BE1909

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Presidente do IRIB entrevista presidente do Colégio Notarial do Brasil


O Notário e Presidente do Colégio Notarial do Brasil, Flávio Bueno Fischer, é o entrevistado desta semana no Boletim do Irib.

Fischer é titular do 1º Tabelionato de Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul. Bacharel em Direito, formado em 1972, com 16 anos de idade ingressou no cartório como auxiliar do então Cartório Poisl , preenchendo formulários e carimbos, além de, nas férias do responsável, fazer as intimações dos devedores de títulos apontados, de bicicleta, em todo o município de Novo Hamburgo.

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Em dezembro de 1975 foi convidado por Poisl a voltar ao Tabelionato, agora na condição de Ajudante do Tabelião, função hoje identificada como Tabelião Substituto. Aceitou o convite, e, após liberar-se de todos os compromissos que tinha na banca de advocacia em que trabalhava desde 1973, em São Leopoldo e região, iniciou novamente suas atividades notariais e registrais em 1º de março de 1976, como empregado de Poisl, após aprovação do Tribunal de Justiça, condição que foi mantida até 9 de outubro de 1987, quando foi efetivado como titular do hoje 1º Tabelionato Fischer, permanecendo íntegras todas as funções e atividades já mencionadas.

Fischer é professor concursado de Registros Públicos da Universidade do Vale do Rio dos Sinos ( UNISINOS ), em São Leopoldo, onde concluiu, há mais de dez anos, Curso de Pós Graduação em Direito Civil - Coisas, estando hoje afastado dessas funções.

É palestrante freqüente, bem como debatedor de temas relacionados ao notariado e aos registros públicos, em inúmeros eventos e cursos especializados, tendo publicado vários trabalhos técnicos, entre os quais os disponíveis na sua página web para download . Foi palestrante no Curso "O Novo Código Civil e sua Repercussão no meio Notarial e Registral", promovido pelo Colégio Notarial do Brasil-RS, juntamente com o IARGS, coordenando o debate sobre os contratos especiais e sobre Ata Notarial, cujo resumo está sendo disponibilizado também na sua página na Internet.

É atualmente o Presidente do Colégio Notarial do Brasil e, nessa condição, concedeu a entrevista abaixo ao Presidente do Irib, Sérgio Jacomino.

Sérgio Jacomino –  Tendo sido eleito no influxo de um grande movimento de renovação no meio notarial, potencializado com as discussões que antecederam a lei 10.931/2004, como o senhor vê o desafio de reintroduzir o notariado brasileiro no cerne das grandes questões econômicas e políticas contemporâneas?

Flávio Bueno Fischer – Penso que nós, notários, por razões inúmeras, em nossa grande maioria, temos nos mantido quase inertes e acomodados diante dos acontecimentos e das agressões que temos sofrido vindas de várias áreas. Os acontecimentos pré e pós-lei 10.931 deixaram isso muito claro. Uma minoria batalhadora, sem quaisquer recursos financeiros, salvo apoios insuficientes de dois colégios estaduais – São Paulo e Rio Grande do Sul, lutou antes, durante e depois de promulgada a famigerada lei. E, embora tendo conseguido pequenas vitórias, acabamos premiados pela medida provisória que consagrou a proliferação do instrumento particular, mais do que já existia anteriormente. Fica difícil, quase impossível, para uns poucos, sem recursos, trabalhar em diversas frentes, na sociedade e nos governos, nos legislativos e nos executivos, em todos os escalões, para demonstrar a necessidade, a conveniência e a indispensabilidade da intervenção notarial nos negócios imobiliários e outros, em razão de sua imparcialidade e condição de verdadeiro agente da paz social. Então, o grande desafio é sensibilizar um número significativo de colegas para o problema, mas principalmente para as soluções, que existem, mas precisam de apoio pessoal e financeiro. O início dos trabalhos para vencermos tal desafio começou durante a própria assembléia de 11 de março de 2005, que elegeu nossa nova diretoria e definiu algumas prioridades. Veremos se desta feita uma quantidade maior de colegas se dispõe a arregaçar as mangas e partir para a luta com muita energia e apoio. É nisso que acreditamos ao iniciar nosso mandato, porém com muito realismo e os pés no chão. Se um mínimo de apoio pessoal e financeiro não acontecer em breve, muito breve, seremos testemunhas de nossa derrocada final. Não podemos e não vamos permitir esse desastre!

