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Programa Nacional de Capacitação das Cidades: IRIB participa do Seminário Regional Centro-Oeste em Cuiabá

Cadastro Técnico Territorial Multifinalitário


O Ministério das Cidades, em parceria com a Caixa Econômica Federal, realizou nos dias 3 a 6 de outubro, no Senai – Fiemtec, em Cuiabá, MT, o Seminário Regional Centro-Oeste sobre cadastro técnico territorial multifinalitário.

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No âmbito do  Programa Nacional de Capacitação das Cidades, o MC e a Caixa estão realizando esses seminários em todas as regiões do Brasil. O objetivo é sensibilizar gestores e técnicos municipais – além de técnicos das gerências de filial de apoio ao desenvolvimento urbano da CEF, profissionais que atuam na área de arquitetura e urbanismo, engenharia, agrimensura, topografia, geografia, direito e planejamento territorial urbano – para a importância dos cadastros técnicos territoriais multifinalitários como instrumento de política urbana municipal.

Jürgen Philips

Os cadastros multifinalitários permitem a disponibilização e o manuseio de dados e informações sociais, urbanísticas, fundiárias, bem como as informações referentes à oferta de serviços públicos, que podem instruir a gestão municipal e a elaboração de planos e projetos de desenvolvimento urbano, de acordo com as disposições do Estatuto da Cidade.

Em Cuiabá, as cem vagas disponíveis foram rapidamente esgotadas. Os palestrantes indicados pelo MC e pela Caixa e professores universitários revezaram-se em exposições sobre cadastro técnico territorial multifinalitário, desenvolvimento urbano, geotecnologias, tributação imobiliária, financiamento de instrumentos de gestão e avaliação de imóveis para fins fiscais.

Assim como no seminário de Campinas, SP, o Irib esteve representado por Sérgio Jacomino, editor das publicações oficiais do instituto e 5º registrador de imóveis de São Paulo, e pelo conselheiro científico do instituto e professor da UFSC, Jürgen Philips, doutor em Geodésia pela Universidade Técnica de Aachen, na Alemanha.

No dia 3 de outubro, o professor Jürgen Philips apresentou conceitos, objetivos e aplicabilidade do cadastro técnico territorial multifinalitário. No dia 5, na parte da manhã, proferiu palestra sobre o papel do cadastro na administração do território. À tarde, Sérgio Jacomino falou sobre a coordenação entre cadastro e registro de imóveis.

Os seminários regionais sobre cadastro técnico territorial multifinalitário são coordenados por Eglaísa Micheline Pontes Cunha, do Ministério das Cidades, por Cláudia Brandão de Serpa e Maria Teresa Peres de Souza, ambas da Caixa Econômica Federal.

PALESTRA

Registro e cadastro: os irmãos siameses da gestão territorial
Sérgio Jacomino

Sérgio Jacomino iniciou sua palestra lembrando que a aplicação do Estatuto da Cidade é um grande estímulo para a constituição de cadastros eficientes, que possam contribuir para o desenvolvimento das cidades.

Embora o cadastro e o registro de imóveis sejam instituições inter-relacionadas, cada uma tem sua própria identidade, razão por que considera importante desmistificar certos conceitos equivocados que não contribuem para o desenvolvimento nem do cadastro e nem do registro imobiliário.

As razões da precária descrição do imóvel

O palestrante investigou por que os imóveis eram tão precariamente descritos no cartório. Apresentou os seguintes exemplos de descrições tiradas de registros históricos.

... limita-se [o imóvel] no passo onde mataram o Varela” (Sesmaria concedida a D. Beatriz, 1556)

... confina onde esteve a roça do Padre Salsa aonde acabar Antonio Sião e Antônio Fernandes” (carta do século XVI).

... parte da feitiçaria dos índios até onde se mete o rio... Ayamá e daí até a riba da casa velha que foi de Chistovão Índio e outra casa que foi de um índio que se chama Aberama, onde estão uns cajus muito grandes” (Sesmaria de Vasco Lucena, Jaguaribe).

Em Jacobina (BA): imóvel que faz “pião em olho d´água no pau de colher para cima etc.

Por que essas transcrições tão imperfeitas se mantiveram ao longo do tempo e não foram alteradas, não foram colocadas para fora do sistema ou, ainda, não foram objeto de intermináveis litígios?

Segundo Jacomino, porque não interessava ao modelo de exploração econômica da colônia a perfeita determinação dos imóveis. O modelo extrativista baseava-se na concessão de grandes extensões de terras e no aproveitamento extensivo, com o conseqüente esgotamento do solo, razão por que havia grande mobilidade em busca de novas terras.

