Algumas considerações sobre o registro
Sergio Jacomino
Tem sido comum o recebimento, pelos registros prediais, de mandados de registro de penhora objetivando a constrição de bens imóveis alienados fiduciariamente.
Aindahá poucos dias, um registro predial da Capital de São Paulo recebeu um mandado de registro de penhora de imóvel alienado fiduciariamente. Denegado o registro, o R. juízo trabalhista determinou o cancelamento da alienação fiduciária para dar folga ao acesso do título judicial. Preferiu o cancelamento – medida gravosa e desnecessária – à mera ineficácia do ato, como seria de rigor (por todos: REsp 119854/SP in JSTJ vol. 10 p. 120). Detalhe: a ação executiva fora proposta muito tempo depois da alienação fiduciária...
Os registros, atentos à jurisprudência dominante – não só no Estado de São Paulo, pelo Conselho Superior da Magistratura (uma referência segura para as boas práticas de registro), mas igualmente nos tribunais superiores – têm denegado o registro de mandados judiciais nessas condições, escudados na tese de que o imóvel não sendo de propriedade do executado é, por essa razão, impenhorável. Trata-se de aplicação do princípio da continuidade do registro.
Emboranesse caso concreto se determinasse a “penhora do imóvel”, talvez se faça agora o momento propício para enfrentar uma questão assaz interessante: é possível a penhora dos direitos do fiduciante? E do fiduciário?
Natureza jurídica da situação do fiduciante
Quedireito é esse do fiduciante? Qual a sua natureza jurídica? E o do fiduciário?
O tema foi muito debatido na doutrina. Citem-se, brevitatis causa, alguns monografistas à mão na biblioteca MedicinaAnima do Quinto: desembargador Otto de Sousa Lima (NegócioFiduciário. São Paulo: RT, 1962, p. 184, passim); Orlando Gomes (Alienaçãofiduciária em garantia. SãoPaulo: RT, 1970, p. 21, 22, 52, 53 passim); José Carlos Moreira Alves(Da alienação fiduciária em garantia. SãoPaulo: Saraiva, 1973, especialmente p. 137, seguintes e 152, passim);NarcisoOrlandi Neto (Alienaçãofiduciária de bens imóveis – breve ensaio. In Boletim do Irib 246, nov.1997); José de Mello Junqueira (Alienaçãofiduciária de coisa imóvel. São Paulo: Arisp, 1998, p. 23); Melhim Namem Chalhub (Negócio fiduciário, Rio de Janeiro: Renovar, 2ª ed., p. 147 passim).Marcelo Terra (Alienação Fiduciária de imóvel em garantia. Porto Alegre: Safe/Irib, 1998, p. 38-39); Paulo Restiffe Neto e Paulo Sérgio Restiffe (Garantia fiduciária, São Paulo: Revista dos Tribunais, 3ª. Ed., p.313, passim). Ubirayr Ferreira Vaz (Alienação fiduciária de coisa imóvel – reflexos da lei n. 9.514/97 no registro de imóveis. Porto Alegre: Irib/safE, 1998, p. 66); Frederico Henrique Viegas de Lima (Da alienação fiduciária em garantia de coisa imóvel. Curitiba: Juruá, 1998, p. 123).
Afastando-se da tipologia clássica das condições decorrentes de acordo de vontades, Moreira Alves defenderá a tese de que essa resolubilidade da propriedade fiduciária decorre diretamente da lei, sendo um elemento nuclear da própria estrutura legal da propriedade fiduciária, razão pela qual sustentará que o fiduciante não é proprietário sob condição suspensiva, mas simplesmente o titular de um direito expectativo. Na propriedade fiduciária, diz ele, “a resolução decorre da verificação de condicio iuris (a extinção da obrigação, ainda que posteriormente ao vencimento, a venda, pelo credor, da coisa alienada fiduciariamente, ou a renúncia dessa modalidade de propriedade), e não de condicio facti(queé condição em sentido técnico), porquanto a existência da condicio iuris não depende da vontade das partes”. (op. cit. p. 140-1).
