BE1750
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Área de preservação permanente - ITR - exclusão. Ato Declaratório Ambiental - desnecessidade. IBAMA.
RECURSO ESPECIAL Nº 587.429 - AL (2003D0157080-9)
RELATOR : MINISTRO LUIZ FUX
RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR : MARIA HELENA URBANO REBEMBOIM E OUTROS
RECORRIDO : CIMAPRA - COMPANHIA MERCANTIL AGROPECUARIA PRATAGY
ADVOGADO : RAFAEL NARITA DE BARROS NUNES E OUTRO
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. ITR. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. EXCLUSÃO. DESNECESSIDADE DE ATO DECLARATÓRIO DO IBAMA. MP. 2.166-67D2001. APLICAÇÃO DO ART. 106, DO CTN . RETROOPERÂNCIA DA LEX MITIOR .
1. Recorrente autuada pelo fato objetivo de ter excluído da base de cálculo do ITR área de preservação permanente, sem prévio ato declaratório do IBAMA, consoante autorização da norma interpretativa de eficácia ex tunc consistente na Lei 9.393D96 .
2. A MP 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, ao inserir § 7º ao art. 10, da lei 9.393D96, dispensando a apresentação, pelo contribuinte, de ato declaratório do IBAMA, com a finalidade de excluir da base de cálculo do ITR as áreas de preservação permanente e de reserva legal, é de cunho interpretativo, podendo, de acordo com o permissivo do art. 106, I, do CTN, aplicar-se a fator pretéritos, pelo que indevido o lançamento complementar, ressalvada a possibilidade da Administração demonstrar a falta de veracidade da declaração contribuinte.
3. Consectariamente, forçoso concluir que a MP 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, que dispôs sobre a exclusão do ITR incidente sobre as áreas de preservação permanente e de reserva legal, consoante § 7º, do art. 10, da Lei 9.393D96, veicula regra mais benéfica ao contribuinte, devendo retroagir, a teor disposto nos incisos do art. 106, do CTN, porquanto referido diploma autoriza a retrooperância da lex mitior.
4. Recurso especial improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Denise Arruda, José Delgado e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 1 de junho de 2004 (Data do Julgamento)
MINISTRO LUIZ FUX
Presidente e Relator
RELATÓRIO
EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator) : Trata-se de recurso especial interposto pela FAZENDA NACIONAL ( fls. 193D198), com fulcro no art. 105, III, alínea "a", da Constituição Federal , contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, assim ementado:
"APELAÇÃO E REMESSA EX OFFICIO. ITR. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. EXCLUSÃO DESNECESSIDADE DE ATO DECLARATÓRIO DO IBAMA. MP. 1.956D50, CUJAS DISPOSIÇÕES RETROAGEM. IMPROVIMENTO.
I. A MP 1.956 - 50D50, ao inserir § 7º ao art. 10, da lei 9.393D96, dispensando a apresentação, pelo contribuinte, de ato declaratório do IBAMA, com a finalidade de excluir da base de cálculo do ITR as áreas de preservação permanente e de reserva legal, é de cunho interpretativo, podendo, de acordo com o permissivo do art. 106, I, do CTN, aplicar-se a fator pretéritos, pelo que indevido o lançamento complementar, ressalvada a possibilidade da Administração demonstrar a falta de veracidade da declaração contribuinte.
II. Apelo e remessa oficial improvido." (fl. 187)
A Fazenda Nacional, em suas razões, sustenta que o acórdão hostilizado violou o disposto no art. 10, da Lei 9.393D96, com a redação dada pela MP 1956-50D00, ao fundamento de que a referida legislação, não eliminou a necessidade de comprovação da condição isentiva, apenas, dispôs que ela não precisa ser prévia.
