Os Serviços Notariais e Registrais no Brasil
Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza
1. Saudação; 2. Introdução; 3. A Constituição Federal de 05/10/1.988; 4. Principais normas aplicáveis; 5. Natureza dos serviços; 6. Fins dos serviços; 7. O ingresso na atividade; 8. Os titulares e seus prepostos; 9. Responsabilidade; 9.a Responsabilidade penal; 9.b Responsabilidade civil; 10. Encerramento da delegação; 11. Os serviços de registros; 12.Registro de Imóveis; 12.a Brevíssimo histórico; 12.b Efeitos do registro; 12.c Princípios do registro imobiliário; 13. Registro de títulos e documentos e civil das pessoas jurídicas; 14. Registro civil das pessoas naturais e de interdições e tutelas; 15. Registro de distribuição; 16. Os tabelionatos; 17. O tabelionato de protestos; 18. Os tabeliães de notas; 19. Os tabeliães e oficiais de registro de contratos marítimos; 20. Bibliografia.
O convite para aqui estarmos, na solene data de encerramento da Pós Graduação em Direito Registral e Notarial, representando o Brasil, desperta diversos sentimentos. O sentimento de realização, com o prosseguimento das atividades decorrentes do protocolo firmado entre o CENoR, Centro de Estudos Notariais e Registais da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e o IRIB, Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, que tiveram início em outubro de 2.004 em Maceió, estado de Alagoas, no XXXI Encontro de Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil; o sentimento de satisfação profissional, com a constatação de que o estudo do Direito Registral e Notarial é uma realidade que ultrapassa fronteiras, em um caminho sem volta; o sentimento de fraternidade existente entre portugueses e brasileiros, que permite que, tanto aqui quanto lá, sejamos vistos como filhos de uma mesma nação. Aliada a todos esses sentimentos, a emoção de integrar, ainda que efemeramente, a vida acadêmica da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, referência no estudo do Direito. Antes, muito antes, dos navegadores portugueses aportarem em nossa costa, aqui já funcionavam as faculdades jurídicas, de Cânones e de Leis. Saúdo a todos os senhores, e gostaria de fazê-lo rendendo homenagem a dois ilustres professores desta Casa: o Professor Doutor Manuel Henrique Mesquita, Coordenador do CENoR, que tão amavelmente nos recebeu e que permitiu que o protocolo se tornasse realidade; e à Mestra Mónica Jardim, que abrilhantou o já referido XXXI Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil com magnífica conferência e que incansavelmente tem trabalhado no fortalecimento das relações entre nós, registradores brasileiros, e todos os senhores.
O escopo deste trabalho é, tão-somente, apresentar as linhas gerais de funcionamento atual dos serviços notariais e registrais no Brasil, com uma visão panorâmica indicando as principais normas aplicáveis e abordando a natureza e os fins dos serviços, o ingresso na atividade, os titulares e seus prepostos, a responsabilidade civil e criminal, o encerramento da delegação e as atribuições principais de cada um dos serviços. Os serviços notariais e registrais são também chamados de serviços extrajudiciais, em contraposição aos serviços judiciais (funções típicas do Poder Judiciário).
Longe de esgotar tão ampla matéria, busca o estudo reunir informações básicas que são o esteio para uma incursão mais aprofundada no tema.
3. A Constituição Federal de 1.988.
O constituinte de 1.988 optou pelo exercício em caráter privado, por delegação do poder público, das atividades extrajudiciais notariais e de registro.
Dispõe o art. 236 da Carta Magna:
“Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.
§ 1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.
§ 2º - Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.
§ 3º - O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses”.
Como se infere da legislação constitucional, os serviços notariais e de registro são públicos, mas exercidos em caráter privado através da delegação, instituto de direito administrativo pelo qual a administração atribui atividade própria a um ente privado ou público (no caso uma pessoa física). Os delegatários são particulares que, ao desempenhar funções que caberiam ao Estado, colaboram com a administração pública, sem se enquadrar na definição de funcionário público.
Contudo, dada a natureza pública dos serviços e exercendo os delegatários função pública, estão sujeitos às regras impostas ao funcionamento dos serviços públicos e são considerados funcionários públicos para efeitos penais, nos termos do art. 327 do Código Penal (“considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública”).
Devem, outrossim, ser considerados autoridades públicas para efeito de impetração de mandado de segurança, já que têm “poder de decisão dentro da esfera de competência que lhe é atribuída” (Hely Lopes Meirelles, que afirma que a pessoa física deve estar investida de poder de decisão para ser considerada autoridade coatora, em Mandado de Segurança, RT, 1.989). João Roberto Parizatto, em Serviços Notariais e de Registro, Brasília Jurídica, 1.995, aborda o tema asseverando que os delegados não são autoridades públicas, “salvo na hipótese prevista no § 1º da Lei nº 1.533, de 31 de dezembro de 1.951, onde ‘consideram-se autoridades, para os efeitos desta lei, os representantes ou administradores das entidades autárquicas e das pessoas naturais ou jurídicas com funções delegadas do poder público, somente no que entender com essas funções’” (grifos do original). Prossegue o autor afirmando que a Constituição Federal, no art. 5º, LXIX, foi ainda mais abrangente ao cuidar do mandado de segurança, a ser impetrado contra quem estiver “no exercício de atribuições do Poder Público”, não havendo dúvida que o mandamus pode ser impetrado contra ato de notário ou registrador. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal está cristalizada no verbete 510 da Súmula, de teor seguinte: “Praticado o ato por autoridade, no exercício de competência delegada, contra ela cabe o mandado de segurança ou a medida judicial”.
