BE2625

Compartilhe:


 

Seminário Regional sobre Cadastro Técnico Territorial Multifinalitário
Irib participa de evento promovido pelo Ministério das Cidades e CEF


O Ministério das Cidades criou o Programa Nacional de Capacitação das Cidades, PNCC, destinado a implementar o processo de construção de uma nova política urbana descentralizada, integrada e eficiente, com a capacitação de agentes públicos e sociais para as políticas públicas urbanas integradas.

Basicamente, o que o Ministério das Cidades pretende é privilegiar práticas orientadas para uma gestão democrática da cidade e para a redução de desigualdades sociais, mediante programas de capacitação que ampliem a participação popular na definição da política urbana, formem técnicos da administração pública, promovam mudanças institucionais e incentivem a formação de cidadãos capazes de colaborar no debate sobre política urbana.

Imagem

O objetivo geral do PNCC é capacitar agentes públicos e sociais para a implementação da política nacional de desenvolvimento urbano e desenvolver ações de apoio ao setor público municipal e estadual para o desenvolvimento institucional e a implementação de sistemas de informação.

Entre os objetivos específicos do programa, destacamos a elaboração e execução de uma política de capacitação comprometida com os princípios e diretrizes do Estatuto da Cidade, a disseminação dos novos instrumentos do Estatuto da Cidade e a implantação de sistemas de informação rigorosos destinados a apoiar as atividades voltadas para o desenvolvimento urbano.

No que se refere às atividades de capacitação, o PNCC tem como uma de suas importantes diretrizes promover a modernização e atualização dos sistemas de informação, cadastros e cartografia.

Seminários regionais sobre cadastro técnico territorial multifinalitário

No âmbito do Programa Nacional de Capacitação das Cidades, e em parceria com a Caixa Econômica Federal, o MC está realizando seminários em todo o Brasil com o objetivo de sensibilizar técnicos e agentes sociais para a importância dos cadastros técnicos territoriais multifinalitários como instrumento de política urbana municipal.

Os cadastros multifinalitários permitem a disponibilização e o manuseio de dados e informações sociais, urbanísticas, fundiárias, bem como as informações referentes à oferta de serviços públicos, que podem instruir a gestão municipal e a elaboração de planos e projetos de desenvolvimento urbano, de acordo com as disposições do Estatuto da Cidade.

Os seminários regionais sobre cadastro técnico territorial multifinalitário são coordenados por Eglaísa Micheline Pontes Cunha, do Ministério das Cidades, e por Cláudia Brandão de Serpa e Maria Teresa Peres de Souza, ambas da Caixa Econômica Federal.

IRIB participa do Seminário Regional sobre Cadastro Técnico Territorial Multifinalitário promovido pelo Ministério das Cidades e CEF em Campinas

A cidade de Campinas, SP, foi um dos locais escolhidos pelo MC para realizar mais um Seminário Regional sobre Cadastro Técnico Territorial Multifinalitário, nos dias 1º a 4 de agosto último, no hotel Nacional INN.

Mesmo com vagas para 100 participantes, as inscrições eletrônicas foram encerradas antecipadamente, o que demonstra o interesse pelo tema, que mobilizou gestores e técnicos municipais, profissionais das áreas de arquitetura, urbanismo, engenharia, agrimensura, topografia, geografia e direito, além de áreas afins do planejamento territorial urbano.

O Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, IRIB, participou do evento representado pelo presidente Sérgio Jacomino e pelo professor da UFSC, Jürgen Philips, conselheiro científico do Instituto, ambos convidados para a mesa de debates.

A discussão versou sobre seis questões destacadas previamente para a mesa. Acompanhe.

1ª questão: por que o Brasil precisa de uma regulamentação, uma diretriz nacional sobre o cadastro?

