BE823

Compartilhe:


 

Café com jurisprudência - Ricardo Dip inaugura curso com café com lógica


No dia de ontem (8/9) teve início o programa Café com Jurisprudência, encontros informais para discussões técnicas registrais e notariais e tertúlias acadêmicas, tendo por objetivo desenvolver nos participantes o gosto para a leitura e o pensamento crítico.

Na primeira aula, Dr. Ricardo Dip lançou um repto: é preciso vencer a tendência de confortar-se às idéias prontas e acabadas. É preciso exercitar-se, colocar o pensamento em movimento, matricular-se na academia do espírito. “Aprende-se a escrever, escrevendo; aprende-se a andar, andando; aprende-se a pensar... pensando!”, disse. 

Alguém poderia questionar a concepção de um curso como esse – na verdade um encontro informal, uma parada para um café com jurisprudência – um café com lógica –, para tratar de temas tão distantes do dia a dia de um cartório, aparentemente alheados de suas atividades práticas. “Não é dessa lógica, que estamos tratando” responde Jacomino. “Na verdade, a racionalidade do serviço ordinário não pode estar tão afastada de uma certa organização do pensamento de quem o executa. Caso se dê uma profunda cisão, corremos o risco de reproduzir tarefas de modo alienado. Estaremos investindo na repetição de certa praxe cartorária, cujos procedimentos podem ser, justamente, pouco racionais...”.

Diz Jacomino que o nome café com jurisprudência rende seus tributos aos antigos cafés paulistanos, espaços culturais inspirados na melhor tradição parisiense, pontos de encontro de literatos, jornalistas, intelectuais. “Ao redor de uma mesa de café se discutia esporte e cultura, filosofia e arte, política e religião. A sociabilidade da reunião, regada a café, é a recuperação do exercício do pensamento, da crítica, da construção da razão”.

Diz o Presidente que há tempos que se vinha buscando, no Irib, um curso que pudesse envolver os profissionais do direito numa aventura do pensamento. “Imaginem uma caminhada interessada, conduzida autorizadamente, com firme sentido humanista”, diz Jacomino. “Visitas assistidas a novas paragens do pensamento, revisitação de velhas topografias do conhecimento humano... Então, tudo o que se ensina passeando!”.

O nome original do projeto era registro e outras escritas, querendo conotar justamente um encontro multidisciplinar, armado a partir da sugestão multifária das escritas, “que pode ser tanto a ars notariae ou a melhor literatura russa, mitologias, ou a retórica, a lógica...”.   

A lógica. Voltemos à lógica! “Querem saber que coisa é a Lógica? Pois bem. Quero lhes dizer de modo simples e claro, para que esse abecedário lhes sirva como uma cartilha, não mais que isso: havemos de começar pelo começo. Ao menos pelo bom motivo de que isso é lógico...”.

Breves Apontamentos Para Um Curso de Lógica
(Ricardo Henry Marques Dip)

Parte Segunda: Noções de Lógica do Juízo

1. - Conceitos de Juízo e de Proposição.

A lógica das proposições deve apoiar-se na teoria lógica dos juízos. Em rigor, o objeto direto da lógica é o juízo e não a proposição (de alejandro, 158). Exatamente porque carecem de uma dimensão peculiar a propósito do juízo, algumas teorias lógicas enfocam a proposição como a expressão de um conteúdo meramente convencional, incidindo em nominalismo, vale dizer, na impossibilidade de considerar a lógica como um caminho e um instrumento para a obtenção da verdade. A importância da teoria dos juízos é tamanha que alguns autores (p.ex., sentroul e hessen) tratam antes dos juízos e, depois, dos termos. Uma lógica, ao reverso, desocupada dos juízos, que não tenha, enfim, uma séria preocupação apofântica, é uma lógica do irreal, que pouco serve ou nada ¾ pode dizer-se ¾ à razão humana.

A circunstância de que não possa haver uma lógica apofântica desamparada de uma teoria dos juízos não impede, contudo, que, reconhecida a base indispensável ao estudo das proposições, não se separem o exame destas e a consideração dos juízos, pela boa razão de que a proposição (verbal) é apenas a exteriorização, a figuração lingüística do juízo. Em verdade, o que se atribuir à proposição, a ela se adjudicará em razão de um conteúdo mental (scl.,  a proposição mental, que abrange o juízo).

