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IRIB, ARISP e Anoreg-BR participam do 4º CertForum em Brasília –  o mais importante fórum brasileiro para discussão de certificação digital


Sérgio Jacomino e Flauzilino Araújo dos Santos proferiram palestras no painel sobre certificação digital e modernização no controle de processos

O Fórum de Certificação Digital, CertForum, é considerado o mais importante fórum brasileiro para discussão e apresentação das principais inovações da certificação digital. Idealizado pelo Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, ITI, a quarta edição do evento foi realizada de 8 a 10 de agosto, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília, DF.

O CertForum representa um canal de debate entre o ITI, a Autoridade Certificadora Raiz, AC Raiz, da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira, ICP-Brasil, e a sociedade brasileira.

O 4º CertForum apresentou experiências de sucesso de empresas privadas, instituições do setor de saúde, juntas comerciais e cartórios, no que se refere ao uso da certificação em seus processos diários.

Usada para o tráfego seguro de informações via Internet, e para a identificação segura entre as partes, a certificação digital é considerada hoje a principal ferramenta tecnológica para a redução da burocracia, a desmaterialização de procedimentos, diminuição de custos e agilização de serviços e processos públicos e privados.

O CertForum debateu os desafios, a visão do futuro, tendências, tecnologias, serviços, soluções e benefícios da implementação da certificação para a modernização administrativa do setor público e privado.

Certificação digital e modernização no controle de processos

O painel 8 reuniu os representantes dos cartórios para uma exposição sobre a certificação digital e a modernização no controle de processos na área dos registros públicos.

Maurício Leonardo, Cartórios Belo Horizonte, palestrante;  Sérgio Jacomino, Registro de Imóveis, palestrante;  Manuel Mattos, Câmara e-Net, moderador;  Flauzilino Araújo dos Santos, Registro de Imóveis, palestrante .

Certificação digital e modernização no controle de processos
Sérgio Jacomino

O registrador de São Paulo, então presidente do Irib, representou o Instituto no 4º CertForum e dividiu sua exposição no que chamou de “ondas” pelas quais os registros públicos passaram.

A primeira onda foi a manuscrição, que vem desde a época dos registros sumerianos até a década de 1970 no Brasil. A segunda onda do registro imobiliário foi a mecanização e a progressiva informatização do registro. A terceira onda foi o fólio real eletrônico do registro imobiliário, a certificação digital.

Primeira onda: a manuscrição

Em sua retrospectiva, o palestrante mostrou que os registros públicos existem e estão relacionados à propriedade desde a época dos sumerianos, há três ou quatro mil anos atrás. Na Grécia também existiram registros hipotecários, hipoteca é uma palavra grega. Esses registros vieram por influência e tradição do mundo egípcio que cuidou de criar um registro especial de papéis que tinha por objeto as transações ou as relações que o homem tinha com os bens imobiliários. Esse processo se desenvolveu ao longo do tempo, passou por Roma e chegou à Idade Média com os registros, próprios da atividade notarial.

No Brasil, até a década de 1970, todo o processo de fixação dessa informação era feito em livros criados no século XIX (1846). Os dados eram manuscritos, o que dificultava a realização do trabalho.

Com a explosão migratória de grande parcela da população rural para a área urbana, a partir de 1940, multiplicaram-se as transações de incorporações imobiliárias nas grandes cidades brasileiras.

Até a década de 1970, os cartórios levaram para os pesados livros de registro importantes informações sobre a vida em sociedade: mutações de estado civil, mutações patrimoniais, a modelagem jurídica de novas empresas, etc.

No entanto, a explosão documentária verificada a partir do século XX se acelerou continuamente até exigir o tratamento da informação. Foi preciso organizar índices e, a seguir, índices dos índices, em razão da massa crescente de informações, bem como em função da necessidade de rapidez para se acessar as informações registradas.

Segunda onda: informatização e atomização dos registros

Para Sérgio Jacomino, a segunda onda do registro gerou um efeito especular, além de radicalizar a atomização dos registros.

