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Georreferenciamento - urge a prorrogação de prazos! 
João Pedro Lamana Paiva  *


Tem-se percebido a nível mundial uma preocupação dos governos em obter, com precisão, a identificação dos imóveis de seus territórios e o incremento dos cadastros. Mas quais os motivos desta preocupação? Basicamente, pretende-se a obtenção de um rigoroso controle dos territórios com o intuito de fiscalização, arrecadação e, principalmente, de atribuição de segurança jurídica plena aos atos negociais realizados. Observa-se que as instituições financeiras internacionais, principalmente o Banco Internacional de Desenvolvimento – BID, têm interesse na implementação desse controle para que possam investir com segurança em nosso País.

O fato de um País procurar instalar Sistemas de Registro e Sistemas de Cadastro apurados, inteligentes e eficazes, se origina nos levantamentos feitos por Órgãos Internacionais, inclusive por parte das Nações Unidas, que constataram enormes irregularidades nesta área, principalmente nos países em desenvolvimento.

Como vivemos num processo de constantes transformações, inclusive a nível legislativo, temos um novo desafio para implementar no Brasil – o Georreferenciamento – previsto na Lei nº 10.267/01, regulamentada pelo Decreto nº 4.449/02, que trata de uma verdadeira revolução na determinação e identificação dos imóveis rurais.

Em síntese, o Georreferenciamento visa a incorporação da base gráfica do Cadastro ao Registro, verdadeira interconexão entre estes Sistemas. Tem como finalidade alcançar um perfeito cadastro do imóvel rural, por meio da medição in loco , por profissional devidamente qualificado, levando em consideração as coordenadas estabelecidas pelo Sistema Geodésico Brasileiro, auferindo sua precisa localização e caracterização, tal como área superficial, medidas lineares e as respectivas confrontações. Também, tem por escopo possibilitar uma exata coincidência dos elementos físicos do imóvel com os assentos registrais, refletindo o imóvel no Fólio Real com exatidão, alcançando a segurança jurídica almejada e evitando a sobreposição de áreas (grilagem).

Cabe salientar que o Cadastro de imóveis rurais no Brasil é de responsabilidade do Instituto de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, ao passo que os registros são realizados nos Cartórios de Registro de Imóveis de cada Comarca.

Considera-se, portanto, a idéia muito boa. Ocorre, porém, que a aludida legislação previu prazos exíguos para que os proprietários de imóveis rurais adéqüem seus registros ao novo sistema. Desta forma, tem a presente missiva a intenção de despertar a sociedade para o problema que está sendo gerado em virtude da aplicação da Lei nº 10.267/01 e de seu decreto regulamentador, uma vez que o emperramento da economia agrícola parece ser inevitável se não alcançado o entendimento esperado quanto a aplicação da norma, especialmente quanto aos prazos estabelecidos, que devem ser, a nosso juízo, dilatados.

Os prazos para exigibilidade do Georreferenciamento foram previstos no artigo 10 do D. 4.449/02, conforme seguem:

“Art. 10. A identificação da área do imóvel rural, prevista nos §§ 3o e 4o do art. 176 da Lei no 6.015, de 1973, será exigida, em qualquer situação de transferência, na forma do art. 9o, somente após transcorridos os seguintes prazos, contados a partir da publicação deste Decreto:

I - noventa dias, para os imóveis com área de cinco mil hectares, ou superior;

II - um ano, para os imóveis com área de mil a menos de cinco mil hectares;

III - dois anos, para os imóveis com área de quinhentos a menos de mil hectares; e

IV - três anos, para os imóveis com área inferior a quinhentos hectares.

§ 1o Quando se tratar da primeira apresentação do memorial descritivo, aplicar-se-ão as disposições contidas no § 4o do art. 9o.

§ 2o Após os prazos assinalados nos incisos I a IV, fica defeso ao oficial do registro de imóveis a prática de quaisquer atos registrais envolvendo as áreas rurais de que tratam aqueles incisos, até que seja feita a identificação do imóvel na forma prevista neste Decreto.”

O enquadramento em tal legislação é exigível, também, nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais (Portaria nº 1.032/2002 - INCRA). Assim, hoje, a princípio, tais regras aplicam-se aos imóveis com área superior a 500 hectares e, a partir de 1º de novembro de 2005, a todos os imóveis rurais.

