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ENTREVISTA - Amaro Moraes e Silva Neto

“O registro autentica um documento, e o notário autentica um fato. Essa seria a distinção e a margem que deve ocorrer entre os dois, sob pena de um invadir o espaço do outro. Não conheço nenhum cartório de registro que esteja fazendo autenticação de sites .”


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O registrador Ruy Rebello Pinho (esq.) entrevistou o advogado Amaro Moraes e Silva Neto, no programa Cartório Parceiro Amigo , da Anoreg-BR, exibido pela TV Justiça no dia 25 de julho de 2004.

O advogado, especialista em Direito e à Tecnologia da Informação, falou sobre os documentos eletrônicos e a segurança jurídica no ciberespaço. Confira.

Ruy Pinho Será que o Direito que temos hoje está preparado para tratar das questões do ciberespaço?

Amaro Moraes e Silva Neto – Sem dúvida alguma. Existem alguns pequenos ajustes a serem feitos. Não há necessidade de se criar uma nova legislação para regular as questões do ciberespaço. Tudo isso já existe. Quando surgiu a Internet a impressão que se teve é que as bases das nossas instituições tremeram. Nada disso aconteceu, continuou tudo igual.

O que falta é um pouco mais de profundidade, por parte do profissional do Direito, para avaliar as questões que já existem e que estão à sua frente. É preciso ter a prudência de apreciar com mais dedicação as pequenas nuances que já estão reguladas, e não pensar em fazer uma nova lei. O Brasil parece um país da legis mania , ou seja, aparece uma questão nova, as pessoas já querem fazer uma lei. É claro que precisamos fazer algumas mudanças. O mundo não está pronto, o universo está em expansão, portanto, não será o Direito que vai estar pronto. Os ajustes são pequenos, não existem mudanças fundamentais a serem propostas.

Ruy Pinho – Existe um debate sobre a possibilidade de se produzir uma legislação anti-spam. Como fica essa questão no Direito que temos hoje?

Amaro Moraes e Silva Neto –No Direito que temos hoje tudo isso já está regulamentado. Se recorrermos à Lei das Contravenções Penais, vamos ver a contravenção da perturbação à tranqüilidade alheia. Se uma pessoa mandasse um só spam , a contravenção já estaria configurada. Agora, como a pessoa obtém determinado endereço? Para ter o endereço é preciso ter um banco de dados, e para este é necessária uma autorização da pessoa, cujo nome consta no banco de dados, conforme determina o artigo 6  o  do Código de Defesa do Consumidor.

Colocar em risco qualquer serviço de utilidade pública é crime. Resta saber, a Internet é um serviço de utilidade pública? Não tem lei que o defina. Nem tudo precisa ter uma lei que defina. Nem tudo necessita explicitamente de uma consideração. Mas se quisermos ter esse trabalho todo, encontramos bons resultados na nossa legislação.

Ruy Pinho – Como fica o correio eletrônico em relação à violação de correspondência? Como disciplinar isso nas relações de trabalho? Será que a empresa pode controlar o correio eletrônico privado?

Amaro Moraes e Silva Neto –Não, não pode. O direito à privacidade é preservado no inciso XII, artigo 5  o  da Constituição com veemência, e não pode ser mudado de forma alguma.

Ruy Pinho E no caso de demissões por conta disso?

Amaro Moraes e Silva Neto –Certa vez, o banco HSBC despediu um empregado em São Paulo, porque havia mandado fotografias pornográficas, através do seu e-mail pessoal, para os e-mails corporativos de diversos colegas de trabalho. Checaram o e-mail pessoal dele e, com base nisso, o demitiram.

Ele entrou com uma Reclamação na 13  a  Vara Trabalhista, a ação foi julgada improcedente. Ele entrou com um recurso no Tribunal e venceu, ou seja, foi reintegrado.

A violação de correspondência é uma matéria muito séria, e as empresas que pretenderem fazer alguma organização devem proceder a um termo aditivo ao contrato de trabalho regulando essa matéria. Nada é absoluto, tudo vai até um certo ponto.

O empregado tem o direito à sua privacidade na correspondência pessoal, mas o empregador tem o direito de verificar tudo que consta nos e-mails corporativos. É uma mera questão de disciplinar, em termos, sob pena de não só o empregado ser reintegrado no cargo como o empregador responder por um crime de violação de correspondência.

Ruy Pinho Então, para essa questão não há um consenso na Vara do Trabalho?

Amaro Moraes e Silva Neto –Existem dois casos no Brasil a respeito: um entende que a demissão é válida, o outro está em pendência de julgamento no STJ. O caso do empregado do HSBC está com trânsito em julgado.

Ruy Pinho Como a segurança jurídica dos serviços de cartórios pode ser prestada no ciberespaço? Os cartórios já estão prontos para isso?

Amaro Moraes e Silva Neto –Acredito que os cartórios podem não estar totalmente preparados. Os atos que são apreendidos no ciberespaço deixam rastros. Para que a segurança desses atos seja preservada, existem dois instrumentos: o primeiro se refere aos notários, a ata notarial.

A ata notarial é uma forma belíssima de apreender as questões que acontecem no ciberespaço. Mas os artigos 6  o  e 7  o  da Lei de Registros Públicos deixam claro que o notário tem a capacidade de lavrar e redigir, ou seja, escrever, digitar, expressar sintaticamente uma idéia.