Nesse momento, o fichário que ocupava um espaço físico no cartório passou a figurar como um pequeno ícone no computador. Toda aquela massa de dados migrou para um novo meio, o eletrônico, com a facilidade, comodidade e potencialidade proporcionadas pela nova mídia. Por que efeito especular? Porque, inicialmente, o contexto informático dos novos instrumentos de manipulação da informação simplesmente refletiu, como num espelho, os esquemas dos antigos sistemas dos livros. Os fichários foram ressuscitados com uma classificação feita à imagem e semelhança dos antigos arquivos.  

Pouco a pouco a rotina do cartório de registro de imóveis começou a se modernizar, em virtude da introdução de novos métodos de trabalho, principalmente editores de texto e planilhas eletrônicas que modificaram o panorama no armazenamento das informações que figuravam nos registros.

Na década de 1990, radicalizou-se um fenômeno que hoje é pernicioso quando se pensa em interoperabilidade, ou seja, a atomização dos cartórios, que estão espalhados em todo o território nacional, e hoje enfrentam o grave problema da falta de coordenação e interconexão entre si.

O palestrante creditou o problema a uma miopia legislativa sobre as questões relativas à informática e às redes. A lei 8.935/94 estabeleceu que notários e registradores devem cumprir as normas técnicas baixadas pelo juízo competente, o que radicalizou o fenômeno da atomização. “Não é possível criar um padrão único ou uma regra de procedimento, uma vez que as normas diferem de um local para outro, o que cria um verdadeiro caos, que será preciso enfrentar.”

Os registros têm papel importante no desenvolvimento econômico. É necessário um marco regulatório que potencialize as virtudes que o sistema tem”, alertou. “Não é mais possível continuarmos na dependência de uma regulação tópica, completamente descoordenada de uma política global de interconexão desses dados registrais tão essenciais para a sociedade brasileira”.

Terceira onda: informatização, interconexão e interoperabilidade dos registros

Sérgio Jacomino explicou que a terceira onda diz respeito à certificação. O impacto das novas tecnologias nas rotinas dos registros foi muito grande. “Era necessário processar os dados gerais do cartório e começamos a utilizar essas redes para poder transitar as informações. Depois começamos a trabalhar com programas, não só os programas utilizados nas rotinas diretas dos cartórios, mas toda a infra-estrutura de informática com um padrão. Esse padrão interferiu na maneira como se pensa a organização dos dados registrais. É como se estivéssemos imersos num ambiente que tem essa virtude, ou grande defeito, de orientar nossas opções e pensamentos. De alguma forma estamos pensando de acordo com esse padrão, que nos é imposto, de informatização e de controle social. Esses programas, como os editores de texto comercializados, passaram a ter um padrão formal que acabou repercutindo na forma como os dados estão sendo trabalhados. Mesmo assim, a visão atomizada do registro remanesce como a alma do sistema registral.”

Mesmo com novas tecnologias e maneiras diferentes de organizar as informações, o fato é que resistimos a essas interferências externas como cidadelas fortificadas. Daí a importância do marco regulatório e da realização de concurso público para a atividade registral e notarial”, completou.

Segundo o palestrante, essa reflexão interessa de perto ao cidadão que vai realizar uma transação qualquer e, portanto, vai depender dos cartórios. “Se não depender dos cartórios, certamente dependerá de instituições que serão construídas à imagem e semelhança dos cartórios, caso, eventualmente, eles sejam extintos. O cartório é verdadeiramente uma necessidade social.”

Se cartório é uma necessidade social, o desafio é aperfeiçoar o sistema. “Sempre entendi que não é vocação dos cartórios se interporem às iniciativas privadas no que se refere à certificação. Os cartórios podem ser atores coadjuvantes, podem dar um apoio imprescindível a essa consolidação da cultura da certificação digital no Brasil.”