Jürgen Philips – Temos diretrizes sobre o cadastro apenas de uma parte do território do país, a área rural. Essas diretrizes não se referem ao território rural completo, mas apenas às propriedades. O que não é gleba privada não é objeto de cadastro. Não existe cadastro das malhas viárias, das lagoas, das estradas de ferro, dos canais, enfim nada que não signifique propriedade privada. Isso também diz respeito à área urbana, que não tem legislação alguma. Para o legislador, o cadastro urbano não existe. A lei 10.267/01 pretendia um cadastro rural para todo o país, mas essa gestação ainda tarda porque a criança ainda está incompleta. Vocês são testemunhas de que esta é a primeira vez que esse assunto é discutido em público.

Sérgio Jacomino – O professor Jürgen tem razão. Temos um problema sério no cadastro rural, por não ter sido definido legalmente o conceito de parcela. O Incra tem uma percepção, que talvez não seja equivocada, de que o conceito de imóvel guarda estreita relação com a lógica econômica, relacionada à produção, não se singulariza pela sua feição dominial com os contornos jurídicos que nos dá a legislação civil. Se tivermos três propriedades rurais, representadas por áreas absolutamente contíguas, para o Incra só existirá uma propriedade, uma única unidade produtiva econômico-jurídica. Isso é um problema sério. Quando se fala em georreferenciar a propriedade imobiliária, o Incra entende que as três propriedades serão englobadas, ao passo que o registro de imóveis entende que unidade imobiliária é o que dispõe o Código Civil, ou seja, imóvel é uma porção de terras contínuas. Por exemplo, uma propriedade rural seccionada por uma estrada, é uma propriedade ou serão três? Não havendo contigüidade, pela lei civil, não haveria uma unidade geodésica? Teríamos, segundo o princípio da unitariedade, uma parcela na banda direita, uma parcela na esquerda e outra parcela ocupada pela rodovia. Esses elementos cadastrais não estão definidos na lei de cadastro de imóvel rural, e isso não é aplicável em nenhuma parte do país, é uma regra que tem de ter uma diretriz nacional sobre cadastro. Temos que definir tecnicamente, e antes de tudo, o que é cadastro. O cadastro da prefeitura tem múltiplas finalidades, mas nem por isso é multifinalitário. Os bens públicos estão fora do cadastro, os bens de uso comum do povo, os bens com destinação específica, os bens municipais, nenhum deles figura no cadastro. Não há previsão no cadastro para as áreas urbanas. Eu chamaria a atenção para uma disposição do Estatuto da Cidade, muito oportuna, aliás: compete ao município fazer a gestão das suas áreas rurais. O que está acontecendo com as grandes cidades? O processo de ocupação desordenada das áreas rurais, que se transubstanciam em áreas com destinação urbana, os tais condomínios de fração ideal, que, na verdade, são burlas da lei de parcelamento do solo urbano, este é um problema crônico em todo o estado de São Paulo. Como vamos enfrentá-lo? Essa fração ideal - deve figurar no cadastro? Há uma confusão na conceituação do que seja imóvel rural e imóvel urbano – imóvel rural assim considerado pela destinação, imóvel rural assim definido exclusivamente para fins de tributação. Enfim, é preciso uma diretriz nacional sobre o cadastro. Com essa preocupação, o Ministério das Cidades mostra que está afinado com as verdadeiras necessidades das cidades brasileiras.

Participantes – Gestores municipais levantaram a preocupação com transparência, qualidade e atualização das declarações do cadastro. Mostraram-se interessados em conhecer o cadastro multifinalitário e constataram que, hoje, os cadastros municipais não são muito confiáveis, uma vez que atendem principalmente à necessidade de arrecadação de tributos. Além disso, para as necessidades de planejamento da administração pública, consideraram importante a adoção de uma diretriz nacional capaz de garantir a qualidade e eficácia do cadastro. Quanto ao fornecimento de informações pela municipalidade, alguém lembrou a questão da contrapartida econômica.

