O "ISS" e as Serventias Extrajudiciais
Aloisio Bueno
Imposto é o tributo, cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte. A obrigação de pagar imposto não se origina de nenhuma atividade específica do Estado, relativa ao contribuinte, o fato geral do dever jurídico de pagar imposto é uma situação da vida do contribuinte, relacionada a seu patrimônio, independente do agir do Estado.
A obrigação de pagar tributo, tem como fato gerador, a situação prevista em lei, como necessária e suficiente a sua ocorrência, isto é, uma situação que basta e é indispensável ao nascimento dessa obrigação.
Assim, quando o Estado cobra o "Imposto de Renda", por exemplo, toma em consideração, exclusivamente, o fato de alguém auferir renda, não importa que o Estado tenha ou não prestado algum serviço, executado alguma obra, ou desenvolvido alguma atividade relacionada com aquele de quem vai cobrar imposto. O exame das várias hipóteses de incidência de impostos, deixa evidente que em nenhuma delas está presente a atuação estatal. Pelo contrário, em todas elas a situação descrita pela lei como necessária e suficiente ao surgimento da obrigação tributária é sempre relacionada ao agir, ou ao ter, do contribuinte, e inteiramente alheia ao agir do Estado.
O "ISS" foi criado pela Emenda Constitucional n. 18/65, que o classifica no capítulo dos impostos sobre produção e a circulação. A base de cálculo do imposto é o preço do serviço. O contribuinte do ISS é o prestador de serviço. A prestação de serviço indica o fornecimento de trabalho ou de direitos a terceiros, mediante paga.
O "ISS" é, portanto, imposto sobre a circulação econômica, a doutrina o consagra como imposto classificado na categoria de impostos sobre a circulação de serviços.
O âmbito do ISS, nos termos do art. 156, III, da vigente Constituição, compreende os serviços de qualquer natureza, não compreendidos na competência tributária estadual, definidos em Lei Complementar da União. O fato gerador desse imposto é o descrito em Lei Ordinária do Município, dentro, obviamente, de seu âmbito Constitucional. Em face do disposto no art. 146, item III, alínea "a", cabe à Lei Complementar estabelecer normas gerais a respeito do fato gerador dos impostos, entre os quais, o imposto sobre serviços de qualquer natureza.
O Dec. Lei 406/68, que podia ser tido como Lei Complementar, disse que o imposto sobre serviços de qualquer natureza tem como fato gerador a prestação, por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviço constante da lista que anexou a seu art. 8º, na qual foram elencados os serviços tributáveis pelos Municípios. Com o Dec. Lei 834/69, foram alterados alguns de seus dispositivos, inclusive a mencionada lista de serviços.
Mais tarde, nova redação foi dada à citada lista de serviços, pela Lei Complementar n. 56 de 15/12/87.
Há quem sustente que a Lei Complementar n. 56 é desprovida de validade, porque aprovada mediante voto de liderança, o que não seria admissível em se tratando de Lei Complementar. A tese é consistente. A Constituição exige, para aprovação de Lei Complementar, o quorum qualificado, a maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional. Tal exigência não parece compatível com o voto de liderança. De tal modo, se entendermos que a referida Lei Complementar não é válida, e que a legislação anterior, instituidora da questionada lista, também não prevalece, então não restará outra solução a não ser esperar que uma Lei Complementar defina os serviços a serem tributados aos municípios.
Da mesma forma que a União não pode tributar as "grandes fortunas" sem que a Lei Complementar defina o que como tal se há de entender, também os municípios não podem tributar os serviços de qualquer natureza que não tenham sido definidos em Lei Complementar. A prestação de serviços de qualquer natureza, para integrar a hipótese de incidência do imposto em tela, há de ter caráter profissional. Esta conclusão é ditada pelo elemento sistemático da hermenêutica, em face da norma que define o contribuinte e da que define a base de cálculo do imposto.
A COBRANÇA DO "ISS" E AS SERVENTIAS
Na lista dos dispositivos elencados na Lei Complementar n. 56, de 15/12/87, são tributáveis pelos municípios, os serviços de ... protestos de títulos, sustação de protestos, devolução de títulos não pagos, manutenção de títulos vencidos ... constantes no item n. 95 da lista.
