Em 11/06/2012

Lei garante assistência aos incapazes de gerir seus próprios bens e direitos


Para elas, o Código Civil instituiu a curatela. Conheça algumas decisões do STJ sobre esse instituto


Um princípio básico estabelecido na Constituição brasileira é o da dignidade da pessoa humana. A partir dele, surgem os direitos e garantias fundamentais, direcionados à proteção e ao bem-estar de todos. Entretanto, mesmo cercadas de direitos assegurados pelo ordenamento jurídico, algumas pessoas são incapazes de invocá-los e de gerir seus próprios interesses, por um motivo permanente ou temporário. Para elas, o Código Civil (CC) instituiu a curatela.

O instituto não se confunde com o da tutela, previsto no artigo 1.728 do CC. O tutor é nomeado para responder pelo menor após o falecimento dos pais ou no caso de ausência destes ou, ainda, na hipótese de perda do poder familiar. O curador é nomeado para administrar os interesses do maior incapaz ou impossibilitado, com respeito aos limites predeterminados pelo juiz, que dependem do grau e do tipo da incapacidade.

Apesar disso, no âmbito penal, poderá ser nomeado curador ao menor. No julgamento do RHC 21.667, o ministro Napoleão Nunes Maia Filho, então na Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – hoje ele integra a Primeira Turma –, explicou que “a função do curador no âmbito do processo penal brasileiro tem como principal característica a proteção do menor, velando-lhe pelos direitos e garantias, bem como pela validade de sua manifestação de vontade”.

Há ainda a curadoria especial, exercida pela Defensoria Pública. Veja mais à frente.

Interdição

De acordo com o artigo 1.768 do CC, o pedido de interdição do incapaz será feito pelo cônjuge, por um dos pais ou por parente próximo. Em caso de doença mental grave, ou quando o pedido não for feito por uma das pessoas citadas, caberá ao Ministério Público (MP) fazê-lo. O cônjuge não separado será, preferencialmente, o curador. Se o incapaz não o tiver, um dos pais. Se não for possível, o descendente mais próximo. Na falta de todas essas pessoas, a escolha caberá ao juiz.

Deficientes mentais, alcoólatras, viciados em drogas, pessoas que não podem exprimir suas vontades, portadores de necessidades especiais e pródigos (aqueles que gastam o dinheiro de forma compulsiva) estão sujeitos à interdição e, consequentemente, à curatela. A lei também prevê a assistência para o nascituro, quando o pai morre durante a gravidez e a mãe não possui o poder familiar.

Um caso peculiar, previsto no artigo 1.780 do CC, refere-se à curatela requerida pela própria pessoa que se considera incapaz, não por uma limitação mental, mas devido a alguma enfermidade ou deficiência física. Nesse caso, a assistência é mais restrita, pois poderá abranger somente alguns dos negócios ou bens do curatelado.

Muitos casos envolvendo curatela já chegaram ao STJ. Confira alguns.

Recompensa

O nomeado pelo juiz para assistir o incapaz, muitas vezes, precisa abrir mão de seus próprios interesses e dos seus afazeres. Ser curador é uma tarefa árdua, visto que demanda tempo, disposição e diversas responsabilidades. Por isso, é justo que a missão gere uma recompensa para quem a cumpre.

No julgamento do REsp 1.192.063, a ministra Nancy Andrighi, da Terceira Turma do STJ, entendeu que o curador tem direito de receber remuneração pela administração do patrimônio do interdito, conforme dispõe o artigo 1.752, caput, do CC.

Segundo o dispositivo, “o tutor responde pelos prejuízos que, por culpa, ou dolo, causar ao tutelado; mas tem direito a ser pago pelo que realmente despender no exercício da tutela, salvo no caso do artigo 1.734, e a perceber remuneração proporcional à importância dos bens administrados”. O artigo refere-se à tutela, mas é aplicável à curatela, devido à redação do artigo 1.774 do CC.

Apesar disso, o curador não tem o direito de reter a renda do interdito e fixar seu próprio pagamento. “A remuneração do curador deverá ser requerida ao juiz, que a fixará com comedição, para não combalir o patrimônio do interdito, mas ainda assim compensar o esforço e tempo despendidos pelo curador no exercício de seu múnus”, disse a ministra.

No caso referido, o filho era curador do pai, alcoólatra. As contas prestadas por ele foram rejeitadas, sendo obrigado a ressarcir o interdito em aproximadamente R$ 440 mil. No recurso especial, o filho sustentou que a retenção da importância seria lícita, pois representaria a remuneração pela administração dos bens do pai.