Sérgio Jacomino – Estamos interconectados em São Paulo com a prefeitura municipal. Pergunta-se: a prefeitura paga pelas informações repassadas pelos cartórios? A resposta é: não; mas existe um convênio de cooperação técnica em que foi convencionada uma contrapartida. Como a municipalidade recebe a informação sem qualquer ônus, também nos repassa outras informações em contrapartida. A verdade é que não temos recebido essas informações como gostaríamos, mas continuamos proporcionando, mensalmente, as informações que irão povoar o cadastro da prefeitura. Todas as transações, como alienações e compromissos de compra e venda, são transmitidas diretamente à prefeitura, que atualiza automaticamente seu cadastro. A contrapartida seria a prefeitura disponibilizar seus levantamentos e plantas cartográficas para municiar os cartórios no trabalho de informação e gestão dos dados registrais. É importante destacar que essa informação terá tanto maior valor quanto maior for sua precisão e confiabilidade. Outra coisa importante é um cadastro que pudesse ser povoado, por exemplo, com dados ambientais, como reservas legais, áreas de proteção ambiental, restrições florestais. A ausência desses dados representa um grande problema para o registro. Como definir tudo isso no registro se não existe possibilidade tecnológica de sobreposição de camadas de informações? O cadastro pode proporcionar esses dados e isso tem que estar definido nessa regulamentação.

Jürgen Philips – Sobre a parcela, desde o início nossa idéia era ter regras novas para o cadastro. O ideal seria ter a parcela, como primeira experiência de compatibilizar o registro de imóveis com o registro do Incra. Na época das discussões do anteprojeto de lei, as duas instituições discutiram três semanas sobre a compatibilização e não perceberam que cada uma estava trabalhando com uma definição de imóvel completamente diferente da outra. Depois de três semanas, essa discussão teve de recomeçar. Quando estendermos esse cadastro para a direção do cadastro multifinalitário teremos muito mais instituições que vão se beneficiar dele, além do Incra e do registro de imóveis. O cadastro servirá para a Receita federal, para as prefeituras em suas diversas unidades, e cada um tem um conceito diferente de imóvel. Com a inclusão do conceito de parcela não será preciso mudar nada, cada instituição poderá trabalhar com sua própria definição de imóvel, com uma seleção diferente de parcelas. Por exemplo, uma única propriedade econômica dividida por uma rodovia gera três parcelas, duas matriculadas no registro de imóveis, e a rodovia como terceira parcela.

Jürgen Philips

Eglaísa Micheline Pontes Cunha : por que uma diretriz nacional sobre o cadastro? Entendemos que o cadastro municipal deva ser encarado como uma questão de cidadania, uma vez que ele serve para todos os instrumentos de gestão de planejamento urbano. Sobre a regulamentação em si, a diretriz dá um caráter de flexibilidade que a multifinalidade precisa ter no município. Portanto, seria muito interessante uma diretriz para esse caráter multifinalitário do cadastro.

Participantes – Uma das questões sempre colocadas é sobre o custo do registro. É possível um convênio que estabeleça um canal entre o prefeito, o oficial e o Judiciário?

Sérgio Jacomino – Acredito que sim. Existem condições que podem favorecer essa troca de dados com um conteúdo de caráter econômico. Por exemplo, nós participamos de uma comissão que definiu as tabelas de custas no Estado de São Paulo e estamos caminhando para derrubar os custos transacionais com a informatização, pois a previsão legal para proporcionar informações registrais por meio telemático já existe. Por princípio, sou contra a gratuidade, mas sou inteiramente favorável à criação de mecanismos de custeio da atividade, já que todo o trabalho deve ser remunerado. Suponhamos que se quisesse receber, mediante um sistema de transação eletrônica, informações certificadas a respeito de habite-se, certidões de conclusão de obra, mudança de numeração predial, enfim, certidões relativas a essas transações, esse tráfego de dados poderia ser instituído mediante o oferecimento de contrapartidas. Há um elenco de coisas que a prefeitura poderia disponibilizar em contrapartida pelo envio das informações que o cartório certamente fornecerá no bojo do convênio. Isso pode motivar a celebração de acordos onde não se dê a gratuidade com essa visão distorcida e paternalista que às vezes acomete os operadores; ter-se-ia um intercâmbio de informações proveitoso para as várias instituições envolvidas.