Juízo define-se “o ato da inteligência, pelo qual unimos ou separamos duas idéias, por meio da afirmação ou da negação” (Sinibaldi, 28): o ato do intelecto pelo qual se une, afirmando, ou se separa, negando (Maritain, 106; Tricot, 104; Gardeil, 97; Fröbes, 98; essa definição corresponde à que ensinava a escolástica: actio intellectus qua componit vel dividit affirmando vel negando).

Proposição define-se a expressão do juízo (Sinibaldi, 30; Tricot, 104); designa-se propriamente proposição oral ou verbal a que exprime verbalmente a proposição mental (Van Acker, i-129). A expressão do juízo, seja ela mental, seja verbal, designa-se, de modo próprio, enunciação, quando se considera em si mesma, e proposição, se se considera como elemento do raciocínio ou da argumentação (Verneaux, 109). Não é incomum, entretanto, que a enunciação e a proposição se tratem como sinônimas (Maritain, 122 ss.; especialmente: De Alejandro, 158, 159). Pode ainda distinguir-se entre o julgamento (ato de julgar) e a proposição mental (que é seu produto), bem como entre a proposição mental ou verbal meramente enunciativa (desacompanhada de assentimento intelectual; objeto projetado de um julgamento) e a proposição judicata (Van Acker, I ¾ 88 ss.; Maritain, 108,109).

2. O próprio do julgamento

A propriedade principal do juízo é a verdade  ou a falsidade: o discurso ou enunciado é “aquele em que reside o verdadeiro ou falso” (Aristoteles, 17 a); conceitua-se mesmo a enunciação como a “oração em que se dá o verdadeiro ou o falso” (Santo Tomás de Aquino, Comentário ao Peri Hermeneias, I ¾ VI).

Assim, conter a verdade ou a falsidade do conhecimento é uma propriedade (omni, soli et semper) do juízo. Efetivamente, a simples apreensão, em que o intelecto não compõe, nem divide, é insuscetível de verdade ou falsidade: na consideração absoluta da essência de uma coisa, o entendimento é deficiente (por não abrangê-la em sua totalidade) mas nele não há falsidade: o equívoco pode ocorrer sobre as circunstâncias que rodeiem a essência ou no estabelecimento de relações, o que implica já composição e divisão (Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, Ia., q. 85, art. 7º). Por outro lado, embora não faltem freqüentes referências à verdade ou à falsidade no raciocínio ou na argumentação (p.ex.: “...falsum in propositione vel in argumentatione est contrarium vero”, “...per falsum argumentationem abducitur a scientia veritatis”, “...ex parte agumentationis falsae” ¾ Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, Ia., q.89, art. 6º, respondeo), essa verdade ou falsidade está propriamente ou na conclusão ou nas premissas do raciocínio e por analogia se estende a este (outrossim, fala-se em proposição conseqüente em sentido analógico, porque propriamente conseqüente é a argumentação).

Essa propriedade apofântica das proposições (vale dizer, o serem os enunciados suscetíveis de verdade ou falsidade) importa em que o intelecto possa equivocar-se na composição e na divisão dos conceitos objetivos, salvo no que se refere às proposições que se conhecem de modo imediato, uma vez conhecida a essência dos termos: quanto a essas proposições ¾ relativas aos primeiros princípios seja da razão especulativa, seja da razão prática ¾, a inteligência não pode errar (SANTO TOMáS DE AQUINO, Suma Teológica, Ia., q. 85, art. 7º, respondeo; Ia. ¾ II.æ., q. 92, art. 2º; Santiago Ramirez, 88, ss.).

Acrescente-se que, no campo da teoria do conhecimento prático e no da lógica prática (nela incluindo-se a lógica das normas ou deôntica), tem similar importância a suscetibilidade de as proposições serem verdadeiras ou falsas. Demonstrou-o amplamente Kalinowski (Le problème de la verité en morale et en droit; ver ainda: La signification de la logique déontique pour la morale et le droit), lembrando, em outra parte (Sur les syllogismes méréologiques), primeiro: que Aristóteles e Santo Tomás de Aquino figuram entre os precursores da lógica deôntica; segundo: que o intelecto é prático por extensão do especulativo (na linguagem tomista: intellectus theoricus per extensionem fit practicus).

