BE2637

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IV Encontro Ibero-Americano de Direito Registral
Cartagena de Indias (Colômbia) – 28 de abril de 2006

Registro das garantias mobiliárias como instrumento para o desenvolvimento econômico

Manifesto

O volume de crédito em movimento gera e reflete a riqueza dos Estados


A capacidade para gerar e favorecer o movimento de crédito é um indicador confiável da riqueza das nações. Um alto índice de crédito revela a existência de um nível equivalente de investimentos, gastos, geração de riqueza e movimentação econômica.

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Um elevado índice de investimentos não é gerado de forma espontânea, ao contrário, precisa de condições financeiras e jurídicas adequadas que permitam seu desenvolvimento.

A geração de movimento de crédito que nutra de liquidez o mercado, obtenha os rendimentos suficientes e permita a elevação de renda dos cidadãos é o objetivo de qualquer governo responsável.

O setor privado é responsável pela realização dos investimentos necessários para beneficiar o mercado e contribuir para a geração de riqueza. No entanto, não existirá investimento se o marco jurídico econômico não for propício. O capital privado, em busca da máxima eficácia, procurará mercados alternativos caso não encontre segurança jurídica suficiente para o desenvolvimento de sua atividade.

Do ponto de vista dos cidadãos, a falta de um marco jurídico econômico adequado impede o acesso a um mercado de capitais suficientemente aberto e condena-os à ilegalidade, o que se traduz em condições mais severas e em taxas de juros fortemente onerosas devido às incertezas geradas.

Essas situações ocorrem em países com muita pobreza entre sua população.

A ONU declarou como um dos objetivos do milênio a erradicação da pobreza (Objetivos do Desenvolvimento do Milênio. Cúpula do Milênio. Setembro de 2000. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD ).

A comunidade internacional considera que o microcrédito é um instrumento essencial para que as pessoas pobres aumentem sua renda, invistam em bens e tenham mais capacidade de reduzir sua vulnerabilidade diante de situações de desastre.

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Para que produza um efeito saudável é indispensável que o microcrédito se integre no sistema financeiro do país, o que implica que as autoridades devem potencializar o desenvolvimento e sustento de entidades financeiras saudáveis (Key principles of microfinances, CGAP – Consultancy Group to Assist the Poor, declaração avaliada pelo G8 na Cúpula de Sea Island, em 2004).

Porém, como manifesta o PNUD, o alívio da pobreza é inseparável do desenvolvimento e não se pode alcançar esse desenvolvimento somente beneficiando o sistema de entidades financeiras eficazes. O desenvolvimento é impossível sem a ampliação dos direitos econômicos dos mais desfavorecidos. Para que os direitos dos cidadãos estejam devidamente resguardados, é imprescindível a existência de um sistema judicial eficaz, independente e transparente, que permita o acesso efetivo à justiça.

No âmbito do PNUD, o Primeiro Foro Americano de Acesso à Justiça manifestou, em suas conclusões, que o acesso à Justiça é um direito humano de terceira geração.

O acesso à Justiça não implica somente a oportunidade de dirigir-se aos tribunais em plano de igualdade, mas também, a consecução do amparo do ordenamento jurídico para proteção dos direitos dos particulares.

Os sistemas de registro, garantidores dos direitos individuais e favorecedores do tráfico jurídico e econômico

A luta contra a pobreza exige sistemas jurídicos eficazes que proporcionem a máxima garantia ao capital emprestado, para aumentar as expectativas de recuperação do investimento e favorecer a baixa dos juros num ambiente de segurança jurídica.

A produção do crédito foi desenvolvida historicamente no âmbito dos bens imóveis por suas especiais características: alto valor em troca, relativa facilidade para identificação e individualização, reipersecutoriedade, vinculação com títulos de propriedade, etc. Não é de se estranhar que a garantia imobiliária tenha sido o suporte do mercado de crédito durante os últimos cento e cinqüenta anos. Conseqüentemente, a ciência jurídica beneficiou-se de importantes instrumentos para assegurar a eficiência do sistema e criou, até o momento, o modelo mais avançado para garantir o crédito territorial: o registro da propriedade imobiliária.

Por outro lado, os bens móveis foram considerados tradicionalmente pouco aptos para a prestação de garantias por apresentarem um caráter residual: seu escasso valor de troca (res mobilis, res vilis, segundo o aforismo), a dificuldade de provar o título de propriedade, a dificuldade para ser identificado e individualizado e os problemas provenientes da mobilidade, especialmente críticos quando se trata de executar a garantia.

