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LOTEAMENTOS CLANDESTINOS
PREVENÇÃO E REPRESSÃO
Francisco Eduardo Loureiro


1. Introdução

Este breve estudo contém as idéias básicas expostas no painel sobre o tema "loteamentos clandestinos", do qual participei, juntamente com os ilustres Promotor de Justiça José Carlos de Freitas e o Registrador João Baptista Galhardo, no Congresso Internacional de Direito Urbanístico e Registrário, realizado no dia 29 de fevereiro de 2.000, na cidade de São Paulo.

Não tem o estudo, portanto, o propósito de fazer corte vertical e profundo sobre o complexo tema, mas se contenta em traçar alguns postulados básicos e lançar algumas idéias possíveis aos operadores jurídicos para atenuar o problema.

Inicialmente, cumpre definir o que seja loteamento clandestino, termo de significado técnico-jurídico fechado e já conhecido da doutrina especializada, mas de significado equívoco na linguagem natural.

Pode-se falar no gênero loteamentos ilegais, abrangendo todos aqueles que, em maior ou menor medida, afrontam a Lei no. 6.766/79 e as normas cogentes que lhe são correlatas, como, por exemplo, as de natureza registrária, urbanística, ou mesmo as de proteção ao consumidor. Todos estes parcelamentos são ilegais, porque vulneram normas imperativas que lhe são afetas.

Distingue a doutrina, como acima mencionado, mais de uma espécie desse amplo gênero de loteamentos ilegais, a saber: os loteamentos clandestinos e os loteamentos irregulares1.

Loteamentos clandestinos seriam aqueles que não obtiveram a aprovação ou autorização administrativa dos órgãos competentes, incluídos aí não só a Prefeitura, como também entes Estatuais e Federais, quando necessário.

Loteamentos irregulares seriam aqueles aprovados pela Prefeitura e demais órgãos Estaduais e Federais, quando necessário, mas não executados, ou executados em descompasso com a legislação ou com atos de aprovação.

Os loteamentos irregulares podem estar, ou não, registrados. Às vezes, encontram-se formalmente perfeitos, porque contêm os respectivos processos todos os documentos e autorizações necessárias ao parcelamento. Fisicamente, porém, as obras previstas podem não ter sido executadas, ou executadas em desacordo com o próprio projeto, ou em ofensa a outras normas cogentes correlatas ao parcelamento.

Via de regra, se pode falar em uma graduação dos vícios que maculam o parcelamento do solo. O loteamento clandestino, assim, padeceria de vícios mais graves do que o loteamento meramente irregular. Faltam ao primeiro não só o registro, ou a implantação de acordo com as normas de regência, mas a própria aprovação urbanística.

Muitas vezes, porém, a irregularidade fática não guarda exata simetria com a irregularidade jurídica. Pode perfeitamente ocorrer do loteamento clandestino ser passível de regularização, ao contrário do loteamento meramente irregular. Basta pensar na hipótese do loteamento que, embora clandestino, respeite, fisicamente, regras de caráter urbanístico, tais como largura das ruas, tamanho dos lotes, índice de ocupação e reserva de espaço para implantação de equipamentos públicos. Ao revés, pode ocorrer de loteamento meramente irregular ser implantado em total desacordo com o projeto e o registro, de tal modo que sua regularização implique em profunda mutação (muitas vezes impossível de ser obtida) da realidade física existente.

No que se refere às condutas tendentes a evitar e corrigir o parcelamento ilegal, segundo o escólio de Vicente Amadei2 possível dividi-las em duas espécies nitidamente distintas, a saber:

a) ações preventivas, mediante controle de precaução, para resguardar o bem social e urbanístico planejado. Incluem-se aqui as aprovações urbanísticas e as administrativas, bem como o registro imobiliário do parcelamento. Antecedem o parcelamento;

b) ações de saneamento, ou seja, corretivas, com o propósito de remediar o mal social e urbanístico já existente. Incluem-se aqui os processos e procedimentos de regularização do parcelamento do solo, com o propósito de atender suas finalidades urbanísticas, administrativas e registrárias.

Feitas estas observações iniciais, cabe discriminar algumas das medidas de precaução e algumas das medidas de correção do parcelamento ilegal do solo.

2. As medidas de precaução

2.1 O poder de polícia

A primeira das medidas de precaução contra os loteamentos ilícitos seria, certamente, o efetivo exercício do poder de polícia, por todas as Administrações Públicas (Federal, Estadual e, sobretudo, Municipal).

Lembre-se que a atividade ilícita do parcelamento do solo afeta interesses urbanísticos, de trânsito, de transportes e do meio ambiente. Logo, nos exatos termos dos artigos 23, 24 e 30 da Constituição Federal, a competência para legislar e para exercer a polícia urbanística é concorrente da União, dos Estados, do Distrito Federal e do Município.

Sabido que o poder de polícia corresponde à atividade do Estado, disciplinada por lei, consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público3, ou mesmo do próprio Estado.

Logo, por esse mecanismo, o Estado coíbe e detém a atividade dos particulares que se mostrar contrária, nociva ou inconveniente ao bem estar social, ao desenvolvimento e à segurança nacional4.

Esse poder consiste na prerrogativa do Estado de ditar e de executar medidas restritivas do direito individual em favor do interesse público, mediante três condutas fundamentais: regulamentação, controle e contenção.