A regulamentação da norma constitucional veio, primeiramente, com a edição da Lei 8.935, em 18/11/94 e, posteriormente, com a edição da Lei 10.169, em 29/12/00.
A Lei 8.935 dispõe sobre a natureza e os fins dos serviços notariais e de registro, dos titulares dos serviços e de seus prepostos (escreventes e auxiliares), das atribuições, do ingresso na atividade, da responsabilidade civil e criminal, das incompatibilidades e impedimentos, dos direitos e deveres, das infrações disciplinares e das penalidades, da fiscalização pelo Poder Judiciário, da extinção da delegação e da seguridade social.
Por sua vez, a Lei 10.169, ao regulamentar o § 2º do art. 236, estabelece normas gerais para a fixação de emolumentos. Considerando a estrutura federativa adotada no País e as peculiaridades locais (a diversidade de características é marcante dada a grande extensão territorial brasileira), cada unidade da Federação (Estados) define por lei estadual os emolumentos a serem ali praticados, observada a lei federal quanto às normas gerais face ao princípio da hierarquia das leis.
Estabeleceu a Constituição, no § 3º do art. 236, o concurso público, democrático e que prestigia a dedicação e a competência, como forma de ingresso na atividade. À frente serão feitas maiores considerações sobre o ingresso na atividade e a remoção.
Ainda quanto à Constituição Federal de 1.988, releva frisar que o legislador constituinte incluiu dentre as competências privativas da União legislar sobre registros públicos (art. 22, XXV).
4. Principais normas aplicáveis.
Além dos dispositivos constitucionais mencionados e das Leis 8.935 e 10.169, podemos incluir dentre as principais normas aplicáveis aos serviços notariais e de registro, as seguintes: a) Lei 6.015/73 – dispõe sobre os registros públicos, que nos termos da lei são o registro civil de pessoas naturais, o registro civil de pessoas jurídicas, o registro de títulos e documentos e o registro de imóveis; b) Lei 9.492/97 – regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e outros documentos de dívida; c) Lei 7.433/85 e o Decreto 93.240/86 – dispõem sobre os requisitos para lavratura de escrituras públicas; d) Arts. 108 (a escritura pública é requisito de validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País – anote-se que há exceções) e 215 (estabelece que a escritura é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena, elencando no § 1º requisitos para a sua lavratura) da Lei 10.406/02 (Código Civil); e) Lei 4.591/64 – dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias – devem ser observadas as regras do Código Civil de 2.002 que alteraram a lei em foco; f) Lei 6.766/79 – dispõe sobre o parcelamento do solo urbano; g) Lei 10.257/01 – Estatuto da Cidade – regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal e estabelece diretrizes gerais da política urbana; g) Lei 5.709/71 – regula a aquisição de imóvel rural por estrangeiro residente no país ou pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil; h) leis estaduais (que fixam emolumentos nas unidades da Federação); i) normas administrativas das Corregedorias Gerais da Justiça de cada Estado.
O rol apresentado, como asseverado, engloba as principais normas aplicáveis aos serviços notariais e de registro, mas não as esgota. Há diversas outras que devem ser observadas pelos delegatários no exercício de suas funções típicas (dispositivos do Código Civil referentes aos contratos que são celebrados por instrumento público, normas sobre títulos de crédito que são indispensáveis no exame formal dos documentos apresentados aos tabelionatos de protesto, normas de direito ambiental, etc.).
A normatização pelas Corregedorias Gerais da Justiça, que por respeito ao princípio da hierarquia das leis não pode malferir as leis estaduais, federais ou a Constituição da República, decorre de caber ao Poder Judiciário a fiscalização dos atos dos serviços notariais e de registro (§ 1º do art. 236 da C.F.). A Lei 8.935 atribui ao Poder Judiciário competência para fixação de dias e horários de funcionamento dos serviços (art. 4º), o incumbe da realização dos concursos (art. 15), lhe confere o exercício do poder disciplinar (art. 34) e estabelece normas gerais para a fiscalização dos atos (arts. 37 e 38). Os Tribunais de Justiça, então, através de suas Corregedorias, em regra editam normas administrativas para a efetivação das competências que lhes são atribuídas quanto aos serviços notariais e de registro.
O Capítulo I do Título I da Lei 8.935 trata da “natureza e fins” dos serviços notariais e de registros (arts. 1º, 3º e 4º - o art. 2º foi vetado).
Como bem assinalado por Walter Ceneviva (Lei dos Notários e dos Registradores Comentada, Saraiva, 1.996), o Capítulo em mira “não trata apenas da natureza jurídica dos serviços notariais e de registro, mas também da natureza de suas funções administrativas. A análise sistemática dos quatro artigos evidencia que o vocábulo natureza é empregado em sentido amplo, como o conjunto das qualidades atribuídas a tais serviços para que realizem suas atividades. A natureza, assim definida, abarca os serviços, considerados em si mesmos (organizados técnica e administrativamente, para prestação eficiente e adequada) e seus responsáveis, enquanto delegados do Poder Público, habilitados à plenitude e providos de fé pública, para cumprimento de suas tarefas”.
No tópico 3 (a Constituição Federal de 05/10/1.988) abordamos a natureza jurídica dos serviços notariais e de registro, são serviços públicos. O seu exercício em caráter privado por delegação do Poder Público não lhes retira o caráter público e, para que atinjam suas finalidades, são delegados a profissionais do direito dotados de fé pública (art. 3º da Lei 8.935), o que reafirma sua natureza. Os atos emanados dos serviços em questão, assim como os dos demais serviços públicos (atividades próprias prestadas diretamente pelo Estado), gozam de presunção relativa de veracidade, atributo dos atos praticados pelo Poder Público.