Como é possível se perenizar no livro de registro a descrição de um objeto que se move na superfície da terra? Havia uma disponibilidade fundiária muito grande, portanto a determinação do objeto do direito, não era estrita. Isso acabou se perpetuando na prática descritiva dos títulos”, comentou.

Outro aspecto importante explicaria a precária descrição dos imóveis no registro imobiliário. A descrição era imperfeita, mas tolerável, porque havia o reconhecimento social dos limites territoriais. Ou seja, a posse era o elemento de publicidade efetiva, a descrição dos imóveis era apenas uma referência secundária.

Embora o registro de imóveis proporcione os mecanismos de publicidade que sinalizam para toda a sociedade quem é o verdadeiro proprietário do imóvel, em sociedades menos desenvolvidas a manifestação do exercício desses direitos é a posse. A descrição imperfeita era tolerada, em virtude de um exercício ostensivo que se fazia da posse sobre o bem.

A posse era o elemento de publicidade efetivo e ainda hoje é assim, tanto que a Constituição de 1988 reconheceu a importância da posse como porta de entrada para o exercício de direitos mais amplos, como a propriedade plena, ou o direito parcelar”.

Como essas descrições chegaram aos nossos dias? Jacomino responde: “o primeiro livro de registro aberto em São Paulo, em 5 de março de 1847, é o protocolo do Primeiro Tabelião de Registro Geral das Hipotecas da segunda comarca da Província de São Paulo. As descrições foram transferidas para esse livro de registro. Os conteúdos dos registros se mantiveram incólumes. Houve mudança de forma, mas os conteúdos permaneceram.”

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Mitos e verdades sobre o nascimento do registro de imóveis

O palestrante esclareceu que o nascimento do registro hipotecário no Brasil se deu com a lei hipotecária, em 1846, e não com a Lei de Terras de 1850.

O registro hipotecário foi criado no Brasil, em 1846, e ocorreu no bojo da lei orçamentária de 1843, que visava diminuir as taxas de juros cobradas pelos financiamentos da produção agrícola e agrária. Também na Europa foi assim. Todos os registros de imóveis criados no século XIX (sistemas alemão, francês, espanhol e português) nasceram como registros hipotecários. Durante muitos anos a disciplina não foi chamada de Direito registral imobiliário, mas de direito hipotecário, uma vez que o registro foi feito para garantir a hipoteca.”

O registro de imóveis, anteriormente chamado de registro hipotecário, cuida dos direitos que incidem sobre a coisa, e não da coisa em si mesma. Por isso, segundo o palestrante, o sistema que nasceu com o regulamento hipotecário completou 160 anos sem entrar em colapso e o índice de litigiosidade relacionada com os imóveis, principalmente decorrentes da precária descrição deles, é desprezível.

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Outro mito desfeito por Sérgio Jacomino foi o de que o antecedente do registro imobiliário brasileiro é o registro do vigário.

O registro do vigário tinha uma finalidade de cadastramento das terras que estavam na posse de particulares. Apesar de se chamar registro, a expressão deve ser considerada no sentido lato, e não no sentido técnico ou estrito. Tratava-se quase de uma atividade tabelioa, de escrivania. O vigário recebia as declarações dos particulares, que conferia para saber se estavam conformes, e depois encaminhava para uma repartição encarregada de fazer o cadastramento das terras públicas e privadas, uma vez que havia total confusão a respeito de propriedades públicas e particulares.”

A lei de 1850 procurou resolver essa antiga discussão no direito brasileiro com a criação de um regulamento que criou o registro do vigário. No entanto, nem a lei de 1850 e nem o registro do vigário tinham a ver com o registro hipotecário, que continuou a se desenvolver.”

Como prova de que o registro de imóveis não nasceu com o registro do vigário, o palestrante informou que o Supremo Tribunal Federal definiu que os títulos de registro do vigário se prestam tão-somente a elementos probatórios de posse, e não de domínio, de direito estruturado e consolidado.

Conexão e distinções entre cadastro e registro

Cadastro é um inventário público de dados metodicamente organizados concernentes a parcelas territoriais, dentro de certo país ou distrito, baseado no levantamento dos seus limites (FIG, 1995).”

Ou seja, o cadastro não trata de direitos, mas de levantamento de limites.

Já o registro, pela sua definição legal, é uma instituição de caráter jurídico encarregada de prover a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.”