3. Os elementos da proposição

Integra-se a proposição de dois elementos que são sua matéria próxima (termos) e de um elemento que é sua forma própria (cópula). Aqueles ¾ designados como termos proposicionais, termos silogísticos ou extremos ¾ relacionam-se entre si como a matéria e a forma: ao termo que desempenha papel de matéria nesse relacionamento dos extremos, denomina-se sujeito; ao termo que atua nessa relação à maneira de forma, designa-se predicado (e, por isso, se diz que o predicado é o elemento formal remoto da proposição). Diz Santo Tomás que  “... o predicado se compara com o sujeito como a forma com a matéria”, motivo por que antes ensinara que “... o predicado é a parte principal da enunciação, em razão de ser a parte formal e completiva dela” (Comentário ao Peri Hermeneias, 1.VIII). Sujeito é aquilo de que se fala, e predicado, aquilo que se afirma do sujeito (Sentroul, 24); sujeito, o termo submetido à atribuição de outro: predicado, o termo atribuído a outro (Van Acker, II ¾ 25); sujeito, uma natureza ou coisa; predicado, uma quidditas abstrata que se atribui ao sujeito (De alejandro, 146). Esses conceitos últimos guardam harmonia com o que Aristóteles ensinou (17 a, 25 ss.): uma proposição afirmativa é a declaração de que uma coisa se relaciona a outra; uma enunciação negativa é a declaração de que uma coisa está separada de outra.

A cópula é o elemento formal da proposição; é o vínculo que a formaliza. Sem a cópula não existe proposição; a cópula é sua qualidade essencial (Van Acker, I ¾90, 91). O que não significa, porém, que a cópula seja sempre manifesta (Fröbes, 106, 107); p. ex., a proposição “chove” é completa, ainda que deficiente em virtude da morfologia idiomática: a esse respeito, comprovando a completeza lógica dessa proposição, observa De Alejandro (160,161) que, também no espanhol (llueve) e no latim (pluit), a proposição “chove” se expressa com um só vocábulo; em alemão, a cópula já é manifesta (embora só se exprima um dos termos silogísticos: es regnet); no inglês, contudo, a proposição se expressa com os dois extremos e a cópula (it is raining).

Para Aristóteles, a cópula distingue-se dos extremos essencialmente porque apresenta uma significação temporal, deficiente nos termos. Ao defini-los, diz o Estagirita que o termo é um som vocal sem referência ao tempo (16 a), e a cópula,  aquilo que junta a sua própria significação a do tempo (16 b). Para de Alejandro, “La cópula verbal sólo puede constituirse en presente. Cualquier otra relación temporal recaería en el P (= predicado). (...) El lógico no puede manejar fácilmente relaciones de tiempo no presentes, y buscará el medio de hacerlo presente todo; por ejemplo, los justos serán felices. Esta proposición no cabe en Lógica si no se la presencializa: los justos son felices futuros” (160). Com razão, Tricot (108) observa que houve algum exagero no sublinhar essa significação temporal da cópula, acenando às proposições intemporais (p.ex., “os três ângulos de um triângulo equivalem a dois ângulos retos”).

Ademais de uma função vinculativa dos extremos (o que se designa por função propriamente copulativa), a cópula apresenta uma função judicativa ou assertiva, que indica uma existência ao menos possível ou ideal (Tricot, 108). Daí a redução lógica de todos os verbos manifestos nos enunciados ao verbo ser: Aristóteles ensinou, na Metafísica (1.017 a), que os predicados variam em sua significação (uns significam a substância, outros, a qualidade, outros ainda, a relação, outros , a ação ou a paixão, outros, o lugar, outros, o tempo), mas a cada uma dessas categorias corresponde um dos sentidos do ser. Por isso mesmo, em rigor a cópula é um predicado, que dele se decompõe nas proposições de tertio adjacente (p.ex.: “Alckmin é Ministro do Supremo Tribunal Federal”), não, contudo, nas de secundo adjacente (v.g., “Alckmin decide”).