Discute-se no meio registral * quanto à exigência do georreferenciamento para os casos de oneração (hipoteca, alienação fiduciária, penhora etc.), retificação de área, reserva legal e particular do patrimônio natural e outras limitações e restrições de caráter ambiental. A interpretação literal da lei permitirá ao Oficial do Registro Imobiliário exigir, a partir de 1º de novembro de 2005, a apresentação do memorial georreferenciado quando o produtor rural pretender hipotecar seu imóvel para garantir o empréstimo concedido pelo banco. Se tal argumento prosperar, preparem-se os brasileiros para uma série crise econômica, pois sem garantias o banco não empresta e, sem financiamento, o produtor não produz e, conseqüentemente, todos perdem.

Cabe enfatizar, ainda, por relevante para o deslinde da questão, que, embora os prazos previstos no artigo 10 do Decreto nº 4.449/02 (publicado em 31 de outubro de 2002), o INCRA não está devidamente estruturado para emitir as certificações do georreferenciamento. Frise-se que até o momento (janeiro de 2005) se tem conhecimento de apenas uma certificação expedida no Estado do Rio Grande do Sul, na cidade de São Francisco de Paula ( www.incra.gov.br ).

Ademais, cabe esclarecer que foi publicada no Diário Oficial da União, em 20 de novembro de 2003, a Portaria número 1.101/03, do INCRA, que fixou a precisão posicional e os critérios a serem observados por este órgão para aplicação da lei, bem como o procedimento para a emissão da certificação. Com isso, entende-se que os prazos da Lei 10.267/01 e do Decreto 4.449/02 devem ser combinados com o estabelecido na Portaria 1.101/03. Isto implica em definir que os prazos concedidos pelo Decreto, até 20.11.2003, ficaram interrompidos, pois nenhum proprietário teve a possibilidade de regularizar sua propriedade em face da nova Lei, em virtude da ausência de regulamentação por parte do INCRA e pela falta de estruturação das Superintendências Regionais (certificadoras do Georreferenciamento), que passaram a ser expedidas apenas após 20 de novembro de 2003.

Assim, a falta de normatização e de estruturação do INCRA, até novembro de 2003, não permitiu que o proprietário de imóvel rural fizesse o Georreferenciamento e, por via de conseqüência, não pode servir de obstáculo para que o mesmo possa alienar e/ou onerar seu patrimônio agora. Com isso, devem os prazos previstos no Decreto ser contados da publicação da Portaria. Caso contrário, problemas econômicos sérios serão suportados pelo setor agrícola, por falha da Administração Pública, afora a gravíssima estiagem enfrentada.

Assim, a desestruturação do INCRA e a incerteza quanto ao início da contagem dos prazos está a impedir que a função social da propriedade seja alcançada. Como se vê, o artigo 9º, caput, do Decreto nº 4.449/02, incumbiu ao INCRA estabelecer “a precisão posicional a ser estabelecida em ato normativo, inclusive com manual técnico”, a qual somente veio com a referida Portaria.

Fazemos tais ponderações para elucidar que será imprescindível o esforço de todos com o objetivo de que seja dada a devida importância ao assunto, sob pena dos proprietários de imóveis rurais enfrentarem maiores entraves aos já suportados.

Apesar de o georreferenciamento ser obrigatório para todos os imóveis apenas após os prazos fixados, recomenda-se que os interessados já procurem se adequar à referida legislação, por questão de cautela, inclusive porque poderá gerar um incremento no valor da propriedade no momento de sua venda, pois o adquirente poderá contar com total segurança quanto ao imóvel que estará comprando.

O que se pode dizer quanto aos Registradores e Notários, é que esses relevantes profissionais do Direito já estão esclarecidos sobre o problema, embora estejam vinculados ao texto normativo para a fiel execução de suas atividades. Espera-se, contudo, que o INCRA ou o Órgão Corregedor das Atividades Registral e Notarial expeça norma administrativa esclarecendo-os sobre qual o termo inicial para contagem dos prazos.

Reforçando a idéia acima exposta, colaciona-se o posicionamento do Juiz de Direito de Araraquara (SP), Dr. João Battaus Neto, em julgamento do feito nº 1.332/98, em 25 de novembro de 2004, por suscitação de dúvida do Registrador daquela mesma Comarca, decidindo que o marco inicial para começar a contagem dos prazos previstos no Decreto é a partir de 17 de novembro de 2003, data da publicação do ato normativo que fixou a precisão posicional a ser adotada e permitiu efetivamente a implementação da lei. ( http://www.irib.org.br/salas/boletimel1441.asp , acesso em 28 de dez. 2004). Observa-se que a publicação ocorreu somente no dia 20 de novembro de 2003, tendo havido equívoco da informação passada ao ínclito magistrado.