Feita a distinção entre as duas instituições, Jacomino acrescentou que o mais importante é a publicidade do registro, para que o cidadão tenha ao seu dispor um instrumento que lhe permita conhecer de maneira rápida, barata e segura a situação jurídica dos bens que estão no mercado. Quem vai comprar um imóvel precisa saber quem é o verdadeiro dono, para não cair no erro de comprar daquele que não é o titular do direito e ser vítima de um estelionato. Além disso, é preciso saber o que se está comprando, e se quem está vendendo pode vender, para não se correr o risco de comprar um imóvel de alguém que não pode dispor.

Esses elementos vão constar no registro, que vai sinalizar para toda a sociedade, para que haja a livre circulação dos bens. Essa é a função do registro, diferentemente do cadastro. O cadastro está ligado com a situação física do bem e o registro com a situação jurídica do bem.”

Uma fotografia georreferenciada de uma propriedade rural não é capaz de expressar onde estão os limites da propriedade nem a extensão dos direitos que incidem sobre aquele imóvel; não se verifica a qualidade dos direitos e nem a extensão desses direitos. Ou seja, no levantamento topográfico não é possível verificar a qualidade e quantidade desses direitos, eles não podem ser fotografados. A máquina fotográfica desses direitos é o registro de imóveis, que nada tem a ver com o cadastro, embora ambos estejam coordenados para proporcionar a gestão territorial.”

Lei de Registros Públicos aperfeiçoa o sistema

A lei 6.015/73, que entrou em vigor a partir de 1976, aperfeiçoou tecnicamente o registro com a adoção do fólio real, um sistema que organiza a publicidade registral com base no imóvel e não mais nas pessoas ou na ordem cronológica da apresentação dos títulos a registro.

Para cada imóvel passa a existir uma matrícula, que é sua cédula de identidade. Cada imóvel tem um número de matrícula, que está registrada no cartório de registro de imóveis. Todas as transações feitas com o imóvel constarão dessa matrícula. A consulta do registro ficou muito mais clara”, afirmou Jacomino.

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Outras determinações legais também contribuíram para o aprimoramento do sistema de registro, como as exigências de especialidade imobiliária objetiva – referente ao objeto, o imóvel – e subjetiva, relativa à pessoa que figurava no registro. Passou-se a exigir, ainda, a identidade da pessoa que fosse figurar no registro. Não apenas o nome, mas a descrição de quem era a pessoa, se era brasileiro, casado e em qual regime de bens. A partir de 1976, foi preciso inserir o número do CPF, o domicílio e a profissão.

Passou a haver a concentração de todas essas informações da situação jurídica dos imóveis na matrícula. Com isso, tivemos uma clarificação da informação registral e uma segurança ampliada.”

No entanto, a mudança de forma não alterou o conteúdo das antigas descrições, muitas ainda permanecem nos cartórios.

A lei de Registros Públicos exigia requisitos de caráter objetivo para abertura de matrícula, bem como a indicação cadastral, se houvesse. O problema é que não existia cadastro em todos os municípios brasileiros e, quando existia, era simples instrumento de arrecadação tributária, não servia para ajudar a determinar de maneira precisa o objeto – imóvel – e os direitos relativos a ele.

A interconexão entre cadastro e registro continuou inexistente. O enfoque da lei 6.015/73 era essencialmente parcelar para a determinação de bem imóvel. Nunca se levou em consideração uma planta cadastral, salvo nos parcelamentos do solo urbano. Os cartórios nunca fizeram a amarração geodésica do imóvel na superfície da Terra, essa não era uma exigência da Lei de Registros Públicos. Como mencionei, a perfeita determinação do imóvel não era uma preocupação do registro.”

Como os imóveis não estavam lastreados, não estavam perfeitamente determinados no solo, eles se “movimentavam” na superfície. Ou seja, poder-se-ia colocar um determinado imóvel em qualquer lugar porque não havia o lastro cadastral, não havia elementos na matrícula para determinar precisamente onde estava o imóvel. Sem o elemento de amarração geodésica, o imóvel pode estar em qualquer ponto geográfico e ninguém terá condições de dizer que ele está aqui ou em outro lugar.”

Por conta disso, houve muitas denúncias de fraudes nos cartórios, uma vez que o registrador não tem tecnologia nem instrumentos para poder verificar com precisão os títulos judiciais e nem é essa sua competência.

As fraudes em cartório representavam a visão equivocada de um fenômeno muito complexo que está relacionado com a grilagem de terras. O aspecto que mais me chamou atenção na CPI da grilagem de terras era que os registros eram feitos com base em títulos judiciais. As fraudes começavam nos processos de usucapião e depois se irradiavam nos cartórios, o que acabou por gerar a superposição de glebas, que denominei de síndrome do beliche dominial. A definição era imperfeita, muitas vezes, propositadamente imperfeita, de tal forma que o imóvel poderia ocupar qualquer lugar no espaço e ludibriar a boa-fé de terceiros para um ato de estelionato no momento da venda. Os cartórios foram responsabilizados por uma deficiência que não é sua responsabilidade, tratava-se de uma especialidade imperfeita.”