São, portanto, serviços públicos exercidos em caráter privado por um profissional do direito em razão de delegação, organizados técnica e administrativamente para garantir publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.
A regra domiciliada no art. 1º da Lei 8.935/94 define como fins dos serviços notariais e registrais “garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos”.
A Lei de Registros Públicos (editada anteriormente -Lei 6.015/73), também no art. 1º, dispõe que os serviços concernentes aos registros públicos são estabelecidos pela legislação civil para “autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos”, tratando em seus arts. 16 a 21 da publicidade.
Editada em 1.997, a lei de protesto de títulos e outros documentos de dívida (Lei 9.492), no art. 2º, estabelece que os serviços concernentes ao protesto são garantidores de autenticidade, publicidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.
A publicidade, no dizer de Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, RT, 1.998), é a “divulgação oficial do ato para conhecimento público e início de seus efeitos externos”. J. A. Mouteira Guerreiro, em Noções de Direito Registral (Predial e Comercial), Coimbra Editora, 1.994, relata que “a necessidade de uma publicidade dos direitos sobre imóveis começou a sentir-se desde a remota antigüidade. Assim, encontramos precedentes de uma publicidade nos povos primitivos, embora sem um tipo de registo organizado, que só surgiu numa fase muito posterior. Tal necessidade sentiu-se sobretudo no que respeita aos encargos, aos direitos reais de garantia. Lembremo-nos que nos imóveis esses direitos não são visíveis, não são aparentes”(grifo do original). A necessidade de publicidade referida pelo Dr. Mouteira Guerreiro ao tratar do direito registral aplica-se a todas as atividades registrais, assim como às notariais.
A publicidade visa atribuir segurança às relações jurídicas, permitindo a qualquer interessado que conheça o teor do acervo das serventias notariais e registrais. Gera cognoscibilidade, no dizer de Nicolau Balbino Filho (Direito Imobiliário Registral, Saraiva, 2.001), possibilitando o conhecimento dos teores dos registros e dos atos notariais. Para o efetivo conhecimento exige-se a atitude do interessado em conhecer o que se dá à publicidade (publicidade formal, que se concretiza pela expedição de certidões – ato administrativo enunciativo).
A publicidade formal não é absoluta, e sofre restrições nos serviços registrais quanto ao registro civil de pessoas naturais (art. 18 da Lei 6.015 – questões referentes ao nome). Na atividade notarial, há restrição no tabelionato de protestos, pois certidões de protestos cancelados só podem ser fornecidas ao próprio devedor ou por ordem judicial; quanto às demais, não há qualquer óbice, mas existe uma formalidade a ser observada: requerimento por escrito do interessado (arts. 27, § 2º, e 31 da Lei 9.492).
A autenticidade é qualidade do que é confirmado por ato de autoridade, criando presunção juris tantum de veracidade. Frise-se que a presunção relativa não se estende ao negócio causal ou ao fato que deu origem ao ato praticado, incidindo a autenticidade exclusivamente sobre o ato notarial ou registral.
A segurança decorre da certeza quanto ao ato e sua eficácia, promovendo a libertação dos riscos. A consulta aos teores dos registros e dos livros de notas, possível a qualquer interessado (publicidade formal), associada à presunção de verdade dos atos que emanam dos serviços notariais e registrais, permite a aferição da boa-fé de quem pratica qualquer ato fundado nas informações recebidas. A gama de normas relativas aos serviços notariais e de registro salvaguarda interesses das partes e de terceiros, gerando segurança nas relações jurídicas.
Por fim, quanto à eficácia, significa a garantia de que o ato notarial ou de registro produzirá a conseqüência própria do mesmo, o estar apto a produzir os efeitos jurídicos que dele se esperam. Por exemplo, o registro nas aquisições entre vivos é constitutivo, transmitindo a propriedade imóvel e permitindo ao proprietário, ainda, a oponibilidade de sua situação a terceiros, já que produz o registro efeitos erga omnes.
Vê-se que publicidade, autenticidade, segurança e eficácia são fins que se entrelaçam e se completam, são interdependentes. A publicidade dos atos é relevante porque a eles se atribui autenticidade; a segurança é dependente e fim da publicidade e da eficácia; a eficácia, por seu turno, só se atinge em razão da autenticidade e da publicidade. Várias outras relações podem ser feitas entre os fins dos serviços notariais e registrais, importando assinalar que, em síntese, o que se almeja é a segurança jurídica.
Segundo o comando constitucional, o ingresso na atividade notarial e de registro se dá através de concurso público de provas e títulos. Os concursos são realizados pelo Poder Judiciário, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil, do Ministério Público, de um notário e um registrador (art. 15 da Lei 8.935).
A obtenção da delegação depende, além da aprovação em concurso público, do preenchimento dos seguintes requisitos: nacionalidade brasileira, capacidade civil, quitação com as obrigações eleitorais e militares, diploma de bacharel em direito e verificação de conduta condigna para o exercício da profissão.
O § 2° do art.15 da Lei 8.935 abre exceção ao requisito do bacharelado em direito, permitindo que se candidatem não bacharéis “que tenham completado, até a data da primeira publicação do edital do concurso de provas e títulos, 10 (dez) anos de exercício em serviço notarial ou de registro”. O legislador, após definir os tabeliães e registradores como profissionais do direito (art.3° da Lei 8.935), permite que alcem a delegação não bacharéis, exigindo apenas a prática no exercício das funções. Considerando que exercem os delegatários relevantes funções, responsáveis pela qualificação registral e notarial, pela instrumentação de segurança jurídica e pela prevenção de litígios, com evidente liberdade de interpretar, sendo verdadeiros vetores da paz social, melhor seria não prescindir do requisito do bacharelado em direito. A regra que o dispensa, em homenagem a tantos que se dedicaram por longos anos ao serviço notarial e registral, mesmo indispensáveis no momento de implantação da forma de ingresso por concurso público, deveria ter sido objeto das disposições transitórias, como disposição de caráter temporário.