Desde 1976, todas as transações imobiliárias no Brasil são comunicadas por meio eletrônico à Receita Federal. No caso de uma transação não relacionada com a venda, por exemplo, uma cessão de direitos, esse mecanismo dos registros torna-se poderoso instrumento contra a lavagem de dinheiro.

Estamos sendo demandados incessantemente por interconexão”, afirmou Jacomino. “Há pouco tempo fui procurado por uma secretaria da presidência da República encarregada do controle de aquisição de imóveis nas áreas de fronteira. Como podemos arquitetar uma política pública voltada à necessidade do Estado brasileiro de controlar as fronteiras sem uma interconexão com os cartórios onde ocorrem as mutações jurídicas relativas àqueles bens imóveis?”

Outro exemplo é o novo arcabouço de transações eletrônicas com o Incra, instituído pela  lei 10.267/01, que trata do georreferenciamento de imóveis rurais, ou seja, todos os imóveis rurais deverão estar amarrados a um marco geodésico definido pelo IBGE e que cobre todo o território nacional. “A necessidade de interconexão com os cartórios é evidente, uma vez que se não se delimitar claramente quais são os direitos relativos àquelas áreas, coisa que não se vê numa fotografia aérea, o que vamos ter é uma balburdia fundiária”.

O meio essencial dos cartórios é o papel, a ficha de matrícula, o livro de registros que ainda sobrevive, etc. Além desse, há outro meio, que os cartórios chamam de fólio real eletrônico. “Muito embora não haja uma regulamentação específica, o que discutimos muito com a ICP-Brasil é o fato de que o marco regulatório para o funcionamento dos cartórios tem que ser de caráter federal, assim como também não é possível estadualizar a infra-estrutura de chaves públicas”, alertou o palestrante. “Se não houver uma regulação perfeita, poderão ocorrer distorções na constituição do fólio real eletrônico. Devem existir parâmetros claramente definidos, essa tecnologia que está à disposição da sociedade, particularmente da utilização pública, tem de ser apropriada”.

Com um marco regulatório, promoveremos a molecularização dos registros, deixaremos de ter atomização para ter interconexão, intercâmbio, enfim, networking. O que todos queremos é avançar na economia digital.”

Segundo Jacomino, a terceira onda é informatização, interconexão, interoperabilidade e integridade dos registros. “Começamos a migrar para as novas mídias, a introduzir as assinaturas eletrônicas, a gerar documentos públicos eletrônicos. Temos essa particularidade no documento eletrônico, uma especialização desse gênero que é o documento público eletrônico. Embora a medida provisória e projeto de lei tratem genericamente do documento eletrônico, é necessário que o ordenamento legal brasileiro seja claro a respeito. Se vamos discutir documentos eletrônicos, temos de discutir também os documentos públicos eletrônicos. A ICP-Brasil é o caminho para isso. Temos que superar a individualização, a atomização dos registros públicos por um processo de molecularização. É preciso fazer uma reforma da infra-estrutura legal. É preciso que se tenha um marco legal regulatório para a atividade registral, que não é esse que está em vigor.”

Certificação digital e modernização no controle de processos
Flauzilino Araújo dos Santos

Presidente da Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo, Arisp, Flauzilino Araújo dos Santos apresentou o ofício eletrônico, em pleno funcionamento na cidade de São Paulo, e o projeto de criação de um centro de serviços eletrônicos compartilhados , fruto de convênio entre a Arisp e o Irib.

O expositor afirmou, inicialmente, que os registradores brasileiros estão engajados no desenvolvimento do registro de imóveis de forma que ele cumpra efetivamente o seu papel na economia digital, mediante o aproveitamento das tecnologias existentes para a sistematização, controle, processamento e desenvolvimento dos negócios jurídicos que buscam a segurança jurídica que o registro de imóveis oferece.

Explicou ainda que a Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo, Arisp, entidade que preside, possui um serviço de ofício eletrônico , em parceria com o Irib, que tem por objetivo viabilizar a emissão de certidões digitais para o poder público, por meio do intercâmbio de informações entre as partes.