Georreferenciamento delimita fronteira entre registro jurídico e cadastro físico

Como explicou Jacomino, a lei 10.267/01 criou o georreferenciamento de imóveis rurais e radicalizou a idéia de interconexão e relacionamento entre os dados cadastrais e o registro de imóveis. A obrigatoriedade de georreferenciamento foi criada para aclarar definitivamente as situações de imóveis particulares e de terras públicas com uma revitalização do cadastro, que no caso dos imóveis rurais hoje está no Incra.

A partir dessa lei, para toda e qualquer transação imobiliária com imóveis rurais deve ser feito um levantamento geodésico com base no georreferenciamento, de forma que o cadastro, antes imperfeito, seja recomposto e ajude a reduzir o número de fraudes. O decreto 4.449/02, e depois o decreto 5.570/05, que alterou a lei, estabeleceu um cronograma para que todos os imóveis rurais se sujeitem ao georreferenciamento, o que vai delimitar as fronteiras entre o registro jurídico e o cadastro físico.

Agora se começa a perceber que as atribuições do cadastro e do registro são diferentes e que cada um joga um papel importante, mas distinto. Esses papéis devem ser desempenhados por profissionais também distintos. A lei 10.267/01 retirou do registrador a tarefa da determinação física da parcela. No entanto, a responsabilidade sobre a gestão da publicidade das situações jurídico-reais está no registro e não no cadastro.”

Essa lei cria uma linha de informações fundiárias e organiza a planta cadastral a partir da indicação das parcelas, de forma que não haja superposições. Também visa superar uma multiplicidade de linguagens utilizadas para a definição de um mesmo objeto. Inaugura o georreferenciamento como um padrão, ou seja, não trabalharemos mais com a linguagem descritiva, mas com variáveis. Com essas variáveis poderemos reconverter a realidade numa descrição perfeitamente compreensível, ou reconhecível por mapa, por exemplo. Dessa base cadastral se servem o registro de imóveis, Incra, IBGE, Funai, Receita Federal, Anoter, enfim, várias instituições que trabalham com imóveis.”

A lei 10.267/01 instituiu o cadastro nacional de imóveis rurais, Cnir, que será realizado a partir de medições georreferenciadas, para dar base geodésica às informações, o que representa uma mudança de paradigma em relação à anterior descrição dos imóveis rurais.

A medição georreferenciada dos imóveis rurais vai permitir a correspondência entre os dados cadastrais (físicos) e os registrais (jurídicos) de forma a garantir a segurança jurídica e evitar a superposição de áreas.

O Cnir pode ser a chave de acesso às reformas cadastrais, uma vez que passa a ser atribuição do registro de imóveis informar ao Incra, mensalmente, todas as modificações ocorridas nas matrículas em função de mudança de titularidade, parcelamento, desmembramento, loteamento, remembramento, retificação de área, etc. O Incra, por sua vez, deverá encaminhar ao registro de imóveis, mensalmente, os novos códigos atribuídos aos imóveis, para que sejam averbados nas matrículas.

Por que não fazer esse intercâmbio de informações com as prefeituras municipais a fim de facilitar o cadastro?”

Hoje, os cartórios ainda permanecem atomizados, sem comunicação entre si. No entanto, estamos caminhando para outro paradigma, vamos superar a idéia de atomização pelo conceito de molecularização, ou seja, essas unidades estarão ligadas umas às outras como moléculas e trocando informações, o que aumentará a segurança das informações e reduzirá custos.”

A retificação registral também foi deslocada do Judiciário para o registro de imóveis. A lei 10.931, de 2 de agosto de 2004, criou mecanismos para a retificação e aprofundou a interconexão entre o cadastro e o registro.

O que fica nisso tudo é o desafio de construirmos um relacionamento criativo com vistas ao interesse público. Os cartórios de registro de imóveis são as fontes primárias de informação que interessam de maneira decisiva para as prefeituras. Os municípios não podem abrir mão das informações do registro, seja em relação às titularidades, seja como mecanismo muito importante de publicidade das restrições de caráter urbanístico e ambiental que as próprias prefeituras e estados não têm como expressar de maneira rápida e eficiente.”

