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Cessão de crédito imobiliário e alienação fiduciária de bem imóvel objeto de compromisso de compra e venda registrado


Com o intuito de discutir o tema da cédula de crédito imobiliário e alienação fiduciária de bem imóvel objeto de compromisso de compra e venda e os problemas que envolvem a operação, o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, Irib, realizou em São Paulo, no dia 1o de setembro de 2003, a conclusão da Audiência Pública 3/2003, instaurada no Boletim Eletrônico 749, em 18 de julho de 2003, de importância não só para os registradores imobiliários, mas também para os demais operadores do direito.

As questões relativas ao tema e às atividades registrárias foram debatidas pelos doutores Ademar Fioranelli, registrador; Alexandre Assolini Mota, gerente jurídico da Companhia Brasileira de Securitização, Cibrasec; Carlos Eduardo Duarte Fleury, superintendente-geral da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança, Abecip; Carlos Henrique Pereira Liso, diretor jurídico da Secretaria da Habitação do Município de São Paulo; Carlos Eduardo da Costa Pires Steiner, representante da Motta Fernandes Rocha Advogados; Flaviano Galhardo, registrador; Luiz Sérgio Schiachero Filho, advogado – Secretaria da Habitação - Resolo; Maria Helena Leonel Gandolfo, registradora aposentada e consultora jurídica do Irib; Melhim Namen Chalhub, registrador e consultor jurídico da Abecip; Narciso Orlandi Neto, consultor jurídico do Irib; Paulo Roberto Gaiger Ferreira, notário; George Takeda, registrador; Flauzilino Araújo dos Santos, registrador; Pedro Klumb, presidente do Sistema Financeiro Imobiliário, SFI; Durval dos Santos, escrevente e pelo estagiário Eduardo Messias Altemani.

O presidente do Irib Sérgio Jacomino informou que a instalação da audiência pública se deve à importância do tema e à necessidade de maior entrosamento entre os registradores e o mercado imobiliário, já que ambos exercem atividades interdependentes.

Segundo o presidente Jacomino, o tratamento plenário dado ao tema da cédula de crédito imobiliário e alienação fiduciária de imóvel compromissado à venda se justifica por se tratar de uma discussão geral, que envolve todos os operadores do direito. O objetivo é a auto-regulação da própria atividade em face de uma tendência à amplificação de contratos utilizados em todo o território nacional.

No caso específico da cessão de crédito imobiliário e alienação fiduciária de bem imóvel objeto de compromisso de compra e venda, já foi dirigida consulta à 1a Vara de Registros Públicos de São Paulo, que mereceu apreciação do doutor Venício Antônio de Paula Salles, no sentido de que seria possível o registro. Porém, em virtude de recurso interposto pelo Ministério Público do Estado de SP., esse tema ainda não foi definitivamente decidido.

As audiências públicas não visam a substituir as decisões que a Corregedoria-geral de Justiça de São Paulo ou outros órgãos venham a tomar a respeito do tema. “Acredito que as discussões deste fórum possam sinalizar uma interpretação adequada ao problema proposto”, declarou o presidente do Irib. “A decisão a que se chegar nesta reunião e a que o Conselho Jurídico do Irib deverá exarar servirão de referência para as discussões em andamento em São Paulo”.

Em breve será inaugurada a sessão Rádio Irib, para figurar no site da instituição, permitindo que os principais trechos dos debates realizados no encerramento da Audiência Pública 3/2003 sejam ouvidos em todo o território nacional.

Debate

Transcrevemos, a seguir, as opiniões expostas pelos convidados presentes à AP 3/2003:

Carlos Eduardo da Costa Pires Steiner, representante da Motta Fernandes Rocha Advogados: O debate sobre a cédula de crédito imobiliário teve início quando fomos procurados por incorporadores interessados em viabilizar um tipo de operação que pudesse baratear o crédito, fazendo o seu financiamento para elevar a quantidade de construções de imóveis colocados à disposição no mercado.

O problema que a princípio era de origem financeira se tornou rapidamente um problema de natureza jurídica. As incorporadoras pretendem ceder o crédito que possuem de compromisso de compra e venda, créditos antigos que ainda têm muitos anos para serem concluídos e alguns créditos novos, que estão sendo formalizados todos os dias. Ao mesmo tempo, fundos e instituições financeiras têm interesse em investir no mercado imobiliário, mas temem os riscos das incorporadoras. Exemplo disso está na falência decretada da incorporadora Encol, que deu ensejo o enorme prejuízo, fazendo com que as instituições financeiras tirassem seus créditos das incorporadoras, tornando-os mais caros e sufocando essas empresas.

A idéia é permitir que o crédito decorrente de compromisso de compra e venda seja cedido a uma instituição financeira ou a um fundo, dando o próprio imóvel como garantia a esse veículo cujo crédito foi cedido, sem prejuízo para o promissário comprador, que já teve seu contrato celebrado com uma incorporadora e não pode ser prejudicado com essa operação.

Partindo desses dois pressupostos, quais sejam, passar o risco da incorporadora para esse veículo e, ao mesmo tempo, assegurar integralmente o direito do promissário-comprador decorrente daquele instrumento, é que imaginamos essa operação.