No Agravo de Instrumento n. 63.723/9-MG (95.0053-37-3), em que atuou como relator o Sr. Ministro Garcia Vieira, sendo Agravante o Município de Belo Horizonte e Agravado o Sindicato dos Notários e Registradores de Minas Gerais – SINOREG, o Superior Tribunal de Justiça, decidiu da seguinte forma:- "As Serventias Notariais e de Registro, prevista na lei, são exercidas em caráter privado, porque recebem retribuição não oficial, mas sim oriunda de pagamentos pela partes interessadas. Mas isto não desnatura a natureza dos serviços, sabidamente públicos. Ditos serviços se inserem na Administração Pública de interesses privados, como ocorre com as Escrituras Públicas, o Casamento, o Protesto, o Registro de Imóveis etc.. Nestes atos há intervenção do Estado, porque sua importância ultrapassa os limites da esfera dos interesses individuais, no qual prepondera o interesse social, da própria coletividade. Serventuário não é dono da Serventia, mas ocupante de Cargo Público, seus Livros, suas Anotações, seus Registros, são de propriedade do Estado, posto que são lavrados e expedidos por quem tem fé pública, já que desempenham função estatal. O Cartório é Repartição Pública (RJTJESP, vol. 93/142) e como tal não pratica atos negociais suscetíveis de incidência do ISS (fls. 219). O Recorrente reconhece que só por interpretação extensiva poder-se-ia afirmar que os serviços praticados pelas Serventias Notariais e de Registros são incluídas no item 95 da lista anexa ao Dec. Lei 406/68. Não foi negado vigência à Lei Federal. Nego provimento ao Agravo. Brasília, 31/03/95 Min. Garcia Vieira".
No mesmo sentido o Tribunal do Estado de Minas Gerais em Decisão de Mandado de Segurança, na Apelação Cível n. 16.780/9, da Comarca de Belo Horizonte, onde foi Apelante o Prefeito Municipal de Belo Horizonte e Apelado – SINOREG, cujo Acórdão está assim descrito:- "Vistos, etc. – Acordam em Turma, a Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Est. de Minas Gerais, incorporando neste relatório de fls. na conformidade da Ata dos Julgamentos e Notas Taquigráficas, a unanimidade de votos, em confirmar a sentença, por força do duplo grau de jurisdição, prejudicados o recurso voluntário – Belo Horizonte, 03/03/1994 – (A.) Des. Monteiro de Barros – Presidente e Relator. Notas Taquigráficas – O Sr. Des. Monteiro de Barros, assim se expressou:- "Voto – Por força do duplo grau de jurisdição e em decorrência do recurso voluntário, os autos vieram ao Juízo de 2º grau. A sentença de 1º grau, apesar do recurso voluntário interposto, deve subsistir por seus próprios e jurídicos fundamentos. Em sua manifestação recursal, o Poder Público Municipal queria a reforma da sentença para denegar a segurança concedida, sob o fundamento de que é devida a tributação do ISS sobre os serviços cartorários. Entende o recorrente que ditos serviços estão contidos no item 95 da lista anexa ao Dec. Lei 406/68 com a redação que lhe foi dada pela Lei Complementar n. 56/87. Apesar do entendimento do Poder Público, os serviços descritos no item 95 não abrangem os serviços cartorários. E a razão para que tais serviços não sejam tributados pelo ISS é porque eles constituem serviço público. O ISS só pode alcançar a prestação a terceiro de uma utilidade material ou imaterial, com conteúdo econômico, sob o regime de direito privado, vale dizer, em caráter negocial."
Em trabalho da lavra do Prof. Roque Carraza, publicado na Revista de Direito Tributário, vol. 48, pág. 205, assim se expressou o renomado mestre: "O serviço Público, todos sabem, é a prestação de utilidade material usufruível individualmente sob o regime de direito público. Esta definição é da lavra do festejado mestre Celso Antônio Bandeira de Mello. Por que o serviço público escapa a tributação por meio do ISS? Se por mais não fosse – há outros argumentos – em razão do que preceitua o art. 150 VI "a" da Constituição. 'Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços uns dos outros.' As pessoas políticas não podem, portanto, se tributar pelos serviços que prestarem. Os serviços prestados por pessoas políticas, diretamente ou através de concessão ou permissão, são incontendivelmente serviços públicos. E o quanto basta para inferirmos que os serviços públicos escapam da tributação do ISS".
É sabido que os serviços que sofrem a incidência do imposto em questão são os colocados em comércio, vale dizer, no mundo dos negócios, sendo submetidos em sua prestação ao regime privado, que se caracteriza pela autonomia das vontades e pela igualdade das partes contratantes.
Os serviços praticados pelas Serventias Notariais e de Registros são Serviços Públicos. A Constituição Federal não transmudou a natureza dos aludidos serviços, apenas determinou que ao exercício das atividades cartorárias se dêem caráter privado.
J. Cretella Jr. em seus "Comentários à Constituição de 1988", ensina-nos:- Relembremos que os serviços públicos têm esse caráter, não em si e por si, em essência – serviço público material – mas, em razão de quem o fornece." Se o Estado titulariza certo serviço – ensino, transporte, a atividade é, formalmente, serviço público. Os Serviços Notariais e de Registros, cabem, por relevância, ao Estado, mas aos Poderes Públicos, por delegação, permitem que sejam exercidos em caráter privados (vol. IX, pág. 4/611)". As serventias Notariais e de Registros previstas na lei, são exercidas em caráter privado, porque recebem retribuição não oficial, mas sim oriunda de pagamentos pelas partes interessadas. Mas isto, não desnatura a natureza dos serviços sabidamente públicos.