E mais. A posição do fiduciante não seria a de titular de um direito de propriedade em condição suspensiva. Tal seria um direitoexpectativo. E remata:de natureza real (op. cit. p. 152). “O direito expectativo é da mesma natureza que o direito expectado”, continua, citando Enneccerus-Nipperdey:
"En resumo, la expectativa del titular condicional es tratada como um derecho en todos los aspectos conocidos y, por esto mismo, hay que considerarla también como un derecho. La hemos de construir, pues, como una expectativa (pendiente), o sea, como un derecho a adquirir ipso iure, al cumplirse la condición, el crédito, la mismo carácter que el derecho pleno. Por consiguiente, el derecho de expectativa a la adquisición de la propiedad es un derecho real." (Tratado de Derecho Civil de Enneccerus, Kipp e Wolff, T I, vol. II, 2ª parte, Barcelona: Bosch Casa Editorial, 1956, pág. 692-693).
Do mesmo sentir Marcelo Terra (id. ib. p. 39) e José de Mello Junqueira (id. ib. p. 24-25).
JáOrlando Gomes (op. cit., p. 38, item 34), secundado por Melhim Chalhub (op. cit. p. 149) sustentarão que a situação jurídica do fiduciante é a de propriedade sob condição suspensiva. Do mesmo sentir Ubirayr Ferreira Vaz (op. cit. 68) e Restiffe Neto et al (p.325).
“Não há duas modalidades coexistentes de domínio – dirá Orlando Gomes – mas, inegavelmente, divisa-se, na alienação fiduciária em garantia, uma duplicidade, porquanto, por esse negócio jurídico, o fiduciário adquire uma propriedade limitada, sub conditionis, a denominada propriedaderesolúvel. Ele passa a ser proprietáriosob condição resolutiva e o fiduciante, que a transmitiu, proprietáriosob condição suspensiva”. Mais adiante dirá que o fiduciante é proprietáriopotencial. (id. Ibidem, p. 38).
Restiffe Neto et al. Registra: “e, como subproduto da resolubilidade, decorre para o alienante o surpreendente, mas natural, vínculo dominial com a coisa, que caracteriza o seu direito real (não de garantia), mas expectativo, de reaquisição, da coisa alheia (alheia porque já não é do alienante, mas do credor). Esse direito expectativo está submerso na eventualidade da reaquisição do domínio pleno do bem, agora sob condição suspensiva da integralização do pagamento da dívida. Só a liquidação final resolve a propriedade em favor do devedor. (Op. cit., p. 325).
Diz Chalhub que “os negócios de natureza fiduciária do direito positivo brasileiro contemplam a transmissão de uma propriedade limitada ao fiduciário, sob condição, investindo-se este da qualidade de proprietário sob condição resolutiva, enquanto que o fiduciante, que a transmitiu, é investido da qualidade de proprietário sob condição suspensiva, como que um proprietáriopotencial, titular de um direito expectativo que será concretizado tão logo pague a dívida, na hipótese da alienação fiduciária em garantia”. (id. ib. p. 113 e com o mesmo sentido p. 148 e 149).
Comentando as posições doutrinárias, Alexandre Laizo Clápis registra com a costumeira clarividência: “sabe-se que os direitos reais devem surgir por lei, mas há determinadas condições jurídicas imperfeitas que fazem com que o direito real esteja em estado de preparação, como no caso do direito expectativo do devedor (Marcelo Terra indica situação análoga na Lei de Parcelamento do Solo, no art. 41, in Alienação Fiduciária de Imóvel em Garantia, pág. 39). Implementada a condição, adimplida a obrigação pelo devedor, terá este o direito de reaver a coisa em sua plenitude; esta (direito de reaver a coisa) é a conseqüência que repercute na esfera patrimonial do devedor. Portanto, (…) tal direito pode ser objeto de penhora (arresto ou seqüestro). A subseqüente arrematação ou adjudicação traria como conseqüência a substituição da posição contratual do devedor fiduciante”. (correspondência pessoal dirigida a mim em 9/1/2006).