4. A extensão dos predicados proposicionais e suas quantificações.

Os juízos podem enunciar-se desde o ponto de vista da compreensão quanto desde o da extensão. A perspectiva mais comum ou natural (Maritain) é a da compreensão: por isso, os lógicos dizem que o predicado se encontra no conteúdo do sujeito (Prædicatum inest Subjecto; Maritain, 149). Com efeito, “julgar é, antes de tudo, determinar a compreensão do sujeito” (Gardeil, 103). Assim, no juízo não se considera, por primeiro, a extensão dos termos, mas sua compreensão (De alejandro, 173).

Se, pois, o predicado é a forma determinante da compreensão do sujeito, o contido no predicado se encontra no sujeito proposicional a que se atribui, de modo que se pode concluir: em todas as proposições, o sujeito é mais compreensivo do que o predicado. Ora, a compreensão e a extensão ¾ propriedades dos termos ¾ relacionam-se de modo inverso. Logo, em todas as proposições, o predicado é mais extenso do que o sujeito. Essa é a regra da extensão do predicado proposicional.

Conforme sejam, entretanto, as proposições afirmativas ou negativas, diferencia-se nelas a quantidade da compreensão e da extensão de seus predicados.

Nas proposições afirmativas, ao sujeito se atribui um predicado que se toma segundo a totalidade de sua compreensão mas não segundo a totalidade de sua extensão (Fröbes, 129: “...de S enuntiatur P secundum totam suam comprehensionem ¾ ... ¾; non autem de se secundum totam suam extensionem”). Nas proposições negativas, o predicado separa-se do sujeito segundo a totalidade de sua extensão (Fröbes, 129: “S est nullum P; S non continetur in P”); quanto à compreensão, o predicado é tomado em parte nas negativas, enquanto suas notas não se tomam em conjunto mas divisamente (Van acker, I ¾ 104; Fröbes, 129).

Não há exceções a essas regras (Van acker, II ¾ 28, 29; Tricot, 125 ss.). Lembra Maritain (152) que, nos enunciados de identidade formal do sujeito e do predicado (ex.: “todo homem é animal racional”), a extensão do predicado é igual à do sujeito “en raison de la matière, non en raison de la constitution logique ou de la forme de la proposition,  vis propositionis” (cfr. loc. cit., nota 33).

5. Classificação das proposições

De muitos modos podem classificar-se as proposições. Aqui se examinarão algumas de suas divisões possíveis:

a) segundo a quantidade extensiva do sujeito:

- proposições totais (ou universais), em que o sujeito é tomado na totalidade de sua extensão (todo S = P; todo S : P ou nenhum S = P; exs.: “toda a virtude é um hábito”, “nenhuma lei verdadeira é oposta ao direito natural”);

- proposições particulares (ou parciais), em que o sujeito é tomado em parte de sua extensão (algum S = P; algum S : P ou nem todo S = P; exs.: “alguma forma de governo é a república”, “nem toda forma de governo é a república”);

- proposições indeterminadas (ou indeferidas), em que o sujeito não apresenta signo de quantidade (exs. “a ciência é um conhecimento pelas causas”, “a virtude é um hábito”); considera-se a proposição indeterminada como total ou particular segundo o que enuncia (no primeiro caso, p.ex. “o homem é mortal” significa “todo homem é mortal”; no segundo caso, p. ex. “a ciência é o conhecimento comprovado por experiências” significa “alguma ciência < vale dizer:  a ciência experimental> é o conhecimento comprovado por experiências”; “a ciência é demonstrativa da existência de Deus” significa “alguma ciência <equivale a dizer: a teologia racional ou teodicéia> é demonstrativa da existência de Deus”);

- proposições singulares, em que o sujeito é um ente individuado e não um individuum vagum (exs.: “Dínio Garcia é o autor de Introdução à Informática Jurídica”; “Galvão de Sousa é um dos teóricos contemporâneos do direito natural”; “este livro é de lógica”;). Desde Aristóteles, as proposições singulares são assimiladas às totais (17 b; Tricot, 113);

b) segundo a qualidade essencial ou cópula:

- proposições simples ou categóricas, em que a cópula é atributiva do predicado ao sujeito (Van acker, II ¾ 32), e que podem ser afirmativas (ex.: “toda lei é conforme ao direito natural”) ou negativas (ex.: “toda lei contrária ao direito natural não é verdadeira lei”);

