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O registrador imobiliário em face da lei 11.382, de 2006
Ulysses da Silva*


A lei 11.382, de 6 de dezembro de 2006, introduziu alterações no Código de Processo Civil, especialmente na parte relativa ao processo de execução (Livro II), com repercussão no registro imobiliário, as quais merecem ser analisadas.

1. Ao referir-se, no artigo 365, às cópias ou certidões que têm a mesma força probante dos originais, o legislador acrescentou o inciso IV, de acordo com o qual passam a ser aceitas “as cópias reprográficas de peças do próprio processo judicial, declaradas autênticas pelo próprio advogado sob sua responsabilidade pessoal, se não lhes for impugnada a autenticidade”.

A declaração de autenticidade firmada pelo advogado, agora permitida, restringe-se, como se vê, às peças do próprio processo judicial, não podendo ser utilizada em cópias de outros documentos.

2. Após enumerar os títulos executivos judiciais, no artigo 584, e extrajudiciais, no artigo 585, este com nova redação, o legislador introduziu o artigo 615-A, cujo teor é o seguinte:

“O exeqüente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução, com identificação das partes e valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto”.

Acrescenta o parágrafo primeiro desse novo artigo, que o exeqüente deverá comunicar ao juízo as averbações efetivadas, no prazo de 10 (dez) dias de sua concretização, esclarecendo o parágrafo segundo que, formalizada a penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, será determinado o cancelamento das averbações de que trata o caput, relativas àqueles que não tenham sido penhorados. Por sua vez, o parágrafo terceiro estabelece que se presume em fraude à execução a alienação ou oneração de bens, efetuada após a averbação aludida.

Dispõe o parágrafo quarto que o exeqüente que promover averbação manifestamente indevida indenizará a parte contrária, nos termos do parágrafo segundo do artigo 18 da lei, processando-se o incidente em autos apartados. Por último, faculta o parágrafo quinto, aos tribunais, a elaboração de instrumentos normatizando o cumprimento do contido no artigo ora abordado.

Analisados os dispositivos legais mencionados até este ponto, cumpre lembrar, inicialmente, ao registrador, que não é o ajuizamento de qualquer ação que poderá ser averbado. O artigo criado (615-A) refere-se apenas à notícia da execução de dívida oriunda de títulos executivos judiciais e extrajudiciais, enumerados nos artigos 584 e 585.

Relativamente ao teor inicial do referido artigo 615-A, segundo o qual “o exeqüente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução”, verifica-se haver, o legislador, atribuído, ao distribuidor, competência para expedir o aludido documento, nada impedindo, evidentemente, que ele seja fornecido pelo escrivão da vara para a qual foi destinado o feito. Aliás, e bem a propósito, considero medida de prudência, para tal fim, aguardar a autuação da ação e o despacho inicial do juiz, tendo em vista a possibilidade de a execução não prosperar, em face de algum impedimento, como, por exemplo, aquele previsto no artigo 572, de acordo com o qual o credor não poderá executar sentença condenatória sem provar que se realizou condição, eventualmente reconhecida pelo magistrado que a presidiu, ou que ocorreu o termo acordado.

Pondere-se, ainda, que a averbação do ajuizamento de ações executivas, mesmo que venha a ser levada a efeito em todas as circunscrições imobiliárias – se nelas existirem imóveis matriculados – não dispensa a apresentação das certidões dos distribuidores civis, as quais continuarão a ser exigidas nos casos previstos em lei, por dois motivos: primeiro, porque podem existir ações de outra natureza; segundo, porque a averbação em apreço dependerá da iniciativa do exeqüente, não havendo garantia de que será efetuada em todas as situações criadas.

Outra conseqüência previsível, resultante da averbação questionada, é que, uma vez realizada, ela reduz a necessidade de inscrição da penhora, a qual poderá vir a tornar-se dispensável.

Quanto à fraude à execução, cumpre ressaltar que a simples existência da ação já a caracteriza, nos termos do artigo 593, com os agravantes previstos no artigo 600, servindo a averbação em apreço apenas como veículo de publicidade da execução. É inegável, porém, que a prática do ato no fólio real dá conhecimento imediato da propositura da ação, concorrendo, assim, para acautelar interesses de terceiros. Contudo, também é inegável que a situação não muda, considerando que a existência da ação ou a notícia dela não tem força para impedir o ingresso, no registro imobiliário, de escrituras formalizando qualquer negócio jurídico envolvendo imóvel matriculado, sabendo-se que o adquirente, tomando ciência da situação do credor, poderá ir aos autos e saldar a dívida. Iniciativa recomendável ao Oficial, no caso, é que dê conhecimento da prática do ato ao adquirente, caso este já não o tenha, e ao juiz do feito para que tome as providências cabíveis.

