BE1561

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Ilhas Marítimas - Domínio Insular da União - Terras Devolutas – Usucapião (Transcrições). Registro de imóveis. Domínio público.


RE 285615/SC

Relator: Ministro Celso de Mello

Ementa: ilhas marítimas (ilhas costeiras ou continentais e ilhas oceânicas ou pelágicas). Santa Catarina. Ilha costeira. Usucapião de áreas de terceiros nela existentes. Domínio insular da União Federal ( CF , art. 20, IV). Possibilidade jurídico-constitucional de existirem, nas ilhas marítimas, áreas sujeitas à titularidade dominial de terceiros (CF, art. 26, II, “in fine”). A questão das terras devolutas. Inexistência de presunção juris tantum do caráter devoluto dos imóveis pelo só fato de não se acharem inscritos no registro imobiliário. Insuficiência da mera alegação estatal de tratar-se de imóvel pertencente ao domínio público. Afirmação que não obsta a posse ad usucapionem . Necessidade de efetiva comprovação, pelo poder público, de seu domínio. Doutrina. Jurisprudência. Domínio da união federal não comprovado, no caso. Possibilidade de usucapião. Matéria de prova. Pronunciamento soberano do tribunal recorrido. SÚMULA 279/STF . Recurso extraordinário não conhecido.

DECISÃO: O presente recurso extraordinário foi interposto contra acórdão, que, confirmado, em sede de embargos de declaração (fls. 173/176), pelo E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, está assim ementado (fls. 164):

“USUCAPIÃO – SANTA CATARINA – ILHA COSTEIRA – CONSTITUIÇÃO FEDERAL/1967 – TERRAS DEVOLUTAS – BEM PÚBLICO.

Em que pese a Constituição Federal de 1988 ter incluído nos bens da União as ilhas oceânicas e as costeiras (art. 20, IV), a Constituição Federal de 1967 estabeleceu no domínio da União somente as ilhas oceânicas.

Na vigência da Constituição Federal de 1967, as terras sem registro público em nome de particular não se presumiam devolutas, cabendo à União a prova de que se tratava de bens sobre os quais exercia domínio para que fosse evitada a usucapião.

Usucapião é modo originário de aquisição da propriedade que se consuma com o implemento do lapso temporal exigido em lei.

A sentença, em ação de usucapião, tem eficácia meramente declaratória.

Adquirida, por usucapião, sob a égide da CF/67, propriedade situada na ilha costeira de Santa Catarina, e não provado pela União que se tratava de terra devoluta, não há falar em bem de propriedade da União, insusceptível de usucapião.” (grifei)

A União, ao deduzir este recurso extraordinário, sustenta que o Tribunal “a quo” teria transgredido o art. 20, IV, da Constituição Federal.

O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. JOÃO BATISTA DE ALMEIDA, ao opinar pelo não-conhecimento do apelo extremo, assim resumiu e expôs a controvérsia instaurada nesta sede recursal (fls. 198/201):

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO – DIREITO ADMINISTRATIVO - USUCAPIÃO – TERRAS DEVOLUTAS – ILHA COSTEIRA – NATUREZA SOB A ÉGIDE DA CONSTITUIÇÃO PRETÉRITA – DOMÍNIO DA UNIÃO NÃO COMPROVADO - ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO ART. 20, INCISO IV, DA CF/88 – ARESTO QUE SE HARMONIZA COM O ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE O TEMA - MATÉRIA DE PROVA - PRECEDENTE - APLICAÇÃO DO ENUNCIADO DA SÚMULA 279/STF - PARECER PELO NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO.

......................................................

O recurso não merece prosperar. E isto porque, da leitura do aresto hostilizado, observa-se que, nas instâncias ordinárias, a rejeição à pretendida violação do preceito constitucional aludido como violado (art. 20, IV, da CF/88) fundou-se em matéria de fato, que, em sede de recurso extraordinário, torna-se irreversível – Súmula 279/STF, consoante se pode verificar das seguintes passagens do seu voto condutor, in verbis :

‘Ora, no caso dos autos, a União não fez qualquer prova de sua dominialidade sobre as áreas objeto da ação. Em sentido contrário, os documentos acostados à inicial levam, inclusive, à presunção de que as terras são privadas, uma vez que se objetiva usucapir o 1/5 do terreno que não pode ser adquirido através do contrato de compra e venda, por tratar-se de porção de terra que coube a filho desaparecido na partilha de bens deixados em herança. A parte restante a ser usucapida, segundo os autores resulta de diferença na metragem oriunda da precariedade em que se realizavam as medições à época em que foram partilhados os bens. Ainda que tal argumento não pudesse ser considerado, poder-se-ia presumir que a área usucapida era de propriedade dos lindeiros, os quais não manifestaram qualquer oposição à ação.

