BE1534
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SIRGAS, o Novo Sistema Geodésico Brasileiro
Irib participa decisivamente do debate científico
Jürgen Philips *
Entre os dias 30 de novembro e 3 de dezembro de 2004 houve o II Seminário sobre a Mudança do Referencial Geocêntrico no Brasil com a introdução do SIRGAS, a nova referência geodésica oficial. Esta mudança é importante para os registradores porque o novo referencial interfere nas coordenadas da matrícula modificada dos imóveis rurais, georreferenciadas segundo a lei 10.267/2001.
Assim, o IRIB foi uma das instituições convidadas para avaliar e opinar sobre o novo Sistema Geodésico Brasileiro. O Instituto foi representado no evento pelo Professor Jürgen Philips, Doutor em Ciências Geodésicas, atuando na Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis, e membro do Conselho Científico do IRIB.
Histórico
Segundo a Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73), artigo 176, § 3°, na sua versão alterada pela lei 10.267/2001, a identificação do imóvel " ... será obtida a partir de memorial descritivo ... contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro ... ".
Este Sistema Geodésico Brasileiro (SGB), de competência institucional do IBGE, foi oficializado inicialmente através do Decreto-Lei nº 9.210, de 29 de abril de 1946, e atualmente pelo Decreto-Lei nº 243, de 28 de fevereiro de 1967. Ele é composto por um sistema de três referenciais: Um referencial altimétrico, amarrado a uma superfície equipotencial (geóide) que coincide com o marco zero da Estação Maregráfica de Imbituba (SC), um referencial gravimétrico com mais de 16.000 estações com informações importantes sobre a aceleração da gravidade que são usadas para determinar, com precisão, a figura verdadeira (física) da terra e um referencial planimétrico, o SAD69, que define a superfície, a origem e a orientação do sistema de coordenadas usado para o mapeamento e o georreferenciamento (inclusive dos vértices segundo a lei 10.267) do País.
O último destes três referenciais, o "planimétrico", é objetivo da atual mudança do SAD69 para o SIRGAS. O SAD69 foi materializado através de milhares de pontos com as suas coordenadas determinadas, até os anos 90, por operações da geodésia clássica (medição e cálculo), que são o posicionamento astronômico, a triangulação, poligonação, ajustamento, etc.
A disponibilidade do sistema NAVSTAR/GPS (Navigation Satellite with time and Rancing / Global Positioning System), cuja capacidade em permitir a determinação de posições terrestres, aliando rapidez, precisão e economia são muito superiores aos métodos clássicos de levantamento, provocou a revisão das características do Sistema Geodésico Brasileiro e, em 1991, o Departamento de Geodésia do IBGE criou o Projeto GPS com a operacionalização da RBMC (Rede Brasileira de Monitoramento Contínuo). Através destas medições foram detectados muitos erros na rede clássica; em alguns casos, os erros chegaram a valores de 10 metros e mais, além de não encontrar mais as marcas físicas, implementadas no local, de cerca 50% dos pontos.
O Projeto SIRGAS
O IBGE, junto com as universidades, experimentaram já desde a década de 70 o aproveitamento da Geodésia por Satélite, antes do sistema TRANSIT, depois do GPS e, futuramente, terá mais um sistema, o GALILEO europeu. O Projeto SIRGAS (Sistema de Referência Geocêntrico para a América do Sul), fundado em outubro 1993 em Assunção, por iniciativa do DGFI (Instituto Alemão de Pesquisas Geodésicas) e com o apoio da IAG (Associação Internacional de Geodésia), foi uma conseqüência dos defeitos do sistema anterior com a idéia de se criar um novo sistema, comum e único para o sub-continente, entre todos os países da América do Sul, aplicando as tecnologias e os métodos de ponta, e atendendo às necessidades das próximas décadas em termos de precisão, disponibilidade e confiabilidade.
Em 1997, na conferência da IAG no Rio de Janeiro, à base da análise de uma primeira campanha de medições em 10 países, inclusive na Antártica, criaram-se os conceitos técnicos e um plano estratégico para a realização do SIRGAS.
Figura 1: Pontos da Rede Fundamental do SIRGAS (fonte:DGFI)
Foram escolhidos 184 pontos no continente (v. figura 1), dos quais 21 no território brasileiro, onde os satélites GPS foram rastreados durante 10 dias em cada ponto, o que resultou, após os cálculos, realizados paralelamente no Rio de Janeiro, Munique e Hannover, em uma precisão nunca maior que poucos milímetros nas coordenadas de cada ponto.
A integração entre a nova rede SIRGAS com as redes existentes em outras regiões da terra, como EUREF da Europa, ou a PGC da América do Norte, está garantida através de alguns pontos comuns, que são, ao mesmo tempo, pontos do SIRGAS e da Rede Global do "International GPS Service for Geodynamics" (IGS).
Em paralelo, foi criado o "Projeto Mudança do Referencial Geodésico" (PMRG) com o objetivo de promover a adoção no País, pesquisar, junto com os usuários, os impactos da mudança do referencial e de preparar e dar apoio técnico para os profissionais e as instituições para a transição do sistema SAD69 para o SIRGAS.
