As relações entre os Serviços Extrajudiciais (Registrais e Notariais) e a Lei de Arbitragem (Lei 9.307, de 23/09/1.996).
Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza
1 - A arbitragem; 2 - As relações da arbitragem com os serviços extrajudiciais; 3 - Registro Civil das Pessoas Naturais e das Pessoas Jurídicas; 4 - Registro de títulos e documentos; 5 - Tabelionato de notas; 6 - Tabelionato de protestos; 7 - Registro de Imóveis.
A arbitragem está inserida no contexto de evolução legislativa que vem criando mecanismos simples e céleres de solução de conflitos de interesses.
A Lei 7.244/84, que disciplinou o Juizado Especial de Pequenas Causas; a Lei 9.099/95, que dispôs sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais (revogando a Lei 7.244/84); a Lei 9.492/97, que regulamentou os serviços de protestos de títulos e outros documentos de dívida; e a Lei 9.514/97, ao instituir a alienação fiduciária de coisa imóvel e a solução extrajudicial em caso de descumprimento do contrato, são leis que se colocam lado a lado com a Lei 9.307/96 no aspecto referido, de disciplinar formas mais simples, rápidas e menos onerosas na solução de conflitos de interesses.
Verifica-se, outrossim, uma tendência de afastar do Poder Judiciário conflitos que comportem outro meio de solução. É o que se vê com o protesto de títulos e documentos de dívidas, resolvendo-se questões envolvendo relações de débito e crédito em serviço público extrajudicial; com a execução extrajudicial do contrato de alienação fiduciária de coisa imóvel (dando mais celeridade à recuperação do crédito e portanto mais eficácia à garantia); e também com a arbitragem. A morosidade do Poder Judiciário, já bastante assoberbado (por razões que não cabe ora discutir, por fugir ao objeto do estudo) e o custo do acesso à justiça incrementam as atividades que permitem aos interessados ver suas questões decididas sem intervenção do Poder em foco. Releva notar que à circulação de riquezas interessa que os sistemas garantam segurança e rápida recuperação dos créditos. Quanto mais lenta e onerosa a recuperação do crédito, menos investimentos há na economia e maior é o custo do dinheiro.
Dentro deste quadro está colocada a arbitragem, que merece maior estudo e utilização. Excelente instrumento para solução de litígios por meio de árbitros, está atualmente sub-utilizado.
Segundo J.E. Carreira Alvim, em Comentários à Lei de Arbitragem, Lumen Juris, 2a edição: “o Estado, em vez de interferir diretamente nos conflitos de interesses, solucionando-os com a força da sua autoridade, permite que uma terceira pessoa o faça, segundo determinado procedimento e observado um mínimo de regras legais, mediante uma decisão com autoridade idêntica à de uma sentença judicial. É o denominado sistema de arbitragem, que, a grosso modo, nada mais é do que a resolução do litígio por meio de árbitros, com a mesma eficácia da sentença judicial”.
2) As relações da arbitragem com os serviços extrajudiciais
Assim como a arbitragem, forma de justiça privada, os serviços extrajudiciais representam relevante instrumento para alcance da paz social, à margem da atuação do Poder Judiciário.
O registro imobiliário confere a necessária segurança jurídica para o tráfico imobiliário e a concessão de crédito; a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado (sociedades simples, associações sem fins lucrativos e fundações de direito privado) começa com o registro dos atos constitutivos no registro civil das pessoas jurídicas; ao registro civil das pessoas naturais cabem os assentos referentes ao estado das pessoas, decorrendo da prova por ele produzida a segurança quanto à situação jurídica e o estado das pessoas físicas, de verificação necessária no momento da celebração de contratos; o tabelionato de protestos assegura celeridade e simplicidade na recuperação de créditos, consistindo ainda em relevante banco de dados para orientar as relações comerciais; por fim, o tabelionato de notas atua significativamente na prevenção e solução de conflitos, orientando as partes e lavrando os adequados instrumentos.
