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Café com jurisprudência - Café com lógica, parte 3


No dia de ontem (29/9), dando seguimento ao curso de lógica – café com lógica – Dr. Ricardo Dip avançou sobre o tema dos silogismos, apresentando o texto que abaixo reproduzimos para conhecimento dos interessados.

O percurso das palestras, que recupera um sentido original de caminhada do conhecimento, pode ser retraçado pelos textos que publicamos aqui mesmo, neste Boletim. 

Para grande alegria dos participantes, o texto breves apontamentos acerca dos silogismos especiais, foi especialmente dedicado pelo autor aos convivas do café com jurisprudência, do 5o Registro de Imóveis de São Paulo.

BREVES APONTAMENTOS ACERCA DOS SILOGISMOS ESPECIAIS OU MISTOS[i]*
Ricardo Dip

(Aos convivas do Café Com Jurisprudência, no 5o Cartório de Registro de Imóveis de São Paulo) 

Designam–se silogismos especiais[ii]1 ou mistos[iii]2 o silogismo incompleto[iv]3 — entimema —, os silogismos compostos[v]4 ou complexos[vi]5 — epiquerema, polissilogismo, sorites e dilema — e o silogismo oblíquo[vii]6. Essas formas de argumentação denominam–se especiais em razão do contraste com a forma comum do silogismo categórico; chamam–se ainda silogismos mistos porque resultam de uma composição na qual intervêm diferentes formas lógicas[viii]7.

1. Entimema. 

A palavra “entimema” é de origem grega, designando então, de modo lato, o que se tem na mente[ix]8, o que é objeto do pensamento[x]9, acepção diversa da vigorante em nossos dias, que, por entimema, diz o silogismo incompleto, significado último a que se chegou, já advertido em Boécio e entre os modernos, como resultado de um tratamento lógico puramente formal[xi]10. 

Define–se o entimema, o silogismo em que uma das premissas é subentendida, implícita, não expressa. Por isso fala–se em silogismo truncado[xii]11, silogismo contraído (syllogismus contractus), silogismo abreviado[xiii]12, em que o antecedente, de modo diverso do que se passa no silogismo completo, exprime verbalmente apenas uma premissa: Cogito, ergo sum, por exemplo, é o conhecido entimema de Descartes. Cabe observar, entretanto, que o entimema somente no aspecto interior constitui um silogismo incompleto, pois, mentalmente, apresenta–se em forma completa: “la visión mental — diz De Alejandro — no admite entimemas”[xiv]13: “Penso, logo existo” é uma fórmula verbal que, mentalmente, se articula em forma completa: “Penso; quem pensa, existe; logo, existo”. 

Deus iustus est; ergo crimina puniet (“Deus é justo; logo, pune os crimes”) é um exemplo de entimema, formulado por Fröbes, e que corresponde a este silogismo pleno: Iudex iustus crimina punit; Deus est iustus; ergo Deus crimina punit (“O juiz justo pune os crimes; Deus é justo; logo, Deus pune os crimes”). Na forma contraída, pois, subentende–se a premissa Iudex iustus crimina punit[xv]14. Outro exemplo: “Todo crime é punível; de conseguinte, o furto é punível”[xvi]15, implícita a menor “O furto é crime”. 

Freqüentemente, a conclusão do entimema exprime–se em primeiro lugar (Deus crimina punit, quia Deus est iustus: “Deus pune os crimes, porque Deus é justo”), acompanhando–se, pois, da premissa que a justifica[xvii]16: “A lei é de ser observada, porque toda a lei é justa” (em forma completa: “Todo justo é de ser observado — porque dispõe para o bem comum; ora, toda lei é justa — pois que, do contrário, não seria lei, mas corrupção da lei; logo, a lei é de ser observada”; está subentendida, no entimema, a premissa maior “Todo justo é de ser observado”). 