Prosseguindo, a averbação questionada vem, certamente, atender aos reclamos dos defensores da tese de que a matrícula deve conter tudo o que possa afetar o imóvel ou as pessoas nela interessadas, em consonância com o princípio da concentração. Há, contudo, de se observar cautela na aplicação desse princípio, sob pena de se inundar a matrícula com fatos supérfluos, para não dizer prejudiciais, com provável repercussão no mercado imobiliário, como, por exemplo, o ajuizamento de qualquer outra ação, como já se aventou. 

3. Estabelece o artigo 650:

“Podem ser penhorados, à falta de outros bens, os frutos e rendimentos dos bens inalienáveis, salvo se destinados à satisfação de prestação alimentícia”.

Como se vê, o legislador manteve a redação desse artigo, possibilitando a penhora de frutos e rendimentos de bens inalienáveis, eliminando, porém, a expressão  “salvo se destinados a alimentos de incapazes, bem como de mulher viúva, solteira, desquitada, ou de pessoas idosas”, estendendo, assim, a ressalva a todas as prestações de alimentos.

No registro imobiliário, esse dispositivo terá aplicação, por sinal rara, quando existir negócio jurídico inscrito, que proporcione rendimentos ao executado, como, por exemplo, locação. 

4. Dispõe o parágrafo segundo do artigo 652-A que:

 “Recaindo a penhora em bens imóveis, será intimado também o cônjuge do executado”.

O artigo 652 já rezava que o devedor será citado para, no prazo de 24 horas, pagar a dívida ou nomear bens à penhora, acrescentando que o Oficial de Justiça certificará no mandado a hora da citação. A introdução, agora, do parágrafo segundo do artigo 652-A o foi com a finalidade de transferir para local mais apropriado a obrigatoriedade da intimação também do cônjuge, quando a penhora recair sobre bens imóveis, reiterando o disposto no parágrafo único do artigo 669, que foi revogado.

Dúvida que, ainda, pode surgir, recai sobre a competência ou não do registrador para apurar se foi intimado o cônjuge, quando for apresentada certidão em relatório ou mandado judicial, sabendo-se que a fiscalização da correção dos atos ou procedimentos processuais insere-se na estrita esfera de atuação do magistrado, coadjuvado pelo seu escrivão.

5. Após a enumeração, contida no artigo 655, da natureza dos bens penhoráveis, na ordem ali determinada, o legislador acrescentou o artigo 655-B, segundo o qual:

 “Tratando-se de penhora em bem indivisível, a meação do cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da alienação do bem”.

Observe-se que o legislador refere-se aos casos em que o imóvel indivisível, penhorado com ciência do cônjuge, apesar deste não ter responsabilidade na formação da dívida,  seja vendido em hasta pública, não se aplicando a norma às situações em que exista outro condômino alheio à execução. 

6. O parágrafo quarto do artigo 659 determina:

“A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto de penhora, cabendo ao exeqüente, sem prejuízo da imediata intimação do executado (art.652, § 4º), providenciar, para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, a respectiva averbação no ofício imobiliário, mediante a apresentação de certidão de inteiro teor do ato, independentemente de mandado judicial”.

A redação desse artigo, antes ordenada pela lei 10.444, de 7 de maio de 2002, que, acertadamente, falava em registro para a penhora, foi, agora, mantida, com substituição do termo “registro” por “averbação”, e, na referência entre parênteses,  do artigo 669 pelo parágrafo quarto do artigo 652. Este parágrafo dispõe que a intimação mencionada será feita na pessoa do advogado do executado. Caso não o tenha sido, o executado será intimado pessoalmente, cabendo observar a necessidade de intimação, também, do cônjuge, quando a penhora recair sobre bens imóveis e for apresentada cópia do inteiro teor do auto.

Ensejada a oportunidade, e afastada a intenção proposital do legislador, nota-se, mais uma vez, que ele demonstra falta de conhecimento da técnica registral ao falar em averbação para a penhora, quando a lei 6.015, de 1973, determina, apropriadamente, o seu registro, no inciso I, item 5, do artigo 167, considerando tratar-se de ato de apreensão do imóvel matriculado e que pode levar à expropriação do direito de propriedade.  