Enquanto a arbitragem é ainda incipiente no País, apesar da edição da lei datar de 1.996, o mesmo não se aplica aos serviços extrajudiciais. De longa tradição, que vem do período colonial, estão os serviços em foco em constante evolução: legislativa, na preparação de seus profissionais, no seu estudo, na participação na vida dos cidadãos. Merece registro a credibilidade dos serviços notariais e registrais junto à população.
A aplicação da Lei de Arbitragem por vezes exige que o interessado se socorra dos serviços extrajudiciais, e por vezes permite a utilização dos serviços extrajudiciais, o que é de todo recomendável, por serem serviços que conferem publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos praticados.
Os artigos da Lei 9.307 a seguir relacionados referem-se às relações possíveis entre a arbitragem e os serviços extrajudiciais: 1o; 3o; 6o; 9o, § 2o; 12, III; 18; 29; 30, caput, e parágrafo único; e 31.[1]
Veremos à frente as possibilidades de atuação do registro civil das pessoas naturais e das pessoas jurídicas; do registro de títulos e documentos; do tabelionato de notas; do tabelionato de protestos; e do registro imobiliário.
3) Registro Civil das Pessoas Naturais e das Pessoas Jurídicas.
Apenas “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para discutir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis” (art. 1o).
Cabe aos árbitros, portanto, verificar a capacidade e a representação das pessoas, como pressuposto para a instituição da arbitragem.
As pessoas jurídicas de direito privado (sociedades simples, associações sem fins lucrativos e fundações de direito privado) provarão a regularidade de sua constituição e de sua representação através da apresentação de seus atos constitutivos devidamente registrados no Registro Civil das Pessoas Jurídicas (art. 45 do Código Civil e arts. 114 e 119 da Lei 6.015).[2]
Os menores que tenham atingido a capacidade pela emancipação ou pelo casamento farão prova pela certidão expedida pelo Registro Civil das Pessoas Naturais, pois ao serviço em questão é atribuído o registro dos casamentos e das emancipações (art. 9º, I e II, do Código Civil; e art. 29, II e IV, da Lei 6.015), motivadores da cessação da incapacidade antes do alcance da maioridade (art. 5o, parágrafo único, I e II, do Código Civil).[3]
Portanto, na prova da capacidade se fazem presentes os serviços de registro civil, das pessoas jurídicas e das naturais.
4) Registro de Títulos e Documentos.
A Lei de Arbitragem contém vários dispositivos que se referem a atos de comunicação.
Não havendo acordo prévio sobre a forma de instituir a arbitragem, o interessado deverá manifestar à outra parte sua intenção de dar início à arbitragem, por via postal ou por outro meio qualquer de comunicação (art. 6o).
A extinção do compromisso arbitral pela expiração do prazo para apresentação da sentença exige a notificação prévia do árbitro ou do presidente do tribunal arbitral (art. 12, III).
Proferida a decisão arbitral, devem as partes receber cópia da sentença, por via postal ou por outro meio qualquer de comunicação (art. 29).
Em caso de embargos de declaração, a parte que os apresentar deve comunicar a interposição à outra parte, cabendo ao árbitro ou ao tribunal arbitral, após a decisão dos embargos, notificar as partes, na forma do art. 29 (art. 30, caput, e parágrafo único).
Admite a Lei 9.307 a utilização de qualquer meio de comunicação.
O registro de títulos e documentos se presta a notificar do registro ou da averbação praticados os interessados que figuram no título, documento ou papel apresentado, ou a qualquer terceiro que lhe seja indicado pelo apresentante. Por tal processo podem ser feitos avisos, denúncias e notificações, quando não exigida intervenção judicial.
A atribuição referente às notificações constitui relevante atividade do serviço de títulos e documentos, a qual inclusive pode ser invocada pelos registradores de imóveis por expressa previsão legal, na hipótese de intimações a serem promovidas pelo registro imobiliário (ex.: art. 49 da Lei 6.766; § 3o do art. 26 da Lei 9.514).[4]
Os atos de comunicação previstos na Lei de Arbitragem podem, certamente, se dar através do serviço de títulos e documentos. E com a vantagem de gozarem as notificações assim procedidas de presunção de veracidade, por emanarem de serviço e de delegatário com fé pública.
