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Parcelamento do solo urbano, regularização e registro
Projeto de Lei inova e cria grandes expectativas
Patricia Ferraz*
OProjeto de Lei n° 3057/2000, que regulamenta a ocupação do solo urbano e que foi aprovado, por unanimidade, na Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara dos Deputados,pode representar um dos mais importantes marcos regulatórios do país, no que se refere à construção de um sistema de fomento ao desenvolvimento econômico do Brasil.
Este projeto, que inicialmente altera a vigente lei de parcelamento do solo urbano (L 6766/79), criando a figura do condomínio urbanístico, simplificando e agilizandoa fixação de diretrizes, aprovação e registro de novos parcelamentos do solo, explicitando responsabilidades do empreendedor e do Poder Público em termos de implantação e manutenção de infra-estrutura e equipamentos comunitários nos parcelamentos,compatibilizando alegislação ambiental – em especial no que serefere às normas sobre as áreas de preservação permanente (APP) em áreas urbanas – e aprimorando os mecanismos e instrumentos de intervenção do poder público nos parcelamentos irregulares, ainda tem o importantíssimo papel de normatizar, ineditamente, em âmbito federal, a regularização fundiária das áreas urbanas.
A irregularidade fundiária dos espaços urbanos não é um problema exclusivo do Brasil, mas em razão de nossas dimensões continentais e da amplitude desse problema em nosso território, o mundo nos observa com atenção, já que vivemos em uma economia globalizada, na qual os efeitos das políticas públicas locais podem reverberar em todo o planeta.
Há estimativas do Ministério das Cidades de que a média da irregularidade urbana seja algo entre 40%e 70% dos imóveis no Brasil. No Ceará, por exemplo, esta média é de 80%. Em Diadema, na Grande São Paulo, é de 70%. Há cidades que estão inteiramente excluídas do sistema formal imobiliário!
Disso decorrem vários impactos sociais, políticos, econômicos e urbanísticos que podemos constatar facilmente.
O morador de imóveis irregulares não tem vinculação afetiva com esse bem, portanto, e porque não tem segurança jurídica que a propriedade regular lhe garante, não investe na melhoria da casa ou terreno que ocupa. Sua auto-estima é reduzidíssima, porque não goza de alguns dos direitos mais fundamentais do cidadão. Também por isso não participa das discussões dos assuntos que lhe interessam, não cuida do entorno do local onde reside, não se preocupa com a preservação e recuperação ambiental e, ainda, muitas vezes, se submete a um relacionamento simbiótico com as figuras que substituem o Estado em suas funções mais básicas. O relacionamento entre a comunidade e criminosos e corruptos é favorecido pela hipossuficiência econômica dessas pessoas.
Os imóveis, nesse quadro, têm sua utilização reduzida ao mínimo possível, que é de abrigo físico. Sua função econômica é quase inexistente, porque imóveis irregulares e direitos não registrados não podem ser dados em garantia para obtenção de empréstimos. Assim, quem necessita de crédito e não tem a propriedade deum imóvel recorre ao mercado informal (agiotas) ou a créditos pessoais no mercado formal, hipóteses em que os juros fixados são muito mais elevados do que quando um imóvel é dado em garantia. Por exemplo, os microcréditos concedidos pelo BNDES com garantia real tem juros fixados em 2%. Sem essa garantia os juros sobem para 4%.
Economicamente esse panorama é desastroso para o país, porque mantém a população economicamente menos favorecida (e que é a maioria, pois 80% dos brasileiros ganha até 5 salários mínimos por mês) em um aprisionamento do qual dificilmente tem chances de sair. Seus recursos são escassos e os créditos que obtém são mais caros!
Esse quadro, contudo, pode ser dramaticamente modificado com a regularização fundiária, através do reconhecimento, pelo Estado, da existência dos direitos que estão há muito sendo exercidos pelos cidadãos nas áreas urbanas, bem como a "poupança" que o povo tem feito em cimento, tijolos e cal ao longo dos anos sobre esses imóveis.
O passivo econômico e social, portanto, seria convertido em direto de propriedade, ativo imobiliário, estimulando a movimentação das atividades econômicas, não só porque o cidadão passaria a investir em seu imóvel, mas ainda porque teria ampliada sua capacidade de investimento em seu pequeno negócio e mesmo na educação de seus filhos, dada a ampliação de sua capacidade de obtenção de crédito com custo reduzido. Circulariam mercadorias; empregos seriam gerados.