A criação do ofício eletrônico está respaldada na  medida provisória 2.200, de 24 de agosto de 2001, perenizada pela  EC 32, bem como na  lei 11.280/2006, que possibilitou a comunicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos, desde que atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica, e interoperabilidade da Infra-estrutura de Chaves Públicas, ICP-Brasil. Portanto, para ter acesso a esses serviços, o usuário deverá portar um certificado digital da ICP-Brasil.

Segundo Flauzilino A. dos Santos, é inexorável a criação de um sistema de intercâmbio de dados entre os cartórios, o poder público, a indústria da construção civil e o sistema financeiro habitacional. “Temos as ferramentas e também os recursos necessários para que esse processo seja uma realidade no Brasil, como já acontece na capital de São Paulo”, declarou.

Certificação digital para o universo registral

O palestrante destacou a necessidade de se tornar os serviços de registros públicos mais eficientes pelo aprimoramento das operações, redução de custos transacionais e oferecimento de mais serviços. Também considera fundamental que os atos realizados no cartório de forma presencial, ou não, possam ser feitos por meio eletrônico e com garantia de segurança tecnológica, validade jurídica, uso universal e suporte de legislação específica.

Apresentou o projeto de criação de um centro de serviços eletrônicos compartilhados , fruto de convênio entre a Arisp e o Irib, que tem por objetivo atender às demandas públicas e privadas. “Recebemos da Receita Federal, das procuradorias federal, estaduais e municipais, uma demanda muito grande para propositura de ações de execução. Nosso objetivo é oferecer, para entidades públicas e privadas, informações que visem à otimização dos processos registrais com maior eficiência, rapidez e segurança. Para isso, queremos introduzir de forma institucional, associativa e atomizada o conceito de serviços compartilhados com base na ICP-Brasil, de forma a favorecer os procedimentos econômicos e a impulsionar a economia digital”.

O projeto nasceu a partir do ofício eletrônico, desenvolvido pela Arisp para acolher essas demandas por informações registrais feitas pelo Judiciário e por entidades públicas. Devidamente cadastrado, o usuário – autoridade pública ou servidor designado – acessa o site  www.oficioeletronico.com.br e mediante autenticação com o uso de certificado digital ICP-Brasil, acessa uma base de dados contendo os nomes, CPFs e CNPJs de proprietários, ex-proprietários e de outros titulares de direitos sobre imóveis registrados a partir de 1º de janeiro de 1976 e/ou 1º de janeiro de 1991. Uma vez obtido o resultado da pesquisa on-line , o sistema gera automaticamente uma requisição de certidão que é transmitida em tempo real pela Internet para os cartórios demandados. Estes, no prazo legal de cinco dias, remetem as respectivas certidões eletrônicas com validade jurídica garantida pela assinatura digital do oficial de registro de imóveis, ou de seu preposto, com certificados digitais ICP-Brasil.

No entanto, o presidente da Arisp observa que o conhecimento e a tecnologia sedimentados na capital de São Paulo não terão a menor valia se não forem compartilhados com todos registradores brasileiros. “Temos um modelo de arquitetura e conectividade pela Internet e queremos que seja estendido para todo o país. O ofício eletrônico foi desenvolvido em razão dessa gigantesca demanda por informações. Em São Paulo, recebemos em média 18 mil ofícios diários de órgãos públicos que desejam receber informações sobre o patrimônio imobiliário, desde as investigações desenvolvidas pelas polícias até ações de falências, etc.”

O centro de serviços eletrônicos compartilhados vai se tornar um marco, um verdadeiro divisor de águas na atividade de registros públicos. O modelo otimiza os processos da cadeia produtiva dos financiamentos imobiliários e da informação sobre o lastro patrimonial e ativo imobiliário da pessoa, o que demonstra a importância e a eficácia registral na economia, em especial, na prevenção de litígios oriundos de transações e financiamentos imobiliários”, concluiu Flauzilino A. dos Santos.

