BE2239
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Favelas: regularização fundiária
Por mais estranho que possa parecer, da mesma forma em que os moradores das favelas recusam-se a ocupar casas mais afastadas, apesar da perspectiva de obter conforto mais elevado, o sentido da propriedade é muito forte e a grande maioria é agarrada ao barraco que construiu ou comprou. Esse ponto deve ser explorado positivamente. Lembrando o poeta Adoniran Barbosa, ao se derrubar a maloca, cada tábua que caía, doía no coração! Trata-se de sentimento autêntico, pelo qual os favelados, ao obter a titulação de seu terreno, passam a se considerar efetivamente cidadãos. Lembre-se que a conta de luz já traziastatus bem mais elevado e produzia orgulho, mesmo que significasse parcela bem pequena desse processo.
Sem dúvidas, a regularização fundiária é fundamental. O processo é, contudo, extremamente difícil, envolvendo extraordinário montante de áreas públicas que não poderão ser simples objeto de doação, bem como milhares de terrenos de propriedade privada, de tamanhos variados, cujo valor é hoje, na prática, quase nulo, mas cujos proprietários veriam, se aberta a discussão, a oportunidade de negociar e recuperar algum dinheiro. Há dois formatos básicos a considerar, na solução do problema. O gradual que não vem dando certo, pois o crescimento ilegal vem se realizando em velocidade bem maior do que a regularização. E o geral, que dependerá de ampla discussão pela sociedade e firme posicionamento do Congresso.
O debate deve ser público, afastando os viéses de moradores do morro ou do asfalto. Para os primeiros, cabe deixar de lado a postura de coitadinhos, passando a assumir a discussão do problema, na qualidade de cidadãos que ocupam um pedaço de terra urbano, há muitos anos, com direitos morais e legais e, sobretudo, com o legítimo desejo de se tornarem proprietários. Deverão, de algum modo, contribuir para tal, inclusive pagando, mesmo que em módicas prestações, pelo pedaço de terra que passará para seu patrimônio, de forma definitiva, com registro em cartório. Com esta disposição, seria possível pressionar por soluções coletivas e ultrapassar as barreiras legais que vêm impedindo a almejada regularização fundiária.
Propostas para o impasse
Do lado dos moradores do asfalto, não basta permanecer reclamando das agruras do crescimento das favelas e das ameaças que vêm sofrendo à integridade física, em função dos tiroteios entre traficantes. Precisam participar intensamente da discussão do problema, tendo em conta que a proximidade de população mais pobre também lhes traz consideráveis vantagens, em termos da prestação de serviços e que cabe aos mais ricos, intelectualmente mais preparados, desenvolver propostas que possam resolver o impasse. Devem lembrar que é melhor perder os anéis do que os dedos e que, no final, pode-se encontrar situação racional para todos, reduzindo a insegurança e buscando a paz e harmonia, para toda a sociedade.
O papel mais relevante é o do Congresso Nacional. O mero equacionamento do usucapião urbano não resolve o problema, pois transfere, para a esfera judicial, a discussão de situações isoladas que se arrastam, por décadas. Recair-se-ia no caso da solução gradual que vem fracassando redondamente, pois os novos barracos que são construídos, o são em número muito maior do que aqueles que se regulariza ou mesmo se derruba. A situação é de extrema gravidade, crescendo assustadoramente e envolvendo aspectos os mais contraditórios. Além dos debates públicos, dando-se ênfase para os diretamente interessados e ouvindo aqueles que já vivenciaram o problema, cabe gerar regras definitivas, para a propriedade urbana.
Enquanto não houver disposição para resolver o problema da regularização fundiária urbana que está na raiz dos demais, é difícil encontrar trégua que, ao menos, limite o crescimento desmesurado das favelas e, mais que isso, o domínio que os traficantes sobre elas exercem.
Estabelecidas regras legais, durante o processo de ajuste, as aberrações urbanísticas poderão ser resolvidas, neste caso assumindo o Estado o ônus que eventualmente for causado a moradores.
Lembre-se que, mesmo no asfalto, quando se impõe a abertura de nova via de acesso, ou outro tipo de melhoria, é possível desapropriar propriedades legalmente constituídas. Este fato deve ocorrer, apenas, priorizando o interesse público, sem favorecer a quem quer que seja. (Jornal do Commercio, Luiz Oswaldo Norris Aranha, 21/dez/2005).
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