A nacionalidade brasileira exigida engloba os brasileiros natos ou naturalizados.
Encerrado o concurso, os candidatos serão declarados habilitados na rigorosa ordem de classificação e receberão a outorga da delegação.
O art. 2° da Lei 8.935 foi vetado pelo Presidente da República, mantido o veto pelo Congresso Nacional. Dispunha o texto vetado caber ao Poder Judiciário a delegação. Walter Ceneviva, em Lei dos Registros Públicos Comentada, Saraiva, 2.001, sustenta que o Poder Executivo delega e o Judiciário fiscaliza, o que teria restado claro em razão do veto em foco. Contudo, as unidades da Federação não têm agido de forma homogênea quanto à competência para a delegação. Para exemplificar, no Estado de Minas Gerais a delegação é oriunda do Poder Executivo, enquanto que nos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, cabe ao Poder Judiciário. No Rio de Janeiro lei estadual (art. 9° da Lei/RJ-2.891/98) confere competência ao Presidente do Tribunal de Justiça para expedir o ato de delegação, ante a omissão da lei federal.
Destinam-se ao ingresso na atividade duas terças partes das vagas, cabendo à remoção por concurso de títulos o preenchimento do terço restante. O critério de preenchimento define-se pela data da vacância da titularidade ou, quando vagas na mesma data, aquela da criação do serviço.
Admitem-se à remoção titulares que exerçam a atividade há mais de 2 (dois) anos, cabendo à legislação estadual dispor sobre as normas e os critérios para o concurso de remoção.
8. Os titulares e seus prepostos.
Os titulares são notários ou tabeliães e oficiais de registro ou registradores, como sinônimos.
Profissionais do direito dotados de fé pública, a quem se delega o exercício da atividade notarial e de registro, gozam de independência no exercício de suas atribuições e têm direito à percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia.
Para o exercício de suas funções, deve o titular organizar técnica e administrativamente a serventia, sendo de sua responsabilidade exclusiva o gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços “inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal, cabendo-lhe estabelecer normas, condições e obrigações relativas à atribuição de funções e de remuneração de seus prepostos de modo a obter a melhor qualidade na prestação dos serviços” (art. 21 da Lei 8.935).
Numa serventia temos, portanto, um titular que ingressa na atividade por concurso público e que, como profissional do direito gozando de independência, é responsável não só por toda a organização administrativa como, e principalmente, pela interpretação jurídica. Tem o titular independência jurídica, como delegado de função pública que exige a formação de juízo e a tomada de decisões.
A execução dos serviços exige a participação de outras pessoas e, para tanto, podem os delegatários contratar empregados, com remuneração livremente ajustada e sob o regime da legislação do trabalho.
Os empregados são escreventes e auxiliares, ficando a critério de cada titular determinar o número a contratar. Dentre os escreventes o notário ou registrador escolherá os substitutos para, simultaneamente com o titular, praticar todos os atos que lhe sejam próprios. Dentre os substitutos um será designado pelo titular para responder pelo serviço em suas ausências ou impedimentos.
Havendo necessidade do titular praticar ato de seu interesse (ou de cônjuge ou parentes na linha reta ou colateral, consangüíneos ou afins, até o terceiro grau) em sua serventia, não poderá fazê-lo pessoalmente, devendo o ato ser praticado pelo substituto.
O art. 5º da Lei 8.935 define quais são os titulares de serviços notariais e registrais: I- tabeliães de notas (atribuições e competências definidas nos arts. 6º e 7º da Lei 8.935 – formalizar juridicamente a vontade das partes, intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autenticar fatos, lavrar escrituras e procurações públicas, lavrar testamentos públicos e aprovar os cerrados, lavrar atas notariais, reconhecer firmas e autenticar cópias); II- tabeliães e oficiais de registro de contratos marítimos (competência definida no art. 10 da Lei 8.935, devendo ser suas atribuições específicas buscadas nos princípios gerais da legislação comercial, por tratarem de negócios relacionados com o comércio marítimo); III- tabeliães de protesto de títulos (competência definida no art. 11 da Lei 8.935, estando os serviços de protesto de títulos e outros documentos de dívida regulamentados pela Lei 9.492); IV- oficiais de registro de imóveis (praticam os atos previstos na Lei 6.015 – Lei de Registros Públicos – e em outros diplomas aplicáveis ao registro imobiliário); V- oficiais de registro de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas (praticam os atos previstos na Lei 6.015); VI- oficiais de registro civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas (praticam os atos previstos na Lei 6.015); VII- oficiais de registro de distribuição (competência definida no art. 13 da Lei 8.935 – proceder à distribuição equitativa pelos serviços da mesma natureza, quando previamente exigida, registrando os atos praticados; em caso contrário, registrar as comunicações recebidas dos órgãos e serviços competentes).
Os serviços enumerados no art. 5º não são acumuláveis, devendo aqueles com atribuições acumuladas sofrer a desacumulação na primeira vacância de titularidade após a vigência da Lei 8.935. Contudo, a lei contém uma exceção, permitindo a acumulação nos Municípios que não comportarem, em razão do volume dos serviços ou da receita, a instalação de mais de um dos serviços (parágrafo único do art. 26 da Lei 8.935).
