BE2679

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Serviço notarial e registral – Delegação – Responsabilidade objetiva do Estado e subjetiva do Delegado. Sucessão.


ILEGITIMIDADE PASSIVA – Serviço notarial e registral – Delegação pelo Estado – Responsabilidade objetiva do Estado e de natureza subjetiva do Delegado do serviço – Circunstância, todavia, limitada no tempo, isto é, que se dá em relação ao delegado, a contar da nomeação e início de exercício da atividade – Ausência de sucessão – Responsabilidade, portanto, restrita, ao longo do tempo não prescrito, ao Estado e, de mesma forma, em relação ao delegado em exercício na data dos fatos que deram causa ao prejuízo, ainda que cessada a delegação – Ilegitimidade, portanto, presente em relação ao delegado de exercício em tempo diverso – Sentença mantida – RECURSO NÃO PROVIDO.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL COM REVISÃO nº 454.040-4/3-00, da Comarca de GUARUJÁ, em que é apelante MARCOS SALOMÃO FAJTLOWICS sendo apelado PRIMEIRA TABELIÃ DE NOTAS OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA:

ACORDAM, em Sétima Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores AMERICO IZIDORO ANGELICO (Presidente), EDUARDO SÁ PINTO SANDEVILLE.

São Paulo, 13 de setembro de 2006.

ELCIO TRUJILLO
Relator

7ª Câmara – Seção de Direito Privado

Apelação c/ Revisão nº 454.040.4/3-00
Comarca: Guarujá
Ação: Responsabilidade Civil / Indenização por Danos Materiais e Morais
Apte(s).: Marcos Salomão Fajtlowics
Apdo(a)(s).: Primeiro Tabelião e Registrador do Guarujá

VOTO Nº 3372

ILEGITIMIDADE PASSIVA – Serviço notarial e registral – Delegação pelo Estado – Responsabilidade objetiva do Estado e de natureza subjetiva do Delegado do serviço – Circunstância, todavia, limitada no tempo, isto é, que se dá em relação ao delegado, a contar da nomeação e início de exercício da atividade – Ausência de sucessão – Responsabilidade, portanto, restrita, ao longo do tempo não prescrito, ao Estado e, de mesma forma, em relação ao delegado em exercício na data dos fatos que deram causa ao prejuízo, ainda que cessada a delegação – Ilegitimidade, portanto, presente em relação ao delegado de exercício em tempo diverso – Sentença mantida – RECURSO NÃO PROVIDO.

Trata-se de ação de indenização por danos morais e materiais julgada extinta (inciso VI, do art. 267, do CPC) pela r. sentença de fls. 266/271, de relatório adotado.

Apela o autor alegando, em resumo, ter adquirido os imóveis diante informação obtida no sentido de que havia regularidade junto ao registro imobiliário; todavia, ao depois, apurou serem inexistentes como apresentados, os lotes, caracterizada a responsabilidade da oficial registradora motivo, inclusive, do pedido de reforma da r. decisão para o fim de prosseguir no tocante a análise do mérito e, a final, a condenação decorrente em face prejuízos sofridos. (fls. 277/286).

Recurso preparado e recebido (fls. 288 e 292/verso), com impugnação apresentada (fls. 293/333).

É o relatório.

O recurso não comporta provimento.

A matéria a envolver responsabilidade decorrente do serviço notarial e registral tem gerado grandes conflitos e justamente pela equivocada compreensão quanto aos limites de abrangência da atividade que, segundo a Constituição de 1988, resulta em atividade pública exercida, por delegação, em caráter privado (art. 236, da CF).

Assim é que o Estado, na lição de Sonia Marilda Peres Alves, no exercício de sua função administrativa, intervém em atos da vida particular para lhes conferir segurança jurídica , ora diretamente, ora credenciado ou delegando a particulares essa função, a ser exercida em nome do próprio Estado.” (“Responsabilidade Civil de Notários e Registradores: a aplicação do Código de Defesa do Consumidor em suas atividades e a sucessão trabalhista na delegação” in Revista de Direito Imobiliário nº 53, julho/dezembro de 2002, SP: RT, pág.93.)

Anote-se, também, segundo o disposto na legislação regulamentadora (Lei nº 8.935, de 19/11/1994, art. 1º) que Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos”, sendo que o artigo 3º assinala que Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro”.

Portanto, profissionais, organizados em carreira jurídica, no âmbito de cada Estado, para o fim de exercerem a atividade própria do Estado e o fazem em razão, também por disposição legal, por delegação mediante escolha e atribuição por concurso público.

Ora, se a atividade é pública e resulta exercida em caráter privado por delegação, tem-se que há efetiva e direta responsabilidade do Estado sendo esta, inclusive, objetiva, conforme disposto pelo artigo 37, § 6, também da Constituição da República podendo, entretanto, acionar, nos casos de culpa e dolo, em ressarcimento, aquele que detém a delegação.