A faceta mais visível do poder de polícia é a da contenção. Como o parcelamento ilegal do solo é, simultaneamente, ilícito penal e administrativo, nada impede que esse poder de contenção e combate seja feito em ação conjunta da polícia administrativa e da polícia de manutenção da ordem pública.

Via de regra, quando se fala em poder de polícia, a idéia que logo vem à mente é a da adoção de medidas coercitivas. Não se pode esquecer, todavia, a importante participação do Poder Legislativo local, que cria, por lei, as limitações administrativas e, principalmente, indica as medidas de polícia cabíveis para impor o seu cumprimento5. Essa atividade legislativa, ou mesmo regulamentar do Poder Executivo, é de extrema relevância, porque pode estabelecer que a autoridade administrativa, diante de determinado fato - no caso, o parcelamento ilegal - deverá adotar determinada punição, tornando o ato vinculado. Poderá, ainda, sensível à realidade local, deixar certa margem de apreciação à Administração Pública, segundo critérios de oportunidade ou conveniência.

Sabido, ademais, que o poder de polícia - tanto da polícia administrativa como, sobretudo, da polícia de ordem pública - tem como atributos principais a discricionariedade, a auto-executoriedade e a coercibilidade.

Logo, pode e deve a Administração Pública aplicar as mais graves sanções previstas em lei e empregar todos os meios conducentes a atingir o fim colimado (discricionariedade). Pode, mais, decidir e executar diretamente a decisão por seus próprios meios, sem necessidade de intervenção judiciária, na contenção de atividade anti-social. Lembre-se que os requisitos para a imediata aplicação da sanção, sem receio de atingir preceito constitucional, estão presentes nos casos urgentes que ponham em risco a segurança ou a saúde pública, ou quando se tratar de infração instantânea surpreendida na sua flagrância (auto-executoriedade)6. Finalmente, as medidas podem ser impostas coativamente, se necessário com emprego da força pública, de modo proporcional e necessário a vencer a resistência do particular renitente(coercibilidade).

Lembre-se, mais uma vez, que a executoriedade não existe em todas as medidas de polícia, razão pela qual é necessário que a lei a autorize expressamente, ou se trate de medida urgente. Há, por assim dizer, uma inversão do ônus de ir a juízo, cabendo àquele que se sentir lesado propor a competente ação judicial para suspender a execução do ato.

As medidas de polícia repressivas, especialmente o embargo da obra, a interdição cumpulsória e, especialmente, a demolição da obra clandestina, são, as três, cabíveis por decisão auto-executória. Claro que a proporcionalidade dos meios aos fins, sempre presente na atividade administrativa, deve levar em conta os interesses dos particulares que procuram moradia, em colisão com os interesses maiores da coletividade. Especialmente no que se refere à desocupação e demolição do prédio, o risco iminente de dano, aí incluído o urbanístico e o ambiental, deve estar sempre presente.

O Poder Público tem se mostrado tímido no exercício do poder de polícia, no que se refere ao parcelamento ilegal do solo. Certamente diversos motivos contribuem para isso. O principal deles é o fato de, via de regra, os adquirentes de lotes ilegais serem pessoas humildes e sem moradia. Sob o fundamento de conferir direito essencial - moradia - à parcela mais desfavorecida da população, sacrificam-se regras elementares de direito urbanístico e ambiental.

Parece claro que uma ação preventiva eficaz da Administração Pública, especialmente nas grandes cidades, poderia facilmente evitar a disseminação de loteamentos clandestinos. Essa ação exigiria, porém, duas qualidades raras - celeridade e determinação - do Poder Público. A mudança de mentalidade e de conduta seria fator primário de controle dos parcelamentos ilegais.

2.2. Os parcelamentos ilegais com aparência jurídica de parcelamentos legais

Foi afirmado, em determinado parecer da Corregedoria Geral da Justiça, que a imaginação dos falsos loteadores era inesgotável, sempre com o propósito de criar novas fórmulas jurídicas que contornassem as rigorosas exigências da Lei no. 6.766/79.

A reação dos operadores do direito - registradores, promotores de justiça e juizes - deve ser de rigor proporcional a essa multiplicidade de figuras que tenham como propósito real o parcelamento do solo, apenas com rótulo jurídico distinto.

A burla de normas cogentes, na lição do Desembargador Cezar Peluso, deve ser tida como consumada sempre que seus fins práticos de incidência deixem de ser alcançados em razão de utilização de institutos aparentemente legais. Isso ocorre, inclusive, mediante aplicação de uma categoria jurídica permitida por uma regra jurídica não cogente, mas que é usada para evitar a aplicação da lei cogente proibitiva ou impositiva, na suposição, ou esperança, de que o ato formalmente legal passe desapercebido à quem incumba o poder de fiscalizar7.

A doutrina denomina essas categorias referidas pelo Desembargador Cezar Peluso como "negócios indiretos", que têm a finalidade de propiciar aos contratantes válvula de escape de rígidos limites de determinadas situações jurídicas. O negócio indireto se verifica "quando as partes recorrem, concretamente, a um negócio determinado, para obter, através do mesmo, resultado diverso daquele típico da estrutura do próprio negócio; as partes visam, assim, um escopo que não é típico do próprio negócio"8.

