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ARS NOTARIAE - Breves conceitos sobre a instituição notarial
o desempenho da função notarial 
Antonio Augusto Firmo da Silva  *


Antonio Augusto Firmo da Silva foi o 4º Tabelião na Capital de São Paulo e incansável batalhador da difusão da atividade notarial no Brasil.

Na sua incessante atividade, pronunciou a palestra abaixo transcrita no transcurso do Seminário de Estudos e Debates sobre Projetos que Preconizam a Oficialização de Cartórios, a convite da Associação Comercial do Distrito Federal a 24 de fevereiro de 1972.

A segurança no manejo dos conceitos fundamentais do direito notarial e a clareza de exposição fazem da palestra uma peça que merece figurar nos anais do Irib/AnoregSP.

Firmo da Silva freqüentou, com a mesma elegância e proficiência, as páginas da antiga Revista da Associação dos Serventuários de Justiça do Estado de São Paulo, cuja primeira contribuição figurou na pioneira edição de n. 1 - que veio a lume a 2 de março de 1949. E para defesa da instituição notarial em São Paulo: “O notariado em face da pretendida burocratização das serventias de justiça no estado de São Paulo”.

Do mesmo teor, os breves conceitos abaixo publicados.

Com a publicação, o Irib e a AnoregSP prestam homenagens aos notários brasileiros, reconhecendo o valor e importância social de suas atividades (SJ)

Breves conceitos sobre a instituição notarial
o desempenho da função notarial  
Antonio Augusto Firmo da Silva  *

Rolandino de’ Passaggeri in cattedra (1482).

Desde logo, nossos agradecimentos à Associação Comercial do Distrito Federal, pelo honroso convite para participar deste Seminário de Estudos e Debates sobre projetos que preconizam a oficialização dos cartórios, ao lado das ilustres personalidades convidadas.

Se não nos falha a memória, esse problema vem afligindo as classes interessadas desde 1930.

E desde então vimos assistindo a várias tentativas no sentido da burocratização das serventias da Justiça, incluindo-se entre estas, a nosso ver erroneamente, o notariado.

Dizemos incluindo erroneamente o notariado porque entendemos que este não pode, tendo em vista a sua atividade profissional específica, considerar-se como serventia da justiça .

A nosso ver, serventias da justiça são aquelas que servem à Justiça, ou melhor dizendo, aquelas que atendem o foro judicial, necessárias ao desenrolar do processo judicial.

Como se inicia uma ação judicial? Todos o sabem, é pela distribuição da petição inicial. Aí está então o serventuário da Justiça, o distribuidor, repartindo entre as diversas varas judiciais as ações. Em seguida, temos o escrivão, que autua a petição, certifica as intimações e publicações, dá andamento aos trâmites do processo. Temos o contador, que prepara as contas de custas, etc.

E o notário? Que ato do processo judicial pratica para ser designado como serventuário da Justiça ? Nenhum, absolutamente nenhum. Estender-se, pois, essa designação genérica aos notários, é um erro.

E então, o que é o notário? Para dizê-lo, vamos preliminarmente procurar conceituar o que seja a Instituição Notarial.

Solicitamos a vossa tolerância e pedimos desculpas pelas citações que faremos, não por erudição, que não temos, mas para ilustrar nossas palavras.

Lamentavelmente no Brasil não se tem uma noção, já não diremos exata, pelo menos adequada, do que seja realmente essa Instituição que, entretanto, tem importantes reflexos na vida jurídica e social

Sanahuja y Soler, ilustre notário espanhol, em seu Tratado de Direito Notarial, afirma que a Instituição Notarial é uma realidade criada pela tradição, com características que não permitem incluí-la entre as concepções correntes elaboradas pela ciência jurídica, sem desfigurá-la ou transformá-la profundamente. O empenho de colocá-la sob os princípios do Direito Judiciário ou do Administrativo criou a idéia equívoca do cargo de notário como um auxiliar da administração da Justiça ou aquela outra que o considera como um empregado da administração pública, sujeita a todas as medidas e restrições inerentes a uma organização burocrática.