Para a ministra, nem o fato de o curador ser o herdeiro universal dos bens do interdito é suficiente para livrá-lo da obrigação de devolver os valores fixados e retidos indevidamente.

Disputa entre irmãos

Quando o incapaz possui alto poder aquisitivo, a interdição, com o consequente processo de curatela, pode gerar desavenças entre os membros da família. Ao julgar um recurso especial em novembro de 2010, a Terceira Turma do STJ analisou um caso em que oito irmãos, filhos de uma mulher de 92 anos, detentora de vasto patrimônio, disputavam entre si a administração dos bens da mãe.

Em 2001, quatro dos filhos da mulher ajuizaram ação de interdição contra ela, por conta de uma doença própria da idade avançada – demência senil. Os outros não eram a favor. Antes de decidir a respeito, o juiz nomeou curadora provisória a filha que morava com a interditada e que, consequentemente, mantinha um relacionamento mais íntimo com ela. Era, inclusive, liquidante da empresa da família.

Juntamente com a atribuição de curador, vem o dever de prestar contas. Em 2002, a curadora apresentou as contas, voluntariamente. No ano seguinte, o MP nomeou perito contador para avaliar a ocorrência de prejuízos causados por ela a sua mãe, os quais foram alegados pelos filhos que pediram a interdição.

Ainda em 2003, a sentença decretou a interdição da mãe, declarando sua incapacidade absoluta para exercer os atos da vida civil. O magistrado nomeou curadora a mesma filha, limitando o seu exercício aos atos de gestão e administração dos bens da curatelada.

Em 2004, o laudo pericial concluiu que havia várias irregularidades na prestação de contas apresentada, como despesas sem comprovação da necessidade; gastos não revertidos em prol da curatelada; pagamento de honorários a profissionais liberais sem a contratação da prestação de serviço; recibos de profissionais de medicina e odontologia sem especificação dos procedimentos feitos; gastos com joias, bebidas, roupas e calçados para a curadora, além de uma prótese peniana.

Os filhos favoráveis à interdição se manifestaram contra a curatela da irmã. Pediram a rejeição das contas apresentadas e o seu afastamento ou destituição do cargo para o qual foi nomeada.

Diante disso, o juiz de primeiro grau decidiu afastar a curadora do cargo, pela “ameaça de dano irreparável ou de difícil reparação ao patrimônio da interditada”, e nomear como substituto interino alguém que não fazia parte da família. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais manteve a sentença.

Remoção ou suspensão

No recurso especial interposto no STJ, os recorrentes (a curadora e os irmãos favoráveis a ela) sustentaram que não houve a citação da curadora para se manifestar a respeito do pedido de remoção. Sustentaram ainda que tal pedido – proposto no andamento da ação de prestação de contas – deve ser feito em procedimento judicial autônomo, conforme exigência legal.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso especial, explicou que o artigo 1.197 do Código de Processo Civil (CPC) estabelece que, se a situação for de extrema gravidade, o juiz pode suspender o tutor ou curador do exercício de suas funções e nomear substituto provisório.

“Ante a possibilidade de demora na execução da medida de remoção – que, inclusive, ainda poderá sujeitar-se a recurso – e desde que considerada a presença de ameaça de dano irreparável ou de difícil reparação à pessoa ou aos bens do interditado, terá lugar a suspensão da curatela, que, ao contrário da remoção, que faz cessar o encargo, apenas suspende do exercício da função o curador”, disse a ministra.

Ela explicou que, ao contrário do que alegaram os recorrentes, o juiz determinou a suspensão do exercício de curatela e não a remoção, porque ainda seriam apuradas as possíveis irregularidades nas contas prestadas. Segundo a ministra, na hipótese de remoção há a necessidade de processo autônomo, com a observância da forma legal correspondente aos procedimentos de jurisdição voluntária.

Em seu entendimento, a medida de suspensão foi tomada no interesse da interditada, “que deve prevalecer diante de quaisquer outras questões, notadamente quando constatada situação de extrema desarmonia familiar, envolvendo disputa de considerável patrimônio”.

Os recorrentes não concordaram com a nomeação de um curador estranho à família. Sustentaram que, além da curadora afastada, vários familiares estariam aptos a exercer a curatela, visto que a desavença foi constatada apenas entre os irmãos.