Dois elementos são sempre necessários para que haja a caracterização da fraude à lei, a saber: a) existência de norma imperativa no ordenamento jurídico, necessariamente incidente quando presente determinada situação jurídica; b) a realização de negócio jurídico suscetível de produzir, por meio indireto, exatamente o resultado previsto como indesejado pela norma jurídica imperativa, ou que seja atingido resultado a ele equivalente9.

Outros dois elementos, é bom ressaltar, são perfeitamente dispensáveis para a tipificação da fraude à lei. Não há, primeiro, necessidade de regra jurídica específica proibindo a prática de atos em fraude à lei. Feriria princípio elementar de lógica jurídica que determinados atos fossem vedados, mas que os mesmos efeitos pudessem ser alcançados mediante utilização de outro negócio jurídico. Não há, segundo, necessidade da intenção de fraudar, ou seja, do elemento subjetivo para a sua configuração.

Há, é claro, os que defendam a tese da licitude desses negócios, sob o argumento do princípio da legalidade: tudo o que não é vedado pela lei é válido, inserindo-se, assim, no universo do exercício permitido da autonomia da vontade. Tal posição, porém, não resiste à constatação de que a autonomia da vontade não pode servir para frustrar a aplicação de norma imperativa.

No que se refere à sanção, parece claro que os negócios feitos em fraude à lei do parcelamento do solo padecem de nulidade absoluta, porque buscam atingir, indiretamente, resultados reprovados pelo ordenamento jurídico10. Ainda que se filie a corrente mais liberal, que sanciona a fraude com a mesma pena cominada para a norma burlada, no caso em exame - parcelamento do solo - o resultado seria indiferente, ou seja, de nulidade, diante do conteúdo da Lei no. 6.766/79.

Pode parecer, como afirmam alguns, que a fraude à lei do parcelamento do solo, no Brasil, decorre do excessivo rigor do sistema. Nada mais falso. Como aponta o notário Maurizio Prato, problema semelhante existe na Itália, onde proprietários passaram a usar formas anômalas de venda - com todos os elementos de fraude à lei - para contornar normas imperativas relativas à área verde, espaço público e gabarito construtivo. Curiosamente, as modalidades de fraude são muito semelhantes às aqui utilizadas e abaixo expostas11.

A forma mais comum de se efetuar o parcelamento do solo à margem da lei é a de dar enquadramento à operação mascarando-a sob outros institutos jurídicos previstos no ordenamento. São usados os institutos, por exemplo e de modo mais freqüente, (a) da averbação de rua, (b) do condomínio tradicional do Código Civil, (c) do condomínio especial da Lei no. 4.591/64, (d) da formação de associações e clubes, tudo com a finalidade de parcelar o solo, sem submissão às exigências da Lei no. 6.766/79.

a) Averbação de Rua

A averbação de rua encontra disciplina legal no item 114 do Capítulo XX das NSCGJ, que se limita exigir certidão da Prefeitura Municipal, contendo a perfeita caracterização da via, com o escopo de garantir o controle da disponibilidade do imóvel a ser desfalcado.

O subitem 114.1, porém, alerta os oficiais do registro imobiliário para o fato de que a abertura de rua, sem o cumprimento das exigências legais, é prática indevida que facilita a proliferação de loteamentos irregulares e clandestinos.

Na lição clássica de Hely Lopes Meirelles, o loteamento é a divisão voluntária do solo em unidades edificáveis (lotes), com abertura de vias e logradouros públicos. Efetiva-se, segundo o autor, por meio de procedimento voluntário e formal do proprietário da gleba, que planeja a sua divisão e a submete às autoridades competentes12.

Em termos fáticos, o loteamento pode facilmente ser mascarado de arruamento. Ainda segundo Hely Lopes Meirelles, o arruamento nada mais é do que a singela abertura de vias de circulação na gleba, como início de urbanização, mas que por si só não caracteriza loteamento e tanto pode ser feito pelo proprietário, com transferência das áreas das ruas à Prefeitura, como pelo Município, para interligação de seu sistema viário, mediante desapropriação, direta ou indireta13.

Posta a questão nestes termos, logo se percebe a perigosa semelhança física nas condutas de quem regularmente loteia e de quem abre ruas e as entrega à Municipalidade, seccionando a própria gleba. Ou, ainda, a conduta da Municipalidade que, ao implantar novas vias de interligação, secciona glebas, deixando-as prontas para subsequente desmembramento.

Deve o Oficial Registrador, diante de tal conduta, tomar extrema cautela, negando, se o caso, a averbação da rua, ou o subsequente registro de vendas de partes da gleba seccionada.

As Prefeituras Municipais, lamentavelmente, são coniventes com esse tipo de conduta. Muitas vezes, o loteamento ilegal tem as ruas oficializadas pela Prefeitura, ou mesmo por lei municipal. Essa conduta é absolutamente irregular e deve ser coibida, sempre que nela se vislumbrar a possibilidade de mascarar parcelamento ilegal do solo.

Recente julgado do Tribunal de Justiça, por seu Órgão Especial, reveste-se de especial significado. Cuida-se da Ação Direta de Inconstitucionalidade no. 31.237-0/3, Relator o Desembargador José Osório, na qual ficou fixada a impossibilidade de lei oficializar e dar denominação de via pública de loteamento clandestino, antes de sua regularização.

Claro que se poderia questionar a viabilidade do oficial registrador, na esfera puramente administrativa, negar averbação de rua oficializada por lei, ou mesmo por ato administrativo, presumivelmente legal.