A primeira dificuldade encontrada foi uma jurisprudência consolidada no sentido de que imóveis compromissados à venda não poderiam ser objeto de alienação fiduciária.

O cartório de registro de imóveis não aceita registrar ou averbar qualquer ato se o imóvel estiver compromissado à venda, visto que essa averbação ou registro poderá prejudicar os direitos do promissário comprador.

Com o advento do novo Código Civil, uma nova disposição no artigo 1.418, dispõe: “O promitente-comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.”

Não se trata tão-somente de uma cessão de crédito, mas de uma cessão de direitos, e é o terceiro que será o responsável pela outorga da escritura de compra e venda. Anteriormente ao novo Código Civil não se cogitava da outorga da escritura ou do registro que não fosse firmado pelo promitente vendedor.

Também tivemos a edição de uma legislação específica das cédulas de crédito imobiliário. Essas cédulas vieram disciplinar uma cessão de crédito que já era aceita, mas agora está regulamentada, permitindo até seu registro no cartório de registro de imóveis, dando maior segurança a esse tipo de negócio.

Diante de expressa disposição legal, a emissão de cédula de crédito imobiliário, sua cessão ou transferência a terceiros, pode ser dada como garantia por meio de alienação fiduciária, também tratada por legislação específica. Desse modo, os operadores do direito têm à disposição três diplomas legais viabilizando essa operação: 1) uma disposição expressa do Código Civil, autorizando transferência a terceiros dos direitos do promitente vendedor; 2) a medida provisória 2223, que criou a cédula de crédito imobiliário e que permite a sua transferência a terceiros, independentemente da anuência do promissário comprador; e 3) a alienação fiduciária de bens imóveis, tratada em legislação específica, podendo servir como garantia de cessão por meio da cédula de crédito imobiliário.

Existindo instrumentos jurídicos, deve-se fazer uma interpretação sistemática de todos esses institutos para se tentar fechar as possíveis aberturas que possam existir ou que possam suscitar problemas ao promissário comprador, ao promitente-vendedor e ao terceiro adquirente do crédito. Dessa forma, se verificaria se todos os direitos estão sendo preservados e se todas as obrigações originalmente contratadas estão sendo cumpridas. Se o negócio correr bem, ou seja, se o promissário-comprador pagar as prestações previstas no seu compromisso, devidamente registrado no registro de imóveis, ele irá obter a sua escritura definitiva.

O promitente vendedor, em geral uma incorporadora, obterá recursos sem ter de esperar um longo prazo para o retorno do seu investimento. Ao ceder em alienação fiduciária o próprio imóvel que era objeto do compromisso de compra e venda original, a empresa vai receber, desde logo, os recursos. Com isso, não haverá prejuízo no caso de haver inadimplemento do promissário comprador, pois já se deu em garantia o imóvel que era objeto do seu negócio.

O veículo, uma instituição financeira ou um fundo, além de fugir do risco em caso de falência da incorporadora, vai continuar recebendo os recursos decorrentes do pagamento mensal das prestações e, ao final, vai ter o retorno do seu investimento.

Em qualquer situação, se os pagamentos ocorrerem no prazo ajustado no compromisso de compra e venda, ou se houver a inadimplência do promissário comprador, todos os direitos e obrigações do compromisso original estarão assegurados.

Por essas razões, entendemos que pode ser defendida a conclusão do parecer submetido à apreciação dos presentes e do mercado em geral. A única ressalva que faço é quanto à sentença da 1a Vara de Registros Públicos de SP. O doutor Venício Antonio de Paula Salles diz que está prevista no compromisso de compra e venda a possibilidade de alienação fiduciária. Entendemos que a alienação fiduciária pode se dar independentemente de previsão no compromisso de compra e venda, pois não afeta de nenhuma forma o promissário comprador. O promissário-comprador não poderia nem mesmo negar a alienação fiduciária como garantia de uma cédula de crédito imobiliário, e a própria natureza dos negócios de cessão de crédito afasta a necessidade de anuência do devedor.

Carlos Eduardo Fleury, superintendente-geral da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança, Abecip: A questão colocada em debate é a possibilidade ou não de se alienar fiduciariamente imóvel objeto de compromisso de compra e venda, não se indagando se o imóvel compromissado estaria pronto ou em construção.

A idéia de viabilizar uma nova garantia no Direito brasileiro surgiu no âmbito da Abecip, que contribuiu com sugestões práticas para a efetivação da lei 9.514/97.

Essa nova garantia é fundamental para viabilizar o mercado secundário de créditos no Brasil. Avaliando a experiência de outros países, sobretudo dos Estados Unidos, descobrimos a necessidade de uma garantia efetiva de que os recursos retornariam na forma como fosse contratada, tendo em vista que esse crédito sempre seria um lastro de um papel para circular no mercado e, portanto, importante até como forma de dar credibilidade ao novo tipo de investimento. Como convivemos com o Sistema Financeiro da Habitação, SFH, que está com 30% de inadimplência, imaginávamos a necessidade de um documento com uma garantia eficaz.