Os cadastros, por sua vez, podem ter no registro uma fonte confiável e preciosa para o aperfeiçoamento do sistema de publicidade imobiliária no Brasil. Esse desafio está em nossas mãos, está entregue aos senhores e a todos os envolvidos em projetos como este do Ministério das Cidades, que merece todo nosso aplauso, apoio e consideração.”

DEBATE

Conexão entre cadastro e registro: debate com Sérgio Jacomino

Acompanhe o debate que se seguiu à palestra de Sérgio Jacomino no Seminário Regional Centro-Oeste sobre cadastro técnico territorial multifinalitário, em Cuiabá, MT. O palestrante respondeu a perguntas como “por que o Estado não concede ao município fazer o registro?”

Participante – Na prefeitura defendemos a tese de que o título garante a propriedade. O contribuinte chega à prefeitura e quer identificar o proprietário de determinado imóvel. A população não tem conhecimento de que o cadastro da prefeitura e o registro de imóveis constituem diferentes sistemas de informação.

Sérgio Jacomino – Em São Paulo, todas as informações relacionadas aos títulos registrados são encaminhadas à prefeitura pela Internet. Os registros de imóveis estão trocando informações com a prefeitura de São Paulo. Foi feito um convênio porque isso envolve custos. Não são cobrados emolumentos, mas em contrapartida a prefeitura nos fornece os dados que ela detém, como por exemplo, o valor venal e a situação cadastral, informações extremamente importantes para o cartório. Queremos trabalhar com a prefeitura no controle de recolhimento do ITBI. Em São Paulo, a polícia federal abriu inquérito para apurar uma gigantesca fraude de sonegação relacionada à transmissão de bens imóveis por valores irreais. Com o convênio, os cartórios recebem os títulos e entram na base de dados da prefeitura para verificar o pagamento do ITBI. Se não foi feito o pagamento, o cartório não faz o registro. Isso diminuiu a ocorrência de fraudes. Acredito que é o momento de começarmos a estabelecer um relacionamento, convênios, colaborações, porque todos sairão ganhando.

Participante – Já que é o Estado que delega as atividades aos cartórios por que não delega ao município, tendo em vista que para registrar o título o cidadão vai ao cartório, depois à prefeitura, e retorna novamente ao registro? Por que o Estado não concede ao município fazer o registro?