2ª questão: quem ou qual das instituições públicas municipais deve ser responsável pelo cadastro?

Sérgio Jacomino – Existem questões que extrapolam as atribuições municipais. Por exemplo, a questão da política florestal, do saneamento básico, telefonia, enfim, uma série de questões que estão relacionadas com o cadastro e que não estão estritamente ligadas ao interesse específico do município. Se não tivermos uma regulamentação nacional, não poderemos coordenar os cadastros municipais com seus respectivos estados. Quando falamos em cadastro multifinalitário, parece que estamos falando de um mega cadastro, mas não é isso. O cadastro multifinalitário pode ser um cadastro mínimo, com um identificador que pode levar a múltiplos níveis de informação. Qual é o elemento essencial do cadastro? O seu objeto é o imóvel; a parcela é a subdivisão mínima que se pode ter dentro do cadastro. A parcela é uma área com regime jurídico único. Sobre esse imóvel existem informações que proporcionarão elementos para a gestão territorial. Por isso me parece lógico que haja uma regulamentação federal para molecularizar os cadastros municipais brasileiros. Os cadastros não podem ser atomizados, não podem esgotar-se em si mesmos.

Jürgen Philips – Essa é uma questão muito complicada e polêmica, porque existem inúmeras soluções para isso. Como o cadastro é gerenciado em outros países? Na Suíça existe um cadastro planejado, como ocorre no Brasil com os cartórios de registros de imóveis. Existem “cartórios de cadastros” que exercem a função por delegação do Estado e há países em que o cadastro é municipal. O Brasil é um país muito grande para ter um cadastro centralizado. É possível imaginar uma divisão entre governo federal, estaduais e municipais, de forma que a competência normativa fique com a União, para que se criem regras uniformes para todos os imóveis brasileiros. O mesmo acontece com a Lei de Registros Públicos, que estabelece como um imóvel deve ser registrado, independentemente de sua localização geográfica, uma vez que os princípios que informam o registro predial pátrio é o mesmo. Também queremos isso para o cadastro, por isso precisamos de uma regulamentação para o país todo. A execução, sim, poderia ser do município – ou ser feita em forma de consórcios e o Estado poderia fiscalizar por meio de seus institutos de terras, além de dar assistência técnica para os municípios que ainda não têm uma estrutura técnica, equipamentos ou qualificação para os serviços.

Participantes – Se pensarmos em qual dessas instituições públicas municipais deve ser responsável pelo cadastro, por que não uma associação de municípios para centralizar as informações do cadastro para efeitos de segurança dos municípios?

Jürgen Philips – Eu não gostaria que o cadastro fosse associado a uma das secretarias porque cada uma tem um conceito de cadastro. Depois de um tempo, cada uma vai ver o seu cadastro como instrumento de sua própria tarefa e, rapidamente, teremos um cadastro não mais multifinalitário; teremos um cadastro para poucas funções, por exemplo, a secretaria de finanças, utilizaria o cadastro para fins tributários.

Participantes – sobre a gleba cortada por uma rodovia, e se no lugar dela fosse uma área de preservação permanente? A APP, que não é passível de ocupação, seria uma outra parcela?