Esse passo é fundamental para que trilhemos o caminho do desenvolvimento econômico sustentado. Não é razoável, nem técnico, imaginarmos que um país com a pobreza disseminada como a que temos hoje poderia garantir o sucesso de qualquer política econômica e social sem a utilização de medidas mitigadoras dos impactos negativos da irregularidade imobiliária e apenas baseado no desenvolvimento das grandes atividades industriais.
Mas para tanto as regras hoje vigentes precisam ser mudadas, como proposto no PL 3057/2000, pelo Dep. Barbosa Neto, de Goiás. O projeto facilita a regularização fundiária de várias formas. Primeiro, porque permite que ela seja feita através das Prefeituras e Registros de Imóveis, sem necessidade de processos judiciais, salvo quando houver conflitos. Depois porque flexibiliza as regras urbanísticas e ambientais, abrindo para esses imóveis os portões "cidade legal''. Mais, porque permite que haja compensações de áreas, para atendimento dos padrões urbanísticos garantidores da manutenção de espaços públicos para instalação deescolas, postos de saúde, áreas verdes e de lazer e sistema viário. Além disso, ainda inova, criando duas inéditas e fundamentais figuras legais - que são a demarcação urbanística e a legitimação de posse, que agilizarão sobremaneira a regularização fundiária.
Mas não é só. Esse projeto tem uma característica fundamental: olha para o problema da ocupação do solo urbano de vários pontos distintos e o trata de forma sistêmica, de tal sorte que, inclusive, promove alterações na Lei de Registros Públicos, aprimorando o sistema de Registro Imobiliário, possibilitando que as transações imobiliárias ganhem celeridade e segurança jurídica. Neste ponto, aliás, o PL é de notável modernidade e apuro técnico, trazendo para o Brasil inovações que já funcionam muitíssimo bem em outros países.
Tal como ocorre na Espanha, uma das mais respeitadas economias do mundo, este projeto prevê a concentração no Registro de Imóveis dos fatos e circunstâncias relativos a essesbense a impossibilidade de usar contra o adquirente, que de boa fé adquiriu o bem e por ele pagou, informações que não estejam registradas. Assim, o cidadão, o empreendedor, as instituições financeiras, ou seja, a qualquer um que tenha interesse em um bem de raiz, poderá, apenas com uma certidão do Registro Imobiliário saber tudo o que há sobre o bem: quem é o seu real proprietário, se há hipotecas vigentes ou não, ou se sobre ele há qualquer limitação administrativa, judicial, contratual,urbanísticae ambiental. A avaliação do risco do negócio imobiliário, portanto, será muito mais fácil, rápida e barata e estará encerrada a fase da peregrinação em busca de certidões do imóvel e de seu proprietário.
Com a aplicação dessas inovações, os ocupantes de imóveis irregulares terão efetivas chances de se transformarem em proprietários dos terrenos que ocupam e de ingressarem em um sistema imobiliário muito mais fortalecido, rápido e seguro. E, em matéria de crédito imobiliário, segurança jurídica e celeridade são componentes básicos para barateamento dos custos.
Todas essas inovações, entretanto não são as únicas. Há muitas mais e tão interessantes quanto essas às quais me referi. Por exemplo, este projeto de lei altera a legislação que regulamenta a utilização dos recursos do FGTS, permitindo seu acesso para financiamento da aquisição de lote urbanizado, bem como para o pagamento da lavratura de escritura e dos atos de registro. Ainda regulamenta, de forma mais equânime, a relação de compra e venda entre loteador e comprador. E possibilita a regularização quadra a quadra em situações que define como irreversíveis. Há mais ainda.
Este, contudo, foi apenas um passo no processo de aprovação do PL. Agora estamos trabalhando para que ele seja aprovado o mais rapidamente possível pelos plenários da Câmara e do Senado, idéia que conta com a simpatia de vários e renomados Parlamentares. Por isso, no próximo dia 6/12, terça-feira, às 15:30h., será realizado em Brasília um ato público, com a finalidade de angariar apoio político para que o projeto seja votado nas duas casas ainda este ano. Assim, é muito importante que compareça a este evento o maior número de pessoas possível.
Todos nós podemos contribuir para que esse ato seja um sucesso, comparecendo ao evento e informando nossos contatos acerca da importância deste projeto para a nação. Espero por vocês!
*Patricia Ferraz é registradora imobiliária e diretora do Irib
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