Não seriam tais atos de peculiar interesse do município? Estariam fora do poder de qualificação? A resposta é negativa. Óbvio que o Município tem a prerrogativa de disciplinar o uso do solo, o que, todavia, não significa dizer possa infringir normas federais cogentes e muito menos princípios de dignidade constitucional, relativos ao meio ambiente e urbanismo. Lembre-se, ademais, a competência da União para instituir diretrizes sobre o desenvolvimento urbano, que não pode ser usurpada pelo Município.

Na lição clássica de Jose Maria Chico Y Ortiz, possível é a desqualificação do ato administrativo, quando seu conteúdo seja impossível, ou constitutivo de delito14. O vício, todavia, deve mostrar-se de modo diáfano, de modo a quebrar a presunção de legalidade que emana de todo ato administrativo15.

b) Condomínio tradicional do Código Civil

O Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, após certa hesitação, acabou por adotar posição no sentido de que ao registrador não é dado imiscuir-se, na qualificação, a aspectos fáticos e estranhos ao que contém o título. A postura consagra o aforisma "quod non est in titulo, non est in mundo".

Tal posição, embora irretocável sob o prisma tradicional do direito registrário, talvez merecesse ser revista. A afronta à norma imperativa, mediante o uso de institutos jurídicos, constitui fraude à lei, que acarreta a nulidade absoluta do ato jurídico.

Parece-me que a existência de alguns indícios, que evidenciem a implantação fática de um loteamento, possam passar pelo crivo de qualificação do registrador. Tome-se como exemplo o elevado número de condôminos, sem que haja, entre si, justificativa plausível que justifique a comunhão. A sucessiva venda de partes ideais ínfimas e a própria constatação "in loco" da existência de um ilícito civil e penal não podem ser desprezadas pelo agente administrativo.

Aliás, a conduta hoje adotada pelos registradores revela uma contradição em termos: efetuam o registro da alienação de parte ideal e, ato contínuo, comunicam a ocorrência de potencial ilícito penal ao Ministério Público.

O centro do problema está na questão da apreciação, pelo registrador, de fatos, não contidos explicitamente no título. A questão do redimensionamento da qualificação será abaixo abordada. Por ora, basta afirmar que a soma de diversos fatores, ainda que fáticos, conduzem não só a um juízo de possibilidade virtual, mas de franca probabilidade de fraude à lei, quadro ao qual não pode e não deve ficar indiferente o registrador.

c) Condomínio Especial da Lei no. 4.591/64

Com o objetivo de contornar as regras cogentes da Lei no. 6.766/79, passaram os loteadores a usar da figura, aparentemente legal, do condomínio especial de casas, previsto no artigo 8º da Lei no. 4.591/64, denominado, na linguagem natural, de "condomínio fechado".

O próprio termo "condomínio fechado", tão ao gosto dos empreendedores, já revela, na contradição que contém, a fraude à lei. Se é condomínio, não há necessidade do adjetivo fechado, porque é da Lei n. 4.591/64 que os acessos internos às unidades autônomas são bens particulares. Na verdade o "condomínio" é apenas o rótulo para designar a situação real de "loteamento fechado"

Não há, porém, possibilidade do registro e implementação de condomínio especial sem construção. Óbvio haver, nos dias que correm, necessidade de empreendimentos seguros e que garantam serviços e privacidade aos adquirentes, diante das conhecidas deficiências do serviço público.

Isso, porém, não autoriza mascarar loteamentos em condomínio, com manifesto sacrifício de regras urbanísticas e sonegação de áreas que seriam doadas ao Poder Público.

Em tese, pode existir o chamado "loteamento fechado". Deve, porém, ser aprovado em consonância com a Lei no. 6.766/79 e os espaços públicos (bens de uso comum do povo) ocupados por vias e logradouros ser destinados ao uso exclusivo dos proprietários dos lotes de terreno por permissão ou concessão, previstas em lei municipal própria. É o que ocorre em diversos Municípios do Estado de São Paulo16.

O que não se admite é a implantação de tais loteamento sob o rótulo de "condomínios especiais" , em manifesta fraude à Lei do Parcelamento do Solo. Não há previsão em nosso direito positivo de um "tertium genus" entre "loteamento fechado" e "condomínio deitado". Não se admite que, ao sabor dos interesses do momento, crie-se uma figura jurídica híbrida de loteamento e condomínio, aplicando, tão só, a parte de cada lei que atenda à conveniência do empreendedor17.

Admitir o registro do loteamento como se condomínio fosse significaria aniquilar a Lei do Parcelamento do Solo Urbano. Não mais haveria controle urbanístico e ver-se-ia privada a Municipalidade de expressivo espaço público. A médio prazo, estaria comprometido o próprio sistema viário, uma vez que as cidades estariam totalmente tomadas e cercadas por grandes "guetos" privados.