Jürgen Philips : Desde o cadastro napoleônico existe o conceito de parcela. Hoje, definimos a parcela como uma área com regime jurídico único. Se você tem um imóvel e pretende hipotecar apenas uma parte dele, a outra parte não seria gravada com esse ônus. Nesse caso, existem regimes jurídicos diferentes, uma parte está hipotecada e a outra não. No conceito parcelar, isso seria tratado como se fossem duas parcelas inscritas no cadastro com essa parte da área especializada. Se a hipoteca especificada no contrato não estiver especializada, a prefeitura, mais tarde, não irá aprovar o desmembramento, e, conseqüentemente, não conseguirá realizar o leilão do imóvel em caso de excussão. Esse é apenas um exemplo da razão por que essa parcela pode ter a função de gerenciar o imóvel. Outro exemplo é o caso do imóvel em costa, terrenos de marinha pertencentes à União. Existem imóveis com uma parte localizada na faixa da União e outra parte fora. Nesse caso, o que existe é um único imóvel para fins de IPTU, mas o que há de fato é uma parte pertencente à União e outra a um particular, registrada em cartório. Com o conceito de parcela, podemos modelar o imóvel até com propriedades diferentes. Esse é basicamente o conceito de parcela para gerenciar os imóveis.

3ª questão: qual é a principal função do cadastro? Qual o conteúdo e a função mínima que o cadastro deve ter?

Participantes – Acredito que a principal função do cadastro é estruturar a gestão pública e o planejamento público do município. É um centro de informação. Quanto ao conteúdo, o cadastro tem de primar pela simplicidade. As informações do cadastro também serão variadas conforme a necessidade do município. O grau de informação deverá ser o mais simples possível, mas fazendo representar uma necessidade do município: as questões básicas do imóvel em si, a caracterização do imóvel e as informações de que o município precisa, como o endereço. Gostaria de ver no cadastro, à semelhança do que ocorre na inscrição imobiliária, o número da matrícula. Daqui a pouco, veremos na entrada das cidades uma placa dizendo “nesta cidade não existe sobreposição de terrenos”, ou, “todos os terrenos desta cidade têm matrícula própria”. Para alguns avanços é preciso que algumas questões estejam em conformidade com o município. O que se deve destacar é que aquela questão elementar de caracterização do imóvel e função da propriedade, endereço, deve ser estruturada de forma que, futuramente, permita a integração com outras áreas.  

Jürgen Philips – O cadastro tem referência geométrica e identificador. Mas é muito complicado cumprir isso com o rigor necessário, para que essas referências sejam fundamento do cadastro multifinalitário. Essa referência tem sido cumprida com responsabilidade. Pode-se ter uma postura, como o Incra, que, depois da criação da lei de georreferenciamento de imóveis rurais, assumiu que o problema da responsabilidade sobre os erros na geometria não é dos cartórios, mas também não é somente do Incra. Os técnicos que assumiram o cadastro e criaram a referência geométrica e o identificador para o cadastro, também devem ser responsáveis. Quem faz o cadastro tem de ser responsável por ele, só assim criaremos um cadastro com confiabilidade. Se algum lote tiver uma casa desenhada, a prefeitura não precisa mandar um técnico para verificar se, de fato, naquele lote existe uma casa. A informação do cadastro deve ser suficiente para dar certeza de que ali existe de fato uma casa. Também é importante que essa função seja feita com exclusividade, que não exista outra instituição que crie outras referências e identificadores. Essa definição geométrica no cadastro deve ser a única referência sobre esse assunto.

Ministério das Cidades – Entendo que o cadastro deve servir como instrumento da gestão pública, tanto para o planejamento como para o uso e controle de ocupação do solo. Quanto ao conteúdo, como estamos num país cuja ocupação tem uma taxa muito alta e, em função disso, temos uma série de problemas ambientais, acredito que o conteúdo do cadastro deve ser a inserção de todas as áreas já regidas por legislação ambiental. Assim, o cadastro tem que dispor de informações sobre todas as áreas de preservação permanente, reserva legal, etc., e os imóveis que constam do cadastro com essas áreas devem estar gravados com APP, com faixas, de forma que aquele imóvel apareça como objeto de uma legislação ambiental específica.