Na circunstância, sob outro prisma, tem-se, de igual modo que o delegado também responde pela indenização; entretanto, em situação diversa pois cumpre a demonstração da falta e sua relação nas modalidades já apontadas, isto é, em caráter subjetivo.

Portanto, pode a parte vítima optar, segundo reiteradas manifestações junto a jurisprudência, por acionar apenas o delegado do serviço ou, diretamente, o Estado cumprindo, todavia, diante diversidade da responsabilidade, fazer direta prova da culpa ou dolo ou apenas a existência do nexo.

Assim, da análise de todos os fatores a envolver a natureza do serviço e, também, da delegação, tenho que a responsabilidade prevista na Constituição (art. 37, § 6º), destina-se às pessoas jurídicas de direito público e privado e não às pessoas físicas prestadoras de serviço público – caso do serviço delegado ora analisado – sendo que não haverá reconhecimento de responsabilidade objetiva se não existir expressa previsão legal, permitindo a conclusão de que a responsabilidade dos notários e registradores é subjetiva-direta, conforme previstos pelas Leis n. 6.015/73, 8.935/94 e 9.492/97.

No caso, o apelante ingressou com a ação contra o delegado do serviço e a r. sentença cuidou de extinguir a demanda com base na previsão trazida pelo inciso VI, do artigo 267, do Código de Processo Civil e, ao que verifico, com integral acerto pois, inegável, diante circunstâncias do tempo da delegação, a legitimidade passiva.

E isto porque, delegando o Estado o exercício da atividade e realizando a escolha do delegado mediante regular concurso público, observadas regras específicas, inclusive para escolha do serviço, tenho que a responsabilidade do tabelião ou registrador surge a contar da investidura na delegação quando, então, passa a responder por todos os atos praticados, inclusive, por seus auxiliares postos na condição de prepostos.

Responsabilidade que nasce, por conseqüência, em razão do recebimento da delegação, marco inicial, com a nomeação e conseqüente posse, do início do exercício da atividade pública, ainda que em caráter privado conforme mencionado, com todas as obrigações decorrentes, inclusive, repetindo, as indenizatórias decorrentes de eventuais prejuízos causados em razão do serviço cumprindo, entretanto, a demonstração da culpa ou dolo.

Assim, se existe o marco inicial para o exercício da atividade delegada, não se há conceber a retroação atribuindo-se ao delegado investido em data posterior, responsabilidades decorrentes de anterior delegação ou mesmo prestação do serviço, pelo Estado, sob égide de comando legislativo diverso.

Não significa sustentar que a eventual responsabilidade não exista mas, sim, limitar, no tocante ao delegado, no seu tempo de exercício da atividade, isto é, a contar da assunção da delegação.

Portanto, existindo a responsabilidade, será esta, em todo o período, respeitados os prazos de prescrição, do próprio Estado e, conforme salientado, de natureza objetiva; referente ao delegado, a responsabilidade será daquele que exercia a função delegada ao tempo da prática da falta, ainda que já afasto da delegação, pois ato de próprio exercício que, de mesma forma, perdura, em vínculo, ao longo do tempo com solução apenas observado o lapso prescricional.

E nesse campo limitador de responsabilidade a sustentar a legitimidade passiva, todos os limites da gestão da atividade delegada, quer no tocante ao serviço prestado e seu atendimento e, também, a gestão do quadro funcional que, a cada delegação, perante o novo delegado, se apresenta como inicial, nova, não podendo trazer, em retroação, responsabilidade para o delegado iniciante.

A responsabilidade surge, repetindo, toda do Estado em razão do tempo, mas, no tocante ao profissional delegado, apenas a contar da posse decorrente da nomeação e seu conseqüente exercício.

O que estiver fora desse limite de tempo, será do Estado e do anterior delegado.

Como assinalado pelo i. Desembargador Arthur Del Guércio, integrante desta Eg. Sétima Câmara, Ora, diante de tudo o que se disse até o momento e ressaltando que as serventias notariais não são pessoas jurídicas, nem empresa, não resta a menor dúvida de que a responsabilidade pelo ato lesivo ou é do Estado ou é do antigo tabelião, mas nunca do atual, pois ele nada praticou para ser assim considerado e tampouco auferiu qualquer vantagem pelo ato” (TJSP, 7ª Câmara de Direito Privado, AI nº 412.954.4/7-00, São Carlos, rel. Des. Arthur Del Guércio, voto nº 6160).

Matéria, na hipótese, reconhecida e declarada junto a r. decisão atacada.

Há prova documental assegurando que ao tempo dos fatos motivadores do pedido indenizatório, a apelada não respondia pelo serviço delegado resultando, por conseqüência, na flagrante ilegitimidade passiva pois não há no serviço delegado, a sucessão.

Daí a confirmação integral, inclusive, por seus próprios e jurídicos fundamentos, da r. sentença de fls. 266/271, proferida pelo douto juiz Mário Camargo Magano.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso.

ELCIO TRUJILLO
Relator



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