Sustenta, ainda, violação ao art. 106, do CTN, ao fundamento litteris :
"A Fazenda defende que a nova redação não se aplica ao fato pretérito, por se destinar a norma do art. 106, II, a, do CTN, às hipóteses de infrações tributárias, caso em que, se admite a retroatividade da lei tributária mais benéfica, quando deixem de assim considerar ou quando adote critérios ou exigências punitivas menos severas, o que não se confunde com os casos de simples perda do direito à isenção tributária pelo desatendimento de seus requisitos na forma da lei.
Chega-se, pois, à conclusão de que não se pode aplicar o disposto no art. 106, II, a e b, do CTN, vale dizer a retroação da MP 1956-50D00, já que no caso em apreço não se trata de ocorrência de infração, mas sim de perda ao direito à isenção requestada, sem que se cogite de sanção de ato ilícito (conf. O art. 3º do CTN) ou penalidade, incidindo, definitivamente, o comando do art. 104 do mesmo Código." (fl. 197)
A recorrida, em contra-razões às fls. 203D210, pugna pela manutenção da decisão hostilizada, ao fundamento de que:
"(...)
Tratando o auto de infração de fato gerador do ITR do exercício de 1997, ao sobrevir norma de cunho interpretativo, impõe-se a retroatividade do § 7º ao art. 10 da Lei 9.393D96, pois a interpretação adotada pela IN 43D97, além de ilegal por contrariar os limites normativos dos atos infralegais, vai de encontro a interpretação legal expressamente consagrada na lei 9.393D96.
Significa dizer: uma vez explicitado na MP 1.956-50D00, que a isenção do ITR sobre áreas de preservação permanente e de reserva legal prescinde da prévia apresentação de ato declaratório ambiental, bastando para tanto a mera declaração do contribuinte neste sentido, deve ser mantido o v. Acórdão recorrido posto que ao aplicar retroativamente o § 7º ao art. 10 da Lei 9.393D96, confirma a exegese do art. 106, I, do CTN)." (fl. 209)
O recurso foi admitido no Tribunal a quo, consoante despacho de fl. 212.
É o relatório.
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. ITR. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. EXCLUSÃO. DESNECESSIDADE DE ATO DECLARATÓRIO DO IBAMA. MP. 2.166-67D2001. APLICAÇÃO DO ART. 106, DO CTN. RETROOPERÂNCIA DA LEX MITIOR .
1. Recorrente autuada pelo fato objetivo de ter excluído da base de cálculo do ITR área de preservação permanente, sem prévio ato declaratório do IBAMA, consoante autorização da norma interpretativa de eficácia ex tunc consistente na Lei 9.393D96.
2. A MP 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, ao inserir § 7º ao art. 10, da lei 9.393D96, dispensando a apresentação, pelo contribuinte, de ato declaratório do IBAMA, com a finalidade de excluir da base de cálculo do ITR as áreas de preservação permanente e de reserva legal, é de cunho interpretativo, podendo, de acordo com o permissivo do art. 106, I, do CTN, aplicar-se a fator pretéritos, pelo que indevido o lançamento complementar, ressalvada a possibilidade da Administração demonstrar a falta de veracidade da declaração contribuinte.
3. Consectariamente, forçoso concluir que a MP 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, que dispôs sobre a exclusão do ITR incidente sobre as áreas de preservação permanente e de reserva legal, consoante § 7º, do art. 10, da Lei 9.393D96, veicula regra mais benéfica ao contribuinte, devendo retroagir, a teor disposto nos incisos do art. 106, do CTN, porquanto referido diploma autoriza a retrooperância da lex mitior.
4. Recurso especial improvido.
VOTO
EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator) : Preliminarmente, conheço do recurso pela alínea "a”, do permissivo constitucional, uma vez que a matéria restou devidamente preqüestionada.
In casu , a matéria versada no recurso refere-se à retroatividade do § 7º, do art. 10 da Lei 9.393D96, ante a exegese do art. 106, I, do CTN.
O art. 106, do CTN dispõe:
Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:
I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;
II - tratando-se de ato não definitivamente julgado:
a) quando deixe de defini-lo como infração;
b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo;
c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática.