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Essa percepção, no entanto, já não corresponde à realidade. Não só porque existem atualmente bens móveis de grande valor de troca e, portanto, ótimos para serem considerados como garantia, mas também porque, diferentemente dos bens imóveis, estão ao alcance de toda a população e podem servir de suporte a investimentos modestos e igualmente geradores de riqueza e bem-estar.

Sendo assim, os bens móveis são idôneos para servir de suporte a operações de crédito de escassa quantia e curtos prazos, especialmente nos países em desenvolvimento ou com níveis consideráveis de pobreza.

Para que isso seja possível, é preciso gerar os meios jurídicos que permitam o desenvolvimento do crédito num ambiente de segurança: por um lado, os credores gozam de uma razoável expectativa de recuperação de seu investimento e, por outro, os prestatários podem desfrutar de taxas de juros reduzidos, fugindo de situações de ilegalidade ou clandestinidade e integrando-se plenamente ao sistema legal de seu país (Princípios e práticas para a regulação e supervisão das micro-finanças, Banco Interamericano de Desenvolvimento, 2003).

Dessa forma, as características especiais dos bens móveis os tornam adequados não só para servirem de suporte a operações de empréstimo como também, para servir de base a uma “ampla gama de serviços financeiros que forem convenientes, flexíveis e de custos razoáveis” (CGAP, Key Principles of Microfinances ).

O segredo é que os bens são os mais adequados para serem financiados com o mesmo bem, objeto do financiamento, ou seja, não é necessário possuir um capital prévio para ter acesso ao financiamento e, finalmente, à propriedade.

Um sistema de proteção e estímulo do crédito mobiliário deve proporcionar os seguintes resultados (UN.ECE, Land Administration Guidelines, 1996; ver também, Social and Economic Benefits of Good Land Administration, 1998):

– Proporcionar segurança jurídica sobre o direito de propriedade que recai sobre o bem móvel, assim como sobre os direitos de terceiros no mesmo bem.

– Proporcionar certeza aos credores dos direitos da garantia sobre o bem concreto, assim como sobre as eventuais cargas que pesem sobre ele. Do mesmo modo, o titular do bem móvel deve desfrutar da certeza de que sua titularidade não poderá ser alterada sem seu consentimento, salvo por resolução judicial em um procedimento no qual tenha a oportunidade de se defender.

– Proporcionar publicidade de fácil aceso a qualquer pessoa com um interesse legítimo, de forma que possa conhecer permanentemente o status jurídico do bem móvel.

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– O sistema deve ser flexível, seguro e acessível economicamente.

Alcançar esses objetivos requer um sistema legal poderoso, juridicamente avançado e bem definido, cujas características essenciais são as seguintes:

– O sistema legal deve conter uma definição inequívoca dos direitos.

– O sistema legal deve eliminar o processo de investigação da cadeia de títulos.

– O sistema deve proporcionar os mecanismos processuais necessários para a realização da garantia, sem a falta dos direitos individuais do seu titular.

É de responsabilidade do Estado a construção de um sistema semelhante que deva implementar as medidas necessárias para sua construção e manutenção (CGAP, Key Principles of Microfinance. Ver também: Building Inclusive Financial Systems, 2004). Uma vez em andamento, o sistema deve ser autofinanciável.

O registro de bens móveis é um instrumento jurídico extremamente poderoso para a construção dessas metas e objetivos.

O registro da propriedade móvel define juridicamente os direitos reais e de propriedade mobiliária em particular

Da mesma forma que o registro de propriedade imóvel, o registro de bens móveis é o suporte jurídico idôneo para a construção e manutenção de um sistema legal, flexível, acessível e econômico para servir de apoio ao mercado de capitais e reduzir os custos de transação num ambiente de certeza e segurança.