SJ –  Em 2004, o Banco Mundial editou um relatório que ficou famoso por indicar que os custos com a atividade notarial são excessivos (Doing Business 2004: Understanding Regulation – http://rru.worldbank.org/DoingBusiness/Main/DoingBusiness2004.aspx , especialmente o capítulo 2). As críticas foram refutadas com argumentos que podem ser assim resumidos: lei da selva (leia-se mercado) versus império da lei. É possível promover uma reengenharia da atividade notarial? O que está errado e o que está certo com o mercado e com a atividade notarial?

Flávio Bueno Fischer – É consenso geral que, por paradoxal que pareça, a livre concorrência nos serviços notariais, que só não ocorre no protesto de títulos e nos registros públicos, seria o mal maior. No entanto, existem exemplos em todo o país de notários que investiram fortemente na tecnologia, no planejamento estratégico, no treinamento dos funcionários, tanto nos aspectos técnicos como administrativos e de atendimento ao público, com excelentes resultados, caracterizando com toda a clareza, a livre concorrência saudável . Portanto, o mal da chamada concorrência se situa no âmbito da ética, e em muitos casos, beira o desrespeito às normas para benefícios escusos. Certamente não são excessivos os custos dos atos notariais. Existem discrepâncias, em alguns estados as leis de emolumentos são flexíveis demais, permitindo cobranças de valores muito acima da média dos demais, o que ocorre em todas as esferas dos serviços notariais e registrais, provocando até a concorrência de atos entre colegas de mais de um estado. E ninguém é punido por isso. O fundamental é a conscientização de todos nós, de todas as naturezas de serviços, para chegarmos a um razoável consenso. Falta a compreensão do verdadeiro sentido da atividade, em primeiro lugar entre os próprios notários, mas também entre os registradores e outros profissionais, e, muito especialmente, dos integrantes dos poderes legislativo, executivo e até mesmo do judiciário, em alguns casos. É possível modificar esse quadro? Claro que sim! Mas é necessário um plano nacional muito bem elaborado, analisado e construído por colegas e por consultorias externas, que podem ajudar muito. Tenho essa experiência em meu tabelionato em Novo Hamburgo, com resultados que podem ser constatados por quem se dispuser a tanto. Nossa comunidade, com toda certeza, está satisfeita e tirando proveito desse trabalho.

Como reverter a perda de atribuições dos notários

SJ –
 Todos apontam o momento crucial na perda de atribuições dos notários com o advento do BNH, em 1964, com as famosas escrituras particulares com força de escrituras públicas. Na verdade, a contratação privada no Brasil tem raízes históricas. Veja-se o alvará de 30 de outubro de 1793, em que a rainha D. Maria I, já afastada dos negócios públicos – com o príncipe D. João à frente do governo –, reconhecendo o "costume do Brasil acerca do valor dos escriptos particulares e provas por testemunhas", confirmava o dito costume como legítimo. Sem falar na tradicional dispensa da formalidade da escritura tabelioa para a compra e venda de bens de raiz de valor inferior a duzentos mil réis (lei 840, de 15 de setembro de 1855 e Ordenações Filipinas, Livro 3, Tit. LIX). Como conter essa tendência? Quais as razões que podem ser apresentadas para reverter esse processo histórico?

Flávio Bueno Fischer – De um lado, a reversão desse quadro passa pelo aspecto já mencionado da falta de conhecimento da atividade e de sua importância, pelos operadores do Direito e pelos usuários em geral, além das já mencionadas autoridades. De outro, e muito mais importante e definitivo, passa pela modernização absoluta dos serviços notariais, com tecnologia e gerenciamento eficazes, para o que muitos já estão despertos e tomando as providências devidas. Reconhecemos que os tabelionatos de centros menores padecem de recursos e de condições para a modernização completa e necessária. Mas proliferam alternativas mais baratas e muito especialmente existe a obrigatória conscientização de todos de que uma postura diferente deve ser adotada. Ainda há colegas que se recusam a considerar o usuário de nossos serviços como um cliente, com todas as conseqüências que essa postura requer. E cliente que não é bem tratado não volta. Pior, fala mal e tenta "se livrar" de comparecer nesse serviço.