Uma vez não havendo prova de que o bem, sobre o qual incidiu a posse mansa e pacífica dos autores, por mais de vinte anos, era devoluto, e considerando-se, ainda, que tais fatos se deram sob a vigência da Constituição Federal de 1967, tem-se que se perfectibilizou a usucapião. Adquirida a propriedade, antes da Constituição de 1988, o direito deve ser ressalvado e declarada judicialmente a usucapião, para fins de transcrição no Registro de Imóveis.’ (fls. 161/162)

Por outro lado, no mérito o aresto vergastado harmoniza-se com o entendimento desse Pretório Excelso sobre o tema, como é possível atestar-se do julgamento proferido, ainda sob a égide da Constituição anterior, no RE nº 101.037/SP (Relator Exmo. Sr. Min. Francisco Rezek, DJ de 19.4.1985, p. 5.457 ), lavrado com ementa do seguinte teor:

‘ILHAS OCEÂNICAS. C.F., ART-4.-II. HÁ DE SER ENTENDIDA ESTA EXPRESSÃO EM SEU SENTIDO TÉCNICO E ESTRITO, VISTO QUE O CONSTITUINTE DE 1967 POR CERTO NÃO PRETENDEU INSCREVER, ABRUPTAMENTE, NO DOMÍNIO DA UNIÃO, BENS SITUADOS EM CENTROS URBANOS, NAS ILHAS LITORÂNEAS, E INTEGRANTES DO PATRIMÔNIO DE ESTADOS, MUNICÍPIOS E PARTICULARES. MÉRITO DA SENTENÇA SINGULAR E DO ACÓRDÃO DO T.F.R. HIPÓTESE DE NÃO-CONHECIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO DA UNIÃO.’

Ademais, ratificando o inteiro teor do parecer exarado pela Procuradoria Regional da República da 4ª Região (fls. 141/155), que, aliás, foi adotado na íntegra pelo voto condutor do aresto recorrido, impende dizer que é imprópria a argüição de ofensa à Súmula 340/STF (fl. 188), em sede de recurso extraordinário, visto não se tratar de norma constitucional, conforme reiterada jurisprudência desse Colendo Tribunal (RE nº 207.871, Relator Exmo. Sr. Min. Néri da Silveira, DJ de 28.5.1998, p. 42).

Por fim, a matéria se reduz à aplicação do princípio de que tempus regit actum , salvo eventual aplicação retroativa da Constituição superveniente, a qual, não dispondo explicitamente sobre tal possibilidade, à evidência, não se presume na espécie. Ao julgar o AGRAG nº 138.986 (Relator Ministro Moreira Alves, DJ de 10.11.1995) essa Corte firmou entendimento de que ‘é princípio cediço, em direito constitucional, que a aplicação imediata da Constituição alcança apenas os efeitos futuros de fatos passados, e não o que já ocorreu no passado, em face da legislação então vigente’. (...).” (grifei)

Entendo assistir plena razão à douta Procuradoria-Geral da República, especialmente quando opina pelo não-conhecimento do presente recurso extraordinário, por incidir, na espécie, a Súmula 279/STF.

É que o acórdão ora recorrido, ao decidir a controvérsia relativa à alegada pretensão dominial da União sobre o imóvel em litígio, dirimiu a questão à luz dos fatos e das provas existentes nos autos, circunstância esta que obsta o próprio conhecimento do apelo extremo, em face do que se contém na Súmula 279 do Supremo Tribunal Federal.