No início, a preocupação maior foi criar uma alienação fiduciária nos moldes da alienação fiduciária de bens móveis, de forma a dar efetiva garantia ao credor em caso de inadimplência e a possibilidade de ter assegurado o retorno desses recursos o mais breve possível, tendo em vista que esse crédito estaria lastreando um outro tipo de investimento, o certificado de recebíveis imobiliários, CRI.

Com a constituição do SFI, sistema de financiamento imobiliário, também se procurou dividir os riscos existentes na operação de créditos. No sistema normal, o agente financeiro ficava com todos os riscos.

Com a constituição da Companhia Brasileira de Securitização, Cibrasec, e de outras securitizadoras, a idéia foi dividir os riscos, ficando o agente financeiro com o risco de originação e transmitindo os demais para as companhias de securitização.

Num primeiro momento se imaginou que os créditos oriundos de imóveis objetos de compromisso de compra e venda, prontos ou em fase de construção, não poderiam ser securitizáveis, pois não deveria haver risco por parte do adquirente do crédito. Porém, a meu ver a legislação agiu corretamente não impedindo a compra e venda e a securitização desses créditos, mesmo tratando-se de imóveis em fase de construção.

Há um risco razoável se lembrarmos exemplos de empresas como a Encol, a garantia desaparece com uma falência. Em razão disso, as operações com esse tipo de conformação deveriam ser exceções. Com a dificuldade que se tem hoje de transmissão, as incorporadoras acabaram assumindo a função de bancos, tendo em vista a escassez de crédito no país. Desse modo, o mercado de incorporação pretende agora securitizar as chamadas vendas diretas, em que o incorporador recebe parceladamente o preço das unidades, num processo de recebimento antecipado dos recursos.

De acordo com estudos que fizemos na Abecip, o objetivo de securitização de créditos compromissados deveria ser a cessão pelos riscos não da operação, mas da construção, no caso de imóvel prometido à venda, transmitindo ao compromissário-comprador a posse do imóvel.

Com a constituição da propriedade fiduciária, diz a lei 9.514, artigo 23, parágrafo único, que se dá o desdobramento da posse, ficando o devedor ou o fiduciante com a posse direta e o credor ou o fiduciário com a posse indireta.

Sem considerar os riscos que envolvem a operação, entendo que uma vez que há uma cessão de crédito e, portanto, um recebimento antecipado de recursos, o incorporador poderá utilizá-lo da melhor forma que lhe convier, mesmo não aplicando no próprio objeto da constituição. Isso pode gerar situações do tipo da Encol, ou seja, o incorporador antecipa recursos e o fluxo de pagamentos dos compradores passaria para um novo credor. Para início e término de construção é necessário que aqueles recursos sejam aplicados no próprio imóvel, mas não há nenhuma vinculação de que o incorporador, ao receber o valor, irá aplicá-lo no próprio imóvel.

Do ponto de vista prático esse é um risco de crédito que me preocupa. Mas do ponto de vista jurídico há o desdobramento da posse. Se o imóvel está compromissado à venda e o incorporador não é mais o possuidor direto da coisa, não poderá desdobrar a posse. Como se dá o desdobramento da posse, visto que, o incorporador está com o domínio, mas não tem mais a posse?

Não consigo transpor a condição da lei, por essa razão eu concluiria no sentido de que estaria impossibilitada a realização de alienação fiduciária nessas condições.

Melhim Namen Chalhub, advogado: O que se discute aqui é a possibilidade ou não de securitização de créditos oriundos de promessa de compra e venda de imóveis já concluídos, tendo em vista a dificuldade e o risco grande e incalculável das promessas de compra e venda de imóveis em fase de construção.

O parágrafo único do artigo 23 [Lei 9514/97], quando trata do desdobramento da posse, está tipificando o contrato de alienação fiduciária, ou seja, está atribuindo a posse indireta ao credor fiduciário e a posse direta ao devedor fiduciante.

Quando falamos em créditos oriundos de promessa de compra e venda precisamos buscar uma garantia, vincular o imóvel a um crédito e este a uma securitizadora. Deve haver uma correspondência quase que rigorosa entre os créditos e os títulos emitidos e, também, um lastro imobiliário, porque isso é que justificaria ou que diferenciaria a operação de securitização de créditos imobiliários. Não sendo assim, trata-se de uma securitização comum, não havendo que pensar num diferencial de mercado que daria ao título decorrente de uma securitização imobiliária a segurança e a estabilidade próprias do negócio.  

Discute-se muito quanto à conceituação de crédito imobiliário. Algumas pessoas entendem que créditos decorrentes de mútuo com garantia imobiliária não podem ser considerados créditos imobiliários, até porque o sentido da lei é proporcionar mecanismos do mercado de produção de modo a fomentar a criação de um mercado secundário que sirva de fonte de recursos.  

A meu ver o crédito originário de uma promessa de compra e venda é um crédito imobiliário porque se diferencia, de certa maneira, de um crédito vinculado a uma hipoteca ou propriedade fiduciária. Na hipoteca e na propriedade fiduciária a transmissão do crédito se dá acompanhada da garantia e, por conseqüência, o cessionário e a companhia securitizadora, sendo titular do crédito, têm todo o poder sobre a garantia imobiliária. E é exatamente nesse sentido a proposta do Carlos Eduardo Duarte Fleury, a de utilizar a garantia fiduciária, pois, assim, se transmitiria a propriedade fiduciária à companhia securitizadora.

