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Averbação de abertura de matrícula em caso de desmembramento ou desdobramento da serventia.
Eduardo Sócrates Castanheira Sarmento Filho *


Pretende-se neste artigo abordar um tema eminentemente prático relacionado a um aspecto procedimental não previsto expressamente na Lei de Registros Públicos, mas de suma importância para a segurança do registro imobiliário.

Trata-se da hipótese freqüente de desmembramento ou de desdobramento de serventias imobiliárias (artigo 29, I, da Lei nº 8935/94), seja por alteração na lei de organização judiciária, seja por ato administrativo (  [1] ), transferindo a atribuição de um cartório de registro de imóveis a uma outra serventia.

A lei impõe ao registrador, tão-somente, que exija do interessado a apresentação do novo título juntamente com a certidão atualizada, comprobatória do registro anterior e da existência ou inexistência de ônus, a fim de que se proceda à abertura de matrícula na serventia resultante criada.

Tenho observado que tal procedimento é insuficiente, sendo necessária a cautela de expedir-se comunicação à antiga serventia, noticiando o fato de ter sido aberta nova matrícula, permitindo a esta averbar tal informação à margem da transcrição (antigo livro 3) ou no corpo da matrícula anterior.

Sem esse cuidado, potencializa-se o risco de serem abertas duas ou mais matrículas para o mesmo imóvel, trazendo conseqüências nefastas para as partes e para a credibilidade do sistema registral.

Imagine-se a seguinte hipótese: um credor, objetivando o recebimento da dívida, penhora um imóvel de propriedade do devedor, levando ao novo cartório com atribuição para efetuar o registro da constrição judicial a respectiva certidão ou mandado de penhora, além da certidão atualizada da matrícula expedida pelo cartório que perdeu a atribuição para a prática do ato.

Não se efetuando a comunicação e a averbação alvitradas, é possível que, posteriormente, um outro credor solicite certidão ao cartório outrora competente.

Como não constará a informação de que já existe matrícula aberta, bastará ao novo credor levar a certidão atualizada da matrícula ao novo cartório, juntamente com o novo título, criando-se risco de ser aberta nova matrícula.

É certo que antes de abrir a matrícula é praxe proceder o registrador a uma busca para saber se já existe outra aberta para aquele imóvel, evitando-se, assim, a duplicidade de registros.

Na prática, isto não evita o efeito indesejável, pois uma falha humana ou o desaparecimento de uma ficha do indicador real, joga por terra a precaução.

Para reforçar a necessidade da cautela recomendada, formulo uma outra hipótese passível de ocorrer e que mesmo sendo feita corretamente a busca com objetivo de não ser aberta dupla matrícula, haverá ,ainda assim, falha no sistema registral, com efeitos danosos para os usuários do serviço.

Trata-se de caso ocorrido no primeiro cartório de que fui titular, em que determinada pessoa alienou uma área que estava registrada no cartório do município X. O comprador do imóvel, por sua vez, somente veio a registrar o seu título quando alterada a lei de organização judiciária do estado, fazendo-o junto ao serviço imobiliário da cidade Y, que fora emancipada, tornando-se um novo município.

O registrador da cidade Y abriu matrícula para o bem, sem, contudo, expedir ofício comunicando tal fato ao antigo cartório. Passados alguns anos, o alienante do imóvel vem a falecer e seus herdeiros, de boa-fé, solicitam certidão junto à antiga serventia, verificando que existe matrícula em nome do de cujus .

Por outro lado, os herdeiros não requereram certidão no cartório da cidade criada, que passou a deter atribuição para a prática de atos relacionados ao registro imobiliário (tratava-se de imóvel rural situado bem na divisa entre os dois municípios, de sorte que era difícil saber em qual deles, efetivamente, estava o imóvel).

De posse dessa certidão, os herdeiros arrolaram o bem no inventário judicial, vendendo-o no curso do procedimento a terceiro.

Ato contínuo, o comprador do bem promove a abertura de nova matrícula no cartório da cidade Y que já abrigava uma matrícula pretérita relativa ao mesmo imóvel, decorrente da venda feita há anos atrás pelo falecido.

Isto resultou em ação indenizatória movida pelos lesados, ocasião em que se discutiu a responsabilidade civil do registrador que me antecedeu.

Note-se que ainda que a segunda matrícula não tivesse sido aberta, o problema continuaria a existir, uma vez que o bem foi inventariado e vendido a terceiros (  [2] ).

As duas hipóteses aventadas foram por mim vivenciadas em um curto período de atividade profissional, acreditando que isto ocorra, freqüentemente, em outras serventias.