A mera análise do acórdão em referência demonstra que o E. TRF/4ª Região, para confirmar a sentença proferida em primeira instância, reconheceu – com apoio em elementos de fato – que a União Federal, ora recorrente, não comprovou que o imóvel usucapiendo já se achava integrado ao seu domínio patrimonial, havendo destacado, ainda, na linha do douto parecer do Ministério Público Federal, os seguintes aspectos fático-probatórios subjacentes à decisão que proferiu (fls. 161/162):

“Segundo os dados que foram trazidos aos autos, os autores têm a posse dos terrenos descritos na inicial desde 25.9.63, data em que se realizou o contrato de compra e venda entre os autores e Gercino Francisco Bittencourt e outros (escritura – fl. 64) de 4/5 dos terrenos transmitidos aos vendedores por herança.

Tendo a posse se iniciado em 25.9.63, no ano de 1983, completou-se o lapso temporal de 20 anos necessários à usucapião extraordinária.

A posse foi justificada na audiência de 26/2/91 (fl. 97). Presentes estavam, portanto, os requisitos necessários à aquisição da propriedade por usucapião.

Restaria a discussão quanto à possibilidade de usucapir-se imóvel que não tem Registro Público, porque duvidosa a sua titularidade. Neste ponto conforme já foi mencionado neste parecer, a questão sobre o caráter devoluto de imóveis nestas circunstâncias nas ilhas costeiras foi pacificado, sob a ordem jurídica da anterior Constituição, pelo acórdão 101.037-1.

Ora, no caso dos autos, a União não fez qualquer prova de sua dominialidade sobre as áreas objeto da ação. Em sentido contrário, os documentos acostados à inicial levam, inclusive, à presunção de que as terras são privadas, uma vez que objetiva-se usucapir o 1/5 do terreno que não pode ser adquirido através do contrato de compra e venda, por tratar-se de porção de terra que coube a filho desaparecido na partilha de bens deixados em herança. A parte restante a ser usucapida, segundo os autores, resulta de diferença na metragem oriunda da precariedade em que se realizavam as medições à época em que foram partilhados os bens. Ainda que tal argumento não pudesse ser considerado, poder-se-ia presumir que a área usucapida era de propriedade dos lindeiros, os quais não manifestaram qualquer oposição à ação.

Uma vez não havendo prova de que o bem, sobre o qual incidiu a posse mansa e pacífica dos autores, por mais de vinte anos, era devoluto, e considerando-se ainda que tais fatos se deram sob a vigência da Constituição Federal de 1967, tem-se que perfectibilizou a usucapião. Adquirida a propriedade, antes da Constituição de 1988, o direito deve ser ressalvado e declarada judicialmente a usucapião, para fins de transcrição no Registro de Imóveis.” (grifei)

Vê-se, desse modo, que a pretensão recursal extraordinária deduzida pela União Federal revela-se processualmente inviável, pois – como se sabe – o recurso extraordinário não permite que se reexaminem, considerado o seu estrito âmbito temático, questões de fato ou aspectos de índole probatória (RTJ 161/992 – RTJ 186/703), quando tais circunstâncias, como sucede na espécie, se mostrarem condicionantes da própria resolução da controvérsia jurídica, tal como enfatizado no acórdão ora recorrido.

Cabe referir, ainda, neste ponto, por relevante, que idêntica postulação recursal, versando a mesma controvérsia suscitada na presente causa, foi decidida pelo eminente Ministro CEZAR PELUSO, Relator do AI 421.887/SC, em julgamento – em tudo coincidente com o ora proferido – que possui o seguinte teor:

“1. Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que indeferiu processamento de recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, assim ementado:

‘ADMINISTRATIVO. USUCAPIÃO. TERRAS DEVOLUTAS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. INOCORRÊNCIA.

1. Mantida a sentença que julgou procedente o pedido de usucapião, pois não ficou comprovado que se tratasse realmente de terras devolutas. Ademais, ao contrário do entendimento adotado pela decisão monocrática, as terras devolutas são bens públicos com natureza peculiar, pelo modo como foram concebidas no ordenamento jurídico; portanto, não há óbice ao usucapião desse tipo de terras. Ademais, restou comprovado o preenchimento dos requisitos necessários ao reconhecimento do domínio.

2. Apelação e remessa oficial improvidas.’ (fl. 66)

Sustenta a recorrente, com base no art. 102, III, a, a ocorrência de violação aos arts. 20, II, § 2º e 191, parágrafo único, da Constituição Federal.