SJ –  Em recente artigo publicado no BE-Irib 1620 ( www.irib.org.br/notas_noti/boletimel1620.asp ), o advogado Mauro Antônio Rocha, da Caixa Econômica Federal, registra que a instituição "exerce atividade de caráter notarial, devendo, por zelo e para prevenir responsabilidades pautar-se pelas normas legais e administrativas aplicáveis aos notários públicos". E mais: "no exercício de atividade de caráter notarial é prudente que o agente financeiro se abstenha de lavrar instrumentos que tenham por objeto negócios jurídicos que envolvam frações ideais".

Flávio Bueno Fischer – Esse advogado não deveria ter proferido tais afirmações. Ele confessa o exercício ilegal da profissão de notário pela Caixa Econômica Federal, com as conseqüências daí decorrentes. Esse fato corresponde ao que afirmei na apresentação que fiz na comissão especial que examinava o então PL 3.065, hoje lei 10.931, plagiando nosso colega Tullio Formícola: se um médico ao perceber que o paciente padece de grave infecção dissesse “vou acabar com essa doença te receitando uma aspirina de 8 em 8 horas, mas é uma aspirina que por lei tem força de antibiótico”, qual seria a reação do paciente? Essas normas que consagraram o chamado escrito particular "com força de escritura pública", não têm a força do antibiótico e em nada se comparam à atividade notarial. Nossas leis, nesse caso, estão proporcionando a proliferação de doentes que necessitam de antibiótico, porque estão receitando aspirinas. E mesmo a CEF, quando elabora um instrumento particular de compra e venda com hipoteca, "com força de escritura pública", não assume, por óbvio, a condição de estar praticando "atividade notarial", como erroneamente o advogado citado menciona. E se assim se considera, está praticando ilegalmente nossa profissão.

SJ –  Por que padecemos de uma legislação notoriamente deficiente para regular a atividade notarial no Brasil?

Flávio Bueno Fischer – Por todos os fatores antes mencionados, e porque a atividade notarial do tipo latino, que é a nossa, esteve desde seus primórdios elencada como serviço auxiliar da justiça, ou como integrante do chamado foro extrajudicial. É um equívoco histórico, que só começou a ser corrigido por ocasião da edição da lei 8.935/94, que ainda não está conseguindo ser plenamente aceita em todo o país. Todas essas iniciativas legislativas a respeito de nossa atividade surgem sem qualquer consulta às nossas entidades. Depois temos de correr atrás para tentar "remendar" os erros e prejuízos ao consumidor de nossos serviços e a nós próprios.

Aspirina que por lei tem força de antibiótico

SJ –
 Em sua opinião, quais as vantagens da escritura pública notarial em contraste com a contratação privada?