Em 10 de fevereiro de 1998, os juízes que compunham a Primeira Câmara do Tribunal de Alçada Civil do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, negaram provimento ao recurso (Apelação Cível) interposto pelo município de Niteroi (Apelante), nos autos do Mandado de Segurança, impetrado pelo 9º Ofício da Comarca de Niteroi, no Juízo da 6ª Vara Cível daquela Comarca.
A Apelação Cível n. 97.001.7239, cujo Acórdão foi publicado no Diário Oficial do Est. R. de Janeiro de 13/03/1998, teve como Relator o Exmo. Juiz Dr. Mello Tavarez, como Revisor o Juiz Dr. Luis Carlos Peçanha e, como Vogal n. 01 o Juiz Dr. Paulo Lara.
Após vistos, relatados e discutidos os autos, e feitas as considerações pertinentes, tal como reproduzida no Proc. às fls. 93:- "A propósito do ISS, vale, pois, inicialmente, reproduzir o art. L56 IV da Carta Magna, Verbis:- 'Art. 156 – compete aos municípios instituir impostos sobre: ... IV – serviços de qualquer natureza não compreendidos no art. 155 I,B, definidos em Lei Complementar'. Foi proferida a seguinte decisão: 'Acordam os juízes que compõem a Primeira Câmara do Tribunal de Alçada Civil do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, em negar provimento ao recurso, nos termos do juiz-Relator, voto do Juiz Relator: Mandado de Segurança – ISSQN – serviço não elencado na lista anexa a Legislação Complementar. Os serviços prestados por pessoas políticas, diretamente ou através de concessão ou permissão, são incontendivelmente serviços públicos O Cartório é Repartição Pública. E como tal não pratica atos negociais suscetíveis de incidência do ISS.
Em recente decisão, pelo MM. Juízo de Direito da Comarca de Bariri, Est. de São Paulo, datada de 15/10/1998 apreciando pedido da Prefeitura Municipal contra o Registro de Imóveis e Anexos de Exibição de Documentos, para apuração, lançamento e futura cobrança ao pagamento do ISSQN, dos últimos cinco (05) anos, pela MM. Juíza foi decidido o seguinte:
"Entendo que há carência da ação por impossibilidade jurídica do pedido. Os titulares de Serventias Extrajudiciais não são prestadores de serviços de qualquer natureza, mas sim pessoas que receberam delegação do Estado para exercerem as atividades Notariais e de Registros, dotados de fé pública anteriormente exercida com exclusividade pelo Poder Judiciário. Tanto não são prestadores de serviços que estão excluídos do rol do Dec. 406/68, com a redação dada pela Lei Complementar 56/87. Tal imposto destina-se à exação dos prestadores de serviços privados, jamais de serviços públicos prestados pela própria administração ou por seus delegados. Diante do exposto JULGO EXTINTO o processo sem julgamento do mérito, por impossibilidade jurídica do pedido, com base no art. 267, VI do Cód Proc. Civil".
A conclusão a que finalmente se chega é que, inaplicável a lista contida no Dec. Lei 406/68, em relação as Serventias Extrajudiciais, assim como, analisam os ilustres professores Ruy Barbosa Nogueira e Paulo Roberto Cabral Nogueira, que defendem a tese para excluir quaisquer possibilidades de os Municípios invadirem áreas de competência, onde a Constituição determinou que os serviços de qualquer natureza, suscetíveis de tributação, por parte dos Município, são somente aqueles definidos em Lei Complementar, argumentam os professores, que a lista de serviços constitui "numerus clausus" e que nenhum Município pode ampliar a lista, quer por Ato Legislativo seu e muito menos por meio de "Construction" ou integração da pretendida lacuna (Direito Tributário Aplicado e comparado – Ed. Forense – 1997 pp. 233 e 234).
Aloísio Bueno - Oficial do Registro de Imóveis e Anexos de Bariri – Est. S. Paulo.
BIBLIOGRAFIA:
1) ISS – Comentários e Jurisprudência – 2ª. Ed. 1998 – Angelita de Almeida Vale e Ailton Santos – LL. Brasileira
2) Curso de Direito Tributário – 11ª. Ed. 1996 – Hugo de Brito Machado – Malheiros Editores
3) Manual do Imposto Sobre Serviços – 2ª. Ed. 1998 – Sérgio Pinto Martins – Malheiros Editores
4) Doutrina e Prática do Imposto sobre Serviços – 1ª. Ed. 1978 Bernardo Ribeiro de Moraes – Ed. Revista dos Tribunais.
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