Observou Maritain, com razão, que, seja na linguagem científica, seja na vulgar, o entimema é de uso mais freqüente do que o silogismo completo[xviii]17, mas essa superior incidência de seu emprego — tributária, possivelmente, de sua maior rapidez expressiva — dá lugar a uma tendência de irreflexão lógica[xix]18, de sorte que o entimema se utiliza, às vezes, para dissimular a falsidade ou a contestabilidade das premissas[xx]19: “o contrato civil é dissolúvel pela vontade dos contratantes; logo, o matrimônio também é dissolúvel pela vontade dos contratantes” (a maior reclamava distinção, pois os contratos civis que interessam a terceiros não podem ser dissolvidos pelo só interesse dos contratantes, e a menor, subentendida, exigia uma contradistinção). 

2. Epiquerema. 

Epiquerema é o silogismo composto ou complexo em que uma ou ambas suas premissas são proposições causais, equivale a dizer: que ao menos uma das premissas vem acompanhada de prova (ou motivação). Por isso, pode falar–se que o epiquerema é um silogismo com premissa causal[xxi]20. 

A despeito de o epiquerema conhecer–se também como um silogismo amplificado (syllogismus amplificatus)[xxii]21, não falta que um autor contemporâneo nele advirta uma abreviação, “já que, para respeitar a forma, seria necessário demonstrar cada premissa por meio de novos silogismos”[xxiii]22. Hessen, por sua vez, sustenta que as premissas causais são verdadeiros entimemas[xxiv]23, e o epiquerema, um polissilogismo abreviado[xxv]24. Como quer que seja, pode admitir–se antes sua relevância mais retórica do que lógica — Aristóteles ensinava que o epiquerema é um silogismo dialético[xxvi]25, contraposto ao silogismo demonstrativo —, forma composta, o epiquerema, que se resolve em dois ou três silogismos não–causais[xxvii]26. 

Exemplos: (i) “O homem é livre, porque sua vontade não se submete a uma lei causal. Ora, o livre pode atuar moralmente. De conseguinte, o homem pode atuar moralmente”[xxviii]27. (ii) “Todo hombre es capaz de reír, porque es racional. Todo filósofo es hombre. Luego, todo filósofo es capaz de reír”[xxix]28. (iii) “A felicidade é o fim último. Ora, o divertimento não é o fim último, por ser um meio de bem trabalhar. Logo, o divertimento não é a felicidade”[xxx]29. (iv) “Toda seqüela é exteriorização do direito real, porque esse direito goza do atributo da inerência. O processo de excussão hipotecário é seqüela, enquanto é modo de sua manifestação. Logo, o processo de excussão hipotecária é exteriorização do direito real”. (v) “A subtração de coisa móvel é furto, no Brasil, porque assim o dispõe o Código Penal brasileiro, artigo 155. Ora, o apossamento, contra a vontade do dono, de uma árvore que o empossador destaca do solo é subtração de coisa móvel, no Brasil, pois é da doutrina que o imóvel por natureza. é suscetível de mobilizar–se, tanto que separado do solo a que adere. Logo, o apossamento, contra a vontade do dono, de uma árvore que o empossador destaca do solo é furto, no Brasil”. 

Dos últimos exemplos extrai–se que o epiquerema pode tender a um certo alargamento na expressão, o que impede, com freqüência, uma visão clara, inequívoca da argumentação[xxxi]30. 

3. Polissilogismo. 

Define–se o polissilogismo uma cadeia de silogismos em que a conclusão do primeiro é, de modo simultâneo, premissa do silogismo seguinte[xxxii]31. Trata–se de uma concatenação[xxxiii]32 de silogismos: o precedente chama–se prossilogismo; o seguinte, epissilogismo. Quando a conclusão do primeiro silogismo serve de premissa maior ao epissilogismo, fala–se então em que o prossilogismo é progressivo; quando essa conclusão serve de premissa menor ao epissilogismo, diz–se que o prossilogismo é regressivo[xxxiv]33. 

