BE1705
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Georreferenciamento de imóveis rurais – a gratuidade legal
Eduardo Augusto ( * )
Introdução
O tema georreferenciamento está causando um grande alvoroço. Profissionais de agrimensura, proprietários e produtores rurais, registradores e tabeliães, juízes, promotores e advogados, empreendedores imobiliários e corretores de imóveis, enfim uma gama de profissionais estão se preocupando com as novas regras de descrição tabular do imóvel rural, regras estas que visam a revolucionar e resolver de vez o problema fundiário do País.
Pelo menos estas são as metas dessa novel legislação, que foi inaugurada com a publicação da Lei nº 10.267, de 28 de agosto de 2001, que criou o Cadastro Nacional de Imóveis Rurais - CNIR (pelas regras gramaticais, lê-se kinir e não cenir ) e efetuou alterações em várias leis, em especial na Lei dos Registros Públicos (Lei nº 6.015/73).
Desde então, o termo georreferenciamento foi incorporado à linguagem do dia-a-dia de vários profissionais, os quais ainda possuem muitas dúvidas e questionamentos.
Em decorrência da polêmica que cerca esse novo sistema de medição e descrição dos imóveis rurais, o Irib promoveu, em julho de 2004, o Encontro Regional de Araraquara, evento este que gerou a famosa Carta de Araraquara, em que foram efetuadas diversas propostas para que a legislação do georreferenciamento fosse viável e atingisse seus nobres objetivos de resolver as questões fundiárias e de promover o desenvolvimento de nosso País.
Um dos problemas levantados foi no tocante ao flagrante desrespeito à gratuidade dos trabalhos técnicos de levantamento georreferenciado, pois, da forma como está escrito o texto da lei, os prazos concedidos devem ser observados para todos os imóveis, inclusive para os beneficiários da gratuidade legal.
Gratuidade dos trabalhos técnicos
O legislador já havia previsto que os trabalhos técnicos de georreferenciamento seriam custosos para o proprietário rural e, para minorar tal problemática, criou uma espécie de isenção. O § 3º, in fine , do artigo 176 da Lei dos Registros Públicos dispõe que é “garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.”
A definição do tamanho do módulo fiscal (M.F.) varia de região para região. Em Conchas-SP, é de 30 hectares, o que, em tese, significa que os imóveis rurais com área não superior a 120 hectares estão isentos dos custos para o levantamento georreferenciado nos termos da lei.
Valor do módulo fiscal em alguns municípios brasileiros.
Num primeiro momento, pode-se entender que, em Londrina-PR, por exemplo, apenas os imóveis com área de até 48 hectares estão abrangidos pelo direito à gratuidade. Mas a determinação de quais imóveis estão amparados pela gratuidade é bem mais complicada.
O termo “módulo fiscal” foi criado pelo Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964), em seu artigo 50, que cuida do cálculo do ITR (imposto territorial rural). Módulo fiscal é, portanto, uma forma de catalogação econômica dos imóveis rurais, variando com base em indicadores econômicos e de produtividade de cada região e indicadores específicos de cada imóvel.
O aspecto econômico-social do módulo fiscal é facilmente verificado nos parágrafos do artigo 50 do Estatuto da Terra, tanto que o imposto nem incide sobre área igual ou inferior a um módulo fiscal, desde que em tal área haja cultivo estritamente familiar (§1º).
O cálculo de quantos módulos fiscais possui cada imóvel rural leva em consideração dois aspectos: a região em que se encontra (aspecto geral) e as particularidades do imóvel (aspecto particular).
O aspecto geral está expresso no parágrafo segundo do artigo 50, que define a determinação do módulo fiscal por município, que será expresso em hectares e quantificado com base nos seguintes fatores:
a) o tipo de exploração predominante no município;
b) a renda obtida no tipo de exploração predominante;
c) outras explorações existentes no município que, embora não predominantes, sejam expressivas em função da renda ou da área utilizada; e
d) o conceito de "propriedade familiar".
Quanto ao aspecto particular do imóvel, o §3º do artigo 50 prevê que “o número de módulos fiscais de um imóvel rural será obtido dividindo-se sua área aproveitável total pelo módulo fiscal do Município” . O §4º do mesmo artigo estabelece: “constitui área aproveitável do imóvel rural a que for passível de exploração agrícola, pecuária ou florestal” .