Esse o cenário doutrinário. Inclino-me à doutrina de Moreira Alves. Entretanto, como se verá, seja num ou noutro sentido – seja qual seja a natureza jurídica da situação do fiduciante – entendo que essa posição é penhorável. Sigamos com o raciocínio.
Alienaçãodo direito do fiduciante
Comecemos por lembrar que o fiduciante pode transmitir seus direitos com a anuência expressa do fiduciário – é a dicção do art. 29 da Lei 9.514/97: “o fiduciante, com anuência expressa do fiduciário, poderá transmitir os direitos de que seja titular sobre o imóvel objeto da alienação fiduciária em garantia, assumindo o adquirente as respectivas obrigações”.
Portanto, a transmissão – mortis causa ou inter vivos – não é defesa ao fiduciante, que a pode concretizar nos limites da lei. Ora, esse direito – direitoreal de aquisição sob condição suspensiva, o qualificará Melhim Namem Chalhub (Negóciofiduciário. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 151 e especialmente 152, passim) – ostentando um conteúdo econômico, direitoatual disponível, parece lógico que esse direito também pudesse ser objeto de constrição judicial e conseqüentemente de alienação forçosa. Vamos por partes, como terá dito alguém.
Alienação do direito do fiduciário (e da propriedade resolúvel)
Poroutro lado, parece inquestionável que a situação jurídica do fiduciário possa ser objeto de transmissão. Como? Ora, accessorius sequit naturam sui principalis. Cedido o crédito, transfere-se a propriedade resolúvel. A lei 9.514/97, algo didaticamente, prescreve que a cessão do crédito objeto da alienação fiduciária implicará a transferência, ao cessionário, de todosos direitos e obrigações inerentes à propriedade fiduciária em garantia (art. 28). Em síntese: sendo transferido o crédito (principal) transfere-se a garantia desse crédito (propriedade fiduciária). Escusado registrar que a sucessão mortis causa – no caso do fiduciário ser pessoa física – tal fato acarreta a transferência do crédito e, via de conseqüência, da propriedade resolúvel.
Enfim, extinto o crédito, extingue-se a propriedade fiduciária – embora a inversa não seja verdadeira.
Penhora da propriedade resolúvel
Mas será possível que a situação jurídica – tanto do fiduciário, quanto do fiduciante – poderá ser penhorada?
Inclino-me pela positiva. Do lado do fiduciante, seja sua situação jurídica propriedade em condição suspensiva (Chalhub, op. cit. p. 149) ou mesmo um direito expectativo atual de natureza real (Alves, op. cit. p. 155), parece lógico que esse direito possa ser objeto de penhora, seqüestro, arresto etc. Da mesma forma a propriedade resolúvel do fiduciário.
Moreira Alves, retornando à naturezajurídica do direito do fiduciante fere com precisão o problema: “é esse direito – como, em geral, ocorre com os direitos expectativos – transmissível inter vivos ou mortis causa, bem como suscetível de ser empenhado, arrestado, seqüestrado, penhorado e arrecadado, porquanto é ele, sem dúvida, um direito atual” (op. cit.p. 155).
Depois de se filiar à doutrina de Moreira Alves, José de Mello Junqueira registrou, com costumeira precisão, que “os direitos que o fiduciante conserva em seu poder podem ser transmitidos, bem como são suscetíveis de serem penhorados, arrestados, arrematados, porquanto são eles um direito atual de valor econômico”. (Aspectos locativos nos imóveis alienados fiduciariamente. In Alienação fiduciária e patrimônio de afetação. São Paulo: Ibrafi, s.d., p. 15). Já havia registrado essa posição em sua obra Alienação fiduciária de coisa imóvel (cit. p. 24-25).