Oriunda das necessidades da vida social e tornando-se por força das coisas um de seus fundamentos, a Instituição Notarial encontra naturalmente seu lugar no organismo jurídico da sociedade.

Poderíamos situar a Instituição Notarial como um complexo orgânico de regras de direito, dotadas de certa permanência, destinadas a satisfazer uma necessidade social, sendo que a posição de independência que deve ter na organização jurídica do Estado afastam-na muito das funções tipicamente administrativas.

Historicamente nasce a Instituição no Império Romano. Os imperadores Arcádio e Honório foram os primeiros a converter o ofício de notário em cargo público, colocando-os como parte integrante da militia togata para gozar de todos os privilégios conferidos à classe dos spectabiles , destinada ao exercício dos mais elevados cargos do império. O nosso direito aceitou a instituição já com esse caráter oficial, representando a emanação da autoridade pública.

Mas, infelizmente, no Brasil essa instituição não evoluiu. Permanece estática e pelo desinteresse dos poderes competentes e dos próprios notários, não possuímos, a exemplo de outros países, uma lei orgânica para o desenvolvimento da instituição e do próprio processo notarial. Mas ainda que de forma empírica, por força das necessidades jurídicas da vida social, ela existe ainda que em estado latente, e se desenvolve e se processa, empiricamente, repetimos, pelo exercício da função notarial.

É evidente que a Instituição Notarial por força da existência de diversas civilizações jurídicas não é, organicamente, a mesma em todos os países.

Assim, doutrinariamente, dentro da Instituição Notarial, existem tipos de notariado, aos quais vamos referir sinteticamente.

 Desenho representando Rolandino de’ Passaggeri lendo o texto de sua Summa totius artis notariae. (ASBo, Comune, Società dei notai, Matricole, n.19, c.29).

Antonio Belver Cano, ilustre notário espanhol, em seu livro “Princípios de Regime Notarial Comparado”, após afirmar que sendo o notariado fenômeno vivo e real, pode-se concluir, como princípio, que o direito mundial o admite como uma função jurídica, isto é, como uma função mediadora, colocada ao alcance dos homens para que dela se sirvam para alcançar seus fins, e classifica o notariado, organicamente, em cinco tipos, atualmente reduzidos a quatro que, em resumo são os seguintes:

1º - o notariado de profissionais livres;

2º - o notariado de profissionais temporários, ou anglo-saxão;

3º - o notariado de profissionais funcionários públicos, ou tipo latino;

4º - o notariado de profissionais administrativos, ou tipo russo.

Fugiríamos à síntese a que nos propusemos se examinássemos com minúcias cada um desses tipos. Diremos somente que, atualmente, a maioria dos países adota o notariado de tipo latino, inclusive no Brasil, ainda que com a grave lacuna de alguns requisitos e da inexistência de uma lei orgânica.

Diríamos ainda que o notariado de tipo administrativo, constituído por funcionários públicos do quadro da administração estatal, só existe na Rússia e nos países sujeitos ao regime soviético. E, de passagem, convém ressaltar que este último regime é que os defensores da chamada oficialização dos cartórios pretendiam, e talvez ainda pretendam, impor ao notariado brasileiro.

Quanto às características do notariado de tipo latino são unânimes os tratadistas na sua fixação.

José Adrian Negri, ilustre notário argentino, em seu magnífico trabalho “Princípios Fundamentales del Notariado Latino”, ao estudar a evolução do notariado em face do direito comparado, aponta a disparidade de organização existente entre países de notariado semelhante, algumas acompanhando o tipo tradicional e muito próximas da perfeição, outras de tipo rudimentar, contendo alguns dos princípios fundamentais do notariado de tipo latino. E, com o propósito de contribuir para a criação de organizações fundamentalmente semelhantes em todos os países de legislação análoga, estabelece como princípios e requisitos essenciais à estrutura do notariado latino, os seguintes:

a) manutenção da configuração tradicional do notário como conselheiro, perito e assessor de direito; receptor e interprete da vontade das partes, redator dos atos e contratos que deva lavrar e portador de fé dos fatos e declarações que se dêem ou se passem em sua presença;

b) exigência, para o exercício da função notarial, de estudos universitários de Direito, em toda a sua extensão, comprovados com o título de bacharel em direito ou o que corresponda a disciplinas análogas, acrescido da especialização e prática da função;

c) limitação do número de notários estritamente de acordo com as necessidades públicas em cada jurisdição, distrito ou circunscrição notarial;

d) seleção de ordem técnica e moral para ingressar na função notarial pelo sistema de concurso de provas e de títulos;

e) garantia de inamovibilidade para o titular, enquanto tiver boa conduta;

f) autonomia institucional do notariado, com seu governo e disciplina a cargo de organismos corporativos próprios;

g) remuneração do notário pelo cliente, pelo sistema de tabelas legais e com garantia de meios decentes para a subsistência;

h) aposentadoria facultativa por antiguidade, doença ou limite de idade.

Rafael Nuñes Lagos, ilustre notarialista espanhol, em seu livro “Hechos y Derechos en el Documento Publico”, ratificando essas características, reconhece no exercício notarial o desempenho de uma função pública, sem que o notário se torne um empregado do Estado, ainda que, de forma genérica, seja um funcionário público. Entende que deve haver um número fixo e inalterável de profissionais, salvo revisões periódicas e regulamentares e a sujeição a órgãos superiores ou administrativos do Estado. Salienta a forma do exercício da função em seus próprios cartórios e não em repartições públicas, situando o notário – usando de suas próprias expressões – muy lejos del tendero y del covachuelista . Como característica relevante do notariado de tipo latino ressalta a agremiação em Colégios Notariais, como corporação autônomas, mas subordinadas a órgãos do Estado.

Sobreleva a importância do documento notarial com a intervenção direta do notário na recepção e redação da vontade das partes.

Situada a Instituição Notarial e fixadas as características do notariado de tipo latino, vejamos em que consiste o exercício da função notarial.

A maior preocupação dos tratadistas sobre a função notarial tem sido a sua exata classificação. Várias teorias têm sido expostas e defendidas por ilustres cultores do Direito Notarial como Castan Tobeñas, Belver Cano, Sanahua y Soler, Monastério y Galli, Vasquez Campos, Gonzalez Palomino e muitos outros.

Há, no entanto, o consenso unânime de que a função notarial é, precipuamente, uma função autenticadora. A esta função alguns autores acrescentam como inseparáveis a de assessorar e redigir. Os que defendem a tese da função autenticadora baseiam-se somente na fé pública. Os demais afirmam que a função é inseparável do funcionário ao qual dão o caráter de assessor e redator do ato a ser autenticado.

Ainda que seja esta última a de maior aceitação,existem, como não poderia deixar de ser, várias opiniões não coincidentes.

Monastério y Galli afirma que é necessário dar aos direitos corporalidade ou visibilidade que permita sua evolução natural e normal. Diz que é preciso uma representação externa dos direitos e para isso se requer uma função especial, distinta da judicial, e a qual denomina de “justiça reguladora” e que compete ao notariado.

Defendem ponto de vista semelhante Vasquez Campos e Castan Tobeñas, os quais vêem na função notarial uma função legitimadora. Para Vasquez Campos o Estado tem um poder legitimador que compreende dois órgãos: o registro jurídico e o juiz. Para Castan Tobeñas, a missão do Estado sob o ponto de vista da realização do direito não se limita nas funções legislativas e jurisdicional, mas exige ainda para coadjuvar a formação, demonstração e plena eficácia dos direitos em sua vida normal e pacífica, instituições que assegurem a legitimidade e autenticidade dos direitos que de tais atos se originam.

Este autor, entretanto, reconhece ainda que a missão do notário não se reduz á legitimação, mas compreende outras missões especiais que sintetiza em três grupos: a) o trabalho de assessor; b) a missão legitimadora; c) a documental e autenticadora.