Exemplos: (i) “Todo passatempo é meio. ora, o divertimento é passatempo. Logo, o divertimento é meio. Ora, a felicidade não é meio. Logo, a felicidade não é divertimento”[xxxv]34 (note–se que o prossilogismo é aí progressivo). (ii) “Todo corpo vivo é mortal. Ora, todo animal é corpo vivo. Logo, todo animal é mortal. Ora, todo racional é animal. Logo, todo racional é mortal. Ora, todo homem é racional. Logo, todo homem é mortal”[xxxvi]35. (iii) “Toute substance spirituelle est une substance simple, or l‘âme humaine est une substance spirituelle, donc elle est une substance simple; mais toute substance simple est incorruptible, donc l‘âme humaine est incorruptible; mais ce qui est incorruptible ne peut pas cesser d‘être, donc l‘âme humaine ne peut pas cesser d‘être”[xxxvii]36 (observe–se que o prossilogismo tem nesse exemplo caráter regressivo). (iv) “Lo que es inmaterial no tiene partes integrales. El alma humana es inmaterial. Luego, el alma humana no tiene partes integrales. Lo que no tiene partes integrales es incorruptible. Luego, el alma humana es incorruptible”[xxxviii]37 (novamente se está a tratar de um prossilogismo regressivo). (v) “A seqüela é exteriorização do direito real. Ora, o processo de excussão é seqüela. Logo, o processo de excussão é exteriorização do direito real. Ora, a ação hipotecária é processo de excussão. Logo, a ação hipotecária é exteriorização do direito real” (prossilogismo progressivo). 

4. Sorites. 

Define–se o sorites uma forma de silogismo com número superior a duas premissas[xxxix]38 (daí o termo “sorites”, silogismo com um sorós, acumulação de premissas[xl]39), em que o termo extremo menor se une ao extremo maior por uma série de médios subordinados[xli]40, tal que o predicado de uma proposição seja, de modo simultâneo, o sujeito da subseqüente ou da precedente[xlii]41. 

A origem histórica do sorites não o favorece como instrumento da lógica: deve–se o sorites a Eubúlides de Megara, a quem se atribui a primeira formulação do sofisma do “mentiroso”[xliii]42. O sorites — ou seja: “argumento do montão” — surgiu de um famoso sofisma da Antigüidade, inventado por Eubúlides, segundo o qual bastaria um grão de trigo para encher uma taça[xliv]43. 

Exemplos: (i) “Pierre est homme, Tout homme est animal, Tout animal est doué d‘instincts, Tout être doué d‘instincts a des mouvements irréfléchis, donc Pierre a des mouvements irréfléchis”[xlv]44. (ii) “Todo corpo vivo é mortal. Todo animal é corpo vivo. Todo racional é animal. Ora, todo homem é racional. Logo, todo homem é mortal”[xlvi]45. (iii). “Todo crime é suscetível de uma reação penal. Toda subtração invito domino é crime. Ora, todo roubo é subtração invito domino. Logo, todo roubo é suscetível de uma reação penal”. (iv) “A est B. B est C. C est D. Ergo: A est D”[xlvii]46 

5. Dilema. 

O dilema — que São Jerônimo designava syllogismus cornutus[xlviii]47 — define–se o silogismo complexo em que a premissa maior é uma proposição disjuntiva, tal, posto qualquer de seus membros, segue–se, de modo necessário e exclusivo, a mesma conclusão[xlix]48: “ou A é B ou é não–B; se é B, então C; se é não–B, então C; logo, sempre será C”. Diversa é sua significação vulgar em nossos tempos[l]49. 

A força do dilema é vultosa, mas não é fácil construí–lo de modo válido, para o que se exige: (i) que a disjunção da maior seja completa (ou seja, que não admita hipótese intermédia); (ii) que em cada membro do dilema se dê uma reta e perfeita conseqüência; (iii) que a disjunção não seja recíproca, porque, em o sendo, caberia extrair também conclusão contrária, ou seja: chegar à retorsão[li]50. 

O bom dilema é, pois, o irretorquível, de modo que para escapar de um dilema aparente, basta retorqui–lo. 

Exemplos de dilemas legítimos e ilegítimos: 

(i) O dilema do califa Omar. 

“Os livros da Biblioteca de Alexandria ou contêm ou não contêm a mesma coisa que está escrita no Corão. 

“No primeiro caso, contendo a mesma coisa que está escrita no Corão, são inúteis, e, pois, devem ser queimados. 