O § 7º, do art. 10, da Lei 9.393D96, com a redação dada pela MP 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, prevê:
Art. 10. A apuração e o pagamento do ITR serão efetuados pelo contribuinte, independentemente de prévio procedimento da administração tributária, nos prazos e condições estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal, sujeitando-se a homologação posterior.
§ 1º Para os efeitos de apuração do ITR, considerar-se-á:
I - VTN, o valor do imóvel, excluídos os valores relativos a:
a) construções, instalações e benfeitorias;
b) culturas permanentes e temporárias;
c) pastagens cultivadas e melhoradas;
d) florestas plantadas;
II - área tributável, a área total do imóvel, menos as áreas:
a) de preservação permanente e de reserva legal, previstas na Lei nº 4.771 , de 15 de setembro de 1965, com a redação dada pela Lei nº 7.803 , de 18 de julho de 1989 ; (grifo nosso)
b) de interesse ecológico para a proteção dos ecossistemas, assim declaradas mediante ato do órgão competente, federal ou estadual, e que ampliem as restrições de uso previstas na alínea anterior;
c) comprovadamente imprestáveis para qualquer exploração agrícola, pecuária, granjeira, aqüícola ou florestal, declaradas de interesse ecológico mediante ato do órgão competente, federal ou estadual;
d) as áreas sob regime de servidão florestal.
III - VTNt, o valor da terra nua tributável, obtido pela multiplicação do VTN pelo quociente entre a área tributável e a área total;
IV - área aproveitável, a que for passível de exploração agrícola, pecuária, granjeira, aqüícola ou florestal, excluídas as áreas:
a) ocupadas por benfeitorias úteis e necessárias;
b) de que tratam as alíneas "a", "b" e "c" do inciso II;
V - área efetivamente utilizada, a porção do imóvel que no ano anterior tenha:
a) sido plantada com produtos vegetais;
b) servido de pastagem, nativa ou plantada, observados índices de lotação por zona de pecuária;
c) sido objeto de exploração extrativa, observados os índices de rendimento por produto e a legislação ambiental;
d) servido para exploração de atividades granjeira e aqüícola;
e) sido o objeto de implantação de projeto técnico, nos termos do art. 7º da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993;
VI - Grau de Utilização - GU, a relação percentual entre a área efetivamente utilizada e a área aproveitável.
omissis
§ 7º A declaração para fim de isenção do ITR relativa às áreas de que tratam as alíneas "a" e "d" do inciso II, § 1, deste artigo, não está sujeita à prévia comprovação por parte do declarante, ficando o mesmo responsável pelo pagamento do imposto correspondente, com juros e multa previstos nesta Lei, caso fique comprovado que a sua declaração não é verdadeira, sem prejuízo de outras sanções aplicáveis." (NR)
Com efeito, o voto condutor do acórdão recorrido bem analisou a questão, litteris :
"(...)
Discute-se, nos presentes autos, a validade da cobrança, mediante lançamento complementar, de diferença de ITR, em virtude da Receita Federal haver reputado indevida a exclusão de área de preservação permanente, na extensão de 817,00 hectares, sem observar a IN 43D97, a exigir, para a finalidade discutida, ato declaratório do IBAMA.
Penso que a sentença deve ser mantida. Utilizo-me, para tanto, do seguinte argumento: a MP 1.956-50, de 26-05-00, cuja última reedição, cristalizada na MP 2.166-67, de 24-08-01, dispensa o contribuinte, a fim de obter a exclusão do ITR as áreas de preservação permanente e de reserva legal, da comprovação de tal circunstância pelo contribuinte, bastando, para tanto, declaração deste. Caso posteriormente se verifique que tal não é verdadeiro, ficará sujeito ao imposto, com as devidas penalidades.
Segue-se, então, que, com a nova disciplina, constante de §7° ao art. 10, da Lei 9.393D96, não mais se faz necessário a apresentação pelo contribuinte de ato declaratório do mAMA, como requerido pelo IN 33D97.
