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ENTREVISTA - Caio Mariano

“Para fins de comprovação de autoria em oposição a terceiros, em processos judiciais, como prova judicial da criação, é aconselhável que o autor registre sua obra.”


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O advogado Caio Mariano (à direita), especializado em direito de autor, foi entrevistado pelo registrador Ruy Rebello Pinho no programa Cartório, parceiro amigo da Anoreg-BR, exibido pela TV Justiça.

Veja a entrevista.

Ruy Pinho –  Hoje em dia vemos uma socialização dos benefícios das obras autorais. Será que estamos falando de um novo direito de autor?

Caio Mariano – O direito de autor está em voga e difundido na mídia, sobretudo pelas inovações tecnológicas que trouxeram novos paradigmas e dúvidas acerca desse ramo do Direito, voltado para proteger o criador intelectual e a obra intelectual pelos aspectos morais e patrimoniais.

Hoje em dia se difunde muito a idéia de socialização do direito de autor, porque o direito do autor nasceu como forma de proteger a exclusividade do criador em relação a sua criação. No entanto, essa exclusividade dificulta o acesso a determinadas obras, levando em conta a forma como elas poderiam ser utilizadas por terceiros.

O direito de autor prega que, como criador, você tem o direito exclusivo de usar ou de autorizar o uso de determinada obra por terceiros. Com o avanço da tecnologia, das formas de criação pela Internet, do acesso às obras e da troca de informações, isso tudo está balançando o cenário do direito de autor, com dúvidas fundadas e infundadas.

É lógico que existe a questão da pirataria, do MP3, da troca gratuita de obras intelectuais indiscriminadas, mas há também outras questões muito mais importantes.

A tecnologia dos computadores proporcionou formas de criação até então nunca experimentadas, mas, talvez tão revolucionárias quanto o modelo de impressão de Gutemberg, no século XVIII.

Hoje, para se criar uma obra intelectual, basta pressionar um botão da máquina para se encontrar uma obra totalmente nova, criativa e original.

Isso tudo trouxe à voga uma série de questões em torno do direito de autor. Existem especialistas que já estão procurando entendê-lo junto aos criadores, produtores e agentes do cenário da propriedade e da criação intelectual.

O copyleft, termo novo, funciona da seguinte forma: A criação intelectual já nasce protegida. Se o autor quiser que sua obra seja livremente utilizada por terceiros, sem entraves burocráticos, cabe a ele a prerrogativa exclusiva de autorizar ou não.

O fato de uma obra nascer exclusiva e de existirem entraves burocráticos para a autorização do criador em relação à utilização de terceiros cria um empecilho muito grande para a utilização dessa obra por terceiros com determinado fim.

Se isso se casar com a idéia de tecnologia, de acesso à informação e de novas formas de criação, sobretudo pela Internet, vamos facilitar muito a modificação das obras por terceiros, com ou sem autorização do autor. Esse é o grande perigo: sem autorização do autor, obviamente, quem modifica a obra estará violando as regras do direito autoral. Com a autorização do autor, o procedimento é legal.

O copyleft significa deixar que a obra seja copiada, ou seja, se for de interesse do criador que terceiros tenham acesso à obra, concede-se-lhes liberdade de utilizá-la e modificá-la a seu modo.

Ruy Pinho –  Já que é impossível impedir que as pessoas modifiquem a obra, como isso será disciplinado juridicamente? Uma das formas de divulgar a obra é participar das estruturas formais de mercado, ou seja, da divulgação e da produção.

Caio Mariano – Desde os anos de 1990 está havendo uma mudança muito grande com relação ao custo de produção, de criação e de formas de distribuição das obras intelectuais no mercado para terceiros.

O artista criador tem uma noção do seu poder de negociação e de criação de outras formas de distribuição de obras intelectuais alheias, o que, até então, era regime único das grandes gravadoras.

Há, hoje em dia, um contexto social muito diferente. A Internet permite distribuir sua obra de forma gratuita e livre, sem intermediários de mercado.

Nesse contexto estão surgindo dúvidas de como regularizar isso, de como definir a justa remuneração dos autores.

O contexto social da criação, hoje, é completamente diferente de dez anos atrás. No contexto da tecnologia e da facilidade de circulação de informação, é absurda a possibilidade de criar em cima de obras novas, originais, totalmente diversas de outras que as originaram.

O contexto social vem antes do direito, que é extremamente restritivo em relação à utilização dessas obras por terceiros. Cabe ao autor, como titular patrimonial da obra, definir se ele quer que a obra seja exclusivamente dele ou que terceiros a utilizem.