Por fim, vale assinalar que fora do âmbito das funções típicas, podem ser contratadas pessoas físicas, que não sejam escreventes ou auxiliares, e mesmo pessoas jurídicas (serviços de informática, segurança, limpeza, etc.).
No exercício de suas funções, na prática de atos próprios da serventia, podem os titulares infringir normas civis, penais ou administrativas, respondendo pelas faltas praticadas.
As infrações disciplinares estão previstas no art. 31 da Lei 8.935: inobservância das prescrições legais ou normativas; conduta atentatória às instituições notariais e de registro; cobrança indevida ou excessiva de emolumentos, ainda que sob a alegação de urgência; violação do sigilo profissional; e descumprimento de quaisquer dos deveres descritos no art. 30 (em verdade já prevista no primeiro inciso do art. 31 – inobservância de prescrições legais e normativas).
Praticada infração administrativa, sujeita-se o titular (e somente ele, pois os prepostos são submetidos ao poder de comando dos titulares) às penas de repreensão, multa, suspensão e perda da delegação, impostas pelo Poder Judiciário.
Ocorrendo dano a usuário do serviço, surge o dever de indenizar e, sendo a conduta sancionada pela lei penal, responde criminalmente o delegatário.
Prevê o Código Penal, no art. 92, I, e seu parágrafo único, como efeito extrapenal da condenação, a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo. Assim, o titular que praticar infração penal e for condenado por decisão transitada em julgado, poderá perder a delegação, como efeito secundário da sentença penal, que deverá ser expressa e motivadamente declarado pelo magistrado prolator da decisão. Ao contrário da obrigação de indenizar, que também decorre da sentença condenatória trânsita mas não precisa ser declarada pelo juiz, a perda da delegação há de ser expressamente mencionada. Para que suceda a perda da delegação como decorrência da condenação criminal deve ser aplicada pena privativa de liberdade igual ou superior a um ano na prática de crimes com abuso de poder ou violação de dever para com a administração pública ou superior a quatro anos nos demais casos. Por ser a infração penal mais grave que a administrativa, já que atinge bens sociais de maior relevância, pode a sua prática repercutir na esfera administrativa, assim como repercute na esfera civil.
A responsabilidade penal deve ser individualizada. Ao tratar dos direitos e garantias fundamentais a Constituição Federal, no art. 5º, XLV, dispõe que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”, e no inciso XLVI que “a lei regulará a individualização da pena”.
O art. 24 da Lei 8.935 reza que a responsabilidade penal será individualizada e que se aplica, no que couber, a legislação relativa aos crimes contra a administração pública.
Assim, se um preposto pratica uma infração penal, sem a participação do titular, este não responderá criminalmente. Responderá civilmente (o que está expresso no parágrafo único do art. 24 da Lei 8.935) e administrativamente, mas não poderá sofrer as conseqüências penais da condenação de seu preposto.
Considerado funcionário público para efeitos penais (art. 327 do Código Penal) pode o titular praticar crimes contra a administração pública (arts. 312 a 326) e infrações previstas em outras normas penais incriminadoras. O art. 300 do Código Penal sanciona o falso reconhecimento de letra ou de firma com pena de reclusão de um a cinco anos e multa, se o documento for público, e de um a três anos e multa se o documento for particular. A Lei 6.766/79, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, criou tipos penais que podem ter como agentes titulares de serviços notariais e registrais.
Indiscutível que os delegatários estão obrigados a responder por danos que eles e seus prepostos causarem a terceiros na prática de atos próprios da serventia (art. 22 da Lei 8.935).
Entretanto, tormentosa questão se coloca quanto à aplicação na hipótese da responsabilização objetiva ou subjetiva do titular.
A análise do tema passa pela natureza jurídica dos serviços prestados, pela apreciação do instituto da delegação e pela interpretação de alguns dispositivos legais, destacando-se o mencionado art. 22 da Lei 8.935 (“os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que ele e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos”) e os seguintes:
a) § 6° do art. 37 da Constituição Federal - “As pessoas jurídicas de direto público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa;”
b) art. 38 da Lei 9.492 - “Os Tabeliães de Protesto de Títulos são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso”(grifo nosso);
c) art. 14 da Lei 8.078 (Código de Defesa do Consumidor) - “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços...”(grifo nosso). O art. 3° define como fornecedor toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados que, entre outras atividades, prestem serviços.
A Constituição Federal adotou, quanto à responsabilidade estatal, a teoria do risco administrativo, atribuindo responsabilidade decorrente do risco criado pela atividade administrativa do Estado. A exclusão da responsabilidade depende do rompimento do nexo causal (fato exclusivo da vítima ou de terceiro, caso fortuito ou força maior). Ante o disposto no § 6° do art. 37 da Carta Magna, aplica-se a responsabilidade objetiva, de forma induvidosa, também às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.
Os serviços extrajudiciais são, indubitavelmente, serviços públicos. Contudo, são prestados por pessoas físicas através da delegação, o que afasta, ao menos a princípio, a incidência do mencionado § 6° do art. 37 da C.F. Décio Antônio Erpen, em Revista de Direito Imobiliário, n° 47, RT, argumenta que, quisesse o legislador constituinte que aos notários e registradores se aplicasse a norma enfocada, não teria remetido à lei ordinária a disciplina de sua responsabilidade civil (§ 1° do art. 236 da C.F., regulamentado pelo art. 22 da Lei 8.935).