Há quem entenda, como eu, que a lei agora editada não tem força para modificar a de n. 6.015, de 1973, com fundamento no princípio consagrado no parágrafo primeiro do artigo segundo da Lei de Introdução ao Código Civil, cujos termos merecem ser reproduzidos:

“A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”.

Observada a regra inserta nesse dispositivo, verifica-se que não ocorreu revogação expressa do artigo 167 da lei 6.015, quanto ao inciso I, n.5. A nova lei também não regula inteiramente matéria contida na lei 6.015. Resta a questão relativa à incompatibilidade. Realmente, o parágrafo quarto do artigo 659 da nova lei conflita com o disposto no artigo 167, inciso I, n. 5. Considere-se, entretanto, que, embora a lei mais recente não seja especial quanto à matéria registral, ela o é quanto ao processo civil, particularmente no que diz respeito à penhora, subentendido o direito do legislador de estabelecer os procedimentos que visem à publicidade do fato. Apesar, contudo, de mostrar-se ponderável esse argumento, podemos rebatê-lo afirmando que o direito do legislador, no caso, vai até a determinação de ingresso da penhora no registro imobiliário, para os fins de direito, mas, a especificação da forma ou natureza do ato a praticar pelo registrador invade a área de competência do legislador da Lei de Registros Públicos.

Infelizmente, não é a primeira vez que se comete equívoco desse tipo, realçado, agora, pela constatação de que o arresto, menos importante que a penhora, continuará sujeito a registro.

Assim sendo, reitero meu entendimento, adotado por outros inúmeros registradores, entre os quais incluo Valestan Milhomem da Costa, Tabelião e Registrador titular do 1º Ofício de Cabo Frio-RJ, de que  o ato adequado para a penhora continua sendo o de registro, como prescrito no inciso I, item 5, do artigo 167 da lei 6.015, de 1973. Penso, porém, que as E. Corregedorias Gerais dos estados devem ser chamadas a manifestar-se a respeito.

Continuando, esclarece o parágrafo sexto que, obedecidas as normas de segurança que forem instituídas, sob critérios uniformes, pelos Tribunais, a penhora poderá ser realizada por meios eletrônicos. Com certeza, as Corregedorias Gerais baixarão provimentos dissipando eventuais dúvidas.

7. O artigo terceiro da nova lei editada introduz, no Livro II, a Subseção VI-A – Da Adjudicação, e a Subseção VI-B – Da Alienação por Iniciativa Particular.

A partir desse ponto, prescreve o artigo 685-A que é lícito ao exeqüente, oferecendo preço não inferior ao da avaliação, requerer lhe sejam adjudicados os bens penhorados, esclarecendo o artigo 685-B que:

“A adjudicação considera-se perfeita e acabada com a lavratura e assinatura do auto pelo juiz, pelo adjudicante, pelo escrivão e, se for presente, pelo executado, expedindo-se a respectiva carta, se bem imóvel, ou mandado de entrega ao adjudicante, se bem móvel”. 

Acrescenta o parágrafo que a carta de adjudicação conterá a descrição do imóvel, com remissão à sua matrícula e registros, à cópia do auto de adjudicação e à prova de quitação do imposto de transmissão.

8. Estabelece o artigo 685-C:

“Não realizada a adjudicação dos bens penhorados, o exeqüente poderá requerer sejam eles alienados por sua própria iniciativa ou por intermédio de corretor credenciado perante a autoridade judiciária”.

Sendo esse o caso, caberá ao juiz fixar as regras para a citada alienação, como informa o parágrafo primeiro, acrescentando o parágrafo segundo, algo importante. Diz ele:

“A alienação será formalizada por termo nos autos, assinado pelo juiz, pelo exeqüente, pelo adquirente e, se for presente, pelo executado, expedindo-se carta de alienação do imóvel para o devido registro imobiliário, ou, se bem móvel, mandado de entrega ao adquirente”.

9. Determina o artigo 686 que, não requerida a adjudicação dos bens penhorados e não realizada a alienação particular prevista, será expedido o edital de hasta pública, a qual será realizada, mesmo que sobrevenha a morte do executado, como esclarece o artigo 689.