A Constituição Federal e a lei, ao permitirem que as partes pactuem a solução de conflitos existentes ou futuros através da arbitragem, afasta nestes casos o Estado da interferência direta nos conflitos. A adoção de tal forma extrajudicial de solução de conflitos exige, contudo, pacto das partes.
Sendo facultativa a opção pela arbitragem, deve a mesma constar de convenção de arbitragem, que pode se dar através da cláusula compromissória ou do compromisso arbitral.
A cláusula compromissória é a “convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato” (art. 4o da Lei 9.307).
O compromisso arbitral é a “convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial” (art. 9o da Lei 9.307).
Percebe-se que a cláusula compromissória se refere a litígios futuros e o compromisso arbitral a litígios atuais, devendo ambos ser celebrados por escrito. A cláusula compromissória pode estar no próprio contrato ou em documento apartado.
O § 2o do art. 9o da Lei 9.307 dispõe que o compromisso extrajudicial pode ser celebrado por escrito particular, assinado por duas testemunhas, ou por instrumento público.
Não obstante a lei se refira à atuação do tabelião de notas apenas quanto ao compromisso arbitral, relativo a litígios atuais, é evidente que a convenção de arbitragem, em qualquer de suas espécies (cláusula compromissória ou compromisso arbitral), pode ser celebrada por instrumento público.
A cláusula compromissória, referente a litígios futuros, pode integrar o corpo de qualquer contrato celebrado por instrumento público ou a escritura pode ser lavrada exclusivamente para estipulação da cláusula, neste caso referindo-se ao contrato, nos termos do § 1o do art. 4o da Lei 9.307.[5]
O tabelião, ao dar forma pública a um contrato por desejo das partes ou imposição legal, pode incluir a cláusula compromissória a requerimento dos interessados (por certo deverá o tabelião observar se presentes os requisitos para instituição da arbitragem - há, por exemplo, escrituras lavradas com autorização judicial, tratando de interesses de incapazes, constituindo hipótese que não permite a arbitragem).
Exercendo função de conselheiro das partes, orientador e importante agente na prevenção de litígios, deve o tabelião bem esclarecer as partes sobre a arbitragem, cabendo-lhe conhecer as normas básicas que regem o instituto e redigir com clareza a convenção de arbitragem, quando optarem as partes por tal instrumento de solução de litígios.
O pacto deve ser válido e fixar os limites do litígio submetido à arbitragem, estando o árbitro ou o tribunal arbitral adstritos à convenção, devendo resolver as questões nos limites da convenção de arbitragem, sem omissões (art. 32, I, IV e V, da Lei 9.307).
A cláusula compromissória pode ser omissa quanto à indicação dos árbitros; já no compromisso arbitral as partes devem indicar os árbitros ou delegar a uma entidade a indicação dos árbitros. Havendo indicação dos árbitros, deve o tabelião verificar, indagando às partes, se presentes as relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição dos juízes, aplicáveis aos árbitros (arts. 134 e 135 do Código de Processo Civil): a) ser o juiz parte no litígio; b) ter atuado no processo como mandatário da parte, perito ou testemunha; c) estar postulando no processo, como advogado, o cônjuge do juiz ou qualquer parente seu, consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o segundo grau; d) ser o juiz cônjuge, parente, consangüíneo ou afim de alguma das partes, em linha reta ou colateral até o terceiro grau; e) ser órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte na causa; f) ser amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes; g) ser alguma das partes credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau; h) ser o juiz herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes; i) receber o juiz dádivas antes ou depois de iniciado o processo; j) aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa ou subministrar meios para atender às despesas do litígio; l) ter o juiz interesse no julgamento da causa em favor de uma das partes) (art. 32, II, da Lei 9.307).[6]
O disposto nos arts. 10 e 11 da Lei 9.307 há de ser observado pelo tabelião, cuidando de requisitos obrigatórios e facultativos do compromisso arbitral. Embora refiram-se apenas ao compromisso arbitral, aplicam-se no que couber à cláusula compromissória.