Sérgio Jacomino – Existe uma literatura internacional que estuda os vários modelos organizativo de registro. Sobre isso, houve duas ondas muito grandes. A primeira, no século XIX, quando surgiram os instrumentos hipotecários na Europa, no Brasil e na América Latina como um todo. Depois da queda do muro de Berlim, os países do Leste europeu passaram a ter uma economia de mercado. Era preciso reconstituir mecanismos de publicidade da situação jurídica dos imóveis, tendo em vista que era um requisito essencial para o funcionamento de uma economia de mercado. Acabo de participar de um encontro Ibero-Americano de Direito registral na Guatemala onde fiquei sabendo que em Cuba existe registro de imóveis, que foi revitalizado em virtude do capital estrangeiro, que só aceitou investir no país se o Estado garantisse aos investidores a situação jurídica dos imóveis. A indústria hoteleira espanhola entrou firme e, hoje, em Cuba, existem várias cadeias de hotéis espanhóis. Foram criados registros hipotecários em todo o Leste europeu. Essa documentação internacional fez várias comparações: por que os cartórios não estão nas prefeituras? Por que os cartórios não estão no mesmo organismo cadastral? Depois foi produzida uma série de documentos que trazem argumentos extremamente sofisticados. Vou citar alguns. O primeiro deles diz que os cartórios nascem de uma necessidade social, anterior à própria idéia de Estado. A idéia de cartório é muito antiga, podemos encontrar a função notarial, por exemplo, sendo exercida na idade média; podemos encontrar uma pré-figuração de registros imobiliários na Mesopotâmia, na  Grévia antiga, no Egito. Em certo momento, essa instituição, surgida no seio da sociedade, se encaminhou para uma galgar uma posição que se acha entre o Estado e a sociedade, uma vez que há momentos em que os direitos dos cidadãos se exercitam contra o próprio Estado. Portanto, não é lógico que a tutela desses direitos esteja a cargo de uma instância administrativa, com vinculação hierárquica. Na verdade, é da lógica do sistema, por várias razões econômico-jurídicas que não calha aqui detalhar, que o registrador deva ter garantida a independência jurídica para dizer não ao Estado. Inúmeras vezes fui obrigado a obstar o acesso, ao registro, de um título da prefeitura municipal. Isso gera conflitos na medida em que o administrador municipal acredita que seu documento, por ser um ato administrativo, gera a presunção de legalidade e validade, portanto questiona a possibilidade de um delegado do serviço público contrastar sua decisão com uma de caráter administrativo. Ao analisar essas questões, os tribunais chegaram à conclusão de que o cartório não só podia como deveria fazer isso mesmo. É um dever-função do registro exercitar essa atividade em face não só dos particulares como também do próprio Estado. O registrador deve ter independência jurídica, que não se exercita num quadro hierárquico localizado numa determinada instância administrativa. A experiência mostra que muitas irregularidades fundiárias foram cometidas porque se desconsiderou os limites do administrador para exercitar suas prerrogativas. Os cartórios estão ligados ao controle estatal porque a disciplina dos cartórios não é municipal, mas federal. Outro aspecto deve ser lembrado. Onde é a posição do registro no quadro das instituições jurídicas brasileiras? Certamente o registro desempenha um papel que pode ser qualificado como sendo de tutela pública de interesses privados. Na longa trajetória dos órgãos da fé pública, tanto os registros públicos como as notarias integravam a galáxia judiciária, achavam-se vinculados à grande família judiciária. Não desempenhavam uma atividade jurisdicional, num sentido estrito, mas exerciam uma atividade de “jurisdição” voluntária, tutela pública de interesses privados, como disse. Nesse contexto, do qual ainda fazemos parte, não soa razoável permitir que se desloque da esfera judiciária para o executivo municipal a definição dos direitos civis, não se esquecendo que o registro imobiliário, no Brasil, é constitutivo, vale dizer, pelo registro se constituem os direitos de propriedade e os direitos relativos a bens imóveis. Então, em razão da história e do perfil da atividade os notários e registradores estão amalgamados à atividade judiciária e nada justifica ou recomenda que se desloque a atividade para a esfera do executivo. Poderíamos perguntar: por que o prefeito não é um juiz de direito? Ele poderia ser um juiz de uma comarca onde conhece os conflitos locais. No entanto, o prefeito não é juiz porque existe a necessidade de se garantir a independência do juiz, daquele que pode julgar até uma questão que envolva os interesses do próprio município. Por que existem promotores de justiça, juízes e advogados? Porque cada um joga um papel diferenciado nessa trama social jurídica. Se estudarmos os casos em que esses registros estão na prefeitura, vamos verificar que há ganhos e perdas, mas o modelo que temos no Brasil, consentâneo com o modelo europeu, é de independência em relação à prefeitura. Nada recomenda que se altere isso, muito embora na Noruega e Estados Unidos exista uma espécie de integração entre a atividade registral e a prefeitura. Nos EUA, apesar de a pessoa ir à prefeitura apresentar seu documento, por exemplo, uma hipoteca à margem dessa estrutura estatal, existe um grande número de empresas que fazem o seguro das transações imobiliárias, e elas organizam seus cadastros como os cartórios organizam os seus nos países onde existem essas instituições. À margem desses sistemas, foram criados outros paralelos de caráter estritamente privados.

Participante (superintendente de plano diretor) – Temos algumas dúvidas em relação ao registro, à matrícula e à lavratura de escrituras. Por exemplo, o que acontece com um loteamento que foi aprovado pelo município e cuja cópia aprovada, ou lei aprovada, levamos ao registro para averbação? E, também, qual o procedimento do município em caso de loteamento irregular, sem documentação, com a existência de um posseiro que se intitula dono da área?

Sérgio Jacomino – A PUC Minas Virtual, o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, Irib, e a Associação dos Serventuários de Justiça do Estado de Minas Gerais, Serjus, criaram um curso à distância exatamente para tratar dessas questões. O sistema registral brasileiro é um dos mais robustos que há no mundo, temos um sistema precioso no país, o que precisamos é descobri-lo e aperfeiçoá-lo. Convido o colega a conhecer esse curso que oferece uma introdução ao registro imobiliário e informa a importância econômica e social dessa instituição.

Participante Talvez minha pergunta não seja muito ligada à questão registral. Existe alguma tratativa a respeito de uma redução de custos para registros de terrenos ou habitações de interesse social? Temos uma grande expectativa em relação a isso, uma vez que os próprios cartórios alegam que uma parte dos recursos vai para outros órgãos.

Participante  (CEF) – Centenas de casas não são regularizadas. Qual é a segurança do proprietário e da Caixa, em caso de retomada do imóvel?

