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Palestrante do V Seminário de Direito Notarial e Registral de São Paulo fala sobre mandatos e a profissão de tabeliã numa comarca do interior


O Boletim Eletrônico IRIB entrevistou a 1ª tabeliã de notas e de protestos de Tupã, Claudia Nascimento Domingues, durante o V Seminário de Direito Notarial e Registral de São Paulo, realizado no último dia 23 de setembro, na cidade de Presidente Prudente. Ela comentou o tema de sua palestra, mandatos – cautelas e inovações, opinou sobre o projeto Educartório e falou sobre o orgulho e a responsabilidade de ser tabeliã numa comarca do interior, cujo retorno financeiro é garantido pelo “trabalho sério”.

Claudia Domingues é formada em Direito pela Universidade Paulista, Unip-SP e em Administração de Empresas pela Universidade Mackenzie-SP. É formada também em Engenharia de Redes de Computadores; atuou na área administrativa e técnica de empresas privadas por quinze anos antes se tornar advogada. Pós-graduanda em Direito Imobiliário e Registral pela PUC-MG, advogou em São Paulo na área imobiliária e cível até o início de 2005 quando assumiu a delegação do Tabelionato de Notas e Protestos de Tupã, cidade com 70 mil habitantes, localizada no oeste do estado de São Paulo. É membro do comitê de tecnologia do Colégio Notarial do Brasil, seção de São Paulo.

BE – A senhora tratou da representação societária e do poder de agir dos sócios. Qual a relevância do tema para notários e registradores?

Claudia Domingues – Esse tema é de extrema relevância para esses profissionais, considerada a quantidade de atos dessa modalidade que são lavrados diariamente nos tabelionatos. Precisamos conhecer com profundidade as regras legais ligadas à representação societária, direitos e obrigações dos sócios, especialmente as alterações trazidas pelo novo Código Civil no capítulo referente às sociedades, que revogou a parte do Código Comercial que normatizava o assunto.

BE – Quais os cuidados essenciais que devem tomar os notários e registradores quando o tema é representação societária?

Claudia Domingues – É imprescindível conhecer as determinações da lei civil, penal, tributária e fiscal ligadas à representação societária, visto que há responsabilidades expressas decorrentes de atos praticados em nome da sociedade que excedem a autorização contratual registrada. É primordial examinar atentamente os contratos sociais apresentados pela empresa, suas várias atualizações e alterações – todas, e não apenas a última, uma vez que as alterações intermediárias podem determinar significativas mudanças nas representações, objetos e limites de atuação dessas sociedades – e o devido registro em órgão competente. No caso das sociedades, esses contratos são registrados na Junta Comercial ou no cartório de Registro Civil de Pessoa Jurídica locais, dependendo do modelo societário adotado. Os contratos sociais devem determinar o limite do objeto social, a forma de representação e os poderes e limites de atuação de cada sócio; designar um ou mais sócios como administradores da sociedade – chamados de sócios-gerentes no Código Civil e Comercial anteriores; determinar se atuam sozinhos ou em conjunto; e indicar os quoruns para deliberações e decisões, sem contrariar os limites mínimos impostos pelo Código Civil. Esses contratos e suas devidas alterações devem ser arquivados no tabelionato quando da lavratura de instrumentos de mandato, fazendo-se referência cruzada nos atos e pastas, para que não haja dúvida sobre a observância de tais limites nos respectivos atos.

BE – Quais os equívocos mais comuns em que se incorre nessa matéria?

Claudia Domingues – Temos tratado do tema mandatos em nossos últimos encontros notariais e registrais em razão de sua extrema relevância para o exercício de tantos direitos. Observamos alguns equívocos praticados nas lavraturas dos atos de procurações outorgadas por empresas ou por sócios de empresas, às vezes por desconhecimento das alterações trazidas pelo novo Código Civil, bem como por falta de observação dos limites impostos pela lei aos respectivos contratos sociais. Se esses limites não são respeitados na prática do ato notarial, podem levar à sua completa nulidade, o que resulta na revogação dos atos praticados por aqueles que receberam poderes além da permissão legal e/ou contratual. Um dos equívocos mais comuns é a lavratura de procuração que tem como outorgante um dos sócios – que às vezes nem é o sócio administrador – e como outorgado um terceiro, para que pratique atos em nome da sociedade, eventualmente os famigerados “poderes gerais para gerir e administrar...”. Esse procedimento pode abrir caminho para a atuação dos “laranjas”, justamente o que essas alterações pretendem evitar.