- proposições compostas ou hipotéticas, em que, demais da cópula atributiva, há uma cópula supositiva, em que se visa “a um modo eventual de argumentar” (Van acker, II ¾ 33); as proposições hipotéticas reunem e coordenam proposições categóricas (Maritain, 127; Tricot, 142); dividem-se as proposições compostas em formalmente hipotéticas e virtualmente hipotéticas: as primeiras também denominadas de claramente compostas; as segundas, de ocultamente compostas. São formalmente hipotéticas:

- as proposições copulativas, em que há simples coordenação de proposições categóricas, que se ligam pela partícula e (ex.: “o usufruto é direito real, e o comodato é direito obrigacional”); a verdade da copulativa depende da verdade de ambas as categóricas unidas: a falsidade da copulativa deriva da falsidade de ao menos uma das categóricas (Tricot, 143);

- as proposições condicionais, em que há uma subordinação condicional mas necessárias entre as categóricas unidas (Van acker, I ¾ 92); são as condicionais as hipotéticas propriamente ditas (Tricot, 144), que se unem pela partícula se. O exemplo clássico de Port-Royal é este: “se a alma é espiritual, ela é imortal”. Outros exemplos: “se o homem é racional, todo homem é social” (Van acker); “se o homem é racional, ele é livre” (Gardeil); “se o que eu penso não acontece, se o que eu resolvo não se cumpre, eu não sou Deus” (Bossuet). A primeira categórica (conforme ao primeiro exemplo: “se a alma é espiritual”) denomina-se antecedente ou condição; a segunda categórica (id.: “ela é imortal”), conseqüente ou condicionado. Basta para a verdade da proposição condicional que o condicionado seja a conseqüência do antecedente, porque a asserção repousa apenas sobre a relação das proposições (Tricot, 144); assim, é verdadeira a condicional “se o direito não é aferível pelo bem e pela verdade, então o direito é a vontade dos mais fortes”, embora as categóricas unidas sejam ambas falsas;

- as proposições disjuntivas, em que a cópula (ou ... ou) exclui de modo absoluto as categóricas formalmente unidas (exs.: “ou a lei positiva é conforme ao direito natural, ou é corrupção da lei”; “ou haverá um governo honesto, ou não haverá ordem pública” ¾ Van acker; “ou a Terra gira em torno do Sol, ou o Sol em torno da Terra” ¾ Port-Royal; “ou a lei humana é conclusão do direito natural, ou é determinação dele”). A verdade das disjuntivas depende apenas da verdade de uma das categóricas; a falsidade, da falsidade de ambas as categóricas. Nas disjuntivas, as proposições simples não podem ser verdadeiras nem falsas ao mesmo tempo (Tricot, 143).

- proposições conjuntivas, em que a cópula exclui a simultaneidade das categóricas unidas (exs.: “este direito não pode ser real e obrigacional ao mesmo tempo”; “ninguém pode ser ao mesmo tempo juiz e réu” ¾ Van acker). Nas conjuntivas, as categóricas não podem ser verdadeiras de modo concomitante, mas podem ser ambas simultaneamente falsas (no primeiro exemplo supra, pense-se no direito da personalidade).

São virtualmente hipotéticas (ou ocultamente compostas):

- as proposições exclusivas, em que a cópula indica que o predicado convém apenas a um sujeito (exs.: “só a justiça pode realizar a paz pública” ¾ Van acker; “só o homem é racional” ¾ Tricot; “entre as virtudes cardeais, só a prudência é intelectual”).

- as proposições exceptivas, em que a cópula abre exceção às categóricas que se unem (exs.: “o homem é livre, exceto no sono e na loucura”  ¾ Van acker; “a prioridade registral, no direito brasileiro, é tabular, salvo quanto ao expresso concurso de hipotecas”; “o homem é suscetível de erro ao julgar, salvo quanto às proposições relativas aos primeiros princípios da razão especulativa e da prática”).