Sérgio Jacomino – Esse é um problema sério. Estamos vivendo um momento de reestruturação do registro. A economia informal cresceu assustadoramente. O grande desafio é recolocar esses ativos no mercado formal. E só conseguiremos isso quando, por exemplo, a Caixa Econômica Federal passar a conceder créditos exclusivamente para aqueles que tiverem seus títulos regularizados. O que há é certa complacência com a informalidade. Por exemplo, uma pessoa quer construir um puxadinho na sua propriedade informal, mas não tem o título registrado e a Caixa abre uma linha de crédito sem a devida contrapartida, qual seja, a regularidade formal daquele título. Não se trata de massacrar o indivíduo com burocracia, muito pelo contrário, a idéia é dar condições de integrar o cidadão na economia formal.

Estamos discutindo com o Ministério das Cidades a regularização fundiária no estado de São Paulo. Existe um convênio para possibilitar o título registral sem custo algum. Mas é preciso lembrar que alguém terá de pagar a conta. Há casos em que é possível aplicar esse convênio, mas há outros em que não há essa possibilidade. No Brasil, quase 80% dos cartórios vivem em situação precária e não têm condições de arcar com os custos desse trabalho. Quem vai pagar, por exemplo, a energia elétrica que o cartório consome, ou os encargos trabalhistas? A idéia que se faz do cartório é que, por se tratar de um serviço público, não deveria se cobrar nada do cidadão. Porém, os custos existem, ou são pagos pelo orçamento do Estado ou pelo cidadão. Se formos radicalizar a idéia da gratuidade, todos os organismos que trabalham com regularização fundiária teriam de abrir mão de seus rendimentos. Os advogados, que atuam nas usucapiões, deveriam abrir mão dos seus honorários para fazer a regularização, em virtude do bem social; o engenheiro não mais receberia para fazer o levantamento; etc. Essa não é uma maneira inteligente e racional de resolver o problema em termos econômicos. Se a pessoa é hipossuficiente, propõe-se um convênio em que haja uma contrapartida não econômica, mas material.

ENTREVISTA

Eglaísa Cunha, gerente de projetos do MCidades fala sobre o objetivo dos seminários regionais: capacitar os municípios para a implementação e gestão de cadastros territoriais

BE –
Os seminários regionais sobre cadastro técnico territorial multifinalitário, que fazem parte do Programa Nacional de Capacitação das Cidades, percorreram várias regiões do Brasil e estão agora em sua fase final. O que motivou essa iniciativa do Ministério das Cidades?

Eglaísa Cunha –  Sem dúvida, a percepção de que a maioria dos municípios brasileiros carece de informações fidedignas sobre sua própria realidade territorial, o que decorre da ausência de cadastros e mapeamentos confiáveis e atualizados. Na verdade, a implementação de cadastros territoriais multifinalitários é uma condição necessária para o aprimoramento e democratização da formulação de políticas urbanas e para a implementação de muitos dos instrumentos e diretrizes do Estatuto da Cidade, principalmente aqueles relacionados à promoção da ocupação dos vazios urbanos, à distribuição justa dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização, à promoção da regularização fundiária dos assentamentos precários e à recuperação de parcela da valorização imobiliária causada por investimentos do Poder Público. Nesse sentido, o MCidades em parceria com a Caixa Econômica Federal, priorizou, entre as atividades do Programa Nacional de Capacitação das Cidades, a capacitação dos municípios para a implementação e gestão de cadastros territoriais, por meio dos seminários regionais, que buscam a sensibilização dos agentes sociais para a importância da implementação desse instrumento.

BE –  Uma das questões centrais do debate parece ter ficado entre a necessidade de uma diretriz nacional para o cadastro e a flexibilidade proporcionada por uma regulamentação a cargo do município. Foi possível chegar a um consenso sobre essa questão de modo a atender ao caráter multifinalitário que se busca para o cadastro?

Eglaísa Cunha – De fato, em praticamente todos os seminários realizados, a principal questão recorrente apresentada pelos participantes foi a necessidade de mais orientação acerca da implementação do cadastro: como se inicia o processo, os principais passos e agentes a serem mobilizados, e a padronização necessária a ser utilizada no processamento dos dados. Ou seja, o fato de não haver uma diretriz nacional ou um marco regulatório definido para orientar a implementação de cadastros urbanos dificulta o processo de implementação desse instrumento no município e amplia as possibilidades de que os projetos executados se tornem restritos e nem sempre utilizáveis no contexto nacional, especialmente no que diz respeito à interação desse cadastro com outras plataformas de trabalho utilizadas. Nesse sentido, nosso papel na condução de atividades de capacitação no âmbito do Programa Nacional de Capacitação das Cidades é o de dar conhecimento dessas demandas no âmbito do Ministério das Cidades, de forma que essas principais questões sejam conduzidas e que sejam feitos os encaminhamentos necessários para sua solução.