Flávio Bueno Fischer – O tabelião orienta o consumidor e o vendedor de forma imparcial, aconselha e previne sobre as conseqüências dos negócios. Nesse papel, o tabelião esclarece as circunstâncias e o conteúdo dos contratos. São evitadas nulidades e falsidades, uma vez que intervém um oficial público, um fiscal da lei. As escrituras públicas têm fé pública e pleno valor probatório. As escrituras públicas têm força executiva, o que acelera e barateia o custo da Justiça. O tabelião é responsável pela legalidade das escrituras que lavra. Se ocorrer nulidade, responderá pelas perdas e danos que causar. O tabelião é responsável pela fiscalização das leis e dos tributos devidos ao Estado, sem qualquer custo para a Fazenda. Os impostos não são sonegados, revertem para benefício da população. Em resumo, a atuação notarial proporciona segurança jurídica e auxilia na paz social. Em contraste com essas afirmações, temos que o instrumento particular é, em geral, elaborado por uma das partes contratantes, normalmente empresas de grande porte, com seus advogados, que vão procurar inserir cláusulas de interesse de seu cliente contra o interesse do outro, normalmente parte mais fraca na relação. Falta aí o notário, imparcial, que orientará ambas as partes para a melhor redação do instrumento público, no caso. No Brasil, há o vício de tentar “desburocratizar”, eliminando o assim considerado “atravessador”, que seria o notário, sem que a sociedade e os governantes se dêem conta de que estão abrindo mão de um verdadeiro fiscal da lei e dos tributos, o que não custa absolutamente nada para o governo, nem para os contribuintes dos impostos. Assim é porque apenas o usuário e beneficiário do serviço notarial é que paga os emolumentos devidos, muito mais econômicos, mais baratos que qualquer consultoria jurídica ou taxa de contrato cobrada indiscriminadamente pelos demais contratantes dos negócios. Além do mais, tais serviços são tabelados em todo o país, na forma das respectivas legislações estaduais. Talvez se pudessem modificar um pouco os critérios, para que não houvesse disparidade de emolumentos de estado para estado. Ocorre-me agora mais um argumento: com a proliferação dos instrumentos particulares “com força de escritura pública”, qualquer pessoa vai acabar assumindo a posição do médico – e notário – e começar a receitar aspirinas em seus contratos imobiliários. Fico indignado porque o legislador, em vez de usar o notário que lavra a escritura pública, prefere permitir que qualquer pessoa elabore um documento assim importante, atribuindo-lhe “força de escritura pública”. É um contra-senso: se se reconhece que a escritura pública é forte, tal como o antibiótico, porque atribuir ao instrumento particular – uma simples aspirina –, magicamente, essa força? É a porta escancarada para a fraude, já tão enraizada em nosso país. Quando se prega a moralidade, a transparência, que nos negócios imobiliários encontra verdadeira guarida na atuação notarial e, depois, no registro, permite-se, por artifícios legislativos, a verdadeira “gandaia imobiliária”. Em pouco tempo, teremos documentos manuscritos em papel de pão, no balcão de um armazém, transferindo propriedade imobiliária, e o coitado do registrador imobiliário, se ali encontrar os requisitos mínimos e legais para o registro, não poderá recusá-lo. Mais ainda, com muita facilidade os estelionatários, que já se atrevem a falsificar escritos públicos – que, no entanto, podem ser facilmente detectados, uma vez que o notário arquiva em seus livros e/ou computadores, os originais de sua escritura –, produzirão instrumentos particulares falsos. Também falsificarão assinaturas, uma vez que o notário não está presente para conferir a identidade, e acabarão por obter um registro com aparência de legalidade. Daí em diante, a cadeia registral estará correta, atendendo o princípio da continuidade, e outras vendas poderão ser realizadas, até que o “terceiro de boa-fé” descubra o imbróglio e fique no prejuízo.

Função do Colégio Notarial, da Anoreg-Br e das demais entidades

SJ –
 Em termos corporativos, qual a função do  Colégio Notarial? O que o aproxima da Anoreg-BR e o que o afasta? Quais os pontos de convergência e quais os de divergência?

Flávio Bueno Fischer – Entendo que o Colégio Notarial é a entidade que congrega os notários de todo o país, com a participação dos colégios regionais. E como tal, deve ser o porta-voz legítimo e único de todas as questões que digam respeito à atividade notarial, assim como cada um dos demais institutos-membros da Anoreg representam e coordenam as atividades e reivindicações das respectivas especialidades.