Os delegatários são colaboradores do Poder Público, pessoas físicas que exercem funções públicas. Não são funcionários públicos, a eles equiparados apenas para efeitos penais. No entanto, também não parece correto afirmar que a responsabilidade objetiva seria apenas do Estado, e que caberia então direito de regresso em face dos titulares, havendo dolo ou culpa.
O art. 22 da Lei 8.935 sinaliza responderem objetivamente os titulares, em razão de danos causados na prática de atos típicos da serventia. Com efeito, o constituinte reservou ao legislador infra constitucional a definição da responsabilidade dos delegatários, mas a opção foi no sentido de manter a mesma disciplina quanto às pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços, do § 6° do art. 37 da C.F. E o fez o legislador em harmonia com o sistema, pois o Código de Defesa do Consumidor já previa a responsabilidade objetiva do prestador de serviços, pessoa física ou jurídica, pública ou privada. Embora se apresentem argumentos contra a aplicação do Código de Defesa do Consumidor à atividade notarial e registral (Walter Ceneviva, Sonia Marilda Péres Alves), merecedores de respeito, não vejo como acolhê-los. A promoção da defesa do consumidor está entre os direitos e garantias fundamentais no texto constitucional (art. 5º, XXXII), e o Código de Defesa do Consumidor, no art. 1º, dispõe que as normas de defesa do consumidor são de ordem pública e interesse social. As normas do Código do Consumidor são aplicáveis em qualquer área do direito onde haja relação de consumo, seja direito público ou privado, contratual ou extracontratual.
Quanto à responsabilidade do Estado, há de ser solidária. O usuário do serviço pode buscar a reparação do dano em face do delegatário e/ou do Estado. O magistério de Gustavo Tepedino, em Temas de Direito Civil, Renovar, 2.004, se aplica: “... há de se considerar solidária a responsabilidade dos entes público e privado, no caso do art. 37, § 6°, da Constituição, não prevalecendo, nesta hipótese, a regra geral do art. 265 do Código Civil. Parece, ao revés, haver previsão legislativa expressa aplicável à espécie: o Código de Defesa do Consumidor admite, como fornecedor, toda a pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira (art. 3°, Lei n° 8.078/90). A prestação de serviços públicos constitui, portanto, relação de consumo, sendo a vítima dos danos provocados pela administração pública o consumidor final ou equiparado (art. 17, Lei n° 8.078/90), o que atrai para tais hipóteses a disciplina dos acidentes de consumo, de modo a gerar a solidariedade dos diversos entes públicos e privados que se apresentem como fornecedores dos respectivos serviços, prestados (direta ou indiretamente) pela atividade estatal”.
A legislação avança em direção à proteção do consumidor, que se amplia com o reconhecimento da solidariedade entre o Estado e o prestador de serviços públicos, não cabendo afastar o primeiro mas, ao contrário, responsabilizá-lo.
O reconhecimento da responsabilidade objetiva do delegatário não é motivo de qualquer preocupação para os titulares. Não importa adoção de risco integral, já que comporta excludentes. Inexistente nexo causal entre o ato e o dano, não há responsabilidade. A responsabilidade decorrerá da falta do serviço ou de sua execução defeituosa. Agindo estritamente dentro da legalidade, não causará o notário ou registrador dano indenizável.
Carlos Maximiliano, em Hermenêutica e Interpretação do Direito, Forense, 1.998, leciona: “cumpre evitar não só o demasiado apego à letra dos dispositivos, como também o excesso contrário, o de forçar a exegese e, deste modo, encaixar na regra escrita, graças à fantasia do hermeneuta, as teses pelas quais se apaixonou...”. Salvo melhor juízo, só uma interpretação forçada leva à conclusão da aplicação da responsabilidade subjetiva ao tabelião e ao registrador.
Mas, como inicialmente afirmado, a questão é tormentosa e controvertida, não havendo uma posição predominante na doutrina ou na jurisprudência. O debate foi ainda incrementado pela vigência da Lei 9.492, que fixou no art. 38 a responsabilidade subjetiva dos tabeliães de protesto. Contudo, o dispositivo fere o sistema, já que a lei que regulamentou o art. 236 da Carta Constitucional e disciplinou a responsabilidade civil de todos os titulares não optou pela responsabilidade subjetiva, assim como não o fez o Código do Consumidor, aplicável a todas as atividades.
O Supremo Tribunal Federal tem decidido pela responsabilidade objetiva do Estado, com direito de regresso em face dos titulares, se tiverem agido com dolo ou culpa. No Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro há julgados acolhendo a responsabilidade objetiva do Estado e outros entendendo que a responsabilidade do titular é objetiva, sendo subsidiária a do Estado. Em julgamento de 08/10/2.003, apelação cível 2003.001.10272 (decisão atacada por recursos ainda não apreciados), relatora Desembargadora Elisabete Filizzola, a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro decidiu:
“PROTESTO INDEVIDO DE TÍTULO. APONTE DO NOME COMO DEVEDOR. INADIMPLENTE. DÍVIDA JÁ PAGA. DANO MORAL. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO ESTADO. ILEGITIMIDADE PASSIVA.
Ação de indenização por danos morais. Protesto de título e nome da empresa no cadastro de inadimplentes após a quitação da dívida. Responsabilidade objetiva do oficial de registro e subsidiária do Estado. Ilegitimidade passiva do Estado reconhecida.
A responsabilidade do Estado é subsidiária e não solidária pelos danos causados a terceiros pelos notários e registradores e só deve responder em casos de insolvência do delegatário. Assim, tendo a empresa Autora alegado ter sofrido danos por atos do titular do cartório de notas, somente após exauridos os recursos da entidade prestadora de serviços públicos, pode buscar do Estado a indenização que afirma fazer jus”.