BE – Existem outros pontos importantes que as discussões aclararam e em relação aos quais foi possível chegar a algum tipo de consenso?

Eglaísa Cunha – A realização de um debate sobre a formulação de uma diretriz nacional que oriente a formulação de cadastros urbanos durante um dos módulos livres dos Seminários Regionais foi um grande indicador da necessidade premente de mobilização e reunião dos principais agentes a serem envolvidos no processo de elaboração desse marco regulatório e da definição das formas de condução que o tema requer.

BE – Os seminários regionais tiveram como objetivo sensibilizar técnicos e agentes sociais para a importância dos cadastros técnicos territoriais multifinalitários como instrumentos de política urbana municipal. O programa será concluído com um último seminário realizado em Manaus, nos dias 21 a 24 de novembro. Os resultados já obtidos atendem as expectativas do programa? Em tese, qual seria a etapa seguinte desse projeto?

Eglaísa Cunha –  Estamos muito felizes com os resultados obtidos no âmbito dos Seminários Regionais. Ao todo, entre 2005 e 2006, tivemos mais de mil participantes entre técnicos municipais e agentes sociais, responsáveis pela condução de políticas urbanas nos municípios, presentes nas nossas atividades de capacitação. No entanto, consideramos que ainda há muito a ser feito, tendo em conta o caráter de sensibilização da atividade sobre a temática, que se constitui num indicativo para que os municípios busquem cada vez mais a qualificação necessária para a implementação dos cadastros. Para o ano de 2007, pretendemos dar ênfase à formação de multiplicadores que possam viabilizar a implementação de um programa de educação à distância, de maior abrangência. Também pretendemos realizar um seminário nacional sobre experiências na implementação de cadastros e a implantação de um fórum de discussões sobre o tema, além da continuidade dos seminários e atividades de sensibilização de dirigentes públicos e agentes sociais, publicações e a confecção de material de apoio.

BE – O IRIB participou dos seminários, representado pelo doutor Sérgio Jacomino, que respondeu a muitas questões e dúvidas sobre o funcionamento do registro de imóveis e sua conexão com o cadastro. O Programa Nacional de Capacitação das Cidades teria interesse em receber essas perguntas e respostas sistematizadas para oferecer aos interessados no site do MCidades?

Eglaísa Cunha –  Considero a participação do doutor Sérgio Jacomino de extrema importância para nossas atividades. Ele apresenta de maneira bastante elucidativa as principais implicações na integração entre cadastro e registro de imóveis, de forma que temos todo o interesse em disponibilizar esse material para o nosso público, principalmente para fomentar o fórum de discussões que está sendo construído sobre o assunto.

REFERÊNCIAS

Registro e cadastro: os irmãos siameses da gestão territorial
Sérgio Jacomino

Cadastro imobiliário e registro de imóveis
Andrea F. T. Carneiro

Cadastros territoriais: presente, passado e futuro
Diego Alfonso Erba

Cadastro multifinalitário como instrumento de política fiscal e urbana
Organizadores: Diego Alfonso Erba, Fabricio Leal de Oliveira e Pedro de Novais Lima Junior

MANAUS

Próximo Seminário Regional será em Manaus

Programa Nacional de Capacitação das Cidades
Cadastro Técnico Territorial Multifinalitário

Número de Participantes por Seminário
: 100

Público-alvo: Gestores e Técnicos Municipais, Técnicos das Gerências de Filial de Apoio ao Desenvolvimento Urbano da Caixa Econômica Federal, profissionais atuantes nas áreas de Arquitetura e Urbanismo, Engenharia, Agrimensura, Topografia, Geografia, Direito e outras áreas afins do Planejamento Territorial Urbano.

Duração / Carga horária: 9h às 18h / 32h

Metodologia: Exposições, seguidas de debates e trabalhos em grupos.

Principais Tópicos

1. Cadastro Técnico Territorial Multifinalitário;
2. Cadastro Técnico Territorial Multifinalitário e Desenvolvimento Urbano;
3. Avaliação de Imóveis;
4. Tributação Imobiliária e Financiamento de Instrumentos de Gestão;
5. Geotecnologias.

Coordenação
Eglaísa Micheline Pontes Cunha (Coordenação Geral) - Ministério das Cidades
Cláudia Brandão de Serpa e Maria Teresa Peres de Souza - Caixa Econômica Federal

Informações
Gerência de Capacitação
DDI/SE - Ministério das Cidades
[email protected]
Fone: (61) 2108.1574

Inscrições

http://www.cidades.gov.br/pesquisas/index.php?sid=44

Programa



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