Continua ainda o §4º: “ não se considera aproveitável : a área ocupada por benfeitoria; a área ocupada por floresta ou mata de efetiva preservação permanente ou reflorestada com essências nativas; e a área comprovadamente imprestável para qualquer exploração agrícola, pecuária ou florestal” .
A definição da gratuidade dos trabalhos técnicos do georreferenciamento também seguiu a mesma lógica: critério econômico, que deve levar em consideração não apenas o aspecto geral (tamanho do imóvel divido pelo módulo fiscal da região), mas também o aspecto particular do imóvel, ou seja, devem ser desprezadas as áreas economicamente não aproveitáveis.
Para efetuar tal cálculo com segurança, bastaria consultar a declaração do ITR (DIAC-DIAT), em que constam (ou, pelo menos, deveriam constar) tais informações.
Assim, é bem possível que um imóvel rural com área total de 200 hectares localizado em Londrina, tenha apenas 4 módulos fiscais (48 hectares de área aproveitável), em virtude do desconto das áreas economicamente prejudicadas, e seja, portanto, beneficiário da gratuidade legal.
Portanto, não basta apenas dividir a área total do imóvel pelo módulo fiscal de cada região, mas sim levar em consideração todos os aspectos previstos no artigo 50 do Estatuto da Terra, único diploma legal que definiu o que vem a ser “módulo fiscal”, e o fez de forma exaustiva, não deixando margem a outras interpretações.
Desoneração dos imóveis abrangidos pela gratuidade legal
O artigo 10 do decreto regulamentador definiu os prazos carenciais. O §2º do mesmo artigo impôs uma regra que proíbe o oficial do registro de imóveis a praticar quaisquer atos registrais envolvendo imóveis rurais após os prazos sem que estejam eles adaptados às novas regras do georreferenciamento.
Apesar de a lei ter conferido a gratuidade a uma parcela dos imóveis rurais, a tabela de prazos do artigo 10 do decreto não constou expressamente nenhuma exceção, o que leva a concluir que, mesmo os imóveis com área de até 4 módulos fiscais devem estar com a descrição tabular atualizada nos termos da nova lei no último prazo ali fixado, ou seja, 31 de outubro de 2005.
E, para sacramentar tal entendimento, o decreto colocou o registrador no pólo passivo dessa proibição, incumbindo-lhe não apenas da fiscalização, mas de seu efetivo cumprimento. Portanto, esgotados os prazos, todos os imóveis rurais cuja descrição tabular não estiverem certificadas pelo Incra terão suas matrículas automaticamente bloqueadas, somente voltando a circular juridicamente após o integral cumprimento da legislação do georreferenciamento.
Esse é o pior dos óbices e das injustiças que pode ocorrer diante da inflexibilidade da legislação do georreferenciamento. É o desrespeito ao direito legal da gratuidade. Como fica a situação do pequeno proprietário rural que necessite retificar sua área judicialmente? Não tem ele direito à gratuidade? Por que então exigir o georreferenciamento às suas custas? Por que o Estado não teve condições de cumprir sua parte da obrigação?
Pelos estritos termos da lei, não pode o registrador, invocando falha operacional do Incra, supri-la com o entendimento de que tais imóveis estariam automaticamente desonerados de tal obrigação. Mas, da forma como está escrito, compete ao proprietário rural prejudicado ajuizar ação em face do Incra, para compeli-lo a cumprir sua parte ou para ter decisão judicial de sua desoneração.
No fundo, isso seria o caos: toneladas de processos inúteis atravancando o Judiciário. Inúteis porque as decisões seriam pontuais ( inter partes ), tal previsão de colapso é óbvia e a solução desse problema é muito simples, ou seja, basta uma pequena alteração na legislação.
Portanto, por pura coerência, devem ser expressamente desonerados do georreferenciamento todas as propriedades rurais com área não excedente a quatro módulos fiscais (contados de acordo com a declaração do ITR), as quais deveriam ser paulatinamente atualizadas pelo Incra de acordo com sua disponibilidade operacional. Essa é a proposta nº 4 da Carta de Araraquara: “4. Prazos – Não Devem Prejudicar os Imóveis Beneficiários da Gratuidade”.
* Eduardo Agostinho Arruda Augusto é oficial de registro de imóveis de Conchas-SP e diretor de assuntos agrários do IRIB ([email protected]).
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