É difícil ajustar a alienação fiduciária à hipótese de promessa de compra e venda devido à impossibilidade de se desdobrar a posse, de outorgar a posse pelo promitente vendedor, fiduciante, à companhia securitizadora, credora fiduciária. Isso porque ao contratar a promessa de compra e venda o promitente-vendedor já terá transmitido a posse ao promitente-comprador, pleno possuidor do imóvel.

Para que o promitente-vendedor transmitisse a posse num contrato de alienação fiduciária com a securitizadora seria necessário que ele retirasse a posse do promitente-comprador.

Já estudamos um parecer no mesmo sentido, de se constituir uma garantia hipotecária condicional. A condição dessa hipoteca seria o desfazimento do contrato de promessa de compra e venda, ou seja, o promitente-vendedor constituiria, em favor da securitizadora, hipoteca do imóvel prometido à venda, subordinado à condição suspensiva do desfazimento do contrato de compra e venda. Inadimplente o comprador e proposta ação de resolução de contrato de promessa de compra e venda, o evento do desfazimento daria plena eficácia à hipoteca. Desse modo, a securitizadora estaria legitimada a ajuizar ação de execução contra o promitente vendedor, que já teria recuperado a plena propriedade do imóvel.

Outra sugestão é a venda condicional. A condição que ficaria subordinada à venda seria o inadimplemento do promitente-comprador. Ou seja, verificado o atraso no pagamento da prestação do promitente-comprador, o promitente vendedor, representado por uma securitizadora, ou não, identificaria a propagação da mora. Purgada a mora, caracterizando o inadimplemento do promitente-comprador, se implementaria a condição suspensiva a que está subordinada a venda. Nesse momento, a companhia securitizadora se tornaria proprietária do imóvel, podendo ajuizar ação de resolução de contrato de promessa de compra e venda, apropriando-se do imóvel para suprir as necessidades de pagamentos de resgate dos títulos.

A venda condicional é perfeitamente possível e está prevista no artigo 125 do novo Código Civil. Fundamento legal para a venda condicional está, também, no artigo 167, inciso I, XXIX, da Lei de Registros Públicos, que dispõe que se fará, no registro de imóveis, o registro da venda pura ou da condicional.

A pergunta é: para o registro da venda condicional, não se transmitindo a propriedade, seria exigido o pagamento de ITBI? A resposta é: não. A não ser quando verificada a condição. Uma vez comprovado o inadimplemento do promitente-comprador, aí sim, torna-se exigível o imposto de transmissão porque se está transmitindo a propriedade ao comprador sob uma condição. E essa exigibilidade também está prevista no Código Tributário Nacional, artigo 117, que diz que só se reputam completos, perfeitos e acabados os negócios sob condição suspensiva quando verificada a condição. Eu creio que essa forma de venda condicional atenderia às necessidades do mercado, ou seja, a necessidade de vincular o imóvel à securitizadora e assegurar o lastro, se suficiente, para a busca de recursos para o resgate dos títulos.

Pedro Klumb, presidente do Sistema Financeiro Imobiliário, SFI: O objetivo todo que se tem de viabilizar mais uma garantia nesse tipo de operação é exatamente fazer com que no título que vai ser vendido pelo investidor, seja ele emitido pela companhia securitizadora ou um fundo de direitos creditórios, não traga riscos desconhecidos ou não adequadamente protegidos.

Se imaginarmos a operação com o compromisso de compra e venda, não importa se se trate de imóvel pronto ou em construção, pois se o imóvel está em construção diversos outros mecanismos de garantia vão ser adotados na operação, como por exemplo, um seguro performance.

A questão não está em saber se devemos ou não fazer a operação com determinados riscos, mas no fato de que em se fazendo a operação com determinados riscos estes têm de ser adequadamente tratados. Se o imóvel está em construção, trata-se o risco de construção e se o imóvel já está pronto, tratam-se os riscos envolvidos.

O objetivo básico que se tem em agregar alienação fiduciária como garantia de segunda instância numa operação de cessão de compromisso de compra e venda é exatamente o de proteger a situação em que seja necessário recorrer à garantia imobiliária porque é quase obrigatório se estabelecer uma co-obrigação do originador.

Enquanto existe o fluxo de dinheiro, de pagamento do promitente-comprador e do devedor da operação, nada pode acontecer, ele continua cumprindo suas obrigações e todo o resto da estrutura fica esperando que se chegue ao seu final. Os problemas começam a surgir quando esse fluxo deixa de existir, ficando o devedor inadimplente. A situação mais comum, nesse caso, é retrovender esse crédito para o originador ou cedente. Nessa situação, obrigatoriamente, deveria ser devolvida a operação para o cedente. Agora, como devolver a operação ao cedente se ele estiver em uma situação em que não pode exercer sua obrigação, como em caso de falência? É nessa situação que se precisa ter a garantia em alienação. Será que numa situação de falência do incorporador, ele não estaria impedido de exercer a venda condicional?