A Anoreg-BR nasceu da transformação da antiga ATEB, que tinha o papel de articuladora de todas as especialidades de serviços, em Brasília, e que cumpriu perfeitamente sua finalidade. A idéia era que a Anoreg pudesse ser a entidade a viabilizar a atuação de todas as entidades filiadas, especialmente no âmbito político nacional, em Brasília. Por essa razão foi necessário constituir as Anoregs estaduais. Mas a Anoreg do Brasil jamais teve como papel a concorrência com as demais entidades. Entendo que, nesse aspecto, algumas atividades que a Anoreg-BR tem exercido entram em conflito com cada uma das especialidades, o que não deveria ocorrer. Minha visão a respeito da Anoreg é de que ela deveria ter como associados apenas e tão-somente as entidades de cada uma das especialidades. As entidades específicas é que devem ser constituídas e mantidas diretamente por seus associados. Quando houvesse divergência de interesses e/ou atividades entre os institutos membros, o foro adequado para resolver a questão seria a Anoreg-BR. Enfim, esse tema é muito vasto para uma resposta completa neste momento. Mas fica aqui minha proposta pública de manter a prática de encontros de todos os institutos-membros com a direção da Anoreg-BR, para aperfeiçoar uma proposta específica: compreensão do papel de cada uma das entidades e, especialmente, a definição dos limites de atuação da Anoreg-BR. Aliás, enviei essa proposta na primeira semana em que assumi a presidência do Colégio Notarial, tendo sido acolhida pelos presente na reunião e pelo presidente Rogério Bacellar, que cuidou de apresentar algum ajuste. Aguardaremos os resultados desse encontro, que certamente será salutar para que possamos aproveitar plenamente o tempo, sob pena de deterioração de nossos relacionamentos, o que seria extremamente indesejável e negativo.Esse encontro poderia, também, iniciar um movimento de redução dos compromissos mensais de cada um de nós, que acaba contribuindo para diversas entidades, no fundo com a mesma finalidade. As contribuições poderiam ser exclusivamente estaduais ou regionais, e parte desses valores poderia constituir um fundo de manutenção das atividades da Anoreg-BR, deixando de haver essa verdadeira concorrência entre as entidades pela captação e cooptação dos colegas contribuintes.

SJ –  Em relação aos registradores, o que aproxima os notários dos registradores e o que os afasta? É possível investir numa agenda comum de registradores prediais e notários?

Flávio Bueno Fischer – Em 1991, escrevi um trabalho a respeito, apresentado em congresso do IRIB e publicado na revista Estudos jurídicos , da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Unisinos, em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul – Notários e registradores: uma visão integrada –, disponível para download no site  www.tabelionatofischer.not.br

Continuo acreditando que notários e registradores não só podem como devem estabelecer uma agenda comum, proposta que já fiz ao presidente do Irib Sérgio Jacomino, pessoalmente, e que foi muito bem recebida. Agora é começarmos os trabalhos.

Separações consensuais pelos notários

SJ –
 Em recente artigo publicado na Folha de São Paulo de 21 de janeiro de 2005, criticou-se veementemente o processamento das separações consensuais pelos notários, que representaria um "patético e retrógrado retorno aos tempos da Justiça em mãos de particulares". Como o senhor vê a atuação notarial na celebração de separações consensuais e arrolamento, quando não existam interesses de menores e incapazes?

Flávio Bueno Fischer – Absolutamente adequado e produtivo. No Rio Grande do Sul, onde já fazemos as partilhas causa mortis , porém ainda dependendo de homologação judicial, os resultados são alentadores. Que digam os clientes e os advogados que têm se utilizado desse mecanismo. É preciso ficar sacramentado de vez que o Judiciário, por suas imensas responsabilidades, não precisa envolver-se e despender recursos para atender os chamados processos de jurisdição voluntária. Quem é o especialista em contratos imobiliários e tudo o que se refere ao tema? Não é exatamente o notário? Que se pergunte ao povo em geral o que acha de obter uma partilha causa mortis ou em separação e divórcio, desde que haja consenso, o que é a grande maioria dos casos, em menos de uma semana? Prazo perfeitamente factível mediante intervenção notarial. E quanto tempo tem demorado processo idêntico pelos caminhos da Justiça? No mínimo seis meses, quando não muito mais. E não se queira aqui atribuir culpa ou responsabilidade aos juízes. A questão é a estrutura do Judiciário, que com poucos recursos tem de atender toda a gama de processos e questões administrativas de que é incumbido. No texto de minha autoria a que me referi na resposta anterior, há uma comparação muito precisa das atividades do notário e do juiz. Em resumo, o notário é um verdadeiro juiz preventivo, quando elabora instrumentos adequados, evitando litígios futuros. O Judiciário atua a partir do conflito, exatamente para restabelecer a ordem e a lei. O notário atua antes, preventivamente, para evitar que o caso se transforme em conflito e provoque a atuação do Judiciário.

SJ –  Os concursos públicos terão a virtude de renovar a atividade notarial no Brasil?

Flávio Bueno Fischer – Já estão cumprindo esse papel. Não só entre notários, mas em todas as atividades notariais e de registro.