As cláusulas compromissórias que contêm muitas informações, ou seja, aquelas mais completas, são chamadas cláusulas cheias. Podem e devem ser pactuados: o número de árbitros (sempre ímpar); a sede da arbitragem; a lei aplicável; o idioma da arbitragem, quando houver partes estrangeiras; as regras para a arbitragem (que as partes podem convencionar; se reportar às regras de algum órgão arbitral institucional ou entidade especializada; ou delegar ao árbitro ou tribunal arbitral que regulem o procedimento - arts 5o e 21 da Lei 9.307)[7]; os limites da arbitragem; a autorização ou não para o julgamento por eqüidade (arts. 2o e 11, II, da Lei 9.307); a responsabilidade pelo pagamento de honorários e despesas com a arbitragem; enfim, devem os contratantes estabelecer com clareza e precisão como transcorrerá a arbitragem, evitando que para a sua instituição já se estabeleça controvérsia.
As cláusulas compromissórias ditas vazias são aquelas que apenas afastam do Poder Judiciário a solução dos conflitos. É importante salientar que as partes, ao optarem pela arbitragem, não podem inserir no contrato a cláusula de eleição de foro, que diz respeito à solução de conflitos diretamente pelo Estado, através do Poder Judiciário.
Quanto aos limites da arbitragem, tratando as cláusulas compromissórias de litígios futuros, é usual contratar que através da arbitragem serão resolvidas todas e quaisquer controvérsias decorrentes da interpretação e execução do contrato.
Como se vê, a boa redação do pacto é de extrema relevância para o sucesso da arbitragem.
Não obstante possam as partes optar pela justiça privada, afastando a justiça estatal; não obstante esteja o juiz impedido de substituir pela justiça estatal a justiça privada feita pelo árbitro, por lhe ser vedado o reexame do mérito do litígio, não está a arbitragem totalmente afastada de qualquer controle do Poder Judiciário.[8]
Proferida a sentença arbitral, não sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário e produzindo os mesmos efeitos das decisões proferidas pelos órgãos do Judiciário (arts. 18 e 31 da Lei 9.307), se não for cumprida voluntariamente terá sua execução forçada na via judicial.
Sendo a sentença condenatória ou declaratória de conciliação (art. 28 da Lei 9.307)[9], constitui título executivo judicial. J.E. Carreira Alvim, na obra citada, afirma que se pode falar “em sede arbitral, em sentença declaratória de condenação, quando da conciliação resultar um título executivo em favor de uma das partes contra a outra”, referindo-se ao artigo 28 da Lei de Arbitragem.
O Código de Processo Civil teve a redação do inciso III do art. 584 alterada pela Lei 9.307, passando a vigorar com o seguinte teor:
Art. 584. São títulos executivos judiciais:
III - a sentença arbitral e a sentença homologatória de transação ou de conciliação”.
Entretanto, tratando-se de condenação líqüida e recusando-se o devedor a cumpri-la voluntariamente, terá o credor alternativa extrajudicial antes de buscar o Judiciário para a execução forçada.
Grande inovação da Lei 9.492/97, que regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e outros documentos de dívida, dentre outras, foi alargar o campo de atuação dos serviços de protesto, admitindo a apresentação de outros documentos além dos títulos de crédito.
Apesar de melhor interpretação para a expressão “documentos de dívida” não ser ainda pacífica, não discrepa a doutrina quanto a estarem todos os títulos executivos incluídos na definição, fugindo ao objetivo deste estudo analisar o que mais se encaixa na mesma. Portanto, a sentença arbitral que contenha condenação líqüida pode ser apresentada para protocolização no tabelionato de protestos, permitindo ao credor buscar o recebimento de seu crédito através de meio mais célere, simples e menos oneroso que o Poder Judiciário.
Vale trazer à baila recente mudança de posicionamento da Corregedoria paulista, ainda que tímida, quanto aos documentos de dívida. Sem amparo legal, vinha admitindo o protesto de títulos executivos que não títulos de crédito, apenas para fins falimentares. Entretanto, passou a admitir o protesto comum de todos os títulos executivos judiciais e extrajudiciais, elencados nos arts. 584 e 585 do Código do Processo Civil, neles incluídos, obviamente, as sentenças arbitrais[10].