Melhim Namen Chalhub: A venda condicional é registrável desde logo. Pode-se contratar a venda condicional hoje e registrá-la hoje mesmo, independentemente do implemento da condição. Por isso mesmo é que a Lei de Registros Públicos prevê o registro da venda condicional. Desde o momento em que se registrou a venda condicional os efeitos produzidos com relação a terceiros são os mesmos da alienação fiduciária.

Quando se fala em alienação fiduciária estamos nos referindo a uma alienação subordinada a uma condição resolutiva. Na venda condicional, estamos nos referindo a uma alienação subordinada a uma condição suspensiva. Se é possível alienar fiduciariamente, é também possível alienar sob uma condição suspensiva.

Carlos Eduardo Fleury: A questão prática é a possibilidade ou não de alienar fiduciariamente um imóvel compromissado à venda. A minha posição é a de que não é possível essa alienação.

Quanto às questões comerciais como riscos mitigados, seguros, é o mercado quem vai resolver. Agora, um compromisso de compra e venda levado ao registro de imóveis pelo proprietário, seja incorporador ou terceiro, fazendo uma alienação fiduciária a uma companhia de securitização, vai ser registrado?  

George Takeda: O que acontece no caso de uma operação de alienação fiduciária pura, sem compromisso? O devedor aliena a propriedade ao credor. Ocorrendo o inadimplemento, o credor requer ao oficial do registro de imóveis que intime o devedor para purgar a mora. Não havendo a purgação, se consolida a propriedade em nome do credor fiduciário. Como se resolve o compromisso de compra e venda, no caso em que quem está pagando é o compromissário-comprador? Quem o registrador vai intimar? O compromissário não é o devedor, vai ter que intimar o terceiro. Como se resolve o compromisso nesse caso?  

Sérgio Jacomino, presidente do Irib: Um pronunciamento sobre o tema foi feito pelo Dr. Ricardo Nahat:

“Em atenção ao soIicitado em 14 de agosto próximo passado, relativamente à transformação de compromisso de venda e compra registrado em alienação fiduciária, tenho, por mim, ser inviável a questão, por duas razões: 

1) o compromisso de venda e compra de bem imóvel cria um direito real oponível a terceiros, e a alienação ou oneração desse bem a terceiros, sem a anuência do compromissário-comprador, cujo contrato de compromisso se encontra registrado, constitui ilícito penal, podendo incorrer, em tese, em crime de estelionato;

2) o próprio regime jurídico, transformado de compromisso de venda e compra registrado em alienação fiduciária, é ainda pior, porque no compromisso, mesmo que contenha as cláusulas de irrevogabilidade e irretratabilidade, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, se distratado ou rescindido por Iivre vontade das partes envolvidas, as prestações pagas podem ser devolvidas ao promitente-comprador ao passo que na alienação fiduciária essas prestações não são devolvidas e no inadimplemento de três delas (por exemplo), a propriedade plena se consolida em mãos do fiduciário, ou seja, o compromissário-comprador, metamorfoseado em devedor fiduciante, além de perder as parcelas que pagou, perde, também, o imóvel.

Note-se que toda a argumentação desenvolvida nos trabalhos compilados se refere ao caso do adimplemento das obrigações pelo compromissário-comprador (devedor fiduciante), falando-se da outorga da escritura, etc.; não se tratou do inadimplemento, situação para que são feitos os contratos, em última análise.

É o meu parecer, sub censura”.  

Narciso Orlandi Neto, conselheiro jurídico do Irib: Em relação ao disposto pelo Dr. Nahat, quer me parecer que ele se confundiu. Não há transformação do compromisso em alienação fiduciária. Absolutamente, são coisas distintas.

Temos de saber primeiro se o contrato de alienação fiduciária pode ingressar no registro de imóveis. O contrato de alienação fiduciária, nessa hipótese, é um contrato típico.

Eu apreciei um contrato apresentado a um cartório de registro de imóveis, em São Paulo, em que havia a emissão da cédula de crédito imobiliário, alienação fiduciária e havia compromisso de compra e venda. Foi usada, como forma de execução do contrato, no caso de inadimplemento do compromissário-comprador, a própria lei 9.514, o que é um absurdo. Não podemos usar a execução da lei 9.514 contra o compromissário-comprador. A única execução que é possível é a ação de rescisão de contrato cumulada com reintegração de posse, não há outra possibilidade.

Eu não sei qual seria a vantagem do credor fiduciário em executar, na forma da lei 9.514, o fiduciante. Ele não pode recuperar a posse direta que é do compromissário-comprador. Ainda que superássemos o problema do desdobramento da posse na constituição da propriedade fiduciária, como seria a execução no caso de inadimplemento do fiduciante? O fiduciário entraria na posse do imóvel ou não? A cessão da posição do promitente-vendedor com sub-rogação do cessionário em todos os direitos não resolveria o problema?

Sérgio Jacomino: Na verdade, toda a tipologia dessa contratação é concebida para a garantia no caso de haver interrupção no fluxo da prestação devida pelo promissário comprador. É num momento posterior que aquele que é o proprietário fiduciário, que sucedeu o promitente vendedor, tomará as medidas judiciais cabíveis para executar especificamente o contrato de compromisso de compra e venda.

A cessão da posição do promitente vendedor, com pura e simples sub-rogação do crédito, não resolveria porque, nesse caso, não se transferiria a propriedade. Se o compromissário-comprador deixar de pagar, por exemplo, ele fica unicamente com uma ação contra o promitente-vendedor que continua sendo titular de domínio.

