BE2710
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Estrutura das atas notariais em diligência
Felipe Leonardo Rodrigues*
Solicitante
A intervenção notarial é sempre requerida. Não há intervenção de ofício, exceto nos direitos difuso e coletivo. Generaliza-se no direito notarial a denominação de solicitante referida ao sujeito de direito que requer a atuação notarial para tutelar ou desenvolver um direito ou interesse próprio ou da pessoa em cujo nome atua.
Se o direito ou interesse é invocado e o requerimento se efetuou, o tabelião que não tenha impedimento justificado fica vinculado ao solicitante e, portanto, obrigado a realizar a atuação notarial solicitada.
O tabelião deve proceder, como primeira medida, à individualização completa do sujeito jurídico na forma que indica, em nosso caso, o item nº 15, letra “c” (nome completo, nacionalidade, estado civil, profissão, documento de identidade, órgão emissor, cadastro de pessoas físicas e endereço completo) das Normas de Serviço Extrajudicial do Estado de São Paulo.
A técnica é a mesma utilizada na escritura pública e não precisa, portanto, de comentários. Em segundo termo, o tabelião deve comprovar a identidade do solicitante. Basta exigir-lhe a apresentação de documentos de identidade, especialmente a cédula civil, entre nós a cédula de identidade ou outro documento oficial que o tabelião repute eficaz para o fim almejado.
Por exceção a identificação pode se realizar por conhecimento direto do tabelião.
Por fim, o solicitante deve ter capacidade reconhecida. No entanto, parece-nos viável a atuação do labor notarial a pedido das pessoas relativamente incapazes (exceto menor).
Representação
É suficiente a manifestação dos interessados para atuar em nome alheio? Sim. Devido à urgência com que o tabelião deve atuar na maioria dos casos e o tempo que demandaria reunir a documentação habilitante ou a própria presença do solicitante poderia frustrar a diligência notarial.
Ademais, como já dissemos em outras oportunidades, toda exigência se funda na razoabilidade do tabelião, isto é, exigindo no momento ou “a posteriori”.
Essa representação se invoca unicamente para pôr em funcionamento a atividade notarial e será suficiente a presunção de interesse na constatação do objeto, alvo da atividade solicitada.
Assim, poderá referir-se o mandato ou a representação, e ainda a titularidade do direito que entranhe o ato-fato não negocial em jogo. A solicitação de uma ata por quem se postule gestor ou autorizado ficaria beneficiado, ou melhor, legitimado, pela ulterior ratificação do solicitante ou àquele que detém o interesse no objeto da constatação.
Por outro lado, tratando-se de uma prova pré-constituída, ou medida preparatória de futuras ações judiciais, na instância devida poderão apresentar-se os documentos comprovativos da representação nos próprios autos, mas deverá fazer-se tal nota na ata notarial.
Não obstante, em determinados casos será conveniente credenciar a documentação (pessoa jurídica - solicitante).
Requerimento
Este requisito, que é implícito nas escrituras, se exige expressamente nas atas notariais, porquanto o labor do tabelião ficará consignado por tal requerimento (escrito ou verbal), cujo apontamento em síntese se fará na ata.
Portanto, o tabelião por meio do requerimento, deverá saber de antemão se as circunstâncias concretas ante as que vai ter que atuar importa em algum impedimento, sejam de aspecto legal, físico ou ético.
Requerimento por escrito sem acompanhamento do solicitante
A doutrina considera que o requerimento não deve revestir necessariamente de certas formas sacramentais, e que poderá fazer-se por escrito (correio eletrônico, carta, telegrama, etc.) ou verbal (por telefone, pessoalmente, etc.), onde o tabelião fará a seu juízo a qualificação caso a caso.
Sempre localizados no marco legal que rege nossa jurisdição, em especial as escrituras, surge como princípio à necessidade do comparecimento das partes, também inevitável nas atas, a do solicitante. A idéia de comparecimento vai inexoravelmente unida ao fato material da presença física ante o tabelião. Não basta nenhuma presença jurídica. É preciso a presença de ato-fato inescusável. Isto faz com que a presença do solicitante, como fato, seja uma das autenticidades ou menções autênticas do instrumento (princípios da impessoalidade e da realidade, este em maior grau).