Pergunta-se: recuando a 1997 o fato gerador do tributo em discussão, é possível, sem que se cogite de maltrato à regra da irretroatividade, a aplicação do art. 10, §7°, da Lei 9.393D96, uma vez emanada de diploma legal editado no ano de 2000? Penso que sim.
É que o art. 10, §7°, da Lei 9.393D96, não afeta a substância da relação jurídico-tributária, criando hipótese de não incidência, ou de isenção. Giza, na verdade, critério de in relação, dispondo sobre a maneira pela qual a exclusão da base de cálculo, preconizada pelo art. 10, § 1 °, I, do diploma legal, acima mencionado, é demonstrada no procedimento de lançamento. A exclusão da base de cálculo do ITR das áreas de preservação permanente e da reserva legal foi patrocinada pela redação originária do art. 10 da Lei 9.393D96, a qual se encontrava vigente quando do fato gerador do referido imposto.
Melhor explicando: o art. 10, §7°, da Lei 9.393D96, apenas afastou a interpretação contida na IN 43D97, a qual, por ostentar natureza regulamentar, não criava direito novo, limitando a facilitar a execução de norma legal, mediante enunciado interpretativo.
O caráter interpretativo do art. 10, § 7.°, da Lei 9.393D96, instituído pela MP 1.956-50D00, possui o condão mirífico da retroatividade, nos termos do art. 106, I, do CTN:
"Art. I06. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:
I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados; "
Nesse sentido, a lição de PAULO DE BARROS CARVALHO:
"Mas ocasiões há em que se concede ao legislador a possibilidade de atribuir às leis sentido retroativo. E o Código Tributário Nacional discorre sobre o assunto, ao cristalizar, no art. 106 e seus incisos, as hipóteses em que a lei se aplica a ato ou fato pretérito.
O inc. I alude às chamadas leis interpretativas que, em qualquer caso, assumindo expressamente esse caráter, podem ser aplicadas a atos ou fatos pretéritos, mas excluindo-se a aplicação de penalidades à infração dos dispositivos interpretados. As leis interpretativas exibem um traço bem peculiar, na medida em que não visam à criação de novas regras de conduta para a sociedade, circunscrevendo seus objetivos ao esclarecimento de dúvidas levantadas pelos termos da linguagem da lei interpretada. Encaradas sob esse ângulo, despem-se da natureza inovadora que acompanha a atividade legislativa, retrotraindo ao início da vigência da lei interpretada, explicando com fórmulas elucidativas sua mensagem antes obscura." (Curso de Direito Tributário. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 71).
Sendo assim, não poderia. a Administração Tributária exigir, para a exclusão do ITR das áreas declaradas como de preservação permanente e reserva legal, ato declaratório do IBAMA, pois tal comprovação é de ser feita mediante declaração do contribuinte. Caso não aceite o que declara o contribuinte, cabe À autoridade fiscal comprovar a falta de veracidade do declarado.
Com essas considerações, NEGO ao apelo e à remessa oficial." (fls. 182D184)
Com efeito, em 24.08.2001 foi editada a Medida Provisória 2.166-67 que dispôs sobre a exclusão do ITR incidente sobre as áreas de preservação permanente e de reserva legal, consoante § 7º, do art. 10, da Lei 9.393D96:
"omissis
§ 7º A declaração para fim de isenção do ITR relativa às áreas de que tratam as alíneas "a" e "d" do inciso II, § 1, deste artigo, não está sujeita à prévia comprovação por parte do declarante, ficando o mesmo responsável pelo pagamento do imposto correspondente, com juros e multa previstos nesta Lei, caso fique comprovado que a sua declaração não é verdadeira, sem prejuízo de outras sanções aplicáveis."
Deveras, o § 7º, do art. 10 da Lei 9393D1996 prevê a dispensa de prévia apresentação pelo contribuinte do ato declaratório expedido pelo IBAMA, nos termos da IN 33D97, revelando, portanto o seu caráter de lex mitior .