Poder-se-ia alegar que cabia aos interessados – credor e herdeiros nos casos mencionados – efetuar uma busca mais cuidadosa, requerendo certidões em todas as serventias, devendo conhecer as regras da lei de registros públicos e do Código de Organização Judiciária do Estado, de maneira que teriam condições de descobrir a existência de anterior matrícula.

Também seria possível sustentar que muitos estados da federação possuem norma nas respectivas consolidações determinando aos cartórios que perdem suas atribuições a obrigação de consignar tal fato nas certidões que expedirem, informando a data em que isto ocorreu e qual seria a nova serventia responsável pela prática de atos.

Alegam alguns registradores que isso seria suficiente para que o interessado, na maioria das vezes leigo ou mesmo profissional não afeito às questões registrarias, tivesse o cuidado de dirigir-se ao novo cartório a fim de obter certidão do imóvel.

Salta aos olhos que tal entendimento, apesar de sustentável, potencializa, em razão da não realização de um ato simples, o risco de vir a ocorrer danos.

É certo que a lei não impõe de forma expressa ao oficial a obrigação de proceder da maneira recomendada, o que poderia servir de fundamento para escapar a eventual responsabilidade civil, mas é de bom alvitre que conduza a serventia de modo a tornar mais seguro o sistema.

Observe-se que é função do registrador engendrar soluções que se coadunem com o sistema, buscando o seu aprimoramento, que, por vezes, dependem de medidas singelas como a que aqui se propugna.

Adotando o cuidado de oficiar-se ao cartório outrora detentor de atribuição para registro e procedendo este à averbação necessária, qualquer interessado saberá que houve transferência da titularidade do bem ou, ao menos, que já existe matrícula aberta em outra serventia.

O Provimento 26/99, item 16.4.2.2 , da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Paraná, tem norma expressa nesse sentido, cujo teor é o seguinte:

Item 16.4.2: “A abertura de matrícula decorrente de desmembramento de circunscrição imobiliária será comunicada à de origem para a devida averbação”

Item 16.4.2.2: “A comunicação a que alude o item 16.4.2, será feita com aviso de recebimento, podendo realizar-se por “fac-símile” ou ainda, por transmissão real, via internet, mediante arquivamento do comprovante da transmissão e recepção que deverá ser acusada.”

Recomendando tal procedimento, veja-se a resposta ao número 767, página 264-265, do livro Aplicações do Direito na Prática Notarial e Registral- 1600 questões, de autoria de Nelson Corrêa de Oliveira, Editora Síntese.

Por sua vez, considero que não há qualquer vedação legal para se realizar tal averbação ou, ao menos, uma simples anotação, consignando-se o fato de ter sido aberta matrícula em outra serventia.

Quando se abre matricula com base em uma transcrição de um mesmo cartório essa averbação ou anotação já é feita, em homenagem ao princípio da continuidade.

Ressalte-se que o registrador é, por força da Constituição Federal de 1988, profissional do direito, dotado de autonomia funcional e que, portanto, está apto a interpretar a lei e aprimorar o sistema.

Por seu turno, o fato de não haver previsão expressa no rol do artigo 167, II, não veda a adoção da cautela recomendada.

É que o próprio inciso II,V, do artigo 167, assim como o artigo 246, ambos da LRP, denotam que o rol legal não é taxativo, mas exemplificativo, especialmente em relação ao ato de averbação (  [3] ).
Conclui-se, pois, que o oficial registrador responsável pela abertura da nova matrícula deve comunicar por escrito tal fato à serventia outrora responsável pelo registro para que esta averbe ou anote o respectivo número da nova matrícula, evitando-se, dessa maneira, os prejuízos antes mencionados, especialmente ações indenizatórias em face do delegatário.

* Eduardo Sócrates Castanheira Sarmento Filho - Titular do 1º Ofício de Justiça de Volta Redonda-RJ. Ex-Juiz de Direito do Estado do Rio de Janeiro.

Notas

[1] Registre-se que estão pendentes de julgamento ações declaratórias de inconstitucionalidade propostas pela Anoreg-BR, sendo, todavia, predominante em sede doutrinária e jurisprudência a posição que sustenta a necessidade de lei formal para o desdobramento de serventias.

[2] Como a dita omissão imputada ao antigo registrador tinha ocorrido há mais de 40 anos, foi reconhecida a prescrição. Todavia, os autores, o Estado, que denunciou a lide ao registrador e o Ministério Público, consideraram que, efetivamente, havia ocorrido omissão por parte do registrador, a despeito de inexistir norma expressa determinando a prática dessa cautela.

[3] Sustentando a não taxatividade dos atos passíveis de registro, veja-se, por todos, o artigo de Henrique Ferraz Correa de Mello, publicada na Revista de Direito Imobiliário 52/75-135.



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