Agora, conquanto seja verdadeiro, geralmente o comparecimento do solicitante precede temporariamente ao requerimento, o qual se reflete na ordem interna das atas nada obsta que esta ordem se inverta, a característica própria das atas exige que a narração do tabelião siga uma estrita ordem cronológica segundo como aconteçam os atos-fatos. Nesse caso, parece-nos que poderia existir um requerimento à distância sem a presença física do solicitante (por exemplo, um correio eletrônico onde minuciosamente detalhasse pontos da diligência).
Mas inevitavelmente a presença do solicitante deveria cumprir-se “a posteriori”, durante a diligência ou no momento da assinatura. Parece-nos que nas atas pode ter diferentes solicitantes em diferentes lugares e isto indica que todos os comparecentes e lugares ficam inseridos no seu preâmbulo.
Por isso, consideramos possível um requerimento efetuado por escrito ao tabelião, seja mediante correio eletrônico, carta, documento, telegrama, inclusive uma simples nota assinada pelo solicitante ou por telefone. Do conteúdo do escrito não é necessário à existência do interesse legítimo que motive a atuação notarial; no entanto deve-se ter os dados mínimos que identifiquem o solicitante e determinem especificamente o objeto para a verificação.
Maiores dúvidas oferece o caso de um requerimento efetuado por meio telefônico, onde deverá ser avaliado pelo tabelião com muita prudência, admitindo-o só em casos excepcionais (pessoa do solicitante conhecida por ele, situações de extrema urgência que não admite dilação e impede que o solicitante dirija-se ao tabelionato ou espere que chegue o requerimento ao tabelião), e sempre com a condição de que o comparecimento se produza “a posteriori”.
Requerido
A atuação neste campo das atas notariais pode pôr-nos em relação com outra categoria de sujeitos, aos que habitualmente chamamos requeridos para nomear àquelas pessoas a quem a pedido de outra pessoa (solicitante) encontra-se em campo aposto aos interesses do solicitante. Em geral, são pessoas desconhecidas e recebem a atuação notarial com receios e se negam a colaborar com a diligência. Costumam negar-se a dar seu nome, a identificar-se, a assinar, etc. É uma lenda que em todas as partes tem as mesmas características e é por todos conhecida. Nossas normas nada dizem a respeito. Poderíamos socorrer ao Direito Comparado? Alguns autores assinalam que não, pura ilusão. O direito é dinâmico e brota dos costumes, das legislações estrangeiras, das reiteradas decisões judiciais, princípios gerais, etc.
Negativa à cooperação
Quando o tabelião é requerido para instrumentar atas cujo conteúdo possa ser considerado contrário aos interesses de algum partícipe ou requerido, é possível que o “afetado” utilize diferentes meios a seu alcance para perturbar ou abortar a diligência notarial.
As atitudes desse tipo apresentam uma ampla gama de ocasiões que vão desde a negativa de prestar colaboração, até as ameaças de agressão física, dirigidas contra um ou alguns dos participantes (geralmente o solicitante) e às vezes contra o próprio tabelião.
Nestas instâncias, resulta indispensável ter presente o que segue:
- O tabelião carece de potestade para compelir os interpelados a que formulem declarações ou respondam perguntas;
- Carece de atribuições para fazer uso da força policial, exceto se o solicitante requisitar. Portanto, deve abster-se de ingressar a lugares privados sem estar prévia e expressamente autorizado.
Mas a mais da prevenção expressada anteriormente, se terá em conta que o tabelião não deve aceitar solicitações que impliquem comprovar acontecimentos, situações ou examinar objetos que se encontrem ou ocorram em lugares fechados. Caso contrário poderia incorrer em violação ao direito de propriedade, privacidade, etc.
- Deve recordar-se que a concorrência autenticadora notarial em razão da matéria não se estende aos fatos delitivos, ou à verificação das provas dos delitos (homicídios, dentre outros crimes com competência privativa).