“No segundo caso, não contendo a mesma coisa que está escrita no Corão, são perversos, e, portanto, devem ser queimados. 

“Logo, em qualquer caso, devem ser queimados”. 

Esse dilema é ilegítimo, porque não colhe o conseqüente parcial de cada um dos membros[lii]51. 

(ii) O dilema de Protágoras. 

Evalthes procurou o sofista Protágoras, contratando–o a que lhe ensinasse retórica. Ajustou que pagaria adiantado cinqüenta por cento do preço das aulas, comprometendo–se a pagar o remanescente depois de sua vitória no primeiro processo. Concluído o curso, Evalthes tardava em aceitar o patrocínio de causas, motivo por que Protágoras ameaçou ajuizar–lhe uma ação, a fim de obrigá–lo a defender uma causa, e a tanto propôs–lhe o seguinte e aparente dilema: 

“Ou ganhas ou perdes a ação.

“Se ganhas, me hás de pagar, em virtude do contrato. 

“Se perdes, me hás de pagar, porque a sentença assim o ordenará. 

“Logo, em qualquer caso, tu haverás de pagar–me”. 

Esse dilema, porém, não tinha conclusão necessária e exclusiva, e recebeu pronta retorsão de Evalthes: 

“Ou ganho ou perco a ação. 

“Se ganho, nada te tenho de pagar, porque a sentença assim o decidirá. 

“Se perco, nada te tenho de pagar, pois nosso contrato diz que só pagarei quando ganhar a primeira causa. 

“Logo, em nenhum dessas hipóteses tenho de pagar–te”[liii]52. 

(iii) O dilema do tirano. 

De um tirano fictício    conta–se que decidiu matar uma pessoa, mas a tanto quis passar–se por razoável e formulou–lhe este aparente dilema: 

“Dou-te uma chance: tu dirás uma proposição. A proposição há de ser verdadeira ou falsa. Se verdadeira, morrerás pela forca. Se falsa, morrerás pela espada. (Logo — pensou o tirano, sem dizê-lo de público —, em qualquer hipótese tu morrerás, pois não há intermédio entre a verdade e a falsidade)”. 

Com efeito, entre o verdadeiro e o falso não há médio, mas falso (ou melhor, ilegítimo) era o dilema proposto. 

Após alguma reflexão, a vítima respondeu com tranqüilidade: 

“Digo–vos esta proposição: Eu morrerei pela espada. Ora, ela é verdadeira ou falsa. Se é verdadeira, como me haveis prometido, terei de morrer pela forca; mas disso advém que minha proposição seria falsa. Ora, se ela é falsa, terei de morrer, como me haveis prometido, pela espada; mas disso segue que minha proposição seria então verdadeira. Logo, já não me podeis matar em nenhum caso”. 

(iv) O dilema de Tertuliano contra Trajano.    

Tertuliano, em seu Apologepticum, censura um decreto de Trajano que, consultado pelo governador Plínio, sobre como proceder acerca das acusações e denúncias contra os cristãos, responde que não se deve persegui–los, mas se, acusados, não renegam de suas idéias, devem ser condenados com a pena capital[liv]53.  Assim Tertuliano critica esse decreto: “…sentença necessariamente confusa. Nega que se haja indagação, por julgá–los inocentes, e manda que se castiguem como culpáveis… Se condenas, por que não os persegues? Se não queres buscá–los, por que não os absolves?”[lv]54. 

Pode estruturar–se logicamente, com Gardeil[lvi]55, o dilema em que formulada essa censura dirigida a Trajano: 

“Ou os cristãos são culpados ou são inocentes. 

“Se são culpados, por que proíbes que os persigam? (o decreto é injusto). 

“Se eles são inocentes, por que punir os que são denunciados? (mesma injustiça)

“Assim, quer sejam eles culpados ou inocente, o decreto é injusto”. 

A despeito de que os autores pareçam, em geral, considerar legítimo esse dilema[lvii]56, Van Acker opina por sua ilegitimidade[lviii]57. 

(v) O dilema de Epimênides. 