Carlos Eduardo Steiner: Já tivemos oportunidade de debater muitas das questões levantadas.

Falando sobre o desdobramento da posse, do ponto de vista legal, a medida provisória 2223 prevê a cédula de crédito imobiliário e prevê, dentre as formas de garantia da cessão do crédito imobiliário, a alienação fiduciária.

Como se está falando em alienação fiduciária de bem imóvel, se tem presente o típico negócio fiduciário, que já era previsto no Código Civil. Fizemos uma complementação do parecer nesse sentido. O desdobramento da posse é uma característica, mas não é essencial para definição do que seja o negócio fiduciário. Existem diversos negócios fiduciários em que a posse direta não será exercida pelo devedor fiduciário, qual seja, a possibilidade de o proprietário oferecer em alienação fiduciária imóvel locado, para garantia de outra operação. Também, a possibilidade de alienar fiduciariamente a nua propriedade de um imóvel gravado com usufruto, ou seja, o usufrutuário continua exercendo a posse, podendo o nu-proprietário ceder o bem em alienação fiduciária.

Na hipótese de alienação fiduciária de bem móvel em que numa operação contratada por um indivíduo, ou uma instituição financeira, se oferece em garantia de alienação fiduciária uma máquina que não é dela, e sim de um terceiro, obviamente com a anuência deste, a posse direta continua sendo exercida por quem não é o alienante e nem por isso se descaracteriza. O negócio fiduciário se caracteriza pela transferência dessa propriedade sob uma condição resolutiva. Ou seja, havendo essa caracterização de que se trata de uma propriedade com limite de tempo, situação que não acontece na cessão da propriedade e o exercício dessa posse não seja feita pelo credor, já tem o negócio fiduciário, não importando que a posse direta seja exercida especificamente por aquela pessoa que cedeu o bem, podendo ser exercida por um terceiro.

Quando o próprio artigo 23, parágrafo único, diz que o fiduciante se torna o possuidor direto, isso não significa que ele não possa ceder a posse a terceiro, não possa autorizar a utilização por terceiro. No caso da alienação fiduciária desse imóvel há um veículo, há um fundo, nada impedindo que esse novo titular mantenha a posse.

Outro aspecto que abordamos no nosso parecer, e que é muito relevante, é que o que está sendo cedido nessa alienação fiduciária é uma propriedade com uma característica, já não é uma propriedade plena, mas uma propriedade diminuída pela existência de um compromisso de compra e venda. O que o terceiro está recebendo é uma propriedade em que ele terá de obedecer todas a limitações impostas pelo compromisso de compra e venda. Quando falamos em posse direta ou indireta não estamos, necessariamente, falando da posse daquele bem imóvel, mas quase que em posse de um direito.

Essa questão pode ser superada porque não é um elemento caracterizador do negócio fiduciário que essa posse, direta ou indireta, tenha que ser exercida pelo fiduciante. O que importa é que ela não seja exercida pelo fiduciário, de outra forma não se teria a fidúcia e sim a transferência pura e simplesmente da propriedade.

Um risco que o Dr. Fleury vê no negócio é de o incorporador não aplicar os recursos na construção. Eu acho que aqui o negócio traz mais segurança para o promissário-comprador porque esse fundo terá interesse em controlar a construção, uma vez que se o promissário-comprador constatar que seu imóvel não está sendo construído pára de pagar e, aí sim, o próprio fundo pode contratar outra incorporadora com os recursos que vai receber dos promissários compradores.

Da mesma forma, se a incorporadora tiver uma falência decretada, esse imóvel já não mais lhe pertence, pertence ao fundo, e o fundo, para garantir o fluxo dos recursos, precisa continuar com a construção, contratando outra incorporadora. Não me parece que esse risco possa inviabilizar a operação.

A respeito da venda e hipoteca condicionais, uma dúvida é que a defesa da alienação fiduciária se deu porque desde logo se tem a transferência da propriedade. Na hipótese de falência seria complicado obrigar a massa falida a vender aquele bem, a condição só se implementou depois de uma eventual decretação de falência. Se o negócio é condicional, não se pode obrigar o seu exercício depois de uma falência. É esse risco que estamos tentando afastar pela operação, por isso a opção pela alienação fiduciária. É a única maneira de tirar do incorporador a propriedade do imóvel, afastando o risco do fundo do terceiro investidor ao risco do promissário comprador.

Na hipótese de inadimplência o notificado deverá ser o promitente-vendedor original porque transferiu o seu crédito, garantindo-o com a alienação fiduciária e o crédito não está sendo pago.

O procedimento da lei é que o terceiro notifica o promitente-vendedor de que não está havendo o pagamento e este terá duas opções: perder a propriedade definitiva do imóvel em favor do terceiro ou pagar e retomar o bem. Em qualquer das hipóteses, o promissário-comprador só pode ser executado na forma da lei, notificação ou execução tradicional, pois não foi ele que contratou uma alienação fiduciária.