Gonzalez Palomino entende que a função notarial consiste precipuamente em dar caráter formal ao instrumento, ou seja, de dar forma de ser ou de valer ao negócio jurídico.

As definições dadas aos notários na legislação de diversos países vêm confirmar o caráter de função pública autenticadora de que são encarregados.

A lei francesa define os notários como sendo funcionários públicos encarregados de receber atos e contratos aos quais as partes devam ou queiram dar o caráter de autenticidade.

A lei italiana declara os notários oficiais públicos para receber os atos entre vivos e de última vontade, atribuindo-lhe fé pública.

Da mesma forma definem os notários as leis espanhola, argentina, portuguesa e outras.

No Brasil não temos uma definição legal do notário. A não ser em alguns tratadistas muito antigos e em uma ou outra lei de organização judiciária, não se cuidou de definir o notário.

Mas, das atribuições que lhe são conferidas, deduz-se desde logo o caráter público da função e a missão autenticadora. Por exemplo, o decreto nº 123 de 10 de novembro de 1892 que tratou da primeira organização judiciária paulista, atribui aos notários a função de escrever e aprovar, ou somente aprovar, testamentos e em geral autenticar na forma das leis civis as declarações de vontade ou quaisquer contratos e convenções privadas, permitidas em direito.

Hoje a definição de maior aceitação é a que foi ditada pelo I Congresso Internacional do Notariado Latino, que se realizou em Buenos Aires, em 1948, pela qual o notário é o profissional de direito encarregado de uma função pública consistente em receber, interpretar e dar forma legal à vontade das partes, redigindo os documentos adequados para esse fim e conferindo-lhes autenticidade. Cabe-lhe conservar os originais e expedir cópias que dêem fé de seu conteúdo. Em sua função inclui-se a autenticidade de fatos.

Apesar da maior aceitação dessa definição existem os que a ela se opõe, quando qualifica o notário como encarregado de uma função pública. E o argumento é que, quem exerce uma função pública é funcionário público. A nosso ver, os oponentes interpretam a expressão funcionário público em sentido restrito, ou seja, como sendo aqueles funcionários que participam dos quadros da administração estatal e são remunerados pelo erário.

Discordamos de tal interpretação restrita. Pode-se exercer uma função pública sem estar obrigatoriamente ligado aos quadros da administração estatal.

Afirmamos que o notário exerce uma função pública em virtude da delegação que o Estado, ao nomeá-lo para a função, lhe faz da Fé Pública .

E que é a Fé Pública ? É a garantia que o Estado dá de que determinados fatos, situações e interesses são certos e verdadeiros. E a delegação dessa garantia, atribui ao notário o exercício de uma função pública, ou para usar o neologismo adotado por Martinez Segovia, função para-pública .

Mas aqui estamos desde o início a falar em notário e já o qualificamos como um profissional de direito. E que outras qualidades se deve exigir do agente da Instituição Notarial?

Permitam-nos que façamos mais uma citação e tolerem desta vez a transcrição que vamos fazer das expressivas palavras de José Castán Tobeñas contidas em seu livro “Función Notarial y Elaboración Notarial del Derecho”, editado em 1946, sobre as qualidades que devem integrar a aptidão notarial. Ei-las:

“Escrevia Cellier, há mais de um século, que se há uma profissão que exige conhecimento dos detalhes, ela é, sem dúvida a de Notário. Há motivos sérios para assustar-se quando se pensa em tudo o que é preciso saber para bem exercê-la. Com maior razão se poderia dizer isto na atualidade. A complexidade, cada vez maior da vida e do direito, faz com que seja enorme, e não poucas vezes complicado o caudal de legislação, de jurisprudência e de doutrina que os profissionais do Direito devem manejar. E ainda que as comparações sejam sempre odiosas, cabe dizer que é a profissão de Notário, entre as jurídicas, uma das que maior preparação e formação científica requerem, pela própria natureza da função que impõe encargos tão heterogêneos; pela amplitude da matéria sobre a qual a atuação notarial pode recair; pela dificuldade extrema criada pela ignorância, pela astúcia ou malícia com que as partes costumam proceder quando tratam entre si nexos jurídicos; pela transcendência, em suma, que tem para a paz das famílias e, em geral, para a vida social e jurídica, o acerto com que a função do notário se realize, e pela circunstância de não existir, geralmente, meios de retificar e sanar os defeitos ou erros que se possam cometer ao lavrar as escrituras. Por outro lado, - continua Tobeñas – ainda que seja importantíssima a aptidão cultural, não é esta a única condição que o Notário deve possuir. Correspondendo aos quatro pontos cardeais que, segundo Vasquez Campos, devem servir de orientação ao Notário: Lei – Realidade – Moral e Espírito Social, o magistrado da paz jurídica necessita reunir vocação decidida, educação profissional, profundo conhecimento do direito e da vida econômico-social e, desde logo, probidade, formação moral, sustentada pelo amor e o culto aos grandes ideais do espírito. Na conjunção de todos estes elementos e qualidades – ciência, técnica, conhecimento da vida e de suas modalidades especiais no lugar em que haja de exercer sua profissão, sentido de justiça e do dever – está o segredo da formação que o Notário necessita”.

 José Castán Tobeñas (1899 Zaragoza - 1969 Madri) Jurisconsulto, escritor, Catedrático, Presidente do Tribunal Supremo.

Aqui estão, meus senhores, em síntese e em palavras simples, os princípios da Instituição Notarial, as características do notariado de tipo latino, em que consiste o exercício da função notarial e as qualificações que deve ter um notário para bem exercer a sua profissão.

Face a essa teoria, vejamos agora como se encontra o notariado brasileiro.

Acreditamos não haver dúvida de que o exercício da função notarial no Brasil tem sua fonte nas Ordenações do Reino de Portugal, denominadas Filipinas, por terem sido promulgadas pelo Rei D. Felipe, aos 11 de janeiro de 1603, confirmadas pelo Rei D. João a 29 de janeiro de 1643.

Essa origem se constata na “História do Direito Brasileiro” do insigne mestre Professor Waldemar Ferreira que, com o brilho que lhe era peculiar, procedeu a erudita pesquisa e profunda investigação da instituição jurídica do país.

O advento do império e depois da República, não trouxe modificação substancial no que se refere, ao objeto e ao desempenho da função notarial no Brasil.

O notário ou Tabelião de Notas como é mais conhecido, não tem, como já dissemos, uma definição legal.

Como sabem, pela Constituição Federal compete aos Estados a organização da sua Justiça e em cada um deles as leis de organização judiciária colocam os Tabeliães de Notas como auxiliares da Justiça , determinando-lhes as respectivas atribuições. E da discriminação destas se conclui que a função precípua consiste na lavratura dos atos e contratos a que as partes queiram dar força autêntica e para os quais a lei exija a escritura pública. Normalmente são os Tabeliães conselheiros das partes, seus assessores nas questões de direito, e a eles cabe receber e interpretar a vontade dos contratantes, redigindo-lhes, de acordo com as leis, os instrumentos públicos que dão forma àquela vontade e aos quais conferem a Fé Pública de que são investidos pelo Estado, dando-lhes autenticidade.

Não há na lei qualquer dispositivo que os classifique expressamente como funcionários públicos. Essa condição lhes corre do exercício da função e também, segundo alguns, por força da antiga Constituição Federal que, em seu artigo 187, ao tratar dos funcionários públicos, confere a vitaliciedade somente aos magistrados, aos ministros do Tribunal de Contas, aos professores catedráticos e aos titulares dos ofícios de Justiça.