Uqbar, Anoreg e os documentos eletrônicos
Sérgio Jacomino*

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Borges colocou na boca de Bioy Casares a fala de um dos heresiarcas de Uqbar que declarara que os espelhos e a cópula são abomináveis "porque multiplicam o número dos homens". (Está em Ficções, Ficções, na tradução de Carlos Nejar, Porto Alegre: Globo, 1970, p. 1).

À parte o ressaibo elitista e intelectualizado da deliciosa frase, não pude deixar de me lembrar de minhas leituras de adolescência quando assisti à exposição do notário mineiro Maurício Leonardo sobre documentos eletrônicos.

O tabelião saiu-se muito bem, devo registrar. Sua exposição é clara, concisa, como convém a um cavalheiro em eventos dessa natureza.

Entretanto, a mim me incomodou particularmente a proposta apresentada pela Anoreg, por seu intermédio, para a autenticação e registro de documentos eletrônicos. O itinerário notarial e registral necessário, na versão anoregueana, para se obter uma única e particular "vantagem" em relação a outras soluções de mercado na conservação e autenticidade de documentos, simplesmente é irreal. Ao menos nas condições em que apresentada – condicionada a um périplo nota-registral inacreditável. Francamente, é uma idéia onerosa e burocrática. Numa palavra: típica solução cartorial.

Não vou detalhar aqui o modus operandi. Talvez pudéssemos conhecer melhor suas idéias se as nos expusesse com detalhes – especialmente ao senhor presidente do Colégio Notarial do Brasil, coincidentemente a entidade que tem o maior interesse no assunto e que estava ali presente.

A impressão que me fica é de que a proposta do notário mineiro é sensível, como talvez não pudesse deixar de ser, a um "imperativo categórico" corporativo, digamos assim, desvelada pela ventriloquia anoreguística sobre temas que se tornaram medulares para aquela entidade privada de representação de notários e registradores.

O respeitado tabelião se achava na condição obrigatória de confirmar as especialidades profissionais, dando azo a um discurso capenga de dirimição de certos conflitos corporativos. Ainda que, como nesse caso se vê nitidamente, a artificiosa confirmação dessas singularidades, acabe redundando na falência do próprio sistema, envenenado que se acha por disputas intestinas e por uma mal-ajambrada solução de consenso. Até quando hesitaremos em partir de vez essa criança?

Enfim, Maurício Leonardo não definiu claramente em sua exposição o que é próprio do notário e o que é atribuição exclusiva do registrador de RTD. Embaralhou tudo numa mixórdia custosa e burocrática. Talvez não pudesse discriminar as partes por vários e relevantes motivos. Quiçá não o pudesse fazer, paradoxalmente, porque está investido de uma delegação que, à guisa de representar e harmonizar as ditas especialidades, acabe simplesmente potencializando os conflitos.

Na postagem anterior falava das implicações perigosas e paradoxais dos documentos eletrônicos, da representação anoregueana e de espelhos.

A idéia de que não exista cópia de um documento eletrônico, ou de que seja possível a representação de interesses fundamentalmente antagônicos ou de que a realidade dos espelhos suplante a ordinária dos mortais - como o herisiarca de Borges diria - a idéia é realmente abominável.

A idéia de que não exista cópia de um documento eletrônico, ou de que seja possível a representação de interesses fundamentalmente antagônicos ou de que a realidade dos espelhos suplante a ordinária dos mortais – como o heresiarca de Borges diria – a idéia é realmente abominável.

* Sérgio Jacomino é registrador imobiliário em São Paulo, editor e coordenador editorial do Irib.



TD seu nome é PR


Paulo Rêgo é o presidente do Instituto de Registro de Títulos e Documentos e Pessoas Jurídicas de São Paulo, do CDT, e membro do Conselho da Camara-e.net, para quem deu a  entrevista que abaixo vai transcrita.