O desembargador NarcisoOrlandi Neto, comentador de primeira hora da Lei 9.514/97, registrou no tradicional Boletimdo Irib: “Os direitos do fiduciante, que além da posse direta tem pretensão à aquisição do domínio, têm, como já foi dito, expressão econômica. Podem ser penhorados e, eventualmente, arrematados em execução por outra dívida. O arrematante, tanto quanto o cessionário, ficará sub-rogado nos direitos e obrigações do fiduciante, averbando-se na matrícula”. E conclui: A constrição não afeta o direito do fiduciário. (Boletim do Irib 246, novembro de 1997)
É da mesma opinião o desembargador Kioitsi Chicuta que teve ocasião de enfrentar diretamente o tema no seminário organizado pela Abecip, Ibrafi e o Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, evento esse realizado no Guarujá no primeiro semestre de 2000. Pergunta o jurista: os direitos do fiduciante podem ser penhorados? E logo responde: “evidentemente são bens disponíveis e suscetíveis de servir de garantia no processo de execução. Da mesma forma que pode haver cessão voluntária dos direitos do fiduciante, temos que admitir que haja possibilidade de uma cessão compelida pelo Judiciário” (O sistema registral de alienação fiduciária. In Alienaçãofiduciária e patrimônio de afetação. São Paulo: Ibrafi, s.d., p. 45).
Por fim, poder-se-ia argumentar que, sendo necessária a anuência do credor-fiduciário para a alienação da situação jurídica do fiduciante (art. 29 da Lei 9.542/97), e que, portanto, na penhora seria necessário, ao menos, constar a intimação do fiduciário. “Penso que esta providência é desnecessária tendo em conta a natureza da garantia”, remata Alexandre Clápis. “Os direitos do credor contidos no contrato que deu causa à alienação fiduciária permanecerão inalterados com a constrição judicial (penhora, arresto ou seqüestro)” (id. ib).
Particularmenteme filio à doutrina de Moreira Alves, de modo que estaria propenso a admitir a penhora desse direitoexpectativo. Parece fora de dúvida que esse direito integra o patrimônio do fiduciante e pode ser penhorado. E logicamente, pode ser registrada a penhora em tais circunstâncias.
Penhora sim, mas de direitos?
Jáque chegamos a esse ponto, poderíamos nos perguntar: o que seria objeto de penhora?
O desembargador Chicuta pergunta-nos diretamente: o ato de constrição de direitos pode ser registrado no registro de imóveis? Seguramente responde: “a penhora deve ser registrada”; e junge: “mas não pode recair sobre o imóvel, mesmo porque transmitida a propriedade fiduciária ao fiduciário, mas sobre os direitos que o fiduciante exerce sobre a coisa. O ato deve ingressar no mundo registrário da mesma forma que os direitos do fiduciário também poder ser escriturados no Registro de Imóveis”. (op. cit. p. 45-46).
Aliás, o próprio artigo 655, X, do CPC autoriza a penhora de direitos e ações.
O STJ já decidiu pela possibilidade de penhora de tais direitos, citando o escólio de Paulo Rastiffe Neto. Convém visitá-lo. Depois de afirmar categoricamente que o registro da alienação fiduciária (se referia ao registro de títulos e documentos) é “inegável fator de segurança individual e social”, conclui: “comprovada a existência do ônus da alienação fiduciária, em conseqüência, não pode incidir, por exemplo, penhora em favor de terceiro sobre a coisa em execução contra o fiduciante. Este não é o proprietário do bem, mas apenas possuidor, com responsabilidade de depositário. Tem apenas o direito atual à posse direta e expectativa do direito futuro à reversão, em caso de pagamento da totalidade da dívida garantida, ou a eventual saldo excedente, em caso de mora propiciadora da excussão por parte do credor. Logo, qualquer penhora só poderia eficazmente recair sobre eventuais direitos do fiduciante" (in Garantia Fiduciária; São Paulo: RT, 3ª ed. p.409).
Vamos aos arestos:
Processual civil. Locação. Penhora. Direitos. Contrato de alienação fiduciária. O bem alienado fiduciariamente, por não integrar o patrimônio do devedor, não pode ser objeto de penhora. Nada impede, contudo, que os direitos do devedor fiduciante oriundos do contrato sejam constritos. Recurso especial provido (Resp 260.880-RS, DOU de 12/2/2001, rel. Ministro Félix Fischer). Do mesmo relator: REsp 679821/DF.
Penhora da propriedade fiduciária?