Assim, o Tabelião de Notas no Brasil é um funcionário público por exercer uma função pública. Não é um funcionário burocrático porque não pertence aos quadros administrativos do Estado, onde, aliás, nem existe cargo com essa denominação, e nem é remunerado pelos cofres públicos. E se a seu cargo está a redação dos atos e contratos que as partes queiram lavrar, é de se presumir por parte dele o conhecimento das leis e do Direito. Com esses requisitos, exerce o Tabelião de Notas uma profissão que, conforme a classificação de Zanobini, tem por fim o exercício de uma função pública. E não se pode confundir a profissão que tem por fim o exercício de uma função pública com cargo público.

Acreditamos que a forma de investidura na função não lhe tira o caráter de profissional, pois o Poder Executivo ao nomear o cidadão para o seu exercício, investe-o da Fé Pública e nele reconhece as necessárias qualidades morais, intelectuais e técnicas para o seu desempenho. Nomeando o cidadão para exercer as funções de notário e delegando-lhe o Estado, por esse ato, a Fé Pública, age da mesma forma pela qual outorga, por intermédio das respectivas Faculdades, o diploma ao médico ao advogado, ao engenheiro, etc, autorizando a exercer a respectiva profissão.

Satisfaz, pois, o notariado brasileiro uma das importantes características do notariado de tipo latino, sendo funcionário público por exercer uma função pública e, ao mesmo tempo, um profissional.

Para o exercício da função notarial não exige a legislação brasileira estudos universitários, ou mais especificadamente, o diploma de bacharel em direito. Devemos reconhecer, entretanto, que esse título é recomendável ao bom e cabal desempenho da profissão.

A legislação paulista já está no bom caminho, pois dá preferência na nomeação aos que, classificados em concurso, sejam bacharéis em direito.

Quanto ao número de notários não há legalmente qualquer restrição. Antigamente a criação dos ofícios de notas, ainda que proposta sob a capa da necessidade pública, geralmente não obedecia realmente a esse critério e sim à satisfação de promessas ou compromissos políticos. Por isso, são comuns absurdos como este: existir em uma cidade com trezentos mil habitantes o mesmo número de Tabeliães que existe em outra com três milhões.

Atualmente, em nosso Estado, a criação dos ofícios de notas depende de lei e o seu provimento só poderá ser feito por concurso de provas e de títulos, tanto para o ingresso como para remoção e promoção.

Não existindo uma lei orgânica própria, o notariado brasileiro não tem organismo corporativo e, conseqüentemente, autonomia. Queremos nos referir, evidentemente, a organismo de direito público.

O governo e disciplina do notariado estão confiados ao Poder Judiciário que o exerce através das Corregedorias.

Como ocorre em outros países, deveria a profissão de notário ser regida por lei federal, de maneira que as atribuições da função, o processo notarial, fossem os mesmos em todo o território nacional. O exercício da função, atualmente, não é idêntico em todos os Estados da Federação. As legislações estaduais invadem o campo de competência federal, quando é certo, conforme ensinava João Mendes de Almeida Junior, que a unidade do direito impõe a unidade da ação na uniformidade intrínseca do processo e na uniformidade extrínseca do procedimento. Por outra: os Estados mesmo sob esse ponto de vista têm uma competência simplesmente supletiva.

Do exposto, verifica-se que o notariado brasileiro tem ainda uma organização rudimentar. Daí a necessidade de atualizar a legislação concernente, unificando a forma de exercer a função em todo o território nacional.

Mas infelizmente, não é somente quanto à forma de procedimento que o notariado brasileiro se ressente. Ressentimo-nos também da fixação das formalidades intrínsecas do instrumento público.

Ensina o ilustre professor argentino Carlos Emérito Gonzalez em sua obra Teoria General del Instrumento Publico que a teoria da forma na escritura pública constitui uma das bases fundamentais para a sistematização da disciplina jurídica notarial, que por sua vez, serve para colocar em movimento a função notarial.