- as proposições reduplicativas, em que a cópula (enquanto) repete o sujeito ou lhe acrescenta uma determinação (“A ut A es B”, Fröbes, 154; exs.: disse Cícero que “a autoridade que se aparta da lei não tem valor de autoridade”; o que se deve entender como reduplicativo: “a autoridade que se aparta da lei <enquanto se aparta da lei> não tem valor de autoridade”; “o homem, enquanto homem, é livre” ¾ Van acker; “a natureza humana, enquanto manifestativa da lei eterna, é fonte do direito natural” (ou seja, a natureza humana não é fonte constitutiva da lei natural); “A ut musicus excelens est” ¾ Fröbes, 154; vale dizer: “... in his activitatibus, cum de aliis eius facultatibus nihil dicatur”; “a justiça legal, enquanto ordena o ato de outras virtudes a seu fim, se denomina virtude geral” ¾ Santo Tomás de Aquino); “a matéria da justiça é a operação exterior, enquanto que esta, ou a coisa que por ela usamos, é proporcionada a outra pessoa a que somos ordenados pela justiça” ¾ (Santo Tomás de Aquino);

Outros tipos de proposições compostas: (a) as proposições adversativas (ex.: “A justiça e a temperança são duas das virtudes cardeais, mas delas apenas a primeira é social”), que se reduzem às copulativas; (b) as proposições comparativas (ex.: “a justiça pode ser virtude geral melhor que a temperança e a fortaleza” ¾ Santo Tomás de Aquino) reduzem-se às adversativas ou às copulativas;  (c) as proposições causais (exs.: “o direito é principalmente o justo, porque é o objeto da virtude da justiça”: “o homem é social, porque é racional”), que se reduzem às  copulativas; (d) as proposições relativas (v.g.: “a justiça, que é virtude, é hábito” ¾ Van acker; “a propriedade, que é direito real, é direito absoluto”, redutíveis às causais.

c) segundo a qualidade acidental:

- proposições atributivas (ou de inesse), meramente categóricas (todo S = P, nenhum S = P, algum S = P, nem todo S = P);

- proposições modais, que não apenas atribuem o predicado ao sujeito, mas indicam o modo de sua existência no sujeito (Van acker, I ¾ 99), dividem-se em:

 modal de possibilidade (ex.: “é possível que um registro seja anulado”);

modal de impossibilidade (ex.: é impossível que uma hipoteca não possua seqüela”);

modal de contingência (ex.: “é contingente que uma locação se rompa pela venda do imóvel seu objeto);

modal de necessidade (ex.: “é necessário que a lei humana provenha do direito natural, por determinação ou conclusão”).

6. - Propriedades das proposições

Das propriedades das proposições, aqui apenas se examinarão: (a) a oponibilidade, (b) a subalternação e (c) parte da conversão. Outrossim, limitar-se-á ainda o exame às proposições atributivas.

Da oposição:

Oposição (ou oponibilidade) define-se a propriedade correlativa das proposições que, essencialmente, relaciona duas proposições de mesmo sujeito, mesmo predicado e cópula diversa.

Três são suas espécies:

- a contrariedoriedade que, ademais das notas essenciais da oposição em geral, apresenta mudança da quantidade do sujeito. São contraditórias entre si, as proposições do tipo:

“todo S = P” ............... “algum S : P”

“nenhum S = P” ............... “algum S = P”.

Posta uma proposição (isto é, assentida como verdadeira), dispõe-se sua contraditória: disposta uma proposição (scl., tomada como falsa), põe-se sua contraditória. Por isso, a contraditoriedade designa-se oposição em grau máximo;

- a contrariedade que, além das notas essenciais da oposição genérica, relaciona proposições com sujeito universal ou total. São contrárias entre si as proposições do tipo “todo S = P” e “todo S : P”; posta uma proposição total, dispõe-se sua contrária: disposta uma proposição total, nada se segue quanto a sua contrária; daí que se diga que a contrariedade é oposição de grau médio;

- a subcontrariedade que, juntamente com as notas essenciais de toda oposição, relaciona entre si proposições particulares. São subcontrárias entre si as proposições do tipo: “algum S = P” e “nem todo S = P”. Posta uma proposição particular, nada se segue quanto a sua subcontrária; disposta, porém uma proposição particular, põe-se sua subcontrária. De que resulta chamar-se a subcontrariedade oposição em grau mínimo;

(b) Subalternação (ou subordinação) conceitua-se a propriedade correlativa das proposições que relaciona proposições de mesmo sujeito, mesmo predicado, mesma cópula e diversa quantidade do sujeito. Ocorre, pois, entre totais e particulares de mesma cópula; as totais chamam-se nessa relação subalternantes (ou subordinantes); as particulares, subalternadas (ou subordinadas).