Os caracteres formais do título, que devem ser examinados pelo tabelião de protestos por força do art. 9o da Lei 9.492/97[11], serão analisados no próximo tópico.
A Lei 6.015, Lei de Registros Públicos, elenca no art. 221 os títulos, em sentido formal, admitidos a registro.
Dentre eles os títulos judiciais, que podem ser cartas de sentença, formais de partilha, certidões e mandados extraídos de autos do processo (inciso IV).
Como já visto, a sentença arbitral produz os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário (art. 18 da Lei 9.307) e está no rol dos títulos executivos judiciais da lei processual civil (art. 584, III, do C.P.C.).
Diante das regras insertas no art. 18 da Lei 9.307 e no inciso IV do art. 221 da Lei 6.015, tem a decisão arbitral acesso ao registro imobiliário?
A questão já foi enfrentada pelo digno registrador paulista Ademar Fioranelli, titular do Sétimo Registro de Imóveis de São Paulo.
Autor de diversos trabalhos na área do Direito Registral Imobiliário, que constituem excelente fonte de consulta por sua abrangência e dissecação das questões práticas, Ademar Fioranelli submeteu à apreciação do Juízo de Registros Públicos de São Paulo a questão posta.
Ao Sétimo Registro de Imóveis de São Paulo foi apresentada, e devidamente prenotada, carta de sentença expedida por tribunal arbitral da capital paulista. Suscitada dúvida, decidiu o juiz da 1a Vara de Registros Públicos, nos autos do proc. 000.05.032549-3, pela improcedência, determinando a prática do ato de registro.[12]
A declaração de dívida mencionada não se restringiu à possibilidade de acesso ao registro da sentença arbitral, mas a também envolve outros questionamentos. Vejo que, em se tratando de divisão amigável (hipótese dos autos), a solução adequada seria exigir a intervenção do tabelião de notas por ser da essência do ato a escritura pública e inexistir litígio. Contudo, o aspecto que nos interessa neste estudo, exclusivamente, é o ingresso no registro da carta de sentença oriunda da decisão arbitral.
No ponto de interesse, fundamentou o MM. Juiz de Direito prolator da sentença, Venício Antônio de Paula Salles, com os argumentos seguintes:
A decisão arbitral, nos termos do art. 31, possui os mesmos efeitos da sentença JUDICIAL se constituindo títulos EXECUTÓRIOS... Há uma equiparação eficacial, e nesta conformidade imperioso é concluir que CARTA DE SENTENÇA arbitral tem o mesmo sentido e efeitos de CARTA DE SENTENÇA judicial ou a esta é ‘equiparada’, e como tal assume prerrogativas de título hábil para o acesso ao registro imobiliário”.
Com efeito, não há como negar o ingresso no fólio real das sentenças arbitrais que decidam questões referentes a direitos patrimoniais relativos a imóveis. Tendo e produzindo os mesmos efeitos da sentença judicial, não pode ser vedado o acesso ao registro das sentenças arbitrais.
A equiparação da decisão arbitral à sentença judicial foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal na SE 5.206 - Espanha - Ag Rg (resumo em Inf. STF 71, de 12/05/97, mencionado em nota ao art. 35 da Lei 9.307 por Theotônio Negrão, Código de Processo Civil, Saraiva, 31a edição).
O título formal a ser apresentado ao serviço de registro de imóveis deve ser a carta de sentença, pois os demais títulos judiciais (formais de partilha, certidões e mandados) não podem ser expedidos pelos árbitros. Não têm os árbitros poder para: extrair mandados, que são ordens judiciais; certidões, que são atos administrativos, ou seja, emanam do serviço público; ou formais de partilha, que decorrem de inventário, sempre judicial.