Jürgen Philips – Até a palavra cadastro pode criar limitações, porque cada um tem seu conceito de cadastro. Temos de diferenciar entre um sistema que cria as definições dos limites e identificador e os cadastros temáticos. Não podemos resolver o problema de todos os cadastros temáticos. Em alguns países já existem cadastros de resíduos, que estão espalhados tanto em depósitos de lixo como em depósitos clandestinos. O sistema é totalmente aberto, também para os novos cadastros.

4ª questão: esse cadastro deve ter fé pública?

Jürgen Philips – Se for possível, mas só se for feito juntamente com o registro de imóveis. Muitas pessoas, até mesmo os especialistas em cadastro, não sabem exatamente o que significa a fé pública. A fé pública, no caso do registro de imóveis, significa que uma inscrição imobiliária ostenta a presunção de veracidade absoluta. Por exemplo, alguém compra um imóvel que tem um proprietário com matrícula em seu nome. O negócio é concluído e solicita-se a inscrição no nome do novo dono. Para essa troca de nomes será feito um novo título. Pode acontecer de, após a inscrição desse novo título, aparecer um terceiro, provando que aquela inscrição é fraudulenta. Nesse caso, segundo a legislação brasileira, o comprador perde o imóvel. Nos países onde a fé pública existe, o comprador permanece com o imóvel e quem fica com o prejuízo é o verdadeiro proprietário. Essa fé pública, nesse caso, tem como objetivo proteger o negócio jurídico. Quando o banco empresta dinheiro para a compra de um imóvel, ele quer ter certeza absoluta de que esse imóvel será transferido para o comprador. Do contrário, provavelmente ele não possa mais pagar o débito e o banco terá prejuízo. Essa é a razão porque alguns países optaram pela fé pública no registro de imóveis. Nesses países, as inscrições feitas nos cadastros têm fé pública, automaticamente. Por isso, é necessário proteger a inscrição no cadastro com a mesma fé pública com que são protegidas as inscrições de direitos na matrícula.

Eglaísa Micheline Pontes Cunha

Participantes – Nosso título de propriedade possui uma verdade relativa, até que se prove o contrário. Acho sim que o cadastro deve ser um definidor da caracterização da propriedade, mas daí a ter fé pública? Por essa lógica, creio que se deve esperar um pouco, até se avançar na questão da propriedade, quando começarem os mapeamentos sistemáticos...

Sérgio Jacomino – A Espanha contemplou fé pública registral, mas nem por isso esse país tinha um cadastro rigorosamente organizado e coordenado com o registro. Onde está o problema? No Brasil, fazemos milhões de transações e é insignificante o número de decisões judiciais que declaram a nulidade do negócio e conseqüente cancelamento do registro; fosse de outra forma, e o sistema registral simplesmente seria extirpado e substituído por outros modelos – como o seguro de títulos, por exemplo. Na prática, no dia-a-dia dos cartórios, temos sim uma fé pública. É a teoria do cobertor curto, ou você cobre as pernas ou a cabeça. Se você protege o titular, ou os possíveis titulares, deixa toda a comunidade refém de um exercício do direito de propriedade absolutizada. Essa é a segurança jurídica estática. O verdadeiro proprietário se impõe em relação ao terceiro. Suponha que o Jürgen seja o verdadeiro proprietário e não registrou o imóvel. Alguém que figura como titular vende o imóvel para mim e eu perco a propriedade para o Jürgen, porque se prestigia a segurança jurídica estática, ou seja, a segurança daquele que ostenta o direito. Pouco a pouco se percebeu que é a sociedade que tem de ser tutelada, mesmo que para isso se corra o risco de cometer uma injustiça com o Jürgen, e para esse caso haverá mecanismos reparatórios. No caso da segurança jurídica dinâmica, se alguém figura no registro como titular do imóvel e eu o adquiro, a minha boa-fé haverá de ser protegida. E se eventualmente o titular verdadeiro perder o direito, ele deverá ser indenizado. Vejam que essa questão da fé pública não está inteiramente relacionada com a perfeição do cadastro, muito embora isso deva ser objeto do nosso trabalho. Temos de estabelecer uma regra que não parta da exceção, mas da regularidade. A esmagadora maioria das transações imobiliárias deste país ocorre com absoluta segurança; logo, temos de prestigiar mecanismos para que o sistema se desenvolva e se aperfeiçoe, e não transitar em sentido contrário. Ou seja, em virtude de uma exceção, de um desvio sistemático, não deveríamos concluir uma estrutura que responde a essas exceções como se elas fossem regras. Portanto, a regra é: o cadastro deve, sim, ter fé pública, e, para isso, deve existir um mecanismo de responsabilidade, isto é, quem deu ocasião ao prejuízo deve responder por isso e o Estado também, uma vez que compete ao Estado regularizar a questão de cadastros e registros públicos lato sensu.

