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Estatização dos registros e notariado
O senador Geraldo Mesquita Júnior (PSB/AC) apresentou a Proposta de Emenda à Constituição que recebeu o número 62/2003, cujo teor e justificativa podem ser acompanhados aqui. Para leitura atenta da justificativa do projeto, pode-se acessar o endereço http://www.senado.gov.br/web/cegraf/pdf/20082003/24442.pdf
Pela redação proposta, os serviços registrais seriam executados diretamente pelos Estados, podendo os notariais ser exercidos sob o regime de administração privada, mediante delegação do Poder Público.
Circulando em listas estritas, o projeto do Senador mereceu algumas observações argutas:
a). Apesar da exclusão dos notários, na justificativa do projeto a especialidade mais criticada pelo senador é exatamente a notarial, o que revela certo desconhecimento quanto ao que está sendo proposto.
b). Na justificativa, afirma-se que os registradores civis somente cumpriram a lei da gratuidade após o advento de leis estaduais de compensação, o que é uma inverdade – e todos os registradores civis sabem disso;
c). Nos dados apresentados com a extensa justificativa do projeto, o gráfico anexado indica exatamente onde está o maior índice de subregistros: na região do Estado do Acre, onde os serviços são estatizados, Estado do Senador.
O projeto traz um longo estudo acerca das atividades notariais e registrais, citando, inclusive, um texto de minha lavra que, analisado fora do contexto, pode levar incautos a conclusões completamente equivocadas.
E mais, na parte final do estudo, cita o caso paradigmático do sistema notarial e registral português. Mais um pequeno descuido do estudo, já que aquele país cuida de reformar o seu sistema exatamente para torná-lo mais eficiente. Ou seja, caminhando no sentido inverso do preconizado no estudo.
Para aclarar muito bem as coisas, publicamos abaixo, com autorização do autor, algumas considerações sobre o registro predial português, na voz autorizada de Lourenço Mendonça.
Considero oportuno registrar que dirigi carta ao Sr. Senador, que me respondeu com lhaneza e em alto nível, convidando-me para uma visita pessoal. O teor da carta (editada) e a sua resposta estão logo abaixo. (SJ)
Carta ao Senador
Prezado Senador.
Vi-me citado na justificativa do projeto de emenda constitucional 62 e não posso deixar de registrar que fiquei perplexo.
Estou lendo com bastante atenção (e respeito) a sua longa manifestação.
Lamento unicamente que, fora do contexto, minhas declarações tenham soado completamente distorcidas. O meu texto foi unicamente preparado para mostrar, claramente, que a afetação das atividades notariais e registrais à administração pública direta, como aliás o Sr. sugere com o projeto, atende a uma tendência do vetusto direito português. A falta de um regulamento notarial, com um Conselho profissional, condenou a atividade tabelioa à periferia do notariado do tipo latino, com a adscrição de uma atividade tão própria e singular às atividades judiciárias (como eram desde sempre consideradas as atividades registrais e notariais: órgãos auxiliares da Justiça). E mais, serviu como resposta a um expoente da cultura jurídica paulista que declarou, alto e bom som, que as atividades notariais e registrais no país haviam sido inauguradas com o advento do código civil de 1916...
Aliás, a grande discussão em Portugal, muito diferente do que o Sr. registra em seu trabalho, é justamente "privatizar" a atividade, que ainda permanece ligada ao Estado português, na contra-mão das tendências e recomendações expressas da União Européia.
Curiosamente, lá em Portugal as vozes que se alevantaram contra a "privatização" dos serviços vieram do próprio notariado, avesso às mudanças modernizadoras que o Governo português, em mais de uma oportunidade, procurou implementar. Dá-se assim por ser o notário ali um funcionário público, muitas vezes confortável na situação de assalariado do Estado.
É impressionante como as idéias ficaram fora do lugar. Mas, respeitando a opinião alheia, e em honra à elegância de seu texto, abstenho-me de fazer quaisquer outros comentários, que ficam para outra oportunidade.