O dilema de Epimênides — pensador  grego do século VI a.C., a que parece referir–se São Paulo[lix]58 na Epístola a Timóteo, I – 12[lx]59 —, dilema também designado “silogismo do Mentiroso”, pode assim articular–se: 

“Epimênides é cretense; mas Epimênides afirma que todos os cretenses mentem quando falam; logo, Epimênides mente; logo, os cretenses dizem a verdade; logo, Epimênides também a diz; mas, se a diz, os cretenses não dizem a verdade, etc.”[lxi]60. 

(vi) O dilema contra os céticos. 

Pode esse dilema contra os céticos assim formular–se: 

“Tu dizes que nada sabes. Ora, ou sabes que nada sabes, ou não o sabes. Se não o sabes, já não podes afirmar que nada sabes, e pois tu não deverias falar que nada sabes. Se sabes que nada sabes, tampouco podes afirmar que nada sabes, pois sabes algo, e não deverias falar que nada sabes”[lxii]61. 

(vii) O dilema de Santo Agostinho. 

Voltado a demonstrar a origem divina da religião cristã, Santo Agostinho formulou este famoso dilema: 

“Ou se operaram milagres evidentes para a conversão do mundo e então o cristianismo é divino e aprovado por Deus, ou não houve milagres, e nesse caso a conversão do mundo sem milagres é o maior dos milagres, por ser contrário às leis da ordem moral”[lxiii]62. 

(viii)     O dilema de Santa Catarina de Sena. 

Refere Garrigou–Lagrange[lxiv]63 ao seguinte dilema proposto a Santa Catarina de Sena e à retorsão que ela lhe dirigiu: 

(Tentada a desprezar as mortificações, recebe Catarina a seguinte sugestão:) “Para que te servem estas mortificações, se não estás predestinada? E se estás predestinada, ainda sem elas te salvarás”. (Ou, em forma: Estás predestinada ou não. Se não o estás, inúteis são as mortificações que fazes. Se o estás, bem por isso, inúteis também são elas. Logo, em todo caso, as mortificações são inúteis). A isso retorquiu Santa Catarina de Sena: “Se estou predestinada, por que tens tanto trabalho para perder–me? Se não o estou, por que te fatigas tanto? Não deverias tentar–me, pois, em caso algum” (Pode, em forma, assim articular–se a retorsão de Catarina a seu adversário: “Dizes bem, estou predestinada ou não. Se estou, inútil é  teu trabalho de tentador, buscando perder–me (se já me perdi). Se não estou, inútil é também o fatigar–te para que me perca (se já me perdi). Logo, não deves tentar–me, em caso algum”). 

(ix) O dilema de Jesus Cristo perante Caifás. 

Cabe referir, ainda, ao dilema formulado por Jesus Cristo quando de seu julgamento, perante Caifás[lxv]64. Assim o narra o Evangelho de São João (XVIII – 19 ss.): 

“O sumo–sacerdote indagou de Jesus acerca de seus discípulos e da sua doutrina. Jesus respondeu–lhe: ‘Falei publicamente ao mundo. Ensinei na sinagoga e no templo, onde se reúnem os judeus, e nada falei às ocultas. Por que me perguntas? Pergunta àqueles que ouviram o que lhes disse. Estes sabem o que ensinei”. A estas palavras, um dos guardas presentes deu uma bofetada em Jesus, dizendo: ‘É assim que respondes ao sumo–sacerdote?’ Replicou–lhe Jesus: ‘Se falei mal, prova–o, mas se falei bem, por que bates?‘ (‘Si male locutus sum, testimonium perhibe de malo; si autem bene, quid me cædis?’) ”. 

Em forma, o dilema articula–se como segue: 

“Ou falei bem, ou falei mal.

“Se falei bem, não mereço bofetada (mas aprovação).

“Se falei mal, não mereço bofetada (mas redarguição).

“Em qualquer caso, não mereço bofetada” [lxvi]65. 

(x) O dilema prático.     

Como já ficou sobredito, ao reverso do dilema lógico — argumentação irretorquível — chama–se ainda “dilema” a situação difícil em que se oferece uma alternativa de dois males. Exemplo de dilema prático é este, indicado por Van Acker: 

“a bolsa ou a vida”[lxvii]66. 