Entretanto, segundo a relatora, diante do profundo desacordo familiar, o juiz agiu de forma prudente quando escolheu pessoa idônea e sem vínculo com os interesses da família.

Incapacidade processual

A curadoria especial é uma das funções da Defensoria Pública. Conforme dispõe o artigo 9º, inciso I, do CPC, o menor será representado judicialmente por seus pais, seu tutor ou, na ausência destes, por curador. Em outra hipótese, o juiz nomeará curador quando os interesses do menor colidirem com os do seu representante legal.

Entretanto, em julgamento realizado em outubro de 2011, ao interpretar o artigo referido, o ministro Sidnei Beneti, da Terceira Turma do STJ, concluiu que o curador especial só se dará obrigatoriamente ao incapaz que detiver a condição de parte e não a todo e qualquer menor envolvido no processo, ainda que sejam alegados fatos graves que possam colocá-lo em risco.

“A curadoria especial exerce-se apenas em prol da parte, visando a suprir-lhe a incapacidade na manifestação de vontade em juízo. Não é exercida para a proteção de quem se coloque na posição de destinatário da decisão judicial”, disse Sidnei Beneti.

No caso, o Ministério Público do Rio de Janeiro recorreu ao STJ contra uma decisão que determinou a intervenção da Defensoria Pública em processo ajuizado pelo Conselho Tutelar contra pais de menores, acusados de abuso sexual.

O ministro Sidnei Beneti entendeu que, para a proteção do destinatário da decisão judicial (e não das partes) atua, em primeiro lugar, o juiz e, em segundo, o Ministério Público, como representante da sociedade.

Entretanto, “não se nega, evidentemente, a possibilidade de a Defensoria Pública vir a usar dos instrumentos processuais disponíveis para atuação, podendo promover ações e, mesmo, intervir como assistente de alguma das partes em casos específicos em que se legitime concretamente a atuação”.

Destituição de poder familiar

Ao julgar um agravo de instrumento em dezembro de 2011, em decisão monocrática, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino manteve acórdão que indeferiu a nomeação de curador especial em processo relativo à destituição de poder familiar, no qual o MP é autor, os pais dos menores são os réus e os incapazes não são partes.

Para o ministro, a tese da obrigatória e automática atuação da Defensoria Pública no processo não poderia ser confirmada, por três motivos: os menores não são partes do processo, mas destinatários da proteção; a ação de destituição do poder familiar está inserida nas funções institucionais do MP e não houve prejuízo aos menores.

Os recorrentes não ficaram satisfeitos com a decisão do ministro e pediram a sua reconsideração em agravo regimental. Para eles, vedar à Defensoria Pública o exercício da função de curador especial de criança institucionalizada significaria ofensa ao estado democrático de direito e ao princípio da proteção integral do menor.

Entretanto, em abril de 2012, ao julgar o agravo regimental, a Terceira Turma manteve a decisão, sustentando que "somente se justifica a nomeação de curador especial quando colidentes os interesses dos incapazes e os de seu representante legal".

A Quarta Turma se manifestou sobre o mesmo tema no julgamento do Ag 1.415.049. A Curadoria Especial da Defensoria Pública do Rio de Janeiro recorreu ao STJ sustentando sua legitimidade para atuar como curadora especial na defesa dos direitos da criança e do adolescente, em procedimento de avaliação de reintegração de menor ao convívio familiar, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

A ministra Isabel Gallotti, relatora do recurso, sustentou que “a natureza jurídica do curador especial não é a de substituto processual, mas a de legitimado extraordinariamente para atuar em defesa daqueles a quem é chamado a representar”. No caso, ela explicou que os menores tiveram o seu direito individual indisponível defendido pelo Ministério Público, como substituto processual, na forma prevista na Lei 8.069/90.

Menor infrator

O artigo 184 do ECA assegura ao adolescente infrator a representação adequada em audiência de apresentação. Quando não localizados os responsáveis legais do menor, é dever do magistrado nomear curador especial.

Por essa razão, em junho de 2010, a Quinta Turma do STJ negou provimento a recurso especial da Defensoria Pública em favor de um adolescente que supostamente recebeu, transportou e conduziu uma bicicleta, mesmo sabendo que era roubada.

A Defensoria sustentou que a mãe do adolescente não pôde comparecer à audiência por absoluta falta de recursos e que, nesse caso, deveria ter sido nomeado curador especial. Pediu a nulidade do processo, a partir da audiência de apresentação.