E o fiduciário? Sendo titular da propriedade fiduciária e do crédito por ela garantido, o que nesse caso poderia ser penhorado?
Aqui existe uma situação muito interessante. Se nós pensarmos que a propriedade fiduciária é um direito acessório que reforça o direito principal (o crédito), penso que a penhora deva ser desses direitos creditórios. Aliás, o disposto no art. 28 da Lei 9.514/97 estabelece a regra para o caso de cessão do crédito objeto da alienação fiduciária: tal implicará a transferência, ao cessionário, de todos os direitos e obrigações inerentes à propriedade fiduciária em garantia.
Conclusão
Concluindo, pergunta-se: nesses casos de penhora do direito expectativo e de penhora do crédito garantido pela alienação fiduciária – tais constrições judiciais chegarão ao registro?
Penso afirmativamente. A publicidade registral se justifica pelas inúmeras vantagens que apresenta, pela transparência e visibilidade de todas as vicissitudes que poderão comprometer os direitos inscritos. E principalmente: gera a presunção absoluta de conhecimento das constrições judiciais, conforme a nova redação do Código de Processo Civil que surgiu com a reforma da reforma (Lei 10.444/2002).
Publicamos abaixo uma decisão recente do STJ em que a questão da penhorabilidade de bens alienados fiduciariamente volta a ser agitado.
E com ela podemos concluir que o registro perseguido, no caso concreto posto sob a apreciação do registrador paulistano, naquele caso, como se determinasse o registro de penhora incidente sobre o imóvel, o registro, nessas condições, não se faria. Entretanto, voltando a ordem judicial com a especialização do direito constrito, tal título teria guarida no registro. É o que penso e coloco à discussão dessa comunidade de juristas leitora destes boletins eletrônicos, com o desejo de um feliz 2006.
Jurisprudência selecionada
Processual civil – Execução fiscal – Bem alienado fiduciariamente – Impenhorabilidade – Precedentes.
1. "Os bens alienados fiduciariamente por não pertencerem ao devedor-executado, mas ao credor fiduciário, não podem ser objeto de penhora na execução fiscal" (REsp nº 232.550⁄SP, Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins, DJU de 18.02.02).
2. Recurso especial improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça "A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator." Os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins e Eliana Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator.
Impedido o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Franciulli Netto.
Brasília (DF), 25 de outubro de 2005 (Data do Julgamento)
Ministro Castro Meira
Relator
RECURSO ESPECIAL Nº 657.905 - SE (2004⁄0064390-7)
RELATOR |
: |
MINISTRO CASTRO MEIRA |
RECORRENTE |
: |
FAZENDA NACIONAL |
PROCURADOR |
: |
MARTA SUZI PEIXOTO PAIVA LINARD E OUTROS |
RECORRIDO |
: |
BANCO DO BRASIL S⁄A |
ADVOGADO |
: |
GILBERTO EIFLER MORAES E OUTROS |
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator):O Tribunal Regional Federal da 5ª Região assim decidiu:
"PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIROS. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. PENHORA. IMPOSSIBILIDADE.
1. Estando o bem alienado fiduciariamente, incensurável a acolhida dos embargos de terceiro.
2. Hipótese em que há nos autos prova do registro da referida fidúcia.
3. Apelação e remessa oficial improvidas" (fl. 72).
Foram opostos embargos de declaração em que se sustentou omissão do aresto em não tratar de que inexistia prova dos autos de que a obrigação que gerou a alienação fiduciária não teria sido liquidada. Também visou-se prequestionar os artigos 183 e 192 do Código Tributário Nacional.
Os embargos foram improvidos nos termos da seguinte ementa:
"PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.
1. Os embargos de declaração têm ensejo quando há obscuridade, contradição ou omissão no julgado e, por construção pretoriana integrativa, erro material.
2. Hipótese em que, ao alegar a existência de omissão, a embargante pretende a rediscussão do mérito da demanda, o que é incabível.
3. Embargos não providos".
Contra esse acórdão foi manejado recurso especial com base em eventual violação aos artigos 535 do Código de Processo Civil, 184 e 186 do Código Tributário Nacional. Diz que "o bem penhorado foi dado em alienação fiduciária como garantia de débito de natureza privada, sobre o qual tem prevalência o crédito tributário.