Jürgen Philips – Quanto à existência de fé pública tanto no registro como no cadastro, a questão está no que se quer proteger. Se se quer proteger o negócio jurídico, a fé pública é necessária. Se isso não é tão importante, basta apenas a presunção.

Imagem

5ª questão: por que precisamos de dois registros, para o cadastro e para o registro de imóveis?

Sérgio Jacomino – Vamos inverter a questão, ao invés de colocar o foco nas instituições, vamos depositá-lo no profissional encarregado de cada atividade: na gestão territorial, por que precisamos de um geodesista e de um jurista? Não se exigirá de um jurista que responda tecnicamente por atividades de um geodesista; nem vice-versa. Tenho dito que, quando se dá a concentração, num mesmo órgão, de atividades de cadastro e registro, temos a pavorosa figuração de irmãos siameses. As cabeças tendem a separar-se! Colocar o registro de imóveis nas prefeituras pode gerar um problema muito sério. Basta pensar o seguinte: o registrador, por tutelar interesses privados, pode ser a cidadela fortificada dos interesses do cidadão em face do próprio Estado. Isso é muito importante. A dimensão social do registrador o coloca numa posição intermediária entre o Estado e a própria sociedade. O registrador é um profissional do Direito e ele decide, no uso de suas atribuições, a registrabilidade ou não de um título. Se ele não tivesse essa independência jurídica para realizar o filtro de purificação da titulação que ingressa no ofício predial, poderia cair presa do interesse político. Por essa razão, o registro de imóveis não está dentro da prefeitura, dentro de um órgão do Estado. O registro pode fazer parte da prefeitura, ou de um órgão do Estado, desde que se garanta a independência jurídica do registrador. É o que acontece, por exemplo, com a função do juiz, que está integrado à máquina estatal, mas tem sua independência garantida constitucionalmente. Por mais honrado e preparado que seja esse juiz, nenhum dos senhores pode escolher o magistrado que irá julgar sua causa particular. Da mesma maneira, não se elegerá o fiscal que vai examinar a situação tributária e fiscal do contribuinte. O mesmo ocorre com o registrador, porque se ele permitir que se coloque em risco a segurança jurídica, o Registro se converterá num instrumento de potencialização de conflitos. Por isso existe a independência jurídica do registrador, por isso existe um jurista especialmente preparado para sua função. O registrador não entende do trabalho do geodesista, da mesma forma que o geodesista não entende e não é preparado para tratar dos registros jurídicos. São atividades que se coordenam em virtude de um mesmo objeto, mas têm focos inteiramente distintos.

6ª questão: como articular o cadastro com o processo permanente de gestão e planejamento territorial participativo?