As Coordenadas Dinâmicas
Uma série de mais de vinte, entre o total dos 184 pontos da rede fundamental do SIRGAS, são equipados com estações permanentes que servem para recalcular semanalmente toda a rede no "Regional Network Associate Analysis Centre" (RNAAC-SIR) do Serviço Internacional de GPS (IGS), associado à DGFI em Munique, na Alemanha. Com isto, todas as coordenadas serão atualizadas permanentemente e acompanham assim os pequenos movimentos que a placa continental da América do Sul faz em relação aos outros continentes.
O território brasileiro está movimentando-se acima do globo terrestre na ordem de 1 a 2 centímetros por ano (v. figura 2) na direção aproximadamente norte (com poucas variações regionais). Acumulado durante 30 anos, o movimento (e a correção da coordenada) seria da ordem de aproximadamente 50 centímetros.
Figura 2: Vetores de movimento anual da placa terrestre América do Sul (fonte:DGFI)
Na proposta do IBGE para o Sistema Geodésico Brasileiro era previsto que as coordenadas SIRGAS fossem corrigidas permanentemente, de acordo com os movimentos geodinâmicos da placa e dos pontos, determinados pelo recálculo do DGFI. Tendo como conseqüência, para o Registro de Imóveis, que as coordenadas dos vértices georreferenciados, inscritas na matrícula, deveriam ser atualizadas toda vez que houvesse alterações pelo movimento geodinâmico da placa terrestre – e isto acontecerá pelo menos uma vez por ano! Sem estas correções permanentes na matrícula, o ponto estaria, depois de poucos anos, fora do limite da precisão definida pelo INCRA (para imóveis rurais).
Numa possível extensão do princípio de georreferenciamento aos imóveis urbanos, com uma precisão posicional bem melhor que os 50 cm., para os imóveis rurais, a situação seria ainda mais grave porque o movimento do ponto alcança mais rápido o (menor) limite da precisão posicional.
O IRIB aproveitou sua presença no Congresso Nacional dos Engenheiros de Agrimensura (CONEA - setembro 2004 em Belo Horizonte) para declarar a impossibilidade do uso de coordenadas dinâmicas para fins de registro, explicando que a coordenada, desde a lei 10.267, não é mais apenas um dado técnico e que esta lei dá à coordenada o atributo de "definidora legal" do limite de propriedade. Assim, a coordenada transformou-se em um dado bivalente, técnico e jurídico - para sua inscrição na matrícula ela precisa de estabilidade em relação ao seu valor numérico.
Também seria dificilmente aceito pelo proprietário que as coordenadas, que pela lei definem a delimitação da propriedade, mudassem a cada ano sem nenhuma alteração na situação física do imóvel.
A Proposta do IRIB: O Desmembramento do SIRGAS
A proposta do IRIB, em Belo Horizonte, foi desmembrar o SIRGAS em um sistema científico e outro prático.
As coordenadas do SIRGAS científico (ou dinâmico) acompanham, então, todos os movimentos e variações dos pontos em relação a um sistema de referência fixa e servem assim para os estudos científicos da figura da terra, especialmente sua variação com o tempo. Estes estudos são necessários, por exemplo, para o melhor conhecimento do geóide e para calcular melhor as órbitas dos satélites artificiais. O movimento da placa brasileira, em primeira aproximação, é praticamente uniforme (com mínimas variações), quer dizer que todos os pontos se movimentam com a mesma velocidade na mesma direção, como a figura 2 demonstra. Para a matrícula isto significa que todos os pontos de uma vizinhança, de um município ou até de uma região devem ser corrigidos pelo mesmo valor. A geodinâmica não muda nada na relação geométrica entre os imóveis da mesma região. O conhecimento da dinâmica da terra não é necessário para o perfeito registro do imóvel.
Assim o IRIB propôs um segundo sistema, o SIRGAS prático (ou estático), com coordenadas estáveis, e com referência a uma situação definida em um determinado momento (por exemplo abril 2004). As coordenadas teriam todas as características qualitativas do SIRGAS, mas não acompanhariam os movimentos da crosta terrestre. Este SIRGAS prático teria coordenadas congeladas à data x . O SIRGAS prático teria sua aplicação sempre onde se precisa coordenadas estáveis, como no mapeamento, no cadastro, registro de imóveis, contratos, engenharia, etc.
II Seminário sobre a Mudança do Referencial Geocêntrico no Brasil
O IBGE declarou durante o segundo seminário no Rio de Janeiro que a proposta do IRIB será atendida para todos os atuais e futuros pontos dentro do sistema SIRGAS, publicando então coordenadas com referência a uma data no ano 2004 garantindo estabilidade nesta definição.
Uma alteração nas coordenadas será necessária apenas para corrigir erros evidentes de medição ou do cálculo - não terá alteração nas coordenadas por efeitos da dinâmica da terra.
A participação do IRIB, tanto em Belo Horizonte no CONEA, como também no seminário do IBGE no Rio de Janeiro, foi importante porque a estabilidade das coordenadas do georreferenciamento dos imóveis foi definitivamente assegurada, uma condição indispensável para uma possível extensão do princípio do georreferenciamento das regiões rurais para o ambiente urbano.
* Jürgen Philips é Professor de Ciências Geodésicas na Universidade Federal de Santa Catarina e membro do Conselho Científico do Irib. www: http://geodesia.ufsc.br/ - E-mail: [email protected]
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