Equiparada à carta de sentença judicial, está a carta de sentença arbitral, assim como aquela e todo e qualquer título apresentado para registro (em sentido lato)[13], sujeita à qualificação registral. Vale a advertência de Álvaro Pinto de Arruda, ao se referir à qualificação dos títulos: “todos eles estão sujeitos à obediência aos mesmos princípios e ao cumprimento de idênticas cautelas”.[14]
Há quem critique a inclusão da carta de sentença como título judicial com ingresso no registro, por ser documento que objetiva a execução provisória (arts. 589 e 590 do C.P.C.). No entanto, tal é a definição da carta de sentença em sentido estrito, enquanto a Lei 6.015 utiliza a expressão no sentido amplo, em vários dispositivos (arts. 97; 100, §§ 3o e 4o; 221, IV; 222).[15]
Assim, apresentada carta de sentença arbitral para registro (em sentido lato), ao oficial de registro caberá examiná-la, em obediência ao princípio da legalidade.
O exame do título em sua forma exigirá a verificação da observância de disposições da lei processual civil, aplicável analogicamente, da Lei 9.307 e da Lei 6.015.
Deverá a carta conter, obviamente, a sentença (art. 590, IV, do C.P.C.).
A convenção de arbitragem (cláusula compromissória ou compromisso arbitral - arts. 3o, 4o e 9o da Lei 9.307) também há de integrar o título.
Deve o título fazer referência à matrícula ou ao registro anterior, indicando seu número e ofício de registro imobiliário, cumprindo o disposto nos arts. 222 e 225 da Lei 6.015.
Em se tratando de decisões judiciais que não sejam cautelares, o seu registro depende do trânsito em julgado. Quanto à decisão arbitral, uma cautela deve ser observada quanto à sua definitividade.
A sentença arbitral põe fim à arbitragem (art. 29 da Lei 9.307) e, embora o art. 18 da Lei 9.307 estabeleça não estar sujeita a recurso, comporta a correção de erro material e ataque via embargos de declaração, para esclarecimento de obscuridade, dúvida ou contradição, ou pronunciamento sobre ponto omitido (art. 30 da Lei 9.307). A carta de sentença deverá conter, portanto, informação sobre o decurso do prazo para requerimento de correção de erro ou interposição de embargos de declaração, ou o aditamento decorrente de tais postulações e a informação de que as partes foram dele intimadas (parágrafo único do art. 30 da Lei 9.307).[16]
Não é demais salientar que, além dos requisitos formais apontados, devem ser observados todos os princípios registrários, com ênfase para a especialidade e a continuidade.
Merecendo o título (carta de sentença arbitral) qualificação positiva, o ato será praticado, cabendo ressaltar que ao registrador não se permite ingressar no mérito da decisão arbitral quando do exame.
Havendo exigências a serem satisfeitas e não se conformando o apresentante com as mesmas ou não podendo satisfazê-las, poderá requerer a declaração de dúvida, a ser dirimida pelo Poder Judiciário nos termos do art. 198 e seguintes da Lei 6.015.
O registro imobiliário poderá ser provocado a atuar, ainda com relação às decisões arbitrais, caso haja propositura de ação judicial para decretação de nulidade da sentença arbitral ou argüição da nulidade via embargos do devedor, na forma e nos prazos do art. 33 da Lei 9.307.
Poderá a parte que postula a nulidade requerer ao juízo que, usando do poder geral de cautela, determine o bloqueio da matrícula do imóvel na qual foi praticado ato em razão de decisão arbitral, com esteio no § 3º do art. 214 da Lei 6.015, ou que determine a indisponibilidade do bem, averbando-se a ordem judicial (art. 167, II, 5 e 12; e art. 246 da Lei 6.015).[17]
Acolhida a nulidade, será averbado o cancelamento do registro (em sentido lato) que decorreu da sentença arbitral, após o trânsito em julgado da decisão judicial (art. 250, I, da Lei 6.015).
Repelida a nulidade e tendo ocorrido averbação de bloqueio da matrícula ou de decretação de indisponibilidade, deve ser cancelada a averbação de restrição.
Notas
* Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza é Tabelião e Registrador do 2º Ofício de Teresópolis – R.J.