Jürgen Philips – Para mim, o cadastro tem de ser multifinalitário porque o sistema cadastral é central, junto com o registro de imóveis e os cadastros temáticos se forma um sistema territorial. Esse sistema tem muitas funções, entre elas, o planejamento territorial. A pergunta é quem pode participar, se apenas o cadastro tem acesso a essas informações? Acho que as informações do cadastro devem ser parcialmente públicas. Todas essas informações dizem respeito ao proprietário, são pessoais, portanto devem ser restritas a alguns órgãos públicos bem definidos, para que não haja abuso de poder a respeito dos dados e dos interessados. Outra situação é o acesso aos dados por interesse econômico. Acho que o cadastro básico, juntamente com os cadastros temáticos, deve fornecer determinados dados para empresas que os utilizam para projetos, por exemplo, uma imobiliária. No entanto, sou a favor de que essas empresas paguem pelas informações, uma vez que o sistema cadastral custa dinheiro e alguém tem de pagar essa conta. O serviço do Estado não é de graça, é financiado pelos impostos. Existe interesse econômico nessas informações, portanto as empresas devem pagar uma participação significativa que corresponda ao lucro que terão com a posse dos dados. O proprietário que utiliza esse sistema apenas para suas necessidades particulares também deve pagar de acordo com uma tabela que tenha um componente social para que cada um pague de acordo com sua condição financeira. Quanto ao sistema participativo, para que a sociedade possa participar da modelagem dos cadastros, tenho uma opinião diferenciada. Quando se trata de assuntos do interesse do proprietário, ele deve ter algum meio para poder articular seus interesses e, eventualmente, ajudar a modelar melhor o sistema. Quando se trata de assuntos extremamente técnicos, ou jurídicos, haverá especialistas para resolver o problema.

Eglaísa Micheline Pontes Cunha e SJ

Participantes – Entendi a pergunta de uma forma diferente – a articulação do cadastro com um processo permanente de gestão e planejamento territorial. Não acho que a pergunta se refira à participação popular no cadastro. Acho que o cadastro, da forma como estamos compreendendo, é uma nova cultura, um processo que se desenvolve. Isso passa por um primeiro processo, o da sensibilização geral dos gestores, mas também de capacitação dos técnicos. Vamos criar uma base nova e sensibilizar essas áreas na prefeitura para utilizarem e tirarem proveito também, o que significaria a redução de suas tarefas e agilização de suas decisões. A idéia é mostrar essas vantagens para essas áreas da prefeitura, para que se convençam de que vale a pena participar. Em seguida, fazem o processo de um núcleo gestor, um processo um pouco maior de integração das áreas para desenvolver essa integração dos dados. É necessário pensar como uma mudança dentro de um processo. Seria essa a integração com as instituições, que também poderia se dar com instituições outras como, por exemplo, os cartórios, para participar do processo. Trata-se de uma nova etapa e de uma nova compreensão do que é o cadastro, que agora servirá para uma série de outras coisas.

Sérgio Jacomino – Hoje, com meu certificado digital – uma assinatura eletrônica –, acesso o site da Receita federal e vejo todos os dados, todas as declarações de renda dos últimos anos, enfim, tudo que diga respeito à minha vida tributária e fiscal, escancarada tão-só pelo fato de que acessei com o certificado digital. Chegará o momento em que esses dados cadastrais estarão disponibilizados para o cidadão. Mas como saber se o cidadão que acessa é este e não um “fantasma”? A chave, para mim, está na certificação digital, uma modelagem que permite o acesso, e mesmo a atualização de dados cadastrais, se o cidadão sentir que é necessário. As questões que se iniciaram aqui serão desenvolvidas. Acredito que podemos dar uma contribuição muito importante ao país na medida em que consigamos estabelecer algumas regras gerais para o cadastro.

Ministério das Cidades – Essa questão também foi construída pensando no processo de elaboração dos planos diretores participativos. Tão fácil seria o processo participativo do planejamento de plano diretor se os municípios tivessem à disposição um cadastro atualizado, com todas suas multifinalidades! Essa questão focou mais o sentido de reforçar a real necessidade do cadastro. São questões iniciais muito importantes para nosso propósito de capacitação.

 



Últimos boletins



Ver todas as edições