Como constou da Apelação Cível no. 2.349-0, do Conselho Superior da Magistratura, Rel. Des. Bruno Affonso de André: "Ressalte-se de início, que todas as formas de loteamento que têm sido feitas à margem da Lei no. 6.766/79 acabam por causar grandes transtornos aos municípios. Os loteamentos fechados que têm se formado no mais das vezes à revelia das Prefeituras, acabarão, mais cedo ou mais tarde, entravando a expansão da zona urbana pela impossibilidade de integração das vias internas ao sistema viário do Município"

Não bastasse, clara é a lição de um dos autores do projeto de que resultou a Lei n. 4.591/64, CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA:"A lei exige a construção sob a forma de unidades autônomas. Esta é uma conditio legis. É mister que cada unidade -- apartamento residencial, sala ou conjunto de escritório, de um ou vários pavimentos, loja, sobreloja, vaga em edifício-garagem -- constitua unidade autônoma e deve ser tratada objetivamente como tal e assinalada por uma indicação numérica ou alfabética, para efeito de identificação" (destaque nosso)18

Nosso Colendo Conselho Superior da Magistratura, em inúmeras oportunidades, deixou assentado que "A instituição da Lei no. 4.591/64, posto que não se aplique somente a edifícios, tem sua existência subordinada à construção de casas térreas, assobradadas ou de edifícios. Sem a vinculação do terreno às construções não há condomínio que se sujeite à Lei Especial"19.

No Estado de São Paulo vigora hoje o firme entendimento, inclusive da Corregedoria Geral, condensado no parecer e decisão proferidos no Processo CG 1.536-9620, no sentido da impossibilidade da implantação de condomínio especial sem construção.

Como acima dito, a imaginação de empreendedores inescrupulosos é inesgotável. Tão logo fechada essa via, passaram a promover o registro de "condomínios de casas" com atrelamento do terreno e meras edículas, sem prazos e regras de construção, alteráveis ao exclusivo critério dos adquirentes. Cuida-se, mais uma vez, de nova variante de fraude à lei, mediante utilização de modelos aparentemente previstos no ordenamento, para implantar loteamento com inobservância das regras da Lei no. 6.766/79.

d) Formação de Associações, Sociedades e Clubes

A terceira e engenhosa fórmula de fraude à lei do parcelamento do solo é a formação de associações, sociedades e "clubes de campo", pela qual mediante utilização da personalidade atribuída às pessoas jurídicas, implantam-se e vendem-se loteamentos sob o rótulo de cessão de cotas.

Vendem-se cotas ou participação social equivalentes à fração do lote alienado. Tal como nas situações anteriores, não existe verdadeira sociedade, mas mera criação de negócio jurídico para encobrir a real operação de parcelamento do solo.

É caso típico de fraude à lei, cabendo, inclusive, legitimidade ao Ministério Público para o ajuizamento de ação de dissolução de tais sociedades, dado o seu objeto ilícito21.

3. As medidas de saneamento

As medidas de saneamento de parcelamentos ilegais não constituem o objeto principal deste trabalho, que versa sobre a prevenção de loteamentos clandestinos.

Podemos, porém, referir às principais medidas, a saber: a) regularização do loteamento; b) depósito das parcelas do preço do compromisso de compra e venda; c) usucapião; d) medidas judiciais.

Sobre a regularização de loteamento, não comporta este trabalho digressões mais profundas. Cabe apenas salientar algumas diretrizes básicas, a saber: a) nem todos os loteamentos podem ser regularizados na esfera administrativa. O primeiro requisito é o de que a gleba loteada esteja registrada em nome do parcelador. Caso se trate de mera invasão, ou de posse desacompanhada do domínio, a regularização administrativa não se mostra suficiente para sanar o vício. O segundo requisito é o de que inexista norma imperativa que vede a regularização, como, por exemplo, a localização em área de mananciais, ou perigosas; b) a segunda diretriz é a de que, possível a regularização, deve ser ela feita sempre levando em conta a sua finalidade saneadora. O parcelamento já está implantado, via de regra de modo irreversível. Obstáculos formais devem, sempre que possível, ser relevados ou superados, com objetivo de, ao menos, acertar a situação legal dos adquirentes de lotes.

Sobre o depósito das parcelas do preço de compromissos de compra e venda, cabe salientar a diretriz traçada pela Corregedoria Geral da Justiça, nos processos CG 1.646/97 e 1.579/97, que pode ser assim resumida: "não havendo relação jurídica entre o parcelador (e por via reflexa o adquirente) e o proprietário do imóvel, capaz de desembocar em transferência de propriedade, o parcelamento não é passível de regularização jurídica. Perde a função, por conseqüência, o depósito administrativo ou judicial do preço pelos compromissários compradores".

Sobre o usucapião, cabe apenas salientar que, como modo originário de aquisição do domínio, constitui eficaz meio de regularização da situação dominial de adquirentes de lotes ilegais. Ressalte-se, porém, que, evidenciado que a ação é simulada e se presta a fim ilícito do loteador, deve ser julgada improcedente.

Sobre as demais ações judiciais, na esteira de precedentes dos tribunais, cabe ação cominatória ajuizada pelo adquirente contra o loteador, para compeli-lo a realizar as obras de infra-estrutura, tanto as previstas em lei como aquelas previstas no contrato22. Cabe, também, ação ajuizada pelo Ministério Público, na defesa de interesses coletivos, tanto para obter a regularização do loteamento, como para a interdição, desocupação e demolição de construções em determinadas áreas, como, por exemplo, de mananciais ou perigosas.

4. Tendências e soluções que amenizariam a questão dos loteamentos ilegais

Como salientado em diversas oportunidades pelo Desembargador Narciso Orlandi, não há solução pronta para o problema dos loteamentos ilegais23.

A questão é complexa, porque desborda o aspecto meramente jurídico. Envolve o direito essencial à moradia e a péssima distribuição de renda do país.