[1] Art. 1º : “As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.”; Art. 3º: “As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.”; Art. 6º: “Não havendo acordo prévio sobre a forma de instituir a arbitragem, a parte interessada manifestará à outra parte sua intenção de dar início à arbitragem, por via postal ou por outro meio qualquer de comunicação...”; Art. 9º, § 2º: “O compromisso arbitral extrajudicial será celebrado por escrito particular, assinado por duas testemunhas, ou por instrumento público.”; Art. 12, III: “Extingue-se o compromisso arbitral: III- tendo expirado o prazo a que se refere o art. 11, inciso III, desde que a parte interessada tenha notificado o árbitro, ou o presidente do tribunal arbitral...”; Art. 18: “O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário.”; Art. 29: “Proferida a sentença arbitral, dá-se por finda a arbitragem, devendo o árbitro, ou o presidente do tribunal arbitral, enviar cópia da decisão às partes, por via postal ou por outro meio qualquer de comunicação, mediante comprovação de recebimento, ou, ainda, entregando-a diretamente às partes, mediante recibo.”; Art. 30: “No prazo de cinco dias, a contar do recebimento da notificação ou da ciência pessoal da sentença arbitral, a parte interessada, mediante comunicação à outra parte, poderá solicitar ao árbitro ou ao tribunal arbitral que...(embargos de declaração).”; Art. 30, parágrafo único: “O árbitro ou tribunal arbitral decidirá, no prazo de dez dias, aditando a sentença arbitral e notificando as partes na forma do art. 29.”; Art. 31: “A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo.”.
[2] Art. 45 do Código Civil: “Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.”.
[3] Art. 5º, parágrafo único, do Código Civil: “Cessará, para os menores, a incapacidade: I- pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; II- pelo casamento; III-...”; Art. 9º do Código Civil: “Serão registrados em registro público: I- os nascimentos, casamentos e óbitos; II- a emancipação por outorga dos pais ou por sentença do juiz; III- ...”.
[4] Art. 49, caput, da Lei 6.766: “As intimações e notificações previstas nesta lei deverão ser feitas pessoalmente ao intimado ou notificado, que assinará o comprovante do recebimento, e poderão igualmente ser promovidas por meio dos cartórios de registro de títulos e documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-las.”; § 3º do art. 26 da Lei 9.514: “A intimação far-se-á pessoalmente ao fiduciante, ou ao seu representante legal ou ao procurador regularmente constituído, podendo ser promovida, por solicitação do oficial do Registro de Imóveis, por oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la, ou pelo correio, com aviso de recebimento.”.
[5] § 1º do art. 4º da Lei 9.307: “A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado a que a ele se refira.”.
[6] São hipóteses de nulidade da sentença arbitral, dentre outras, as seguintes previstas no art. 32 da Lei 9.307: “É nula a sentença arbitral se: I- for nulo o compromisso; II- emanou de quem não podia ser árbitro; III- ...; IV- for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem; V- não decidir todo o litígio submetido à arbitragem; VI-...; VII-...; VIII-...”.
[7] Art. 5o da Lei 9.307: “Reportando-se as partes, na cláusula compromissória, às regras de algum órgão arbitral institucional ou entidade especializada, a arbitragem será instituída e processada de acordo com tais regras, podendo igualmente, as partes estabelecer na própria cláusula, ou em outro documento, a forma convencionada para a instituição da arbitragem”; Art. 21 da Lei 9.307: “A arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, facultando-se, ainda às partes, delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento”.
[8] J.E. Carreira Alvim, Comentários à Lei de Arbitragem, 2a edição, Lumen Juris, pág. 113: “Apesar de não poder o juiz substituir pela justiça estatal a justiça privada feita pelo árbitro, por lhe ser vedado o reexame do mérito do litígio, intervém (ou pode intervir) ele, a pedido do árbitro ou da parte, seja no curso do procedimento, se algum ato coercitivo se fizer necessário (art. 22, § 2o), seja, ao final, na demanda para decretação de nulidade da sentença arbitral (art. 33), seja, enfim, na execução forçada da sentença arbitral”.
[9] Art. 28 da lei 9.307: “Se, no decurso da arbitragem, as partes chegarem a acordo quanto ao litígio, o árbitro ou o tribunal poderá, a pedido das partes, declarar tal fato mediante sentença arbitral, que conterá os requisitos do art. 26 desta Lei”.