Na hipótese sub examine surge a seguinte indagação: Tratando-se de fato gerador ocorrido em 1997 é possível a aplicação retroativa do art. 10, § 7º, da Lei 9.393D96, com a redação dada pela MP 2.166-67, de 24 de agosto de 2001?
In casu , a recorrente foi autuada pela ausência de Ato Declaratório, expedido pelo IBAMA, nos termos da N 43D97, vigente à época do fato gerador do ITR.
Destarte, considerando a superveniência de lei mais benéfica, que prevê a dispensa de prévia apresentação pelo contribuinte do ato declaratório expedido pelo IBAMA, impõe-se a aplicação do Princípio insculpido no art. 106, do CTN.
Sobre o thema decidendum manifestou-se Hugo de Brito Machado, in Curso de Direito Tributário, Ed. Malheiros, 20ª edição, verbis :
"6. Aplicação retroativa
A rigor não se devia falar de aplicação retroativa, pois na verdade a lei não retroage. Nada retroage, posto que o tempo é irreversível.
Quando se diz que a lei retroage, o que se quer dizer é que a lei pode ser utilizada na qualificação jurídica de fatos ocorridos antes do início de sua vigência. Em princípio, o fato regula-se juridicamente pela lei em vigor na época de sua ocorrência. Esta é a regra geral do denominado direito intertemporal. A lei incide sobre o fato que, concretizando sua hipótese de incidência, acontece durante o tempo em que é vigente. Surgindo uma lei nova para regular fatos do mesmo tipo, ainda assim, aqueles fatos acontecidos durante a vigência da lei anterior foram por ela qualificados juridicamente e a eles, portanto, aplica-se a lei antiga. Excepcionalmente, porém, uma lei pode elidir os efeitos da incidência de lei anterior. É desta situação excepcional que trata o art. 106 do Código Tributário Nacional.
Examinemos o seu significado.
A lei tributária aplica-se a ato ou fato passado quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidades pela infração dos dispositivos interpretados (art. 106, inc. I).
Lei interpretativa é aquela que não inova, limitando-se a esclarecer dúvida surgida com o dispositivo anterior. Se dúvida havia, e tanto havia que o próprio legislador resolveu fazer outra lei para espancar as obscuridades ou ambigüidades existentes no texto anterior, não é justo que se venha punir quem se comportou de uma ou de outra forma dentre aquelas que se podiam admitir como corretas, em face do texto antigo. Daí a exclusão de penalidades.
Tal exclusão - é importante insistir neste ponto de grande relevância - não é absoluta, como poderia parecer da leitura do art. 106 do Código. Ela diz respeito à má interpretação da lei, não à sua total inobservância. Admitindo-se, por exemplo, que em face de algum dispositivo da legislação do IPI se tenha dúvida sobre a necessidade de emitir o documento "a" ou o documento "b", e que dispositivo novo, interpretativo, diga que no caso deve ser emitido o documento "b", não se aplica qualquer penalidade a quem tenha emitido o documento "a". Mas quem não emitiu documento nenhum, nem "a" nem "b", está sujeito à penalidade, não se lhe aplicando a exclusão de que trata o art. 106 do Código.
Aplica-se, também, a lei tributária, afastando os efeitos da incidência de leis anteriores à sua vigência, ao ato não definitivamente julgado (a) quando deixe de defini-lo como infração; (b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado falta de pagamento de tributo; (c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo de sua prática. Isto é o que está expresso no art. 106, inciso 11, letras "a", "b" e "c", do CTN.
Não conseguimos ver qualquer diferença entre as hipóteses da letra "a" e da letra "b". Na verdade, tanto faz deixar de definir um ato como infração, como deixar de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão.
A aplicação "retroativa" da lei tributária atende aos mesmos princípios prevalentes no Direito Penal. Não diz respeito ao pagamento do tributo, que não deixa de ser exigível em face de lei nova, a não ser nos casos de remissão, nos termos do art. 172 do Código.