O que se pode é mostrar algumas tendências, ou posicionamentos, que ajudariam a atenuar o problema.

a) nova interpretação do direito de propriedade;

O conceito de propriedade vai além da descrição analítica de direitos prevista no artigo 524 do Código Civil.

A propriedade, em estudo sistemático e acoplado à Constituição Federal, deixou de ser mero direito subjetivo, para transformar-se em relação jurídica complexa, que confere ao titular o status de proprietário. Para alcançar e manter esse status, há um poder-dever, que envolve não só o exercício de prerrogativas, mas também de obrigações e ônus.

A autonomia privada não desapareceu e nem tende a desaparecer no direito de propriedade; apenas ganhou novo conteúdo e significação, coincidentes com o novo conceito de propriedade.

Como relações jurídicas regidas por normas distintas, não há uma propriedade, mas várias propriedades. Não há como aplicar as mesmas regras e idêntica interpretação, ao se examinar a propriedade de um unidade autônoma em condomínio em planos horizontais, ou a propriedade de uma extensa gleba destinada ao parcelamento. Há, portanto, vários regimes jurídicos da propriedade imobiliária, cada qual com conteúdo diverso.

O direito de propriedade sofreu nítida evolução em nosso direito constitucional e hoje está garantido, mas subordinado à sua função social. A função social não é algo externo e nem limite, mas sim integra a estrutura e conteúdo do direito de propriedade. Além disso, a função social da propriedade, ao contrário do que possa parecer, não se limita à produtividade do bem, mas à sua utilização em proveito do bem estar coletivo. O princípio da função social opera tanto no sentido de vincular o legislador infra-constitucional, como também o intérprete, na falta de norma específica.

Não mais se pode admitir o argumento de que as normas que disciplinam o parcelamento do solo, por constituírem restrição ao direito de propriedade, não podem ter interpretação extensiva. Não são elas restrições, mas sim o próprio conteúdo do direito de propriedade.

Discute-se a existência de um direito subjetivo do loteador ao parcelamento do solo. Hely Lopes Meirelles diz que o construir e o lotear são inerentes à propriedade e por isso não podem ser suprimidos por ato unilateral da Administração. Disso se infere que não pode, ainda segundo Hely, a prefeitura exigir mais do que a lei ou o regulamento impõe. O alvará de licença, assim, seria decorrência do direito de propriedade, não podendo ser negado pela Prefeitura Municipal. O deferimento seria uma imposição legal e não uma faculdade discricionária da Administração24.

Tal posicionamento não mais pode ser aceito. Em determinadas situações, não convém para a comunidade o parcelamento de uma gleba e nada há de ilegal nisso. Cuida-se de limitação que, como acima dito, integra o próprio conteúdo da propriedade.

A alteração do modo de ver e interpretar o direito de propriedade, abandonando a exegese liberal no século XIX, seria extremamente proveitosa no trato da questão do parcelamento do solo, corrigindo distorções que não coadunam com o princípio da função social25.

b) novo significado da qualificação registral;

No que se refere a qualificação registral, parece-me que a lição básica é a ministrada por Afrânio de Carvalho, na seguinte passagem: "na falta de disposição especial de lei, prevalecem, para regular o alcance do exame, as disposições gerais que vigem para o juiz, a quem o oficial é subordinado, quando tem de pronunciar-se sobre um ato jurídico que apresente vício que o impeça de produzir o efeito correspondente ao seu conteúdo"26.

Não se está afirmando, como é óbvio, que a atividade de qualificação tenha caráter jurisdicional. Cuida-se de atividade administrativa, mas de natureza especial.

Por isso, pode e deve o oficial conhecer das nulidades absolutas, ao examinar o título, até porque, na qualidade de agente público, em sentido amplo, deve negar sua colaboração a negócio inválidos.

Maior cautela se exige quando se trata de singela anulabilidade, convergido a melhor doutrina no sentido de que o vício pode ser conhecido, quando ostensivo na face do instrumento (exemplo, incapacidade relativa da parte).

Parece-me que útil seria interpretação no sentido de que as nulidades absolutas, ou de pleno direito, comportassem exame mais abrangente pelo oficial, além daquele limitado tão somente ao que o título mostra em sua face.

No caso de fraude à lei, como vimos acima, a burla a regra cogente tem como conseqüência normal a nulidade absoluta (salvo quando a própria norma cogente cominar sanção mais leve). Claro que, como se trata de fraude à lei, o negócio, via de regra, tem a aparência ou rótulo de negócio permitido pelo ordenamento jurídico, o que o poria à salvo do exame qualificador.

Assim, para eficaz combate aos negócios em fraude à lei do parcelamento do solo, seria conveniente nova postura em relação ao poder qualificador do oficial, para permitir que se estendesse a fatos e evidências que emanam, em última análise, do próprio conteúdo do título.

Claro que não se exigiria uma atividade investigatória profunda, estranha à qualificação administrativa. Basta que não se ignorassem evidências, que conduzem a um juízo de probabilidade da existência de fraude à lei, como, por exemplo, condomínios tradicionais vendidos em frações ínfimas e sucessivas, ou condomínios especiais sem concreta amarração do terreno à construção de unidade em determinado tempo e condições.

Muitas novas situações jurídicas exigem essa incursão do oficial ao mundo fático, que não se encontra na face do título. Basta lembrar as relações de consumo, que sempre demandam indagações acerca da condição de fornecedor e de consumidor final do produto. Basta que as evidências convirjam a essa situação jurídica para que o exame qualificador inclua as normas cogentes do CDC. Caberá, então, ao interessado no registro, elidir a presunção gerada por que essas evidências.