Para evitar esse tipo de situação irregular, é preciso que sejam observadas as seguintes regras legais: a) a sociedade deve possuir sua própria personalidade jurídica, diversa das dos sócios, sendo que, para a prática de atos em seu nome, ela própria deve ser a outorgante, representada , como já ensinava Pontes de Miranda, por seu sócio administrador, ou por todos aqueles que o contrato determine; b) a observância do contrato social aqui é exigida para verificação da autorização ou proibição da outorga de mandato a terceiros estranhos à sociedade, e, havendo tal autorização, os limites em que esse mandato pode ser outorgado; c) a questão mais importante a ser tratada e observada no caso citado é a outorga de poderes gerais para gerir e administrar , uma vez que essa possibilidade foi expressamente limitada pelo Código Civil (art. 997, VI e § único; art. 999, caput; art. 1002; art. 1012). Em muitos casos, esses equívocos ocorrem em razão do uso de “modelos-padrão” de procurações, utilizados há muito tempo por tabeliães e escreventes sem as necessárias mudanças após novas legislações e/ou normas. Os vícios de linguagem são mantidos e, o mais grave, os erros jurídicos que poderão causar sérios danos às partes envolvidas, incluindo a responsabilidade de tabeliães que subscrevam esses atos sem a observância das regras legais e formais. Se puder dar um pequeno conselho aos colegas, digo que, para minimizar tais conseqüências indesejadas, é necessário adequar o instrumento notarial ao caso concreto, observando a atualização do contrato social sob as exigências do novo Código Civil; a qualificação das partes de forma correta – empresário não é profissão, e se for empresário mesmo, deve apresentar seu registro na Junta Comercial ou no RCPJ –; e, especialmente, atenção com o substabelecimento. No caso da sociedade, sendo substabelecido o mandato com poderes de administração, esse substabelecimento também deverá ser averbado junto ao registro da empresa.

BE – O novo Código Civil inovou nesse tema?

Claudia Domingues – O NCC trouxe muitas inovações sobre os temas relativos às sociedades, responsabilidades dos sócios e mandatários, determinando, por exemplo, que o contrato social mencione quem serão as “pessoas naturais incumbidas da administração e seus poderes e atribuições”, como forma de evitar toda e qualquer dúvida sobre quem é o responsável por praticar atos de administração – anteriormente, “atos de gerência”. Até porque, aplicam-se aos administradores as regras concernentes ao mandato (art. 1011, § 2º), como, por exemplo, não se fazer substituir no exercício das funções delegadas, sob pena de responder pessoalmente pelos atos praticados. Tanto é assim que o artigo 1002 é expresso sobre a impossibilidade de substituição do sócio nas funções determinadas em contrato social, sem que tal contrato seja alterado para permiti-lo. Ao se interpretar esse artigo combinado com o artigo 1012, verifica-se que a nomeação de administrador, ou a transferência de seus poderes a outrem, o que consiste em nomear terceira pessoa para praticar atos de sua responsabilidade exclusiva, se feita por instrumento em separado do contrato social – por exemplo, por instrumento de procuração pública, para que surta efeitos perante a sociedade e terceiros –, deve ser averbada no registro da sociedade (Junta Comercial ou RCPJ), sob pena de que os atos praticados pelo administrador ou mandatário nomeado sejam ineficazes. Além disso, levarão à responsabilidade solidária, tanto do mandante quanto da sociedade. E se o contrato determinar a administração conjunta de dois ou mais sócios, exige-se o concurso de todos no comparecimento ao ato notarial que delega poderes a mandatário, especialmente nos casos de cessão de quotas ou venda de bens imóveis, quando os poderes exigidos são especiais e específicos, devendo haver a autorização da maioria dos sócios, a menos que o contrato social faça determinação diversa (art. 1014 e 1015). Tomemos como exemplo um ato de demissão de funcionário ou de venda de bem imóvel da sociedade – caso sejam atos exclusivos de sócios administradores, determinados em contrato social –, praticado por mandatário com poderes outorgados por procuração. O primeiro equívoco seria permitir que tal procuração fosse lavrada, contrariando a determinação do contrato social; o segundo seria a outorga de tais poderes pelo sócio – pessoa física – e não pela sociedade, que é a pessoa que deveria praticar o ato. Dessa forma, os atos seriam ineficazes perante a sociedade e perante terceiros, o que faria com que o ato de demissão fosse invalidado e que a venda do imóvel não pudesse ser registrada no RI por ter sido realizada por quem não tinha legitimidade para tanto.