O tema é bastante instigante e não está próximo de ser pacificado na doutrina e na jurisprudência.
10. Encerramento da delegação.
Extingue-se a delegação nas hipóteses elencadas no art. 39 da Lei 8.935: morte do titular, aposentadoria facultativa, invalidez, renúncia, perda, e descumprimento da gratuidade conferida pala Lei 9.534/97 (não cobrança de emolumentos pelo registro civil de nascimento e pelo assento de óbito e pela primeira certidão respectiva).
A aposentadoria facultativa ou por invalidez segue as normas da legislação previdenciária oficial.
A perda da delegação, como sanção disciplinar, depende de sentença judicial transitada em julgado ou decisão decorrente de processo administrativo instaurado pelo juízo competente, assegurado amplo direito à defesa (art. 5°, LV, da C.F. assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, o contraditório e a ampla defesa).
A extinção pelo descumprimento da gratuidade da Lei 9.534 (inciso VI do art. 39 da Lei 8.935, acrescentado pela Lei 9.812/99) nada mais é que a perda da delegação, que se dará, no caso vertente, após a aplicação das demais penalidades (repreensão, multa e suspensão) e verificando-se novo descumprimento (§ 3°, A e B, do art. 30, da Lei 6.015).
Ao não incluir a aposentadoria compulsória no elenco de causas extintivas da delegação, a Lei 8.935 fomentou enorme controvérsia. Durante a votação do projeto de lei, o Senador Eduardo Suplicy apresentou proposta acrescentando um inciso ao art. 39, prevendo o encerramento da delegação pela compulsória, que foi rejeitada pelo Congresso Nacional.
Prevista no inciso II do § 1º do art. 40 da Constituição Federal, a aposentadoria compulsória atinge os servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados e dos Municípios, aos setenta anos de idade. A redação atual do dispositivo em tela foi dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/1.998. No texto anterior não havia menção a “servidores titulares de cargos efetivos”, mas tão somente a “servidor”.
Antes da Emenda nº 20, predominava o entendimento que a aposentadoria compulsória se aplicava aos titulares de serviços notariais e registrais, por exercerem função pública e portanto se equiparando aos funcionários públicos para fim de aposentação. Apesar de predominar tal entendimento nos tribunais, havia na doutrina quem defendesse a inaplicabilidade da compulsória para os titulares dos serviços notariais e de registro. No Boletim do IRIB nº 250, de março de 1.998, o ex-magistrado Gilberto Valente da Silva respondia negativamente a questão sobre a aplicabilidade da compulsória, in casu, citando a posição da jurisprudência no momento: “A Lei 8.935, de 18.11.94, não contemplou a aposentadoria compulsória para os titulares dos Registros e dos Tabelionatos. Mas, num primeiro caso decidido pelo Supremo Tribunal Federal, foi assentado que, em sendo pública a atividade, incide a aposentadoria compulsória. Do acórdão foram interpostos embargos de declaração, ainda não julgados, especialmente considerando que, no caso concreto, a titular, do Rio de Janeiro, completou 70 anos de idade antes da Lei 8.935/94. Não se tem, portanto, uma definição do STF, embora as notícias de vários Tribunais do País serem no sentido de que todos eles entendem que incide a compulsória aos 70 anos”. Os tribunais assim decidiram, reiteradamente, embora houvesse algumas decisões em sentido contrário e discordância na própria Corte Suprema, com votos vencidos.
Alterada a redação do art. 40 da Constituição Federal, teve início processo de mudança de posição nas decisões judiciais, hoje estando assentado, tanto no Supremo Tribunal Federal quanto no Superior Tribunal de Justiça, que a aposentadoria compulsória não se aplica a tabeliães e registradores, mas apenas a ocupantes de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações. Por não ocuparem cargo (“lugar instituído na organização do serviço público, com denominação própria, atribuições específicas e estipêndio correspondente, para ser provido e exercido por um titular” – Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, RT), não estão os delegatários sujeitos à aposentadoria compulsória.
O Ministro Carlos Velloso, do Supremo Tribunal Federal, relator da ação cautelar 218-4 (decisão publicada em 30/04/2.004), em seu voto historia a posição do tribunal constitucional, referindo-se ao precedente do plenário:
“É certo que a jurisprudência da Casa, no sistema anterior à EC 20/98, havia se firmado no sentido de que os tabeliães estavam sujeitos à aposentadoria compulsória por implemento de idade, RE 178.236/RJ, Gallotti, Plenário, ‘DJ’ de 7.3.96; RREE 189.741/SP e 254.065/SP, Velloso, 2ª Turma,‘DJ’ de 25.11.97 e 14.12.01; RE 234.935/SP, Celso de Mello, ‘DJ’ de 0.8.99. Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, pelo seu Plenário, em 03.4.2003, no julgamento da ADI 2.602-MC/MG, Moreira Alves, ‘DJ’ de 06.6.2003, decidiu que, havendo a EC 20/98 inovado no ponto, os oficiais registradores e tabeliães de notas não mais se sujeitam à aposentadoria compulsória”. (grifos do original).
Decidiu por unanimidade a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na recente data de 19/04/2.005, ao julgar o agravo regimental no Recurso Especial 686818/RS (2004/0140771-3 – publicação em 09/05/2.005 no Diário da Justiça):
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. NOTÁRIO OU OFICIAL DE REGISTRO. APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. NÃO-SUJEIÇÃO. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. O Supremo Tribunal Federal tem afirmado que o art. 40, § 1°, inc. II, com a redação determinada pela Emenda Constitucional 20/98, prevê aposentadoria compulsória tão-somente aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações. Por conseguinte, mencionada norma não se aplica ao titular de cartório que implementou 70 (setenta) anos de idade após sua promulgação.
