BE1795

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Recurso ordinário em mandado de segurança. Loteamento urbano. Ilegalidade - abusividade - ausência. Indisponibilidade - domínio público - direito líquido e certo - inexistência.


RECURSO ORDINÁRIO EM MS Nº 14.108 - SC (2001/0185069-0)

RELATOR : MINISTRO JORGE SCARTEZZINI

RECORRENTE : PROMOTORA CATARINENSE DE VENDAS LTDA

ADVOGADO : FRANCISCO MAY FILHO

T.ORIGEM : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA

IMPETRADO : JUIZ DIRETOR DO FORO DE PALHOÇA – SC

RECORRIDO : PINHEIRA SOCIEDADE BALNEÁRIA LTDA

ADVOGADO : RODRIGO BERNARDES ANTUNES

EMENTA

PROCESSO CIVIL - RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA - ATO JUDICIAL - ÁREA PRAIANA - LOTEAMENTO - AUTORIZAÇÃO PARA NOVAS MATRÍCULAS IMOBILIÁRIAS – EVENTUAL INTERESSE PÚBLICO - INDISPONIBILIDADE DE PERCENTUAL DOS LOTES EM RAZÃO DE DECISÃO JUDICIAL - DÚVIDAS QUANTO A EXTENSÃO DAS CONSTRIÇÕES - NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA - IMPOSSIBILIDADE - AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA - INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.

1- Na via constitucional do mandado de segurança, a liquidez e a certeza do direito devem vir demonstradas initio litis. Havendo necessidade de dilação probatória para se verificar se as áreas praianas ('Loteamento Praia Pinheira'), cuja inscrição foi determinada pelo suposto ato coator, são os mesmos 54 lotes descritos na lista dos imóveis constritos pela Medida Cautelar Inominada anteriormente deferida, havendo, inclusive, dúvidas quanto a eventual interesse público sobre referido imóvel, o instrumento do writ se mostra impróprio (art. 6º, da Lei nº 1.533/51).

2 - Recurso ordinário desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em negar provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, com quem votaram os Srs. Ministros BARROS MONTEIRO, FERNANDO GONÇALVES e ALDIR PASSARINHO JUNIOR. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro CESAR ASFOR ROCHA.

Brasília, DF, 23 de novembro de 2004 (Data do Julgamento)

MINISTRO JORGE SCARTEZZINI, Relator

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Ministro JORGE SCARTEZZINI (Relator): Cuida-se de Recurso Ordinário em Mandado de Segurança interposto por  PROMOTORA CATARINENSE DE VENDAS LTDA.,  sendo recorrido  PINHEIRA SOCIEDADE BALNEÁRIA LTDA  , com fundamento no art. 105, II, "b", da Constituição Federal, contra o v. acórdão de fls. 575/582 proferido pela Colenda Segunda Câmara Civil do Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina que, por unanimidade, negou provimento ao Mandado de Segurança, porquanto ausente a demonstração inequívoca da ilegalidade ou abusividade do ato.

A ementa do julgado encontra-se assim expressa, verbis (fls. 575):

"MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO JUDICIAL CONSISTENTE EM REGISTRO NA MATRICULA DE LOTEAMENTO QUE A ÁREA PODERÁ SER AFASTADAS POR IMPOSIÇÕES DECORRENTES DO DOMÍNIO PÚBLICO - DIREITO LÍQUIDO E CERTO INEXISTENTE.

Figurando no registro de imóveis que a área destinada a loteamento urbano não é de domínio público, o que é corroborado por declarações induvidosas do Estado e da Prefeitura Municipal, a sua deliberação judicial para o fim proposto, ou seja, loteamento urbano, não pode ferir direito líquido e certo, ainda que o Ministério Público, por razões de cautelas relativas ao aproveitamento do solo urbano, tenha sugerido que constasse, na respectiva matricula, restrições de interesse público.".

Alega a recorrente, nas suas razões, em síntese, que a autorização judicial, em processo administrativo, de abertura de matrículas imobiliárias viola decisão anterior que, em Medida Cautelar, decretara indisponibilidade de 60% dos lotes do Loteamento Praia Pinheira.

Aduz que os bens sujeitos às inscrições estão atingidos pela constrição. Requer a declaração da ilegalidade e a desconstituição das situações fáticas erigidas.

Contra-Razões apresentadas às fls. 599/601.

Estando tempestivo o recurso e devidamente preparado (fls. 594), subiram os autos a esta Corte.

A Douta Subprocuradoria-Geral da República opina pelo desprovimento do recurso (fls. 614/617).

Após, vieram-me conclusos, por atribuição.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Ministro JORGE SCARTEZZINI (Relator): Sr. Presidente, o recurso encontra-se preparado e tempestivo, porém, não merece ser provido.

Consta dos autos que a recorrente PROMOTORA CATARINENSE DE VENDAS LTDA. exerceu a atividade de corretagem, por contrato de cessão de direitos de venda com exclusividade, de lotes do empreendimento "Praia da Pinheira", de propriedade da recorrida, PINHEIRA SOCIEDADE BALNEÁRIA LTDA., atividade esta que se finalizou em 1988.