O que se está a dizer é “a bolsa ou a bolsa”, isto é: “a bolsa, com a vida, ou a bolsa, sem a vida”. 

Diz Sabaté que “el dilema es la entraña del delito de extorsión, pues el delincuente amenaza con un daño si no se acepta otro”[lxviii]67.  

Felizmente, do dilema prático é possível escapar (no exemplo, fugindo do ladrão, reagindo com êxito, ante a chegada da polícia, etc.).

Sant‘Ana do Parnaíba, Setembro de 2003.



[i]* São estes breves apontamentos dedicados de modo  especial à primeira Turma do curso de Introdução à Lógica Jurídica da Universidade Paulista, campus de Alphaville (agosto e setembro de 1995), turma que deixa saudade. 

[ii][1]  Assim, Jean Tricot, Traité de logique formelle, ed. Vrin, Paris, 1973, págs. 236 ss.  

[iii][2] Cfr. José María de Alejandro, La Lógica y el Hombre, ed. BAC, Madrid, 1970, págs. 280 ss.  

[iv][3]  Cfr. Jacques Maritain, Éléments de philosophie — L‘Ordre des concepts, ed. Pierre Téqui, Paris,  1933, pág. 295, e Leonardo Van Acker, Elementos de Lógica Clássica Formal e Material, separata da Revista da Universidade Católica de São Paulo, vol. XL, 1971, fascículos 77–78, pág. 100. 

[v][4]Maritain, op. cit., págs. 299 ss., e Roger Verneaux, Introducción General y Lógica, tradução espanhola, ed. Herder, Carbelona, 1982, págs. 144 ss. Em contrário, por silogismos compostos, Thiago Sinibaldi (Elementos de Philosophia, ed. França Amado, Coimbra, 1906, I – pág. 49),Juan José Sanguineti (Lógica, ed. Universidad de Navarra, Pamplona, 1985, págs. 141 ss.) e Edgardo Fernández Sabaté (Filosofía y Lógica, ed. Depalma, Buenos Aires, 1979, pág. 117)designam os silogismos hipotéticos

[vi][5] Van Acker, op. cit., págs. 100 ss.  

[vii][6] Maritain, op. cit., págs. 296 ss. Já Van Acker inclui o silogismo oblíquo entre os complexos (op. cit., pág. 100). Não se versará nestes apontamentos acerca do silogismo oblíquo. 

[viii][7] De Alejandro, op. cit., pág. 280.  

[ix][8] Cfr. Van Acker, op. cit., pág. 100. Assim, com essa acepção mais ampla, entimema  significava o pensamento em geral, a reflexão, o raciocínio, e, em Aristóteles, empregava–se com a acepção de silogismo retórico, procedente de premissas verossímeis e de exemplos (cfr. Analíticos anteriores, Bkk. 70 a; cfr. ainda: Maritain, op. cit., pág. 295, e Ioseph Fröbes, Tractatus Logicae Formalis, ed. Universidade Gegoriana, Roma, 1940, pág. 226). 

[x][9]Leonardo Van Acker, Introdução à Filosofia – Lógica, ed. Acadêmica e Saraiva, São Paulo, 1932, pág. 200. 

[xi][10]É o que põe em saliência André Lalande, Vocabulaire technique et critique de la philosophie, ed. Presses Universitaires de France, Paris, 1947, pág. 277. 

[xii][11] Maritain, op. cit., pág. 295: syllogisme tronqué. Também Tricot, op. cit., pág. 236. 

[xiii][12]Jaime M. Mans Puigarnau, Lógica Para Juristas, ed. Bosch, Barcelona, 1969, pág. 119. 

[xiv][13]De Alejandro, op. cit., pág. 281. 

[xv][14]Fröbes, op. cit., págs. 226 e 227. 

[xvi][15] Cfr. Johannes Hessen, Tratado de Filosofía, tradução argentina, ed. Sudamericana, Buenos Aires, 1970, pág. 173.  

[xvii][16] Verneaux, op. cit., pág. 144.  