2. Inconsistente o recurso.

Diante da impossibilidade de, em recurso extraordinário, rever a Corte as premissas de fato em que, para decidir a causa, se assentou o Tribunal de origem, à luz da prova dos autos, é evidente que, para adotar outra conclusão, seria mister reexame prévio do conjunto fático-probatório, coisa de todo inviável perante o teor da súmula 279.

3. Do exposto, nego seguimento ao agravo (art. 21, § 1º, do RISTF , art. 38 da Lei nº 8.038 , de 28.05.90, e art. 557 do CPC ).” (grifei)

Mesmo que se pudesse superar o óbice técnico representado pela Súmula 279/STF, ainda assim não se revelaria acolhível a postulação recursal que a União deduziu na presente causa.

O acórdão objeto do presente recurso extraordinário bem reflete, no ponto, o entendimento que a jurisprudência desta Suprema Corte já deixara assentado a propósito da possibilidade jurídico-constitucional de existirem, nas ilhas costeiras (ou continentais), áreas sujeitas à titularidade dominial de terceiros (fls. 159/162).

Com efeito, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ainda sob a égide da Carta de 1969, ao julgar o RE 101.037/SP, Rel. Min. FRANCISCO REZEK (RTJ 113/1279), pronunciou-se a respeito do tema ora em análise, fixando orientação consubstanciada em acórdão assim ementado:

“Ilhas Oceânicas. CF, artigo 4º, II.

Há de ser entendida esta expressão em seu sentido técnico e estrito, visto que o constituinte de 1967, por certo, não pretendeu inscrever, abruptamente, no domínio da União, bens situados em centros urbanos, nas ilhas litorâneas, e integrantes do patrimônio de Estados, municípios e particulares.

Mérito da sentença singular e do acórdão do TFR.

Hipótese de não conhecimento do recurso extraordinário da União.” (grifei)

Cumpre destacar, por relevante, que o ilustre magistrado federal de primeira instância, em sua bem lançada sentença declaratória de procedência da ação de usucapião promovida pela parte recorrida, tendo presentes os aspectos que venho de ressaltar, apreciou, de modo adequado, e com o prestigioso apoio do v. acórdão ora recorrido, o tema em análise, cabendo referir, no ponto, a seguinte e ilustrativa passagem desse ato sentencial (fls. 119/120):

“Inicialmente, deve ser frisado que o simples fato de terrenos estarem localizados na ilha de Santa Catarina, por si só, não os faz pertencer ao domínio da União. A própria Constituição Federal excepciona do domínio da União as ilhas oceânicas e as costeiras quando estiverem sob o domínio dos Estados, Município ou terceiros.

Assim, é necessário que se demonstre, em primeiro lugar, que o imóvel não esteja integrado ao patrimônio do Estado, Município ou terceiro. Em segundo lugar, deve restar evidenciado que o imóvel usucapiendo se encontra efetivamente sob o domínio da União.

.......................................................

Por outro lado, o fato de o imóvel se localizar em ilhas costeiras e não estar registrado em nome de particular também não implica ser terra devoluta, pois, se assim fosse, a União deveria demonstrar que o imóvel não é de domínio privado, porém de seu próprio domínio, haja vista ser devoluto em ilha marítima.

.......................................................

Neste contexto, é a União quem deveria demonstrar que o referido imóvel já estava integrado em seu domínio, pois é fato extintivo do direito do autor, sendo que a este incumbe somente demonstrar o tempo de sua posse e a inexistência de oposição ou interrupção.

No caso destes autos, tenho que não ficou caracterizado e provado que a porção de terras, objeto do pedido desta ação, já estivesse inserida no domínio da União. O que se extrai dos autos, é que o imóvel está localizado na ilha de Santa Catarina, ausente qualquer registro de anterior proprietário.” (grifei)

A sentença em questão, em tudo corretamente confirmada pelo E. TRF/4ª Região, merece subsistir, eis que – cumpre não desconhecer – a mera ausência de registro imobiliário não é suficiente, só por si, para configurar a existência de domínio público, mesmo porque tal circunstância não induz à presunção, ainda que “juris tantum”, de que as terras destituídas de inscrição no Registro de Imóveis sejam necessariamente devolutas, consoante tem proclamado a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que exige, do Estado, a prova inequívoca de que lhe pertence a titularidade dominial do bem imóvel:

“USUCAPIÃO – DOMÍNIO PÚBLICO – TERRAS DEVOLUTAS

- Cabe ao Estado o ônus da prova de que a gleba é terra devoluta.”