Isso se reflete em palavras, apenas. Alguns notários estão colocando nas atas a impressão do que capturam no site . Os notários podem somente autenticar fatos. Imagens, como por exemplo, a fotografia de um site , a meu ver, deveria ser feito pelo Cartório de Registro de Títulos e Documentos, claro, se estiverem habilitados.

Os notários estão fazendo coisas além de sua medida, por conta disso, podem, futuramente, responder por perdas e danos, porque estão sendo pagos para fazer um instrumento que não serve para absolutamente nada.

Ruy Pinho Como é a ata notarial no ciberespaço?

Amaro Moraes e Silva Neto –A ata notarial é simples, seria uma fotografia feita com palavras. A ata notarial é o testemunho do notário que, solicitado por uma pessoa, visita tal website da Internet, e, no seu computador, verifica o que consta em tais páginas do site .

A ata notarial seria a descrição de uma situação fática. A vantagem da ata notarial é que ela se equipara à escritura pública, por causa da fé pública do notário. A desconstituição de uma ata notarial, em um processo, é algo bastante complexo.

O opoente que quiser negar o valor da ata notarial terá trabalho. Com isso tudo, consegue-se, até, pré-constituir provas no Direito. Com uma ata notarial faz-se o registro em questão de minutos, a um custo irrisório, dando toda a segurança jurídica. Isso é bom para o Judiciário, que será menos solicitado para resolver certas questões, bom para o cliente, que tem a sua demanda mais rápida, e bom para o advogado, que elimina o custo de acompanhamento de um processo inteiro. Na ata notarial nenhuma parte sai prejudicada.

Ruy Pinho Nesse contexto, quando precisaríamos do registro de títulos e documentos?

Amaro Moraes e Silva Neto –O Registro de Títulos e Documentos seria solicitado por qualquer pessoa que queira autenticar o documento. O documento, estando na Internet, pode ser autenticado, não existe nenhum óbice para isso. Existe uma equivalência. Se se pode fazer uma ata notarial descrevendo um fato que acontece no ciberespaço, por que não podemos registrar um documento que acontece dentro no ciberespaço?

Ruy Pinho Ou seja, a ata notarial está para o fato, assim como o registro está para o documento?

Amaro Moraes e Silva Neto –Precisamente isso. O registro autentica um documento, e o notário autentica um fato. Essa seria a distinção e a margem que deve ocorrer entre os dois, sob pena de um invadir o espaço do outro. Não conheço nenhum cartório de registro que esteja fazendo autenticação de sites .

Ruy Pinho Como são feitas as conversas entre os advogados dedicados às novas tecnológicas, via internet?

Amaro Moraes e Silva Neto –A maior parte das pessoas que tratam de Direito em Internet não entendem de Direito ou não entendem de Internet. Desse modo, surgem cada vez mais abusos e absurdos patentes na nossa tela.

Um grande advogado curitibano, que foi um dos primeiros a discutir as temáticas envolvendo o nome de domínio, resolveu, na condição de editor jurídico de Direito e Internet da revista Consultor Jurídico , fazer um registro da evolução das idéias de maneira inversa. Todo mundo vai do papel para a Internet, ele foi da Internet para o papel, quase que uma ata editorial. Ele fotografou aquele momento histórico com uma propriedade muito boa.

Ruy Pinho Como fica a questão da autoria de documentos na Internet?

Amaro Moraes e Silva Neto –É uma bagunça que não sabemos como vai ser resolvida. A propriedade intelectual é um dos três temas básicos que devem ser discutidos na Internet: propriedade intelectual, a liberdade de expressão e o direito à privacidade.

A propriedade intelectual é uma propriedade que não tem nenhuma das características da propriedade. É a propriedade que não se adquire, porque é licenciada; é a propriedade que não pode usufruir integralmente, porque existem limites. É uma propriedade que prescreve.

Isso se deu por causa de uma pressão norte-americana no sentido de se ter um controle mais fácil quanto à cobrança, execução e punição de tudo isso. Chegamos a parâmetros que não têm mais limites, perdemos o senso ético nesse país.

Outro dia um camelô foi preso e condenado porque vendia cópia de softwares . O Tribunal de Justiça, em decisão recente, o absolveu dizendo que não tinha sentido condenar o sujeito porque a situação adversa é tão pior que é melhor que isso ocorra. Às vezes, a punição excessiva acaba prejudicando mais a sociedade.

Ruy Pinho A minha percepção sobre o ciberespaço é que os serviços de segurança jurídica são muito mais úteis nesse ambiente volátil da Internet do que em um ambiente sólido, como o do papel. Uma vez que estamos com o pé nos dois mundos, por que estamos entrando nesse novo ambiente tão vagarosamente? Por que só agora é que estão realizando testes, por exemplo, com habeas corpus via on line?

Amaro Moraes e Silva Neto –Não são dois mundos, acho que é apenas um. A Internet é uma sombra do mundo fático. Não acho que nada mudou, continua tudo igual. Temos apenas que ter a prudência de rever muitas coisas que já foram decididas para que não cometamos determinados erros, propiciando riscos para aqueles que assessoramos.



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