[10] A decisão do Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo foi proferida no proc. CG nº 864/2.004, com força normativa, e publicada no Diário Oficial do Poder Judiciário, Caderno I, Parte 1, págs. 3 a 5, em 2 de junho de 2.005. Disponível no Informativo Eletrônico 325/2.005, da ANOREG/BR, www.anoregbr.org.br/novoinfo/. Acesso em 03/08/2.005.
[11] Art. 9º da Lei 9.492/97: “Todos os títulos e documentos de dívida protocolizados serão examinados em seus caracteres formais e terão curso se não apresentarem vícios, não cabendo ao Tabelião de Protesto investigar a ocorrência de prescrição ou caducidade.”.
[12] Disponível em www.irib.org.br/selecionada/boletimel1868c.asp. Acesso em 03/08/2.005.
[13] Os atos de registro, em sentido lato, englobam a matrícula do imóvel, os atos de registro em sentido estrito e as averbações.
[14] “Seja dito, com todo respeito ao Poder Judiciário, mas com clareza e veemência, que no exame de qualificação, o título judicial é um título do mesmo status de qualquer outro título público ou particular: tem suas características peculiares, contudo não é melhor do que aqueles outros, nem goza de privilégios”. ARRUDA, Álvaro Pinto de. Estudos em Homenagem a Gilberto Valente da Silva, Porto Alegre: Safe, 2.005, pág. 30.
[15] “Carta de sentença em sentido lato é o traslado de decisão judicial (sentença ou acórdão). Em sentido estrito é o conjunto de documentos, tirados a pedido, dos autos de processo de execução, para instrumentar execução provisória... O sistema da LRP utiliza a expressão ‘Carta de Sentença’ no sentido lato.” MELO JR., Regnoberto Marques de. Lei de Registros Públicos Comentada, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2.003, pág. 212.
[16] Art. 30 da Lei 9.307: “ No prazo de cinco dias, a contar do recebimento da notificação ou da ciência pessoal da sentença arbitral, a parte interessada, mediante comunicação à outra parte, poderá solicitar ao árbitro ou ao tribunal que:
I - corrija qualquer erro material da sentença arbitral;
II - esclareça alguma obscuridade, dúvida ou contradição da sentença arbitral, ou se pronuncie sobre ponto omitido a respeito do qual devia manifestar-se a decisão.
Parágrafo único. O árbitro ou o tribunal decidirá, no prazo de 10 (dez) dias, aditando a sentença arbitral e notificando as partes na forma do art. 29”.
[17] A enumeração das averbações é exemplificativa, não atendendo aos princípios da publicidade e segurança (que como princípios informadores da atividade devem nortear a interpretação dos dispositivos legais), negar acesso ao fólio real de determinação judicial, em face de interpretação extremamente restritiva. Sucede que, no Estado de São Paulo, a determinação judicial de indisponibilidade, que não conte “com previsão legal específica para ingresso no registro imobiliário” não acessa o registro (as normas paulistas distinguem as comunicações administrativas de indisponibilidade com previsão legal específica para ingresso no registro imobiliário -p. ex., Lei 6.024/74, arts. 36 a 38-, que devem ser averbadas no Livro 2; e os mandados judiciais que não contem com tal previsão, devendo ser prenotados no Livro 1- Protocolo, e arquivados -itens 102.1 e 102.9 das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça/SP).
Não vejo razão para impedir o acesso de tais ordens ao fólio real, pois que emanadas do Poder Judiciário, expedidas em razão do poder geral de cautela dos magistrados, em processo contraditório e com garantia de ampla defesa, devendo ser acolhidas pelo registro imobiliário, mesmo porque encontram esteio para ingresso no fólio real: art. 167, II, 5 (averbação de “outras circunstâncias que, de qualquer modo, tenham influência no registro ou nas pessoas nele interessados”); art. 167, II, 12 (averbação “das decisões, recursos e seus efeitos, que tenham por objeto ato ou títulos registrados ou averbados”) e art. 246 (“além dos casos expressamente indicados no item II do art. 167, serão averbadas na matrícula as sub-rogações e outras ocorrências que, por qualquer modo, alterem o registro”), todos dispositivos da L.R.P.
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