Documentos eletrônicos na atividade notarial

SJ –
 Os documentos eletrônicos representam uma ameaça à atividade notarial?

Flávio Bueno Fischer – Pelo contrário, é de nossa capacidade absorver as novas tecnologias e oferecer mais esse serviço, colocando-o à disposição da população, das empresas em geral e dos bancos, que vão depender os efeitos que a utilização dos documentos eletrônicos irá produzir. Entendo que basta transportar para o meio eletrônico todos os conceitos de segurança, agilidade e simplicidade que os notários possam propiciar no meio papel. Os usuários de nossos serviços farão questão absoluta de produzir seus documentos eletrônicos, quando for o caso, mediante serviço notarial, no qual a responsabilidade do agente é absoluta, o que não ocorre no instrumento particular, em papel ou eletrônico.

SJ –  Os notários brasileiros estão aparelhados para confeccionar um documento eletrônico? Como superar as assimetrias verificadas entre notários de grandes centros urbanos e profissionais de locais afastados que nem sequer têm computador em seus cartórios?

Flávio Bueno Fischer – Novamente aqui é preponderante o papel das entidades de classe. Bem definidas as atribuições de cada entidade e o papel delas em conjunto, com a coordenação salutar da Anoreg-BR, certamente será possível disseminar por todo o país as práticas notariais mais corretas, mais bem produzidas no aspecto técnico e notarial, bem como utilizando as mais modernas tecnologias. Já existem espalhadas pelo país diversas iniciativas tecnológicas de muito boa qualidade, em geral criadas e desenvolvidas pelos próprios notários, em parceria com empresas de tecnologia, quando não por empresas das quais os próprios notários fazem parte, exatamente por sua expertise , e que podem e devem ser absorvidas por todos. Sob coordenação das entidades não será difícil produzir esses resultados, com parcerias dessas empresas e órgãos financiadores. É possível até obter recursos menos onerosos para esse fim. Tudo dependerá de nossa criatividade, arrojo, persistência e desapego, e, muito especialmente, de posturas de nossos dirigentes de classe, que não visem disputas de beleza ou interesses pessoais, acima dos corporativos. Somos uma classe essencial para a sociedade que não está sabendo usar da força que tem, uma vez que padece de dificuldades internas, muito especialmente, e que prefere buscar fora de si as razões de seus problemas.

Notários: colaboradores do poder Judiciário na prevenção de litígios

SJ –
 Como o senhor avalia a existência de dublês de notários e de escrivães judiciais no Brasil? A especialização não é requisito essencial para o bom desempenho das funções notariais? Como avalia a estatização branca de notarias que funcionam com profissionais indicados pelos tribunais, em virtude de inexistência de concursos, ou mesmo de escasso interesse econômico
para a prestação da atividade?

Flávio Bueno Fischer – Historicamente, por desconhecimento ou por desinformação, e pelas origens de nosso notariado em Portugal, tais funções foram encaradas, por longo tempo, como integrantes do poder Judiciário. Usava-se, e ainda se usa em alguns estados, a designação de integrantes do foro extrajudicial . Nada mais equivocado, uma vez que não integramos o poder Judiciário, especialmente a partir da Constituição federal de 1988 e da lei 8.935/94. Também se usava essa terminologia para manter certo vínculo com o poder. Não se trata aqui de entrar no mérito de sermos ou não parte do poder, mas apenas de constatar que temos uma profissão de caráter jurídico, tal como a do advogado e demais profissionais do Direito. Efetivamente, colaboramos com o poder Judiciário na exata medida em que prevenimos litígios, evitamos conflitos e somos verdadeiros agentes da paz social. Nossa ligação com o poder Judiciário é nos moldes do que acontece com as demais profissões jurídicas. De um lado, a autonomia e independência profissional e, de outro, a sujeição aos rigores da fiscalização de nossos atos pelos tribunais de Justiça e pelos juízes de Direito competentes. Portanto, é fundamental que nossa profissão seja exercida de forma exclusiva, os tabeliães com suas atribuições e os registradores com as suas. Os escrivães judiciais nada têm a ver com nossa atividade e nem nós com a deles. O escrivão comanda uma espécie de secretaria dos serviços judiciais, atrelada ao juiz, visceralmente a ele vinculada. Não se pode admitir, por outro lado, os casos que ainda existem no Brasil de acumulação da atividade de tabelião de notas com a de registrador de imóveis, mas essa situação é temporária e a desacumulação deverá ocorrer na medida em que vagarem esses serviços, na forma da lei. Penso que nos locais onde não existir notário por razões econômicas, em vez de designar algum funcionário do judiciário, o tribunal deveria prover o cargo mediante concurso, e as entidades de classe deveriam assegurar uma renda mínima a esse profissional. Essa seria uma função de responsabilidade social das entidades, que serviria para o início de uma carreira notarial e/ou registral, até que esse titular pudesse chegar à titularidade de atribuições mais bem remuneradas, mas sempre mediante concurso. As entidades não deveriam permitir a existência de funcionários designados para tais funções, em desrespeito à lei e à Constituição.