Dever de advertência pelo tabelião
O dever de advertência se faz necessário nas atas de diligências, em cujos lugares onde o acesso deva ser previamente autorizado, por exemplo, a entrada em residências ou estabelecimentos particulares.
Sua auto-identificação permite com que as pessoas requeridas possam manifestar-se com o livre arbítrio que o ato requer. Preservar-se-á assim o direito à propriedade, privacidade, e até a intimidade.
Por outro lado, diversamente dos locais particulares, o tabelião poderá atuar sem advertências ou avisos, pois o aviso ao requerido pode frustrar ou inviabilizar a tutela notarial.
Narração posterior aos atos-fatos verificados
Ensina-se como aspecto singular das atas notariais que se configuram através da narração que segue ao ato-fato comprovado, diferente dos negócios jurídicos e conteúdos nas escrituras que são objeto de prévia redação pelo tabelião.
Concretamente se disse das atas: “há narração e não redação”.
Se nos atemos ao que indica a doutrina espanhola, redigir significa “pôr por escrito as coisas sucedidas, lembradas ou pensadas com anterioridade”, não duvidamos de que as atas sempre serão objetos de redação.
Resulta indubitável que habitualmente o tabelião invoca nas atas os acontecimentos ou situações que recepciona ou executa por si mesmo em forma posterior e imediata à produção dos acontecimentos. No entanto, é possível que certas atas sejam objeto de redação prévia: referimo-nos as manifestações que habitualmente se fazem nos tabelionatos (as chamadas “atas de declaração”), tais como as declarações para instruções processuais, dentre outras.
A ação de redigir (exposição escrita no documento notarial) tem lugar tanto nas escrituras como nas atas. No entanto, consideramos a escritura pública o documento notarial elaborado com maior minuciosidade; por sua natureza, é resultante de um assessoramento e estudos tendentes a dotar a máxima precisão e segurança ao negócio jurídico celebrado pelas partes.
Entretanto, isso não significa sustentar que o tabelião minimize a importância que tem a exposição precisa e detalhada dos atos-fatos e situações que consigne na ata.
Consentimento
A assinatura consiste na aprovação do texto da ata e não implica na prestação de nenhum consentimento (unicamente significa a conformidade com o relato, pois o tabelião e o solicitante são fiscais recíprocos).
A distinção se relaciona, uma vez mais, com o diferente conteúdo de escrituras e atas. Nas primeiras, o outorgamento implica a prestação de um consentimento estrito das declarações inseridas no documento, destinadas à criação, modificação e extinção de relações jurídicas, assumindo sua paternidade.
Nas atas, ao não existir vontade orientada a criar obrigações e direitos não podem “outorgar”, mas sim podem estar conforme o modo em que se narraram os atos-fatos, ou se for o caso, as declarações. Não se trata de que assumam sua paternidade como nas escrituras, senão de dar maior robustez ao que se pretende provar.
Pela mesma diferença apontada, não pode falar-se de assinatura de “partes” em sentido negocial. No caso das escrituras sim, e constitui, portanto um alicerce de validez, pois a ausência de uma só delas torna o ato inexistente, já que não se assume sua autoria, não se as outorga.
Nas atas, ou melhor, nas escrituras - atas que manejamos em nossa jurisdição, por aplicação do artigo 215, VII do Código Civil, a assinatura do requerente é um requisito essencial.
E isto se faz extensível, se for o caso, à assinatura das testemunhas - nas atas de notoriedade, ou à do perito - nas atas de verificação de cópias de disco rígido (HD) e geração de “hash” (hash é o resumo matemático de função algorítima para sumarizar ou identificar dados digitais).
Quanto à assinatura do requerido, será necessária se aquele formulou alguma declaração, aonde o tabelião irá convidá-lo a assinar a ata, caso o requerido se negue, o tabelião anotará tal circunstância, já que em alguns casos as circunstâncias fácticas que rodeiam o ato-fato são materialmente impossíveis.
*Leonardo Rodrigues é escrevente do 26º Tabelionato de Notas de São Paulo, SP.
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