Idêntico raciocínio poderia ser adotado para a fraude à lei do parcelamento do solo. Quando evidências, ainda que não explicitadas na própria face do título, mas dele deduzíveis, convergirem para a indicação de fraude à lei, caberia ao interessado demonstrar a lisura de sua conduta.

Esse novo posicionamento do registrador traria dupla vantagem. Além de prevenir fraudes, permitiria o cancelamento administrativo (artigo 214 da LRP) dos registros e averbações feitos em fraude à lei. Isso porque, na exata medida que se alarga o mecanismo de qualificação, se alarga, também, o leque de nulidades de pleno direito, decorrentes de falhas no exame dos títulos. Se os títulos poderiam ter sido desqualificados e não o foram, caberá o cancelamento administrativo do registro, poderoso instrumento reparador de erros já perpetrados.

c) extensão da proteção do Ministério Público aos interesses individuais homogêneos em tema de parcelamento do solo

Há, hoje, na jurisprudência, séria divergência no tocante à legitimidade do Ministério Público para o ajuizamento de ações relativas aos interesses transindividuais coletivos.

Diante da gravidade da situação decorrente dos parcelamentos ilegais do solo, seria interessante evolução da interpretação, no sentido permitir a defesa pelo Ministério Público de interesses individuais homogêneos em ações coletivas, porque, em tema de urbanismo e parcelamento do solo, sempre terão larga expressão e abrangência social.

São estas, em suma, as breves considerações que me permito fazer sobre o tema "Loteamentos Clandestinos - Prevenção e Repressão". Evidente que muitas das posições e propostas acima feitas exigem aprofundamento de estudo e maior reflexão, inviáveis neste simples painel.

1 Diógenes Gasparini, O Município e o Parcelamento do Solo, Editora Saraiva, 1.988, ps. 128/131

2 Vicente de Abreu Amadei, O Registro Imobiliário e a Regularização de Parcelamento do Solo Urbano, in RDI no. 41, p. 64

3 Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Poder de Polícia em Matéria Urbanística, in Temas de Direito Urbanístico, Ministério Público/Imprensa Oficial, 1.999, p. 24

4 Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 18ª Edição Atualizada, Malheiros, p. 114

5 Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ob. cit., p. 25

6 Hely Lopes Meirelles, op. cit., p. 123

7 Palestra reproduzida no Boletim do IRIB no. 270, p. 8

8 Alvino Lima, A Fraude no Direito Civil, Editora Saraiva, 1.965, p. 80

9 Regis Fichtner Pereira, Fraude à Lei, Editora Renovar, p. 93

10 cfr. Alvino Lima, ob. cit., p. 314; projeto do Código Civil, artigo 168

11 cfr. Il Negozio in Frode alla Lege, Casa Editrice Stamperia Nazionale, Roma, 1.976, ps. 92/94

12 Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, 5ª Ediçào RT, p. 413

13 Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, 5ª Ediçào RT, p. 413

14 Calificacion Juridica, Conceptos Basicos e Formularios Registrales, Marcial Pons Editor, 1.987, p. 217

15 Mercedes Fuertes, Urbanismo y Publicidad Registral, Marcial Pons Editor, p. 168

16 Elvino Silva Filho, Condomínio Deitado e Loteamento Fechado, in Revista de Direito Imobiliário, vol. 14, p. 09/19

17 Decisões Administrativas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, ano de 1.989, verbete no. 78, parecer do Juiz Kioisti Chicuta

18 Condomínio e Incorporações, 10a. Edição Forense, 1.996, p. 69

19 Apelação Cível no. 2.349-0, Rel. BRUNO AFFONSO DE ANDRÉ. Apelações Cíveis nos. 2.002-0, 2.002, 2.553,Rel. Des. BRUNO DE AFONSO ANDRÉ. Apelação Cível no. 2.966-0, Rel. Des. BATALHA DE CAMARGO, Apelação Cível no. 10.807-0, Rel. Des. ONEI RAPHAEL Apelação Cível no. 20.439-0/0, Rel. Des. ALVES BRAGA)

20 O parecer a decisão estão publicados na íntegra na Revista de Direito Imobiliário no. 41, ps. 153/162

21 cfr. Roberto Elias Costa, Dissolução de Associações Habitacionais pelo Ministério Público, in Temas de Direito Urbanístico, cit., ps. 177/185

22 JTJ LEX 157/118, Rel. Ruy Coppola

23 cfr. Os Loteamentos Irregulares e sua Regularização, Revista do Advogado, no. 18, ps. 06/16

24 Direito de Construir, pag. 165/169

25 cfr. Pietro Perlingieri, Perfis do Direito Civil, Editora Renovar, ps. 121/122

26 Afrânio de Carvalho, Registro de Imóveis, 2ª Edição, Forense, 1.977, p. 256

Addenda

Loteamento Clandestino

Respostas às questões formuladas após a palestra

Francisco Eduardo Loureiro

1. Não seria também o desdobro do lote uma forma de loteamento clandestino ? Mesmo inexistindo restrições quanto a desdobro no contrato padrão, o desdobro reiterado e contínuo por vários proprietários individuais isolados, não estaria caracterizando um loteamento irregular e, como tal, passível de impedimento (Pergunta de A.R.S. Valle, Registrador de Marília)

Resposta. Não resta dúvida que, em determinadas e específicas situações, a operação de desdobro de lotes possa ser forma oblíqua de fraude à Lei do Parcelamento do Solo.