Atenciosamente,
Sérgio jacomino
Presidente do Irib - Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Resposta do Sr. Senador
Prezado Senhor Sérgio Jacomino,
Agradeço sua mensagem sobre minha proposta de emenda constitucional que altera o art. 236 da carta magna em vigor. Sobre a transcrição do texto de sua autoria, reservo-me o direito de esclarecer que, sendo impraticável valer-me do contexto de seu utilíssimo trabalho, detive-me no texto, como é da tradição e das boas praxes, nestes casos.
Quanto à sua oposição, aceito-a, democraticamente, como legítima, na medida em que, na qualidade de presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, cumpre zelosamente o dever de resguardar os direitos dos Registradores. As razões de minha postura, por sua vez, como procurei demonstrar na justificação de minha proposta, decorrem da ferrenha oposição dos Registradores em cumprir a disposição constitucional que trata da gratuidade do registro de nascimento e óbito das pessoas reconhecidamente pobres.
A respeito das atividades registrais desenvolvidas em Cuba e Portugal, permito-me apenas lembrar o exemplo de meu Estado, em que, desde 1963, são encargo do poder público.
Cordialmente a seu dispor,
Geraldo Mesquita Júnior, Senador
Portugal deverá privatizar a gestão dos registros públicos e notas - Lourenço Mendonça
Depois de lido o que consta do Diário do Senado Federal, penso que a resposta adequada será chamar a atenção dos Srs. Políticos brasileiros para o que se passa na Península Ibérica.
Em Espanha, os Registros e Notariado têm gestão privada, o que tem permitido uma evolução científica e tecnológica extraordinária. Hoje em dia, é extremamente fácil promover os registros e consultá-los, mesmo sem sair de casa, utilizando a via electrônica.
Em Portugal, o sistema é, desde 1940, público. O atendimento do público é mau, o serviço caro e demorado. Está prevista para breve (15 dias a 1 mês) a privatização do notariado, como meio de melhorar a qualiadade de serviço e agilizar a capacidade de resposta atual.
Em Portugal, os registros e as escrituras ainda são manuscritos ou fazem-se utilizando máquinas de escrever. Só em 27 das cerca de 350 Cartórios existentes no país, há um processo de informatização que, em dez anos, conseguiu o registro informático de cerca de 30% dos registros dos prédios existentes em todo o país, Açores e Madeira incluidos.
Os registros e as escrituras são os mais caros da Europa. Marcar uma escritura em Portugal é extremamente difícil e quanto aos registros, estes demoram largos meses a ser efetuados, apesar de a lei estipular um máximo de 15 dias.
Tem sido proposta a gestão privada como meio de tornar os serviços de registro mais rápidos, mais eficientes e, tecnologicamente, mais evoluídos.
É por isso incompreensível que o Brasil, onde vigora um sistema privado, que é, de um modo geral, eficiente, queira, voltar para trás!
Se neste momento há coisas más (e é preciso prová-lo, não bastando meras notícias de jornal), creio que o problema se repõe com a correção dos erros, sem mexer no que é bom e funciona.
Completando o que dito, aproveito para juntar mais algumas idéias sobre o assunto.
Ainda que, por falta de tecnologias eficientes ao serviços dos Registros, haja grandes atrasos na resposta dada pelas Conservatórias dos Registros, é bem verdade que o sistema registral português é tido como muito seguro, inclusive por parte das entidades governamentais.
O que está mal nos Registros em Portugal é a deficiente gestão pública, e não a qualidade dos agentes.
Em reuniões recentes com o Secretário de Estado da Justiça (governante logo abaixo da Ministra da Justiça), temos abordado a questão da privatização da gestão das Conservatórias, assunto este que é encarado como viável por parte daquele governante, embora tenha, para já, a preocupação de terminar o processo de privatização do Notariado.
A confirmação da existência de deficiências graves na estrutura de funcionamento, pode ver-se nas cartas do Diretor-Geral dos Registros e Notariado, publicadas com o Boletim dos Registros e do Notariado, e acessíveis na página da DGRN - www.dgrn.mj.pt
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