O promissário-comprador não é objeto da disciplina especial da lei de alienação fiduciária. Quem é objeto desse contrato é o promitente-vendedor e o terceiro a quem foram cedidos os créditos por meio da cédula de crédito, garantida pela alienação fiduciária de um imóvel já prometido à venda. O objeto do contrato não é a propriedade plena e, sim, uma propriedade residual.

O Código Civil prevê a transferência a terceiros da propriedade residual do promitente vendedor, ou seja, se ele pode vender, por que não poderia dar em alienação fiduciária?

A posse não é questão grave o suficiente para inviabilizar a operação, até porque em outros casos como a alienação fiduciária de imóvel locado ou de nua propriedade de imóvel dado em usufruto, de alienação fiduciária de bem de terceiro, de propriedade intelectual, em nenhuma dessas se tem o exercício de posse direta pelo fiduciante. Não vejo isso como obstáculo à alteração.

Alexandre Assolini Mota, gerente jurídico da Companhia Brasileira de Securitização, Cibrasec: O isolamento do risco do incorporador é sempre uma questão que interessa muito a todos os operadores do mercado porque essa é a principal dificuldade que encontramos hoje em dia, trabalhando com promessas de compra e venda.

Não se cogitou, nessa alienação fiduciária, o isolamento do risco do incorporador ao passo que, na hipótese de inadimplemento da promessa, vai-se executar o próprio incorporador. Se ele estiver em uma situação de falência ou concordata, vamos ter os mesmos problemas e o risco permanecerá como estaria no caso da promessa de compra e venda.

Se eu adquiro um direito creditório de uma promessa de compra e venda e a propriedade fica em favor do incorporador, na hipótese de falência desse incorporador a propriedade vai ser arrecadada pela massa.

No caso proposto a propriedade está, efetivamente, com o credor fiduciário, mas devo ser obrigado a executar um devedor fiduciante que tem seus processos interrompidos, seus contratos rescindidos nas hipóteses de falência. Essa é uma questão do ponto de vista da Lei de Falências em vigor e que deve merecer mais atenção.

Uma outra questão diz respeito ao direito do incorporador, que poderá ser transferido, de acordo com o novo Código Civil. Sob o ponto de vista da Lei 9.514/97, também acredito que o direito do incorporador pode ser dado em garantia porque quem pode ceder um direito, pode dá-lo em garantia. Mas, sob a luz do contrato típico de alienação fiduciária, fico na dúvida, talvez possa ser objeto de outras garantias.

As dúvidas em relação à alienação fiduciária existem porque, primeiramente, aprendemos nas escolas de Direito que na lei não existe letra morta, ou seja, o parágrafo único do artigo 23 tem que ter uma finalidade expressa. Também acho que os direitos do fiduciante podem ser transferidos – aliás, a lei 9.514 é expressa, no artigo 29, ao mencionar que o fiduciante pode transferir o seu direito, desde que com a anuência expressa do fiduciário. Isso representa dizer que na celebração do ato jurídico da alienação fiduciária todos os direitos inerentes à propriedade devem estar consubstanciados no devedor fiduciante.

Desse modo, entendo que a questão da posse é formal e que deve ser verificada no momento da contratação da alienação fiduciária. Em outras palavras, o fiduciante deve ter a posse direta e indireta e pode transferir os seus direitos em ato contínuo. A lei definiu, a meu ver, uma condição para a celebração da alienação fiduciária que não veio a ser estabelecida pela lei 9.514, é uma questão que vem do decreto 911/69 cuja redação é muito parecida com essa, se não a mesma.

Ainda sobre o isolamento do risco do incorporador, o artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor estabelece a obrigação de devolução de parcelas pagas. É muito difícil isolar esse risco e tirar o incorporador completamente da relação.

Melhim Namen Chalhub: Quanto ao que foi exposto pelo Dr. Carlos Eduardo Steiner, sobre o usufruto, a locação e a posse do incorporador durante a obra, acredito que há uma diferença muito grande. No usufruto, o nu-proprietário pode contratar a alienação fiduciária. Na locação, o locador é que cede a posse a terceiro por livre manifestação de vontade. Já na promessa de compra e venda não se trata de ato de vontade do promitente-comprador, a posse está sendo retirada dele forçadamente.

O mais importante aqui é a forma de transmissão da posse. O promitente-comprador está sendo privado da posse por alguém que não a detém.

Quanto à dúvida sobre a eficácia do registro, diz o novo Código Civil, no artigo 1.246, que “o registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro, e este o prenotar no protocolo”, ou seja, a venda condicional ganha eficácia desde a hora em que foi apresentada no registro. Aliás, a sugestão é de que seja logo apresentada ao registro, pois já estará produzindo seus efeitos, retroagindo até aquela data da prenotação.

Pedro Klumb: Se a posse está sendo subtraída, significa que está havendo a perda de algum direito. Em que circunstância o promitente-comprador, na operação que está se propondo, teria a perda de qualquer direito em relação aos que ele tinha no compromisso de compra e venda? Qual é a subtração de direito do promitente-comprador nessa operação?

Melhim Namen Chalhub: O argumento da perda ou da conservação do direito do promitente-comprador é importante, mas não pode levar à distorção da tipificação do contrato porque a lei não contém palavras inúteis, se está escrito na lei é porque faz sentido. Por outro lado, se existe no ordenamento uma outra fórmula que não provoque controvérsias, não faz sentido fazermos esse contorcionismo para buscar uma alienação que seja específica se a alienação condicional simples serve para o propósito de dar lastro à securitizadora.