Bem a propósito, o legislador acrescentou o artigo 689-A, admitindo, a requerimento do exeqüente e em substituição aos procedimentos previstos nos artigos 686 e 689, a alienação do imóvel penhorado por meio da rede mundial de computadores, com uso de páginas virtuais criadas pelos Tribunais ou por entidades públicas ou privadas em convênio com eles firmado. Tal modalidade de alienação dependerá, como informa o parágrafo único, de regulamentação pelo Conselho da Justiça Federal e Tribunais de Justiça, no âmbito das suas respectivas competências, atendendo aos requisitos de ampla publicidade, autenticidade e segurança, com observância das regras estabelecidas na legislação sobre certificação digital.

10. Complementando o estabelecido no artigo 690, segundo o qual eventual arrematação se fará mediante o pagamento imediato do preço estipulado, ou no prazo de 15 dias, mediante caução, o legislador revogou o contido nos incisos I, II e III, mas acrescentou 4 parágrafos, o primeiro dos quais admite a aquisição do bem levado à hasta pública, quando imóvel, em prestações, mediante pagamento de 30% do preço à vista, devendo o restante ser garantido por hipoteca.

11. O artigo 694 mantém a mesma redação anterior, dispondo:

 “Assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo serventuário da Justiça ou leiloeiro, a arrematação considerar-se-á perfeita, acabada e irretratável”, mas acrescenta os seguintes termos: “ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado”.  

Isso significa que mesmo havendo julgamento pendente dos embargos o registro da arrematação não poderá ser negado. Aduz, entretanto, o parágrafo primeiro que a arrematação poderá ser tornada sem efeito:

“I – por vício de nulidade;

II – se não for pago o preço ou se não for prestada a caução:

III – quando o arrematante provar, nos 5 dias seguintes, a existência de ônus real ou de gravame (art.686, inciso V) não mencionado no edital;

IV – a requerimento do arrematante, na hipótese de embargos à arrematação (art. 746 §§ 1º e 2º);

V – quando realizada por preço vil (art.692);

VI – nos casos previstos neste Código (art.698)”.

Esclarece o parágrafo segundo:

No caso de procedência dos embargos, o executado terá direito a haver do exeqüente o valor por este recebido como produto da arrematação; caso inferior ao valor do bem, haverá do exeqüente também a diferença”.

12. Artigo 698:

“Não se efetuará a adjudicação ou alienação de bem do executado sem que da execução seja cientificado, por qualquer modo idôneo e com pelo menos 10 dias de antecedência, o senhorio direto, o credor com garantia real ou com penhora anteriormente averbada, que não seja de qualquer modo parte na execução”.

Se existir registro de direito que se oponha à adjudicação ou alienação citada, ao Oficial compete negar acesso à carta, depois de prenotá-la, e comunicar o fato ao juiz do feito. Se o interessado insistir no ingresso sem apoio em documento dos autos provando a ciência do titular do direito contraditório, a solução será a suscitação de dúvida.

13. Mantendo a norma do artigo 716, mas atribuindo-lhe nova redação, a lei agora elaborada estabelece o seguinte:

“O juiz pode conceder ao exeqüente o usufruto de móvel ou imóvel, quando o reputar menos gravoso ao executado, suficiente para o recebimento do crédito”.

Como não podia deixar de ser, o usufruto assim constituído tem eficácia também contra terceiros, nos termos do artigo 718, aduzindo o parágrafo  primeiro do artigo 722 que será expedida carta para a averbação na matrícula do imóvel.

É visível a insistência do legislador em disciplinar matéria registral, como o fez em outras ocasiões, invadindo, como invade, área de competência da lei 6.015, de 1973, para alterar a natureza do ato a praticar pelo registrador imobiliário, ignorando tratar-se, no caso, da constituição de um direito real.

Confirmando, aliás, a sua intenção, ele revoga o parágrafo terceiro do aludido artigo 722, que antes determinava, corretamente, a inscrição da respectiva carta de sentença, criando situação anômala, uma vez que as demais constituições desse direito continuarão sujeitas a registro. A despeito, entretanto, desse fato, entendo que o ato apropriado para tal espécie de usufruto continua sendo o de registro, nos termos do artigo 167, inciso I, n. 7 da lei 6.015, de 1973, com a ressalva de que as E. Corregedorias Gerais dos estados devem ser chamadas a opinar sobre o assunto.

*Ulysses da Silva é registrador imobiliário aposentado e membro do Conselho Jurídico Permanente do IRIB. Este estudo contou com a valiosa colaboração de Ademar Fioranelli, também membro do Conselho Jurídico Permanente do IRIB.



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