BE – Como a senhora avalia o fato de se reprisar a matéria nesse V Educartório?

Claudia Domingues – Os problemas e conseqüências jurídicas que podem advir da prática de um ato notarial ou registral sem a observância dos preceitos legais e formais exigem discussões e estudos constantes. Não apenas o tema Mandatos , mas outros temas que têm se repetido nos eventos Educartório mostram a necessidade de disseminação do conhecimento e da abertura de espaço para essas boas conversas que temos tido a oportunidade de empreender com os participantes desses encontros tão interessantes. O fato de acompanharmos a agenda da Corregedoria Geral, nas correições pelo interior e capital do estado, permite a abordagem dos mais diversos temas sugeridos pelos colegas e pelos juízes que fazem parte desse trabalho correcional, temas esses de interesse de todos os tabeliães, registradores e seus prepostos, porque são afetos ao nosso trabalho diário. Ao mesmo tempo, atendemos ao desejo de nosso Judiciário, cuja intenção é diminuir as falhas, o desconhecimento e as incorreções na prática de atos notariais e registrais. A idéia é educar no mais amplo conceito da palavra, e nada mais enriquecedor e funcional do que reunir os grandes interessados nesses bons resultados e boas práticas em eventos tão democráticos e participativos como têm sido as versões do Educartório.

BE – Como a senhora avalia o Projeto Educartorio?

Claudia Domingues – Para mim tem sido muito gratificante participar desses eventos como coordenadora ou palestrante e receber tantas mensagens de colegas interessados em um ou outro item da apresentação, e mesmo daqueles que não puderam participar, mas querem conversar sobre os assuntos abordados. Esse é o melhor resultado que podemos desejar: esses bons encontros que nos permitem trocar tantas experiências e informações.

BE – A senhora atuou como advogada por muitos anos, como se sente na nova profissão e o que mais a surpreendeu na atividade de notária?

Claudia Domingues – A carreira jurídica sempre foi meu sonho, mesmo tendo iniciado minha vida profissional nas áreas administrativa e técnica de grupos privados. Quando decidi prestar o concurso para o tabelionato, em 2004, pensei na possibilidade de unir os conhecimentos jurídicos aos administrativos, que acumulei na carreira. Eu só não podia imaginar duas coisas: que o concurso seria tão difícil – em São Paulo, temos uma fase inicial de testes para todas as especialidades do concurso; uma fase prática para cada especialidade em que o candidato se inscreveu; exame psicotécnico; exame oral e entrevista pessoal, além da apresentação de títulos –, e que eu amaria tanto o que passaria a fazer.

É uma profissão difícil em razão das imensas responsabilidades jurídicas, administrativas, trabalhistas, fiscais, tributárias e tantas outras do nosso dia-a-dia. Mas é também uma profissão apaixonante, que nos permite exercer tantas habilidades simultâneas para prestar um serviço de alta qualidade e especialização. Atuamos como profissional do direito, que deve ser extremamente ponderado e incansável na busca pela prevenção de falhas, dúvidas e conflitos, e focar, acima de tudo, a segurança jurídica e a ética na prática de todos os atos diários. Apor nossa assinatura em um ato, com a fé pública que nos é conferida, tem significado extremo tanto para nós, que estamos afirmando que aquele é um ato perfeito em sua plenitude, quanto para aqueles que se utilizam de nossos serviços e que saem de nossas serventias com a sensação de que carregam a mais pura verdade e segurança nos documentos e instrumentos que levam nas mãos. É um orgulho poder oferecer isso aos nossos usuários.