Bueno Fischer, representando o ColNotBR em atuação com o Irib na questão da regularização fundiária (Diadema, 23/5/2005).

SJ –  O senhor considera a atividade do protesto como um registro público ou como uma típica atividade notarial?

Flávio Bueno Fischer – Não resta mais nenhuma dúvida a respeito. O protesto decorre de legítima e típica função notarial, em que o tabelião preside um verdadeiro processo de recebimento, apontamento, processamento, intimação e lavratura do instrumento público notarial do protesto, com posterior registro de caráter cadastral. Essa parte final da atividade não transforma o tabelião de protestos em registrador, assim como não o faz quando o tabelião de notas registra os alvarás e procurações utilizados em seus atos. No início das atividades do Instituto de Estudos de Protesto de Títulos do Brasil, IEPTB, essa polêmica foi levantada em boletim editado na época. E foi Carlos Luiz Poisl, tabelião aposentado de Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, em excelente, esclarecedor e definitivo texto – O protesto como ato notarial – quem espancou qualquer dúvida, tanto que a lei 8.935/94 consagra exatamente esse entendimento.

O maior desafio do notário

SJ –
 Na sua opinião, qual é o maior desafio que hoje se põe ao notário brasileiro?

Flávio Bueno Fischer – Adequar-se às novas tecnologias, realizar planejamento estratégico de suas atividades, treinar e valorizar os seus funcionários, agir e cobrar que todos o façam com ética e responsabilidade social. Não se concebe mais o tabelião aboletado em sua poltrona, atrás de uma escrivaninha cheia de livros e muito pó, evitando contato com o público usuário de seus serviços, permitindo que seus funcionários e/ou escreventes maltratem o público, quando não disputando clientela dentro do mesmo tabelionato ou mesmo entre colegas. O principal é exatamente o conhecimento notarial cada vez mais apurado, as tecnologias, e a postura voltada radicalmente em benefício do usuário, que o tabelião deve tratar com luvas de pelica, atendendo seus anseios e facilitando a vida dos cidadãos. O tabelião deve conferir a todos o poder de sua fé pública, com muita agilidade, segurança e simplicidade.

SJ –  Quais os seus projetos para essa gestão?

Flávio Bueno Fischer – Atacar todas as frentes de trabalho e atividades para mudar esse quadro, cumprindo inteiramente o papel do Colégio Notarial na solução desses problemas. Força de vontade é que não falta. Capacidade, talvez tenha alguma. Mas o apoio de toda a classe e a parceria das entidades como a Anoreg-BR será fundamental.

SJ –  Qual o recado que deseja passar aos registradores brasileiros?

Flávio Bueno Fischer – Definitivamente, vamos dialogar, encontrar os pontos em comum, esclarecer nossas posições e trabalhar em conjunto, pensando única e exclusivamente na satisfação total de nossos clientes. Os notários são clientes dos registradores, e a eles encaminham serviços diariamente. Como permitir as desavenças que conhecemos? Como aceitar posturas rígidas e, por vezes, exigências não previstas em lei? Por que não elaborarmos pautas comuns nas quais possamos divergir e convergir, respeitando-nos mutuamente? É o que espero de nossa ação na presidência do Colégio Notarial, em permanente contato com o IRIB, especialmente, mas também com todos os demais institutos e com a Anoreg-BR.



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