Basta imaginar a hipótese, aliás já encontrada em correição realizada em Comarca da Grande São Paulo, pela qual determinado loteador obteve a aprovação administrativa e o registro de um loteamento, contendo lotes de 400 m2.

Dias ou meses após o registro, fez-se o desdobro de todos os lotes, operação que se repetiu sucessivamente. Ao final de alguns meses, tivemos um empreendimento com o quádruplo de lotes, cada um contendo 100 m2. Óbvia a fraude à Lei no. 6.766/79, diante do descompasso entre o loteamento aprovado e o efetivamente implantado.

No que se refere a desdobros esporádicos feitos por adquirentes, a situação me parece outra. Caso não haja vedação urbanística ou convencional, e exista autorização municipal, a princípio a operação seria lícita.

Caso, porém, se constate a desfiguração total do parcelamento original, com conseqüente adensamento não previsto na aprovação original, possível cogitar de ofensa à Lei no. 6.766/79. O caso, então, seria, talvez, o de exigir nova aprovação administrativa, em sintonia com a nova situação fática do empreendimento.

Aliás, talvez a questão levantada pudesse ser objeto de exame mais freqüente pelas autoridades administrativas encarregadas da expedição de autorizações e aprovação de parcelamentos, que poderiam impor limitação de desdobro.

2. Em face da copiosa jurisprudência do TJSP acerca da inconstitucionalidade de leis municipais desafetando áreas públicas oriundas de registro de parcelamentos, a negativa de averbação, pelo registrador, evita grandes danos e prejuízos. O Sr. considera que a negativa do registrador invade atribuição do Judiciário? Tem-se decidido que a negativa do registrador retira eficácia de lei municipal. Os efeitos das atuações do registrador e do juiz, no caso, não são muito distintos? (Pergunta de Sérgio Jacomino registrador e Franca/SP.)

Resposta: A Corregedoria Geral da Justiça, em diversas oportunidades, tem afirmado não caber o controle da constitucionalidade de lei na esfera puramente administrativa. Isso porque, como as decisões da Corregedoria têm caráter normativo, eqüivaleriam ao reconhecimento concentrado de inconstitucionalidade à margem de ação direta (ADIn) e em afronta à Constituição Federal.

Tal solução, embora irretocável sob o prisma técnico, talvez não seja a melhor.

Atualmente, parte expressiva da doutrina afirma que falta à norma inconstitucional fundamento de validade. Logo, não precisa a norma viciada ser observada, porque não gera efeitos. Pode, inclusive, ser afastada pelo próprio agente público.

Parece-me, diante da profusão de leis manifestamente inconstitucionais e do risco de lesão a interesses fundamentais (meio ambiente, urbanismo, etc.), que a melhor solução seja a de possibilitar ao agente público - inclusive o registrador - negar-lhes cumprimento.

A questão do caráter normativo das decisões administrativas poderia ser contornada. Bastaria que, nas decisões em que houvesse o reconhecimento de inconstitucionalidades, se ressalvasse a sua natureza não normativa, mas apenas incidente ao caso concreto.

3. Quais as responsabilidades dos registradores em virtude do registro de atos atentatórios à legislação urbanística ? (desmembramentos, loteamentos, desdobros, etc.) Nossa indagação se deve ao fato de que o registro de imóveis acaba por emprestar aparência de legalidade a atos absolutamente irregulares, induzindo a população, em especial a parcela mais carente, a adquirir e ocupar áreas de forma imprópria. (Pergunta de Sérgio Jacomino, idem)

Resposta: A questão é realmente complexa, até porque, pessoalmente (respeitado entendimento contrário), entendo que a responsabilidade civil de registradores e notários é objetiva, nos exatos termos do artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal. Normas hierarquicamente inferiores que disponham e sentido contrário são inconstitucionais.

No caso posto na pergunta, entendo que se não houver falha na qualificação, que obedece precedentes normativos, inexiste vínculo de causalidade entre a conduta do registrador e o dano. A conduta não poderia ser outra, sob pena de prática de infração administrativa. Nesse caso específico, poderia cogitar-se de responsabilidade do Poder Público, de quem emanou a decisão normativa, mas não do delegado que a cumpriu.

De qualquer modo, a pergunta revela exatamente a contradição exposta no curso da palestra. A melhor solução seria, sem dúvida, ampliar o poder de qualificação, para incluir evidências fáticas que emanem de determinada situação jurídica e, com isso coibir a fraude à lei.

4. É clandestino o loteamento regularizado na Prefeitura e que está a caminho dos demais órgãos licenciadores ? Quando e como ocorre a regularização judicial de loteamento ? (Pergunta de Ricardo Zanolli)

Resposta: Sem dúvida, o loteamento somente deixará de ser clandestino após seu total saneamento, aí incluídas as licenças pertinentes e ingresso da regularização do Registro de Imóveis. Poderia ser dito que, quando muito, o loteamento caminha para a regularização, que poderá ocorrer, ou não.

A regularização judicial (ou melhor, feita pelo Juiz Corregedor Permanente, na esfera administrativa) está disciplinadas nos itens 152 a 155 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.

5. Foi afirmado que a averbação de rua dev



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