paiva é Registrador, Tabelião de Protesto, Vice-Presidente e Diretor para Assuntos Internacionais do IRIB.



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