São subalternas entre si as proposições do tipo:

“todo S = P” ............... “algum S = P”

“todo S : P” ............... “algum S : P”

Posta uma total, põe-se sua subalternada. Posta uma particular, nada se segue quanto a sua subalternante. Disposta uma particular, dispõe-se sua subalternante. Disposta uma total, nada se segue quanto a sua subalternada.

(c) Conversão define-se a propriedade correlativa das proposições que relaciona proposições com sujeito e predicado transpostos e de mesma cópula. Divide-se em conversão simples, conversão per accidens e conversão por contraposição.

Na conversão simples, além das notas essenciais de toda conversão, mantém-se a quantidade do sujeito. Dá-se a conversão simples nas proposições totais negativas e nas proposições particulares afirmativas:

original do tipo “todo x : y”

conversa: “todo y : x”

original do tipo “algum x = y”

conversa: “algum y =x”.

Posta a original, põe-se a conversa simples. Disposta a original, dispõe-se a conversa simples. Posta a conversa simples, põe-se a original. Disposta a conversa simples, dispõe-se a original.

A conversão per accidens, com as notas genéricas da conversão, apresenta mudança da quantidade do sujeito. Ocorre com as totais afirmativas e com as negativas totais:

original do tipo “todo x = y”

conversa: “algum y = x”

original do tipo “todo x : y”

conversa: “algum y : x”.

Posta a original, põe-se a conversa per accidens. Disposta a original, nada se segue quanto à conversa per accidens. Posta a conversa per accidens, nada se segue quanto à original. Disposta a conversa per accidens, dispõe-se a original.

Notas complementares:

- a conversão por contraposição diz respeito às proposições totais afirmativas e particulares negativas, antepondo-se uma negação tanto ao sujeito, quanto ao predicado da conversa (exs.: original: “todo x = y”, conversa: “todo não-y = não-x”; original: “algum x : y”, conversa: “algum não-y : não-x”);

- a reciprocidade é peculiar das afirmativas totais, e a recíproca não mantém o sentido da original (ex.: original, “todo x = y”, conversa: “todo y = x”).

- a inversão também só ocorre com as afirmativas totais que, com afetação de negativa ao sujeito, se transforma em uma negativa  total (ex.: original: “todo x = y”, inversa: “todo não-x : y”); não mantém o sentido da original, mas: posta a original, põe-se a inversa de sua recíproca, e posta a inversa da original, põe-se a recíproca da mesma original. Exemplos: põe-se “toda ciência é conhecimento pelas causas”, logo põe-se a inversa de sua recíproca (scl.: “todo não conhecimento pelas causas não é ciência”): põe-se “todo homem é animal”, logo põe-se a inversa de sua recíproca (isto é, “todo não-animal não é homem”):

- a obversão diz respeito a todos os tipos de proposição atributiva e mantém o sentido da original:

nas afirmativas, apõem-se duas negativas, uma na cópula, outra no predicado (ex.: original do tipo “todo S = P”, obversa: “todo S : não P”):

nas negativas, passa-se a negação copulativa para o predicado (ex.: original do tipo “algum S : P”, obversa: “algum S = não- P”).

*****************

Questões e exercícios sugeridos:

Qual o conceito de juízo?

Como se define proposição verbal?

Qual a propriedade fundamental do juízo?

Quais os elementos materiais da proposição?

Qual o elemento formal da proposição?

Enuncie a regra da extensão do predicado proposicional.

Qual a quantidade do predicado nas proposições afirmativas?

Qual a quantidade do predicado nas proposições negativas?

Como se classificam as proposições segundo a quantidade extensiva do sujeito?

Como se dividem, genericamente, as proposições segundo sua qualidade essencial?

Como se dividem, genericamente, as proposições segundo sua qualidade acidental?

Mencione dois tipos de proposição formalmente hipotética.