Considera-se que é do interesse de todos a efetiva interpretação dessas legislações, a fim de que não se repitam os erros advindos do Estatuto da Terra, os quais geraram mais problemas do que soluções, principalmente ao Estado do Rio Grande do Sul, um dos maiores celeiros do nosso Brasil, que detém uma excelente produção agrícola, hoje um dos responsáveis pelo crescimento das exportações nacionais e pelo controle da balança comercial. Espera-se que o Georreferenciamento não seja outra lei criadora de conflitos, mas de soluções para o homem do campo e, por isso, propugna-se pela prorrogação dos prazos estabelecidos e pela fixação de uma data definitiva, por exemplo em 2008, para que todos os imóveis estejam georreferenciados, independentemente da área.

Sapucaia do Sul/ fevereiro/ 2005.

 * João Pedro Lamana Paiva é registrador imobiliário e Vice-Presidente do IRIB

 * Nota do Editor

A questão levantada pelo ilustre registrador e Vice-Presidente do Irib pelo Estado do Rio Grande do Sul – acerca da exigência do georreferenciamento de imóveis nos casos de oneração (hipoteca, alienação fiduciária, penhora etc.), retificação de área, reserva legal e particular do patrimônio natural e outras limitações e restrições de caráter ambiental – foi muito debatida e pode-se dizer que se formou um consenso, entre os registradores e no âmbito do Instituto, de que a interpretação do citado § 2º do art. 10 do Decreto 4.449/2002 deva ser cuidadosa e, sobretudo, sistemática.

A uma porque o regulamento não pode ultrapassar a lei – mormente na criação de grave embaraço à livre circulação de bens e riquezas. Como se verá, a lei estabelece um numerus clausus, como se verá. Depois, o artigo 10 do Decreto 4.449/2002 se articula em incisos cuja leitura deve ser iluminada pelo caput.

A própria Carta de Araraquara , tão citada e discutida nos fóruns especializados, fere diretamente a questão. Vejamos a justificação do item 3:

“A Lei nº 10.267/2001 exigiu o georreferenciamento apenas nos casos de transferência, desmembramento, remembramento e parcelamento dos imóveis rurais, além das hipóteses dos casos judiciais. Entretanto, uma leitura apressada do §2º do artigo 10 do Decreto nº 4.449/02 poderia levar à equivocada conclusão de que se está proibindo a prática de todo e qualquer ato registral nas matrículas dos imóveis não georreferenciados, cujo prazo se tenha exaurido. Em decorrência dessa interpretação, ficaria impedido o oficial de registrar, por exemplo, uma hipoteca cedular, prejudicando o acesso do proprietário ao crédito rural sem qualquer fundamento legal. A melhor exegese que se poderia exercitar, em face do supracitado § 2º, seria recuperando o sentido do caput do artigo 10º que aponta para os §§ 3º e 4º do art. 176 da Lei de Registros Públicos; relacionar, igualmente, as hipóteses judiciais. Para se obviar uma interpretação que possa levar a equívocos, sugere-se alteração do dito § 2º”.

Antes de se consagrar esse entendimento na Carta de Araraquara, nas discussões que antecederam a sua lavratura e subscrição, houve intenso debate sobre o alcance daquele dispositivo. Tanto àquela altura, quanto agora, formou-se um consenso entre os registradores de que é necessária uma exegese sistemática desse malsinado parágrafo, já que ele está assentado sob a égide do artigo 10, caput: "identificação da área do imóvel rural, prevista nos §§ 3 o  e 4 o do art. 176 da Lei n o 6.015, de 1973 ...".

Os incisos estão no escopo do artigo 10. Somente as hipóteses previstas nos §§ 3 o  e 4 o do art. 176 da Lei n o 6.015, de 1973 ,em relação a elas, e somente elas, é que fica vedada a prática de quaisquer atos registrais.

Vale lembrar os parágrafos:

§ 3  o  Nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, a identificação...

§ 4  o  A identificação de que trata o § 3  o  tornar-se-á obrigatória para efetivação de registro, em qualquer situação de transferência de imóvel rural, nos prazos fixados por ato do Poder Executivo.

Então: desmembramento, parcelamento, remembramento ou transferência de imóveis rurais. Única e exclusivamente nessas hipóteses é que se exigirá, conforme a lei, o georreferenciamento.

Mas alguém poderia perguntar: esqueceram do artigo 225 parágrafo 3?

Não. Vejamos o referido "§ 3  o   : " Nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidos a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais"

Parece ser que o comando legal dirige-se ao Juízo, e não ao registro. São verdadeiros requisitos da ação.

Outra interpretação seria extrapolar de maneira grave e perigosa os limites regulamentares e inviabilizar, na prática, os benefícios que o registro pode agregar aos negócios. (Sérgio Jacomino, editor e Presidente do Irib).



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