Não se há de confundir aplicação "retroativa" nos termos do art. 106, 11, com anistia, regulada nos arts. 180 a 182 do Código. Embora em ambas as hipóteses ocorra aplicação de lei nova que elide efeitos da incidência de lei anterior, na anistia não se opera alteração ou revogação da lei antiga. Não ocorre mudança na qualificação jurídica do ilícito. O que era infração continua como tal. Apenas fica extinta a punibilidade relativamente a certos fatos. A anistia, portanto, não é questão pertinente ao direito intertemporal,. que se coloque para o intérprete. A lei de anistia certamente alcança fatos do passado. Aliás, só alcança fatos do passado. Assim, é retroativa por natureza, mas a questão de direito intertemporal, em leis desse tipo, está resolvida pelo legislador.
Importante é observar que não existe garantia constitucional de irretroatividade das leis para o Estado. Essa garantia, como acontece com as garantias constitucionais em geral, existe apenas para a proteção do particular contra o Estado. Se existisse garantia de irretroatividade para proteger o Estado certamente as leis de anistia não poderiam existir.
A propósito de irretroatividade das leis que instituem ou aumentam tributos, é notável a lição dos clássicos, embora elaborada a propósito das relações de Direito privado. Mesmo aqueles que admitiam a retroatividade das chamadas leis de ordem pública, tese hoje superada, advertiam não ser válida lei retroativa que alterasse relação jurídica na qual fosse parte o Estado. Em outras palavras, o Estado não pode valer-se de seu poder de legislar para alterar, em seu beneficio, relações jurídicas já existentes.
Como é hoje pacífico ser a relação de tributação uma relação estritamente jurídica, de natureza obrigacional, tem-se de concluir que também nessa relação, na qual o Estado sempre é parte, não se pode admitir leis retroativas.
omissis" (págs.89D91)
Na hipótese sub examine o excesso de formalismo que redundou na autuação da recorrida e um flagrante desrespeito ao disposto no § 7º, do art. 10, da Lei n.º 9.393D96, cujo caráter é de lex mitior , e, por essa razão, não poderia ter sua incidência afastada.
Deveras, forçoso concluir que a MP 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, que dispôs sobre a exclusão do ITR incidente sobre as áreas de preservação permanente e de reserva legal, consoante § 7º, do art. 10, da Lei 9.393D96, prevendo a dispensa de prévia apresentação pelo contribuinte do ato declaratório expedido pelo IBAMA, veicula regra mais benéfica ao contribuinte, devendo retroagir, a teor disposto nos incisos do art. 106, do CTN, porquanto referido diploma autoriza a retrooperância da lex mitior .
Ex positis , NEGO PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL.
É como voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
PRIMEIRA TURMA
Número Registro: 2003D0157080-9 RESP 587429 D AL
Número Origem: 200180000038578
PAUTA: 01D06D2004 JULGADO: 01D06D2004
Relator
Exmo. Sr. Ministro LUIZ FUX
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro LUIZ FUX
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOÃO FRANCISCO SOBRINHO
Secretária
Bela. MARIA DO SOCORRO MELO
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR : MARIA HELENA URBANO REBEMBOIM E OUTROS
RECORRIDO : CIMAPRA - COMPANHIA MERCANTIL AGROPECUARIA PRATAGY
ADVOGADO : RAFAEL NARITA DE BARROS NUNES E OUTRO
ASSUNTO: Tributário - ITR - Imposto Territorial Rural
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Denise Arruda, José Delgado e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator.
O referido é verdade. Dou fé.
Brasília, 01 de junho de 2004
MARIA DO SOCORRO MELO
Secretária
(DJ: 02.08.2004)
* Verbetação e Ementação: Daniela dos Santos Lopes e Fábio Fuzari. Orientação Geral e Revisão crítica: Sérgio Jacomino.
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