Irresignada, a ora recorrente ajuizou Ação de Cobrança, para entender devido créditos pertinentes à comissões não quitadas. Incidentalmente, ingressou com Medida Cautelar Inominada, a qual teve sua liminar concedida para tornar indisponível 60% dos lotes do referido empreendimento.

A ora recorrida, PINHEIRA SOCIEDADE BALNEÁRIA LTDA. , endereçou requerimento ao Sr. Titular da escrivaninha do Registro de Imóveis de Palhoça/SC, solicitando a abertura de novas inscrições imobiliárias, para fins de onerar cinco áreas de sua propriedade, totalizando 29.242 m2, localizadas nos fundos do "Centro Social n.1".

Encaminhado o requerimento ao D. Juízo monocrático, a MMa. Juíza Diretora do Foro da Comarca de Palhoça/SC, acolhendo manifestação do representante do Ministério Público, determinou a abertura das matrículas assinaladas no documento de fls. 08.

Inconformada, utilizou-se a prejudicada da presente via mandamental, alegando que o pedido de matrícula atinge parte dos lotes indisponibilizados pela decisão judicial anterior, proferida em sede de Medica Cautelar, bem como que a matrícula se refere a lotes e não à áreas, como afirma o Sr. Cartorário, sendo estas áreas localizadas entre as Avenidas Beira Mar e Central, sendo públicas e inalienáveis.

Adentro ao exame do recurso.

Compulsando os autos verifico que o deslinde da controvérsia envolve, necessariamente, dilação probatória, o que torna a presente via mandamental incabível. Isto porque, conforme pronunciamento do Ministério Público Estadual em 1a. Instância, exarado às fls. 338/339, verbis:

"Esta promotoria constatou interesse manifesto do Estado de Santa Catarina na questão tratada no presente feito, tanto que a fl. 119 foi requerido o chamamento da Procuradoria do Estado para intervir na defesa do seu patrimônio.

A manifestação de Estado de Santa Catarina vem a fl. 134, onde se limita a dizer que os Campos de Araçatuba são propriedade do Estado. Não manifestou oposição expressa ao pedido de abertura de novas matrículas sobre a área e não consta tenha intentado qualquer medida judicial na defesa de seu patrimônio.

A omissão do Estado, aliada à constatação de existência, validade e eficácia do título ostentado pela empresa Pinheira Sociedade Balneária Ltda. sobre a área,(docs. de fls. 10/12), conduzem obrigatoriamente à conclusão de que é possível a abertura de matrículas conforme pretendido, pois a área não está compreendida na restrição oriunda da Ação Cautelar Inominada n. 1/90, conforme refere expressamente o Sr oficial de Registro de Imóveis à fl. 02.

Entretanto, para que fique ressalvado o direito do terceiro de boa-fé, entendo que a empresa loteadora Pinheira Sociedade Balneária Ltda.

deverá ficar obrigada a cientificar os eventuais adquirentes acerca do teor do disposto na Lei Estadual n. 652, de setembro de 1904.

 Portanto, como o Estado de Santa Catarina não tomou qualquer medida efetiva na defesa de seu patrimônio, não tendo sequer suscitado ainda a nulidade dos títulos dominiais sobre a área, subsiste a existência, validade e eficácia do título de fls. 10/12, razão pela qual esta Promotoria de Justiça opina favoravelmente ao requerimento de abertura de matrículas das glebas assinaladas no documento de fl. 08, ficando ressalvado que o loteamento das referidas glebas, mesmo após matriculadas, condiciona-se à aprovação do respectivo processo de parcelamento do solo   ".

Todavia, posteriormente, instado pelo próprio parquet estadual, certificou o Sr. Oficial de Registro de Imóveis, às fls 218/219, o seguinte:

"Venho através do presente a Vossa Excelência, em resposta a manifestação ministerial de fls. 047, atender ao solicitado pelo Ministério Público e em seguida prestar os esclarecimentos ao requerimento da empresa Promotora Catarinense de Vendas Ltda., respondendo, todos os fatos levantados pelo representante da mesma, que diretamente fazem referência à pessoa do Oficial:

DA MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL

Quanto ao apontado no item b , da Manifestação Ministerial de fls. 17v, esclareço que a Cadeia Sucessória dos Títulos de domínio correspondentes às áreas que compõem o loteamento Praia da Pinheira, encontra-se autuada no Processo Administrativo n. 003/99.

Outrossim, informo que as áreas objeto deste processo, não foram parceladas à época, razão pela qual a empresa PINHEIRA SOCIEDADE BALNEÁRIA LTDA., requer sua matrícula.

Prova inequívoca da sua inserção nos títulos de domínio, verifica-se pela Doação por Encargos feita pela empresa requerente a PROMOTORA CATARINENSE DE VENDAS, da área destinada para construção do hotel, que situa-se em frente às áreas objeto deste processo.