Contrariamente à legislação de outros países, o nosso Código Civil, exceção feita aos testamentos, em suas várias formas, é omisso quanto às formalidades do instrumento público notarial, ou seja, da escritura pública. – Por incrível que pareça, em pleno século dos astronautas, o notariado brasileiro, quanto às formalidades intrínsecas de escritura pública, atem-se ainda às disposições das Ordenações do Reino de Portugal que datam de 1603.

Quer nos parecer que o notariado brasileiro não conseguiu ainda superar a sua crise institucional, a exemplo de outros países onde, pelo esforço de dedicados profissionais e pela justa compreensão dos poderes competentes, a Instituição Notarial goza da hierarquia que merece em face da sua relevante missão social e jurídica.

José Adrian Negri, ilustre notário argentino, que foi corpo e alma do notariado universal, em seu livro El problema notaria ”, editado em 1932, demonstrava as dificuldades de organização por que passava o notariado argentino. Como mal básico indicava a indiferença de próprios e estranhos, a despreocupação profissional dos notários à qual qualificava de suicida, e dava como índice legítimo dessa indiferença a total despreocupação, o anacronismo da lei orgânica então ali vigente.

Também o Dr, Hector Gerona, professor de Prática Notarial na Faculdade de Direito de Montevidéu, ao tratar dos problemas institucionais do notariado uruguaio em seu livro La Reforma Notarial , editado em 1934, mostrava a importância das questões de ordem notarial, dizendo que pelos valores morais e patrimoniais que representam, são sempre de caráter principal, desempenhando um papel transcendente na vida da sociedade moderna. Mas, afirmava o eminente professor, tais questões não conseguem interessar senão a um número muito limitado de pessoas e não logram atrair a atenção geral. E concluía dizendo que, por isso, para se obter nessa matéria uma reforma ou uma conquista qualquer, se fazia necessário um esforço heróico, rompendo-se de início o círculo de indiferença glacial que a envolve e, imprimindo movimento, calor e vida ao que tem permanecido, ordinariamente, em um quietismo estéril e infecundo, próximo do nada.

Queremos crer, meus senhores, que as palavras de Negri e de Gerona adaptam-se perfeitamente à realidade do notariado brasileiro.

Aí está, senhores, em palavras simples, o que é o Instituto Notarial e em que consiste a função notarial.

É essa Instituição, com características tão próprias, que se pretende estatizar. E é essa função tão relevante no campo social e jurídico, que se quer burocratizar, ou melhor, usando de um neologismo sovietizar .

Estamos conscientes das falhas existentes, reconhecemos que o processo notarial brasileiro é arcaico, obsoleto. Mas só por isso não devemos retroceder. A evolução da ciência jurídico-notarial proclamada e constatada pela realização de onze Congressos Internacionais do Notariado Latino, não permite tal retrocesso.

É necessário que as autoridades competentes se conscientizem da evolução do Direito, especialmente do Direito Notarial, que verifiquem em matéria de organização notarial o que se passa em outros países, como Argentina, Uruguai, Paraguai, Itália, França, Espanha e até mesmo no Japão.

Não é possível à consciência jurídica brasileira aceitar projetos empíricos, despidos de qualquer justificativa de ordem jurídica e doutrinária, que preconizam a burocratização, por burocratizar.

O notariado, meus senhores, tem uma função social e jurídica incompatível com a administração estatal.

Vamos terminar e não queremos fazê-lo sem lhes dizer que, a solução para os nossos males preconizada pelo Colégio Notarial do Brasil, está de há muito em mãos do Exmo. Sr. Ministro da Justiça, o emérito Professor Alfredo Buzaid, consubstanciada em um projeto de lei orgânica para o notariado brasileiro. projeto esse que, diga-se desde já, não acoberta qualquer privilégio de caráter pessoal, mas colocará a Instituição Notarial brasileira no lugar hierárquico que merece e deve ter.

* Antonio Augusto Firmo da Silva foi tabelião na Capital de São Paulo e pronunciou a palestra supra transcrita no Seminário de estudos e debates sobre projetos que preconizam a oficialização de cartório a convite da Associação Comercial ado Distrito Federal a 24 de fevereiro de 1972.



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