Profissional apaixonado quando no exercício da advocacia, trouxe seu entusiasmo para o meio registral numa especialidade que representa, como eu próprio  já assinalei, o devir de uma nova e importante atividade de Registro.

A entrevista traduz a visão do RTD através de seu legítimo representante e merece ser divulgada aqui com alguns comentários.

Paixão e arte

PR é referência nos temas de RT&D. Defende apaixonadamente a especialidade. É bom acompanhar atentamente o seu movimento, pois ele pode significar o caminho que a instituição seguirá no futuro próximo.

A entrevista é uma síntese das mudanças do RTD rumo à economia digital. É dirigida ao público externo e, por essa razão, muitas das observações que aqui se fazem não se justificariam fosse este BE dirigido a uma audiência exógena. O que não é o caso.

Dai ao RTD o que é do RTD!

O que é essencialmente o RTD? Ou então, o que seria, ou deveria ser, um registro de caráter jurídico na economia digital? A resposta à pergunta deveria ser o antecedente de tudo o mais que se segue na excelente entrevista. O discurso apologético dos recursos informáticos, num fórum como o da  camara-e.net, se justificará somente em certa medida. É preciso avançar muito mais.

Ao leitor especializado causará certo desconforto topar na entrevista com a afirmação de que o registro será igual a arquivo. PR parece cair na tentação de justificar o valor e importância do RTD pelo elogio dos meios de arquivamento digitais, posto o foco no motor do registro. Ele próprio, em aposto explicativo, proporá que registro = arquivo.

Mas o registro não é arquivo. Não o é somente arquivo, consinta-se. PR parece ter caído na armadilha de tentar justificar a instituição pelo alabar de seus recursos infra-estruturais e formais. O leitor concluirá que o RTD será tão ou mais moderno quanto mais sofisticado for o seu engine. Recurso retórico para imprimir à atividade um verniz de modernidade?

Por outro lado, as mídias de conservação, consideradas tão-só como suporte de informação, não serão, simplesmente, meios de prova - ainda que latamente qualquer elemento poderia sê-lo (art. 332 do CPC). Mas o que importa não é o quanto o sistema funciona bem com recursos informáticos, mas o valor jurídico que decorre da publicidade que dele dimana.

Esse o ponto - a publicidade registral. Como realizará o RTD a missão institucional de robustecer-se como registro jurídico numa economia digital?

Respondendo à questão da expectativa que a especialidade tem em relação ao futuro, declara que havendo a necessidade de migração e gerenciamento dos documentos em meio cartáceo ou outras mídias para o meio digital ou eletrônico, o RTD terá um papel muito importante, pois "tem a competência legal para transformar o documento original em papel em documento digital, com o mesmo efeito e valor jurídico que o original".

Ora, mas isso é o futuro? Quando muito, será o cenário empolgante para o próximo futuro. Divisando-se o interregno entre o mundo do papel e o digital, a idéia é até muito boa e explora o elemento apendicular do RTD como registro facultativo, feito para "mera" conservação e perpetuidade do documento. (O adjetivo mera é depreciativo e transita por muitos lábios doutos).

Mas ao pôr o acento no elemento residual do registro (registro de papéis) não se distinguirá o RTD de um mero locker documental, exceto pelo valor emolumentar cobrado pelo RTD, certamente muito superior ao praticado no mercado.

PR acena que os projetos do RTD "estão voltados ao documento e às comunicações em meio eletrônico, com validade jurídica".

Realmente, a oração final quer parecer decisiva. Como matéria de prova, todo e qualquer documento terá validade jurídica - com ou sem registro. Talvez o foco devesse ser deslocado para o ônus probatório. Ainda assim, seria muito interessante investigar o que será validade jurídica de um documento eletrônico no âmbito do microssistema da  MP 2.200 - sabedores que os documentos eletrônicos gozam de certas presunções que poderiam insinuar a existência de um super-cartório incrustado no ITI, de onde se irradiaria uma bênção estatal imanente que perpassa todo e qualquer documento eletrônico.