Relacione duas propriedades das proposições.

Enuncie duas proposições: uma, reduplicativa; outra, condicional.

Dê dois exemplos de proposição: um, do tipo conjuntivo; outro, do tipo copulativo.

Dê dois exemplos de proposição: um, do tipo disjuntivo; outro, do tipo causal.

Posta a proposição “alguma virtude é a justiça”, qual é a contraditória de sua subalternante? A proposição encontrada é verdadeira ou falsa? Por que?

Disposta a proposição “toda prudência é social”, qual é a subcontrária de sua contraditória? A proposição encontrada é verdadeira ou falsa? Por que?

Tomando-se por original a proposição “toda lei é conforme ao direito natural”, enuncie: a) sua contraditória; b) sua contrária; c) sua subalterna; d) sua conversa per accidens.

Pondo-se a mesma proposição referida no exercício nº 19, esclareça sobre a verdade ou a falsidade das proposições encontradas.

Disposta a conversa per accidens de “toda virtude é social”, deve também dispor-se a contraditória dessa original? Por que?

Classifique, segundo o tipo, as proposições seguintes:

“Ou o réu é condenado, ou é absolvido”.

“A vida social não resulta de um contrato (...), porque o dever de fazer o bem aos outros nos obriga antes de todo contrato” (Marcel Clément);

“Se a propriedade privada defende a liberdade concreta, então o registro também a defende”.

“O homem é, com efeito, segundo a fórmula de Nietzsche, o único animal que pode fazer promessas (Marcel de Corte);

“A natureza humana, que é receptora da lei eterna, é manifestativa do direito natural”.

“A lei positiva, enquanto conclusão ou determinação da lei natural, obriga em consciência”.

“A prudência e a justiça são as únicas virtudes, entre as distintas cardeais, pelas quais se ordena o homem ao bem de um modo imediato” (Pieper);

“Tenho direito porque devo” (Tomás Casares);

“Se a liberdade consiste na faculdade de entender e querer, a liberdade perfeita consistirá em entender e querer perfeitamente” (Donoso Cortés).

Bibliografia:

Aristóteles, Organon (Peri Hermeneias) e Metafísica, consultados na edição Vrin, Paris, 1984 e 1981, respectivamente, com tradução de Tricot. Citação conforme ao texto de Bekker.

J.Mª de Alejandro, La lógica y el Hombre, ed. BAC, Madrid, 1970.

I. Fröbes, Tractaus Logicae Formalis, ed. Universidade Gregoriana, Roma, 1940.

H.D. Gardeil, Iniciação à Filosofia de Santo Tomás de Aquino, tradução brasileira por Wanda Figueiredo, ed. Duas Cidades, São Paulo, 1967.

G. Kalinowski, Le probléme de la vérite en morale et en droit, ed. Emmanuel Vite, Lyon, 1967, e “La signification de la logique déontique pour la morale et le droit” e “Sur les syllogismes méréologiques”, in Études de logique déontique, ed. Lib. Générale de Droit et de Jurisprudence, Paris, 1972 (tomo I).

J. Maritain, Éléments de philosophie - L’ordre des concepts - Petit logique, ed. Pierre Téqui, Paris, 1933.

Santiago Ramírez, Derecho de Gentes, ed. Studium, Madrid, 1955.

Ch. Sentroul, Tratado de Lógica, ed. Liv. Francisco Alves, São Paulo - Rio de Janeiro, 1912.

T. Sininbaldi, Elementos de Philosophia, ed. França Amado, Coimbra, 1906 (tomo I).

Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, ed. BAC, e Comentário ao Peri Hermeneias, trad. chilena de Mirko Skarica, ed. Cerro Alegre, Viña del Mar, 1990.

J. Tricot, Traité de logique formelle, ed. J. Vrin, Paris, 1973.

L.Van Acker: I - Introdução à Filosofia Lógica, ed. Acadêmica e Saraiva. São Paulo, 1932.

II - Elementos de Lógica Clássica Formal e Material, ed. Revista da Universidade Católica de São Paulo, 1971.

R. Verneaux, Introducción General y Lógica, trad. espanhola de Josef A. Pombo, ed. Herder, Barcelona, 1982.



Últimos boletins



Ver todas as edições