Sérgio Jacomino: Tem um dispositivo na lei 6015/73 que trata especificamente da hipótese de falência. Diz a Lei que são nulos os registros efetuados após sentença de abertura de falência, ou do termo legal nele fixado, salvo se a apresentação tiver sido feita anteriormente. É o teor do artigo 215.

Por outro lado, é possível entender que a “prototipação” da alienação fiduciária, como estabelecido no debatido art. 23 da Lei 9514/97, atenda àquelas situações típicas que na generalidade da contração ocorrem. Mas é possível uma leitura menos formalista e apanhar os casos que se não reduzem ao tipo legal estrito.

Parece-me que toda a questão remanesce na tipicidade do contrato de alienação fiduciária que, em razão dessa proposta, estaria sendo desnaturada.

Por outro lado, não vejo a distinção entre a hipótese do usufruto, que seria uma manifestação de vontade do proprietário, que institui a favor de terceiros direito real de usufruto e a hipótese que está sendo aqui tratada, porque também se trata de compromisso de compra e venda, é disposição do titular de domínio pleno que compromete o seu imóvel à venda, então se constitui um direito real de aquisição em favor do compromissário-comprador.

Carlos Eduardo Fleury: A posse plena na mão do proprietário que pretende alienar o imóvel fiduciariamente é essencial e elemento caracterizador do contrato de alienação fiduciária. Sem a posse plena, não se pode constituir em alienação fiduciária o bem de sua propriedade.

Narciso Orlandi Neto: A situação de o possuidor se colocar ao mesmo tempo como possuidor direto e indireto da coisa existe no nosso direito e é reconhecida. Quando o locatário contrata a sublocação do imóvel se torna, num só tempo, possuidor direto, em relação ao locador e possuidor indireto, em relação ao sublocatário.

Quando o locatário contrata a alienação fiduciária, ele dá a posse direta ao fiduciário e mantém a posse indireta consigo, ele se coloca nas duas posições, como faz o inquilino, que também é sublocador, ou o arrendatário, que contrata o sub arrendamento.

Melhim Namen Chalhub: Durante a fase de construção do imóvel o incorporador adquire o imóvel sob forma de contrato de compra e venda com alienação fiduciária, e, em tese, se tornou fiduciante e possuidor direto do imóvel.

Com relação a esse apossamento do incorporador construtor sobre o imóvel, trata-se mais de uma detenção do que de uma posse, pois se está apenas detendo o imóvel para cumprir uma determinada finalidade de natureza prática, qual seja, a de executar a obra.

Num contrato de construção normal, o dono tem a detenção do imóvel. O contratante da construção não perdeu a posse direta da casa que está sendo construída.

Não se trata de alienação fiduciária do crédito imobiliário, mas sim, da possibilidade de securitização do crédito imobiliário, se para efeito de securitização o crédito imobiliário pode ser compreendido num sentido amplo.

George Takeda: Com o Código de Defesa do Consumidor, a obrigação do promitente-vendedor com relação ao compromisso de compra e venda não é só passar a escritura, ele tem uma obrigação maior que é a de devolver o dinheiro em caso de rescisão. Hoje é nula a cláusula que prevê a perda total.

O promitente-vendedor não pode vender sem a anuência do compromissário-comprador. Se o contrato está quase no fim, arranja-se um “laranja” que depois fica obrigado a devolver o dinheiro. Se não tiver condições de arranjar o dinheiro, fica com a propriedade. A meu ver, a obrigação não pode ser transferida sem a anuência do credor.

Nessa operação não vejo problema de se ter a posse, os dois juntos, em uma propriedade plena. Um tem o compromisso e a posse, e o outro, a propriedade, transferindo, em conjunto, ao credor fiduciário.

O promissário-comprador tem que comparecer porque ele tem um crédito que não pode ser transferido sem a sua anuência.

Sérgio Jacomino: A garantia está em que o fluxo de pagamento do compromisso daquele contrato originário não se interrompa. É só na hipótese estrita de interrupção que se vai consolidar a propriedade naquele terceiro, que teve antecedentemente todas as medidas judiciais cabíveis desencadeadas. Se pagar as parcelas do compromisso de compra e venda até o final, receberá a escritura do vendedor originário.

Ademar Fioranelli, registrador: A possibilidade de interferência vai depender da modificação da lei, que obriga a anuência prévia do fiduciante. Se ele não anuir não vai poder ser feita a transação.

O promitente-vendedor não tem mais o domínio do imóvel para outorgar um segundo título, seria gerar um direito contraditório. Tem meramente a obrigação da outorga, aliás, nem a manifestação para essa outorga hoje é necessária, bastando a quitação para que a transmissão definitiva seja operada no registro de imóveis (nas hipóteses estritas da lei de parcelamento do solo urbano).

Entendo que é impossível essa transação porque o promitente-vendedor não mais detém o domínio, mesmo que detivesse seria necessária a mudança da lei para que fosse excluída expressamente a anuência do comprador.

O titular do dom&ia



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