2. Esse posicionamento da Suprema Corte foi absorvido pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e encontra-se em consonância com o disposto no art. 39 da Lei 8.935/94, que prevê tão-somente a possibilidade de aposentadoria facultativa ou por invalidez aos notários e registradores.
3. Agravo regimental improvido”. Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima.
Extinta a delegação o serviço será declarado vago pela autoridade competente (do Poder Judiciário, de acordo com a legislação estadual) que designará o substituto mais antigo para responder pelo expediente e abrirá concurso (que será de ingresso ou de remoção, de acordo com a ordem de vacância e observado o critério de preenchimento alternado, duas terças partes por concurso de ingresso e uma terça parte por concurso de remoção).
Aos oficiais de registro, ou registradores, de imóveis, de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas, e civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas, compete a prática dos atos previstos na Lei 6.015, independentemente de prévia distribuição, respeitadas as normas que definem as circunscrições geográficas (art. 12 da Lei 8.935).
As atribuições dos oficiais de registro de distribuição estão elencadas no art. 13 da Lei 8.935, e serão analisadas à frente.
Ao registro de imóveis aplicam-se, sem prejuízo de dispositivos de outras leis, os arts. 167 a 288 da Lei 6.015 (Título V, do Registro de Imóveis), e ainda os arts. 1º a 28 (Título I, Disposições Gerais) e 289 a 299 (Título VI, Das Disposições Finais e Transitórias), da mesma lei.
O registro imobiliário tem como função básica constituir o repositório fiel da propriedade imóvel e dos atos e negócios jurídicos a ela referentes.
Os atos de registro, em sentido amplo, englobam a matrícula do imóvel, os atos de registro em sentido estrito e as averbações.
A matrícula foi a principal inovação da Lei 6.015 quanto ao registro de imóveis. Ao determinar a matrícula, caracterizando e confrontando o imóvel, passando este a ser o núcleo do registro, adotou a legislação brasileira o sistema cadastral que se aproxima do sistema germânico. A organização do sistema registral brasileiro atual é de fólio real. Há no sistema brasileiro presunção relativa do domínio da pessoa em cujo nome o imóvel está registrado, divergindo da presunção absoluta que decorre do registro alemão. Em nosso sistema, apenas do registro Torrens emerge a presunção absoluta (relativo a imóveis rurais e de pouquíssimo uso, pelo custo e sistemática complexa).
A abertura da matrícula é obrigatória por ocasião da prática de ato de registro em sentido estrito na vigência da Lei 6.015 e à matrícula se aplica o princípio da unitariedade, pelo qual a cada imóvel corresponde uma matrícula e pelo qual uma mesma matrícula não pode abranger mais de um imóvel. É vedada a matrícula de parte ideal de imóvel. No sistema anterior à Lei 6.015 um mesmo registro poderia se referir a mais de um imóvel ao a apenas uma parte ideal de um imóvel.
Os atos de registro em sentido estrito estão arrolados no art. 167, I, da Lei 6.015, e podem ser definidos como atos principais em relação às averbações, e referem-se, em conceito simplificado, às aquisições e onerações de imóveis. Debate-se quanto à taxatividade ou não do elenco do art. 167, I. Parece que a melhor interpretação é a que defende a taxatividade dos direitos registráveis, mas não os restringindo ao inciso I do art. 167, e sim aos direitos registráveis fixados por lei (pela própria Lei 6.015 ou outra), ainda que fora do elenco a que nos referimos. Importa que exista previsão legal de registro e que a previsão obedeça ao art. 172 da Lei 6.015, ou seja, que se trate de “títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintivos de direitos reais sobre imóveis reconhecidos em lei, inter vivos ou causa mortis, quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer para a sua disponibilidade”. A renúncia é causa de perda da propriedade e seu registro se impõe por força do parágrafo único do art. 1.275 do Código Civil, embora não figure no inciso I do art. 167 da Lei 6.015.
Quanto às averbações, não há que se falar em numerus clausus. Meramente exemplificativo o inciso II do art. 167 da Lei 6.015, restando indubitável a possibilidade de outras averbações a redação do art. 246 da mesma lei, ao estabelecer que “além dos casos expressamente indicados no item II do art. 167, serão averbadas na matrícula as sub-rogações e outras ocorrências que, por qualquer modo, alterem o registro”. As averbações são atos acessórios com relação aos registros em sentido estrito, não atingindo sua essência, mas os alterando por algum modo.
O art. 168 da Lei 6.015 diz que “na designação genérica de registro, consideram-se englobadas a inscrição e a transcrição a que se referem as leis civis”. Apesar do dispositivo, a própria Lei 6.015 fere o sistema, utilizando as expressões “inscrição” e “transcrição” (arts. 189; 263 a 265; 285, § 2º; e 288), e merece crítica dos doutrinadores em direito registral (como Afrânio de Carvalho e Walter Ceneviva). Os registros, em sentido lato, são feitos por extrato e em forma narrativa (arts. 176, § 1º, III; e 231, I, da Lei 6.105).
A seguir esquema condensado sobre o itinerário de um título no registro imobiliário, referindo-se os dispositivos à Lei 6.015:
O PROCESSO DE REGISTRO (Capítulo III, arts. 182 a 216)
PRENOTAÇÃO - QUALIFICAÇÃO - REGISTRO
DÚVIDA - PRAZO P/ - ART. 198, III ® MINISTÉRIO PÚBLICO - ART. 200 - DECISÃO
IMPUGNAÇÃO  
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