(RDA 134/208, Rel. Min. MOREIRA ALVES - grifei)

Esse entendimento – que encontra apoio na autorizada lição de PONTES DE MIRANDA (“Tratado de Direito Privado”, tomo XII/528, § 1.419, 2001, Bookseller) – reflete-se, por igual, na jurisprudência dos Tribunais em geral (RT 405/153 - RT 411/120 – RT 419/129 - RT 490/65 - RT 551/110 – RT 520/141):

“O fato de o terreno não estar registrado não torna admissível a presunção de que é de propriedade do Estado, porque não se concebe o domínio por exclusão ou omissão. Ao Estado cumpre fazer prova de seu domínio sobre as terras que alega serem devolutas.”

(RT 549/204, Rel. Des. Nélson Konrad - grifei)

Cabe enfatizar, por relevante, que essa mesma orientação é também prestigiada pelo magistério jurisprudencial desta Suprema Corte (RTJ 65/856 – RTJ 81/191 – RTJ 99/234):

“Também a inexistência de transcrição da gleba em nome de particular não faz presumir que as terras sejam devolutas. (...). Conseqüentemente, o só fato de não se achar transcrito o imóvel não significa deva tratar-se de gleba devoluta. “

(RTJ 66/797, 798, Rel. Min. RODRIGUES ALCKMIN - grifei)

Em suma: não basta a mera alegação de ser devoluto o imóvel usucapiendo, pois se torna necessário que o Poder Público prove que tal bem se inclui em sua esfera de dominialidade (RT 541/131 – RT 555/223 - RT 558/95), eis que – insista-se – “Inexiste, em nosso Direito, regra que firme a presunção de serem públicas as terras que não forem objeto de transcrição” (RT 537/77-78 - grifei).

O que se mostra irrecusável, considerado o que dispõem o art. 20, IV, e o art. 26, II, ambos da Constituição da República, é que nem todas as áreas existentes nas ilhas continentais (ou costeiras) acham-se incluídas no domínio patrimonial da União, pois, como anteriormente ressaltado, a própria Carta Política reconhece que, em tais ilhas, também podem existir bens pertencentes a terceiros, meros particulares.

Daí a advertência de IVES GANDRA MARTINS, em obra escrita com o saudoso CELSO RIBEIRO BASTOS (“Comentários à Constituição do Brasil”, vol. 3, tomo II/116, 2ª ed., 2002, Saraiva):

“‘Pertencem à União as áreas que não se encontram no domínio dos Estados, Municípios e de terceiros’ (...).

As áreas podem pertencer a terceiros, como particulares que construam casas de lazer, condomínios fechados, hotéis, à evidência, não integrando assim nenhuma das entidades federativas.” (grifei)

Cumpria à União Federal, portanto, provar, de modo inequívoco, que as áreas usucapiendas integravam o seu domínio patrimonial, o que – se efetivamente por ela fosse demonstrado – obstaria a consumação do usucapião.

Tal, porém, não se verificou, como soberanamente afirmado pelo acórdão ora recorrido (RTJ 152/612 – RTJ 153/1019 – RTJ 158/693), circunstância esta que – ao justificar a plena incidência, no caso, da Súmula 279/STF – torna incognoscível o apelo extremo ora em exame.

Vê-se, de todo esse quadro, que se mostra processualmente relevante o tópico da decisão emanada do E. TRF/4ª Região, no ponto em que adverte que a União Federal deixou de comprovar a sua titularidade dominial sobre as áreas objeto da ação de usucapião, o que implica reconhecer a ocorrência, na espécie, de insuperável obstáculo técnico, representado pela Súmula 279/STF, tal como pude assinalar, precedentemente, nesta decisão.

Sendo assim, e pelas razões expostas, não conheço do presente recurso extraordinário.

Publique-se.

Brasília, 15 de fevereiro de 2005.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

( RE 285615/SC, Boletim do Supremo, Brasília, 14 a 18 de fevereiro de 2005 Nº 376 ).

* Verbetação e Ementação: Daniela dos Santos Lopes e Fábio Fuzari. Orientação Geral e Revisão crítica: Sérgio Jacomino.



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