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 657.905 - SE (2004⁄0064390-7)
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – BEM ALIENADO FIDUCIARIAMENTE – IMPENHORABILIDADE – PRECEDENTES.
1. "Os bens alienados fiduciariamente por não pertencerem ao devedor-executado, mas ao credor fiduciário, não podem ser objeto de penhora na execução fiscal"(REsp nº 232.550⁄SP, Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins, DJU de 18.02.02).
2. Recurso especial improvido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator):Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso especial.
Passo a analisá-lo.
Primeiramente, observo que não restou violado ao artigo 535 do Digesto Processual Civil, pois o acórdão restou devidamente fundamentado não sendo necessário explicitação sobre as matérias de direito aduzidas nos aclaratórios.
No tocante ao mérito, esta Corte já pacificou o entendimento de que é incabível a penhora do bem alienado fiduciariamente, por este ser de propriedade do credor fiduciário.
Nesse sentido, colaciono os seguintes precedentes:
"PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – BEM ALIENADO FIDUCIARIAMENTE – IMPENHORABILIDADE – PRECEDENTES.
- Os bens alienados fiduciariamente por não pertencerem ao devedor-executado, mas ao credor fiduciário, não podem ser objeto de penhora na execução fiscal.
- Acórdão em consonância com a orientação jurisprudencial do STF e do STJ.
- Recurso especial não conhecido." (REsp nº 232.550⁄SP, Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins, DJU de 18.02.02);
"Processual Civil. Execução Fiscal. Alienação Fiduciária. Penhora. Impossibilidade.
1. Não integrando o acervo patrimonial do devedor, o bem alienado fiduciariamente não poderá ser objeto de constrição judicial, a fim de que esta não alcance patrimônio de terceiro.
2. Multifários precedentes jurisprudenciais.
3. Recurso sem provimento" (REsp nº 314.093⁄RS, Rel. Ministro Milton Luiz Pereira, DJU de 03.04.02);
"PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. CÉDULA DE CRÉDITO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. IMPENHORABILIDADE. DECRETO-LEI 911⁄69. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS.
I - Os bens alienados fiduciariamente por não pertencerem ao devedor-executado, mas à instituição financeira que lhe proporcionou as condições necessárias para o financiamento do veículo automotor não adimplido, não pode ser objeto de penhora na execução fiscal.
II - (...omissis...)
III - Recurso Especial a que se dá provimento, para excluir da penhora o bem indevidamente constrito." (REsp nº 214.763⁄SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi DJU de 18.09.00)
Dessarte, observo que o aresto recorrido perfilha o entendimento desta Corte sobre a matéria em discussão, devendo ser mantido por seus próprios fundamentos.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.
É como voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEGUNDA TURMA
Número Registro: 2004⁄0064390-7 |
REsp 657905 ⁄ SE |
Números Origem: 200205000272953 9900033515
PAUTA: 25⁄10⁄2005 |
JULGADO: 25⁄10⁄2005 |
Relator
Exmo. Sr. Ministro CASTRO MEIRA
Ministro Impedido
Exmo. Sr. Ministro : |
JOÃO OTÁVIO DE NORONHA |
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. EUGÊNIO JOSÉ GUILHERME DE ARAGÃO
Secretária
Bela. VALÉRIA ALVIM DUSI
AUTUAÇÃO
RECORRENTE |
: |
FAZENDA NACIONAL |
PROCURADOR |
: |
MARTA SUZI PEIXOTO PAIVA LINARD E OUTROS |
RECORRIDO |
: |
BANCO DO BRASIL S⁄A |
ADVOGADO |
: |
GILBERTO EIFLER MORAES E OUTROS |
ASSUNTO: Execução Fiscal - Embargos - Terceiro
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator."
Os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins e Eliana Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator.
Impedido o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Franciulli Netto.
Brasília, 25 de outubro de 2005
* Sérgio Jacomino é registrador imobiliário em São Paulo.
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