BE – Que conselho a senhora daria aos candidatos ao posto de notário e registrador?

Claudia Domingues – Ser um notário ou um registrador exige, além da competência e conhecimentos jurídicos profundos, uma extrema habilidade prática, administrativa e até psicológica, já que, além das questões notariais e registrais de todos os dias, precisamos lidar com conflitos internos e externos constantemente. É preciso contratar bons profissionais, gerir as questões financeiras e tributárias do cartório, conhecer um pouco das rotinas bancárias, tecnológicas, trabalhistas, ponderar conflitos entre os usuários dos serviços, os funcionários, enfim, um pouco de tudo. Aos interessados em ingressar na carreira digo que persistam, porque é uma carreira brilhante, e que estudem diariamente, porque depois de passar no concurso, será necessário estudar ainda mais. E que tenham a ética como princípio, porque conhecimento jurídico se adquire, mas ética não se aprende em livros, apesar de haver alguns sobre o tema e de ser um ponto avaliado durante o concurso. A carreira é de muito trabalho, costuma ter bom retorno financeiro, mas exige, acima de qualquer outra coisa, devoção, paciência e muito, mas muito estudo mesmo!

BE – É possível sobreviver dos ganhos emolumentares numa pequena comarca? É possível dinamizar o serviço e atrair novos clientes?

Claudia Domingues – Quero responder essa questão com uma passagem da minha experiência no concurso no qual fui aprovada. Depois do meu exame oral, no momento da entrevista pessoal, um dos membros da banca me perguntou se com toda a minha experiência em áreas administrativas de grupos empresariais eu iria para qualquer comarca, mesmo do interior. Como eu não tinha nenhum ponto de título para acrescentar, se eu passasse, provavelmente deveria realmente escolher uma serventia menor no interior, talvez até deficitária. Respondi que justamente em razão da minha experiência administrativa eu poderia escolher, sim, qualquer comarca, uma vez que as razões de eventual déficit poderiam ser várias. Não escolheria se o motivo fosse o fato de a comarca ou distrito ser extremamente pequeno para se poder reverter o quadro. Mas, se o déficit se devesse a uma administração falha, à falta de controle ou de responsabilidade no trato com a serventia, sem dúvida, eu escolheria a comarca, porque minha competência de trabalho seria o fator determinante para reverter a situação. Como prestei concurso em duas especialidades – notas, e notas com anexo de protestos –, tive a oportunidade de escolher uma serventia na especialidade pura em Santos ou em Santo André, mas acabei escolhendo a “grande Tupã” na especialidade cumulada. E a resposta é sim. Mesmo as pequenas comarcas – não que Tupã seja tão pequena assim... – oferecem a possibilidade de boa qualidade de vida e de resultado financeiro compatível com o que se espera da carreira, até porque nas pequenas comarcas o custo de vida é imensamente menor. Vive-se bem com muito menos. E eu realmente acredito que o retorno financeiro é muito afetado pela maneira como se administra a serventia e como se prestam os serviços. Depende, sim, do empenho do titular em reduzir custos e modernizar o atendimento, porque atendimento mais moderno é mais ágil e atendimento mais ágil custa menos no final do mês e permite ao funcionário atender mais e melhor em muito menos tempo.

Essa é a experiência sobre a qual posso testemunhar, porque treino os funcionários, mantenho-os atualizados e forneço equipamentos adequados. Dessa forma posso esperar mais agilidade, conseqüentemente, mais satisfação dos usuários e, portanto, aumento do número de usuários, que farão com que os recursos financeiros também cresçam. É assim, como tudo na vida, trabalho sério gera mais trabalho sério, que gera um retorno mais sério ainda. No entanto, acima do resultado financeiro está o grande respeito que se angaria quando se passa a tratar muito bem os usuários, os colaboradores, os fornecedores, enfim, todos aqueles com quem lidamos no dia-a-dia. É para isso que estamos neste posto e é isso o que esperam que façamos. Aja assim e o sucesso será inevitável!



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