O ministro Jorge Mussi, relator do recurso especial, entendeu que não houve nulidade, pois a mãe do menor foi localizada e devidamente cientificada da data de realização da audiência, não tendo a ela comparecido. Além disso, a Defensoria Pública foi nomeada para atuar no caso.

O STJ entende que, mesmo quando os representantes do adolescente não são notificados, se a Defensoria Pública fizer o acompanhamento, a audiência não é nula.

“Assim, não havendo nulidade quando inexistente a notificação de realização de audiência de apresentação, incabível sua decretação no caso de ter sido devidamente realizada a comunicação à responsável legal e esta, por motivos diversos, não compareceu ao ato”, afirmou Jorge Mussi.

Réu revel

O artigo 9º, inciso II, do CPC prevê a nomeação de curador especial para o réu revel, citado por edital (quando não comparece em juízo para se defender). Nessa hipótese, o curador, como representante legal, irá zelar pelos seus interesses no caso, quanto à regularidade do processo. Ele poderá contestar a ação em nome do revel.

“Tendo em vista a precariedade da citação ficta [por edital ou por oficial de Justiça], os revéis assim incorporados à relação processual terão direito à nomeação de um curador especial”, disse a ministra Nancy Andrighi no julgamento do REsp 1.280.855.

Para a ministra, ainda que exista fundamento suficiente para confirmar o mérito da ação, o magistrado não pode dispensar a oportunidade de contestação ou nomeação de curador especial, “corolários dos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, garantias inerentes a um estado democrático de direito”. Caso dispense, haverá nulidade absoluta do processo.

No processo, envolvendo a compra e venda de imóvel rural, havia 23 réus. Sete foram citados pessoalmente e os demais, por edital. Após o julgamento da ação pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), os réus citados por edital recorreram contra o acórdão. Sustentaram que a citação foi indevida, já que possuíam endereço conhecido. Alegaram que, embora revéis, não lhes foi designado curador especial.

O TJSP rejeitou o recurso, sob o fundamento de que, independentemente do cumprimento das formalidades (citação pessoal e nomeação de curador), o vício reconhecido na ação não poderia ser afastado.

Para a relatora, a decisão do tribunal caracterizou negativa de prestação jurisdicional, pois, ainda que tivesse convicção formada acerca da decisão, deveria ter confirmado a regularidade das citações e da nomeação de curador especial, “requisito indispensável ao desenvolvimento válido e regular do processo”.

Conflito de interesses

“A nomeação de uma das advogadas constituídas da parte autora, como curadora da parte ré, por si só, evidencia um desvirtuamento do real propósito do instituto da curatela, porquanto patente o conflito de interesses”, disse a ministra Maria Thereza de Assis Moura ao julgar o REsp 1.006.833.

Uma mulher ajuizou ação contra a União pretendendo receber pensão pela morte de seu companheiro, servidor da Marinha do Brasil. A União se manifestou, alegando falta de citação da parte contrária à ação – no caso, a ex-esposa do falecido, beneficiária da pensão. Não tendo sido encontrada a pensionista, a companheira requereu sua citação por edital.

O juízo de primeiro grau nomeou curador especial à parte ré (ex-esposa), pertencente ao quadro da assistência judiciária federal. A pessoa nomeada era uma das advogadas da autora (companheira). Diante disso, o magistrado entendeu que, a partir do momento em que a advogada foi nomeada curadora especial da pensionista, a procuração concedida a ela pela autora tornou-se inválida. A decisão foi mantida na segunda instância.

A ministra Maria Thereza de Assis Moura explicou que a nomeação de curador especial para aquele que é citado por edital e não comparece em juízo para apresentar defesa tem a finalidade de evitar a quebra do princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório, visto que não se tem certeza de que o réu foi informado a respeito da demanda.

“Desse modo, não me parece razoável que a parte ré possa ser representada judicialmente por um dos patronos da parte autora no mesmo processo, porquanto patente o conflito de interesses”, disse a ministra.

A ministra discordou das instâncias ordinárias a respeito da invalidação da procuração concedida à advogada pela autora, sob o fundamento de que a situação não se enquadra nas hipóteses legais de extinção de mandato judicial previstas no CPC e no CC.

Alguns dos processos citados não tiveram o número divulgado em razão de sigilo judicial.

Fonte: STJ

Em 11.6.2012
 



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