[xviii][17] Maritain, op. cit., pág. 295.  

[xix][18] De Alejandro, op. cit., pág. 281.  

[xx][19] Verneaux, op. cit., pág. 144.  

[xxi][20] Maritain, op. cit., pág. 299.  

[xxii][21] Fröbes, op. cit., pág. 227.  

[xxiii][22] Verneaux, op. cit., pág. 144. Diz Jacques Maritain que, no exemplo “Tout martyr est saint, parce que tout martyr a la charité héroïque, or Pierre est martyr, donc Pierre est saint”, a premissa maior, que é a causal, resolve–se em um silogismo completo: “Tout homme ayant la charité héroïque est saint, or tout martyr a la charité héroïque, donc tout martyr est saint” (op. cit., pág. 299).  

[xxiv][23]No sentido de que o entimema se reduziria a uma proposição, cfr. Chaïm Perelman e Olbrechts–Tyteca, Traité de l‘argumentation, ed. Universidade de Bruxelas, 1976, págs. 309 e 310. 

[xxv][24]Hessen, op. cit., pág. 173. 

[xxvi][25]Aristóteles, Tópica, Bkk. 162 a.

[xxvii][26]De Alejandro, op. cit., pág. 281.; Mans Puigarnau, op. cit., pág. 120. 

[xxviii][27] Hessen, op. cit., pág. 173.

[xxix][28] Juan Alfredo Casaubon, Nociones Generales de Lógica y Filosofía, ed. Ángel Estrada, Buenos Aires, 1984, pág. 85.  

[xxx][29] Van Acker, Introdução …, op. cit., pág. 204.  

[xxxi][30] De Alejandro, op. cit., pág. 281.  

[xxxii][31]  “… coniunctio syllogismorum, in qua conclusio primi syllogismi simul et una praemissa sequentis syllogismi” (Fröbes, op. cit., pág. 227).  

[xxxiii][32]  E não de um simples ajuntamento, porque a conclusão do primeiro, como visto, serve de premissa ao que segue (cfr. De Alejandro, op. cit., pág. 281). 

[xxxiv][33] Tricot, op. cit., pág. 237.  

[xxxv][34] Van Acker, Introdução …, op. cit., pág. 205.  

[xxxvi][35] Van Acker, Elementos …, op. cit., pág. 102.  

[xxxvii][36] Maritain, op. cit., págs. 299 e 300.  

[xxxviii][37] Casaubon, op. cit., pág. 85.  

[xxxix][38] Van Acker, Introdução …, op. cit., pág. 205.  

[xl][39] Van Acker, Elementos …, op. cit., pág. 102.  

[xli][40] Maritain, op. cit., pág. 300. Diz Casaubon: “Sorites: Es el silogismo con varios términos medios” (op. cit., pág. 85).  

[xlii][41] Fröbes, op. cit., pág. 227.  

[xliii][42] I.M.Bochénski, Historia de la Lógica Formal, tradução espanhola, ed. Gredos,  Madrid, 1967, pág. 118.  

[xliv][43] Cfr. Tricot, op. cit., pág. 237; Verneaux, op. cit., pág. 145.  

[xlv][44] Maritain, op. cit., pág. 300.  

[xlvi][45] Van Acker, Elementos …, op. cit., pág; 103.  

[xlvii][46]Mans Puigarnau, op. cit., pág. 121, estruturando o sorites aristotélico, que se distingue do goclênico, este cuja fórmula é: “C est D. B est C. A est B. Ergo: A est D”. 

[xlviii][47]De Alejandro, op. cit., pág. 285. 

[xlix][48]É, quase à letra, a definição que enunciou Van Acker, Introdução …, op. cit., pág. 206. 

[l][49] Diz, a propósito, Irving Copi: “Hoje dizemos de um modo mais ou menos vago que uma pessoa está em um dilema quando deve eleger entre duas alternativas ambas más ou desagradáveis” (Introducción a la Lógica, tradução argentina, ed. Universitaria de Buenos Aires, 1962, pág. 211).  

[li][50] De Alejandro, op. cit.



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