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Como o registro de propriedade imóvel, o registro de bens móveis deve basear-se em princípios jurídicos sólidos, embora devidamente adaptados às suas peculiaridades:

– O registro de bens móveis deve estar baseado no fólio real, sendo aberto a cada bem móvel que aceda ao arquivo, de forma que demonstre o histórico jurídico do referido bem, concretamente. O fólio deve conter uma descrição precisa do bem móvel que permita sua identificação e individualização, é preciso permitir a consideração de um grupo de bens fungíveis como objeto aos efeitos de garantia. Entre os bens móveis, devem ser compreendidos tanto os animais quanto os bens imateriais. A especial flexibilidade do registro de bens móveis permite que acedam a seus livros não só os direitos reais que recaem sobre os bens móveis, como também qualquer limitação que lhes afete e que derive de contratos de financiamento (princípio de especialidade).

– Uma vez inscrito um bem no registro de bens móveis presume-se que o bem existe e que pertence a seu titular da forma como publica o registro. Conseqüentemente, ninguém pode impugnar a titularidade que o registro publica sem demandar o titular registral (legitimação passiva). O titular registral pode empreender ações contra quem perturbar a titularidade, sem ter de provar a existência da inscrição a seu favor – legitimação ativa (princípio da legitimação).

– Como conseqüência do que foi mencionado anteriormente, não se pode inscrever no registro nenhum título relativo ao domínio ou outro direito real que não tenha sido outorgado pelo titular (princípio de trato sucessivo).

– Qualquer adquirente a título oneroso de um direito inscrito no registro de bens móveis que tenha confiado no que o registro publica será mantido em sua aquisição. Frente a ele, não poderão ser opostos direitos não inscritos (princípio de fé pública).

– Os direitos acedem ao registro de bens móveis na ordem em que foram apresentados, o que determinará, nesse caso, a ordem de satisfação dos interesses dos credores (princípio da prioridade).

– O registro de bens móveis deve estar a cargo de um funcionário independente e juridicamente qualificado, ao qual corresponde a qualificação dos documentos que acedem com plena submissão à lei (princípio da legalidade).

A publicidade registral beneficia de segurança as relações jurídicas, pois implica a presunção de veracidade, proporcionando a verdade oficial. Sua finalidade primordial é proporcionar segurança a quem adquire algum direito sobre bens móveis. O adquirente tem certeza de que o publicado pelo registro é a verdade oficial e, como titular, fica plenamente protegido por ela.

A inscrição no registro possui importantes efeitos jurídicos (legitimação, prioridade, trato sucessivo, oponibilidade, fé pública registral), derivados da aplicação correta por parte do registrador por meio da qualificação registral e dos princípios hipotecários. Portanto:

A garantia delimita-se juridicamente, facilitando o crédito mobiliário

Os importantes efeitos da inscrição, mencionados anteriormente, possibilitam que o direito conferido por uma garantia mobiliária sobre bens em garantia seja oponível a terceiros somente quando se tenha cumprido com o requisito de seu acesso ao registro.

A prioridade evita os conflitos judiciais entre títulos contraditórios

A prelação da garantia determinada pelo momento de apresentação do título respectivo no registro confere ao credor garantido o direito de persecução (reipersecutoriedade) sobre bens em garantia, com o propósito de exercitar os direitos da garantia.

O financiador tem garantias suficientes para executar a dívida

O credor garantido, que pretenda dar início a uma execução em caso de inadimplência do devedor, possui, a seu favor, não só os efeitos da inscrição anteriormente indicados, como também poderá inscrever, mediante o correspondente formulário registral, a inscrição da execução no registro, dando publicidade dessa situação a possíveis terceiros adquirentes.

Dessa maneira, contribui-se decisivamente para evitar os conflitos judiciais e as indignidades pessoais que ocorrem naqueles casos em que o financiamento não estiver protegido pelas mínimas garantias legais. As famílias em situação de marginalidade podem ter acesso mais fácil à titularidade e publicidade dos bens móveis, o que evita que tal usuário tenha de recorrer a outros mecanismos nos quais não existe segurança jurídica, uma vez que, ou o bem móvel não está bem determinado, ou os juros são abusivos devido ao risco de perda do capital emprestado, descaracterizando a figura do financiamento (CGAP, Guiding Principles on Regulation and Supervision of Microfinance, 2003).

O registro da propriedade móvel admite sistemas modernos de gestão para a organização dos direitos

A organização do registro de bens móveis deve basear-se nos sistemas mais modernos de gestão empresarial.

– O registro de bens móveis deve contar com repartições modernas e acessíveis para toda a população e, nesse caso, com informação centralizada que permita conhecer, de qualquer lugar do país, o histórico jurídico de um bem.