DOS ESCLARECIMENTOS NECESSÁRIOS:

1 - A certidão expedida em 28 de setembro de 1999, expressa a mais pura verdade dos fatos e documentos arquivados neste Ofício Imobiliário, respaldada pela Planta do Loteamento aprovada em regime de retificação em 14/05/73.

02 - O procurador da empresa juntou aos autos um projeto alhures modificado, projeto este que, não é mais usado pela Prefeitura Municipal desta cidade e tampouco por este Cartório.

03 - Pelo projeto apresentado pela empresa, não há previsão para oneração de uma área de 33.356,00 m2 (trinta e três mil, trezentos e cinqüenta e seis metros quadrados), área esta que foi objeto de negócio entre a loteadora e a Promotora Catarinense de Vendas, em data de 17 de setembro de 1975, e registrada neste Cartório sob n. 31.794, do livro 3/U, em data de 18 de setembro de 1975 (Pinheira Turist Hotel) como se vê, dentro dos moldes da planta retificada.

04 - Quando a empresa Promotora Catarinense de Vendas afirma que a planta juntada às fls. 048 é falta e não tem legitimidade, esquece a mesma , que realizou diversas vendas, utilizando-se da retificação e das novas medidas nos lotes.

05 - Esqueceu a empresa Promotora Catarinense de Vendas Ltda. que além de dar lisura aos negócios imobiliários, tem também este serviço registral, por dever de ofício, o arquivo dos documentos aqui depositados.

06 - Provando com documentos oficiais, o que esclareci anteriormente, apresento as antigas plantas das quadras A e B e o centro Social, a nova planta retificada em 1973, onde no centro social 001, acha-se lançada uma gleba bem maior para o hotel, e também contratos de compra e venda, celebrados entre a PROMOTORA CATARINENSE DE VENDAS na pessoa do Sr Rodolfo Matheus Moreno e diversos compradores, e peço a V. Exa., que analise as áreas dos lotes contratados, comparando-as, com os quadros de áreas constantes das plantas anexas, e poderá ser verificado que a própria empresa PROMOTORA CATARINENSE DE VENDAS LTDA. vendia lotes com as medidas constantes da planta que hoje diz não ter legitimidade.

07 - Após as considerações acima acredito ter esclarecido todos os fatos levantados pela empresa PROMOTORA CATARINENSE DE VENDAS LTDA."

Ora, se por um lado há certidão do Sr. Oficial de Registro de Imóveis acerca da desoneração das áreas em litígio, o que causou dúvidas até ao Ministério Público Estadual, por outro lado não há provas pré-constituídas que a recorrida estaria errada em asseverar que os referidos lotes estão submetidos à constrição judicial.

A via do mandado de segurança presta-se à defesa de lesão ou ameaça de lesão a direito líquido e certo. Nas lições de HELY LOPES MEIRELLES , in "Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, etc", RT, 13a. edição, página 17:

"O objeto do mandado de segurança será sempre a correção de ato ou omissão de autoridade, desde que ilegal e ofensivo de direito individual e coletivo, líquido e certo, do impetrante."

Ensina-nos, ainda, conceituado autor que (página 13):

" Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se a sua existência for duvidosa; se a sua extensão ainda não estiver delimitada; se o seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais ." – grifamos.

Com efeito, não há como analisar, nos presentes autos, cuja prova deve vir pré-constituída, se as áreas praianas ('Loteamento Praia Pinheira'), cuja a inscrição foi determinada pelo suposto ato coator, são os mesmos 54 lotes descritos na lista dos imóveis constritos pela Medida Cautelar Inominada. Isto porque, necessária seria a dilação probatória, insuscetível de ser produzida na via eleita (art. 6º, da Lei nº 1.533/51). Logo, não é líquido e tampouco certo o direito ora invocado.

Por tais fundamentos, nego provimento ao recurso ordinário interposto.

É como voto.



CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUARTA TURMA

Número Registro: 2001/0185069-0 / RMS 14108 / SC

Números Origem: 000041033 00399 0190 20000041033 45880000164 880625026

PAUTA: 23/11/2004 – JULGADO: 23/11/2004

Relator: Exmo. Sr. Ministro JORGE SCARTEZZINI

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. ANTÔNIO CARLOS PESSOA LINS

Secretária: Bela. CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECK

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : PROMOTORA CATARINENSE DE VENDAS LTDA

ADVOGADO : FRANCISCO MAY FILHO

T.ORIGEM : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA

IMPETRADO : JUIZ DIRETOR DO FORO DE PALHOÇA - SC

RECORRIDO : PINHEIRA SOCIEDADE BALNEÁRIA LTDA

ADVOGADO : RODRIGO BERNARDES ANTUNES

ASSUNTO: Civil - Registros Públicos - Imóvel

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Barros Monteiro, Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Junior votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha.

O referido é verdade. Dou fé.

Brasília, 23 de novembro de 2004

CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECK
Secretária

(D.J. 17.12.2004)

* Verbetação e Ementação: Daniela dos Santos Lopes e Fábio Fuzari. Orientação Geral e Revisão crítica: Sérgio Jacomino.



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