Nesse cenário, que plus experimentaria o documento eletrônico com um sucessivo registro em RTD? Esse overload será necessidade social ou movimento reflexo de práticas tradicionais? Formalidade essencial ou burocracia?

Passado o intermezzo que divisa o mundo cartáceo do digital, qual o papel que o RTD jogará quando os documentos forem em sua maioria eletrônicos?

PR é extremamente inteligente e será capaz de dar respostas muito consistentes a essas questões. Esperemo-las por estas paragens. Certamente o debate se enriquecerá e este amanuense crescerá em informação e cultura (Sérgio Jacomino, editor).

Confira a íntegra da entrevista de Paulo Roberto à Camara-e.net

1) Qual o atual estágio da emissão de títulos e documentos on-line no Brasil?

Por ser um cartório que presta serviço voltado para os documentos particulares, pela abrangência que disso resulta, o segmento de Registro de Títulos e Documentos sempre precisou atualizar-se e acompanhar o mercado, oferecendo a possibilidade de registro das mais variadas mídias de conservação de documentos (i.e., meios de prova). Assim, por exemplo, no início do século passado, eram "transcritos" os documentos, ou seja, "copiados", integralmente, do seu original para o livro de registro do cartório. Com o passar do tempo e desenvolvimento da tecnologia, os RTDs também foram modernizando-se e, do livro, passou-se a arquivar uma cópia fotostática do documento, passando pela fotografia em microfilme e, atualmente, pelo arquivamento de sua imagem digital ou eletrônica. Há cerca de dez anos os registros de títulos e documentos já recebem e enviam notificações extrajudiciais "on-line", ou seja, recepcionam os arquivos em forma eletrônica, processam e materializam as respectivas cartas a serem enviadas e registram (arquivam) os documentos em meio eletrônico, gerenciando-os com a agilidade dos mais modernos recursos oferecidos pela informática.

2) Quais são as expectativas para os próximos anos?

As expectativas são excelentes, porque aos registros de títulos e documentos cabe a preservação e eficácia dos documentos particulares e, com a necessidade de migração e gerenciamento dos documentos em meio papel ou outras mídias para o meio digital ou eletrônico, haverá a necessidade de sua validação perante os registros de títulos e documentos. O registro de títulos e documentos tem a competência legal para transformar o documento original em papel em documento digital, com o mesmo efeito e valor jurídico que o original.

3) Conte-nos um pouco sobre o CDT e seus projetos.

O CDT congrega os 10 cartórios de registro de títulos e documentos e civil de pessoas jurídicas da capital de São Paulo e é fruto da necessidade de agilização e uniformidade nos procedimentos dos registros públicos, de modo que o cidadão não fique ao sabor da incerteza sobre prazos ou procedimentos no processo de registro. Criada a central de distribuição do serviço, toda a estrutura dos dez cartórios foi reunida e concentrada de modo a otimizar o sistema, pluralizando os acertos e eliminando os equívocos anteriores, multiplicando por dez a capacidade de atendimento. As notificações on-line são quase que instantâneas. Nossos projetos atuais estão voltados ao documento e às comunicações em meio eletrônico, com validade jurídica.

4) De que forma os Comitês Especiais da Camara-e.net têm contribuído para o fortalecimento do setor?

A Camara-e.net reúne os formadores de opinião sobre o mercado digital. Não há, portanto, fórum melhor do que este para tratar de temas como a validade jurídica dos documentos eletrônicos e digitais, expondo a utilidade dos RTDs para esse mercado e para a economia digital como um todo. Acredito, mesmo, que os próprios "players" do mercado estão se sentindo mais seguros em apostar no segmento, agora que sabem que podem contar a segurança jurídica que os cartórios podem conferir. É importante destacar a seriedade com que são tratados os temas debatidos na Camara-e.net e o cuidado que se tem em trazer segurança ao sistema, de modo a garantir que a transição da "era do papel" para a "era digital" não seja traumática ou possa trazer infortúnios ao consumidor final, ao cidadão.



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