– As repartições do registro de bens móveis devem ser auto-suficientes, como garantia da independência e imparcialidade na qualificação, sem prejuízo à responsabilidade do Estado. Os gastos necessários para o funcionamento e conservação dessas repartições, conforme o princípio de autofinanciamento, estarão a cargo do registrador que responde pelo perfeito funcionamento do registro no qual exerce sua função.

– As repartições devem possuir capital humano necessário para proporcionar a formação jurídica e tecnológica adequada. A flexibilidade do sistema exige que os funcionários do registro de bens móveis sejam capazes de adaptar-se às modificações legais e às inovações tecnológicas, o que exige um sistema de reeducação permanente.

– O registro de bens móveis é especialmente capaz de ser conduzido integralmente de forma eletrônica digital. O fólio real eletrônico é uma ferramenta importante a serviço do Estado, das companhias de financiamento e dos próprios usuários. O desenvolvimento eletrônico digital do registro permite a padronização dos processos de dados, assim como do procedimento de registro, reduzindo os prazos e barateando o sistema. Com isso, é possível evitar as duplicações de documentos e favorecer a realização e conservação de arquivos de segurança, o que facilita enormemente a gestão da publicidade do conteúdo do registro, seu acesso remoto por terceiros, o tratamento de dados, a elaboração de estatísticas e o controle da qualidade de todo o processo.

Benefícios de um adequado desenvolvimento do registro de bens móveis

O registro de bens móveis é uma importante ferramenta jurídica que implica uma série de vantagens para o Estado, para as instituições financeiras e para o usuário. Podemos resumi-las da seguinte maneira.

– Simplificação e aceleração de trâmites e eliminação de tortuosas esperas por parte do cidadão.

– Modernização dos critérios de gestão e eliminação do suporte papel.

– Diminuição dos custos de transação e diminuição dos taxas de juros ao eliminar incertezas.

– Rapidez de acesso à informação atualizada, ordenada e veraz sobre os bens móveis por meio da Internet.

– Facilitação do controle de ordenação dos bens móveis oferecidos em garantia por parte da Administração, fornecendo-lhe os meios para conhecimento do mercado de crédito.

– Oferecimento de segurança jurídica às entidades financeiras, o que facilita a obtenção de informação e a realização dos trâmites precisos para inscrição e proteção de seus direitos.

Conclusões

O registro de garantias mobiliárias configura-se como um elemento chave para o desenvolvimento econômico. No entanto, qualquer iniciativa legislativa deixará de produzir os resultados esperados se não estiver acompanhada de decisiva ação de governo.

A segurança jurídica que proporciona o registro de bens móveis complementa a proporcionada pelo registro da propriedade, no âmbito imobiliário, e contribui decisivamente para a expansão da legalidade no mercado de capitais, com os benefícios inerentes que comporta.

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O registro de bens móveis proporciona certeza e, portanto, ausência de risco para o mercado financeiro, o que estimula o investimento do capital pelo caminho da formalidade e da segurança jurídica e beneficia toda a comunidade, especialmente os que desejam desenvolver projetos empresariais, embora de caráter modesto, no âmbito do micro-financiamento.

A flexibilidade do registro de bens móveis aumenta o número de bens, atos e contratos que podem ser utilizados pelo mercado financeiro, coadjuvando sua evolução ao permitir incorporar fórmulas modernas de financiamento, especificamente as garantidas com o próprio bem adquirido, o que permite o acesso ao capital pelas classes menos favorecidas.

A inscrição no registro de bens móveis aumenta os efeitos jurídicos de legitimação, oponibilidade, prioridade e fé pública registral. Como registro de direitos, é o que protege, de forma mais efetiva, o tráfego jurídico e a expansão do mercado de capitais.

O procedimento registral do registro de bens móveis caracteriza-se por ser rápido, ágil, barato e simples, permitindo o acesso de documentação simples com segurança jurídica, garantida pela qualificação registral e permitindo o desenvolvimento dos efeitos protetores dos princípios registrais.

Como registro jurídico, o registro de bens móveis é realizado por meio do sistema de fólio real, recolhendo todo o histórico jurídico do bem, desde o momento em que foi inscrito, aumentando a certeza e a publicidade de seu estado jurídico.

O registro de bens móveis assegura a categoria de preferências, evitando o conflito entre os credores e permitindo um procedimento rápido de realização do bem em caso de inadimplência.

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