Ruy Pinho –  Nesse caso, é o autor que decide qual o regime jurídico da apropriação social do seu bem?

Caio Mariano – Exatamente. O autor ou o titular do direito sobre aquela obra. Muitas vezes, o autor, apesar de ser o criador, cede seus direitos a terceiros. O autor tem o poder de disponibilizar sua obra para terceiros sem os entraves burocráticos de outrora.

Para se ter uma idéia, no mercado fonográfico, para se utilizar um trecho de dez segundos da obra de alguém, é necessária a autorização do produtor fonográfico e do autor. Muitas vezes, isso esbarra nas formas de criação do terceiro. Quem quiser ampliar a faixa de algum autor tem de pleitear a autorização de produtores e editoras.

O modelo de remuneração dos criadores é prejudicial para os criadores, porque a maior parte da remuneração vai para os intermediários, que se tornam titulares do direito.

Ruy Pinho –  Nos livros jurídicos encontramos citações, notas de rodapé, se bem não haja uma cultura de remunerar a citação. Em termos literários, como isso funcionaria?

Caio Mariano – A visão do criador é hipócrita e perigosa. Todo mundo bebe de alguma fonte para criar algo. É claro que está estabelecido em lei que o direito de criação é do criador ou do titular do direito sobre aquela obra. No entanto, é egoísmo do criador dizer que a obra é só dele. O autor quer divulgar a obra para que ela possa enriquecer as pessoas.

Existem escritores que autorizam a utilização da sua obra para fins de ensino público. Nesse caso, ele pode elaborar uma licença de uso, o que não é nenhuma novidade no Direito.

Ruy Pinho –  O Ministério da Cultura já tem um sistema brasileiro de licenciamento dessas obras de forma mais comunitária?

Caio Mariano – Junto com a Fundação Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro, o Ministério da Cultura está desenvolvendo novas licenças, de acordo com as necessidades do Brasil.

Ruy Pinho –  Seria interessante que houvesse um projeto cem por cento brasileiro?

Caio Mariano – É interessante que os autores tenham a noção de que suas obras podem ser utilizadas por terceiros, de forma livre. De outra forma e de acordo com suas necessidades, eles podem criar um modelo próprio de licença para autorizar essa utilização.

Ruy Pinho –  Como se faz a prova de autoria da obra? Quando nasce o direito?

Caio Mariano – O direito do autor nasce no momento da criação da obra. Não há necessidade de nenhuma formalidade para que ele tenha direito sobre a criação. Portanto, não é necessário que ele formalize isso de uma forma determinada.

Por outro lado, para fins de comprovação de autoria em oposição a terceiros, em processos judiciais, como prova judicial da criação, é aconselhável que o autor registre sua obra.

Ruy Pinho –  Quais são as formas tradicionais de registro de um livro ou de uma música?

Caio Mariano – Entre os criadores, a mais tradicional é a realização do registro no escritório de direitos de autores da Biblioteca nacional do Rio de Janeiro. É claro que ele pode utilizar qualquer outro meio documental para comprovar a autoria, como registrar em cartório de títulos e documentos.

No que tange a cessão de direito de autor em relação a terceiros há uma peculiaridade. Nossa legislação diz que “toda cessão deve ser averbada à margem do registro nos cartórios de títulos e documentos”. No entanto, por desinformação dos criadores e dos agentes das cessões, isso não está sendo feito como deveria, para a segurança desses agentes contratuais.

Ruy Pinho –  A Biblioteca nacional é centralizada?

Caio Mariano – Ela tem escritórios em algumas cidades, mas não em todo o país. Já o cartório de títulos e documentos existe no país inteiro e é um serviço imediato, que está longe da burocracia que as pessoas imaginam existir.

Ruy Pinho –  Como é feito o registro de autoria de uma música?

Caio Mariano – No caso de música, em forma de canção, com letra ou sem letra, normalmente é feito pela partitura; caso se trate apenas de texto, como a poesia, pode ser feito somente pelo texto.

É importante proceder ao registro, principalmente para efeitos de preservação da memória nacional. Antes de proteger o autor em face de terceiros, faz-se necessário preservar a memória nacional. Uma vez registrada a obra em cartório de títulos e documentos, ela ficará documentada para as futuras gerações que, porventura, queiram pesquisá-la.

Ruy Pinho –  Atualmente existe a possibilidade de se proceder ao registro de documento eletrônico. Se somarmos a essa possibilidade a questão da música, haveria uma nova oportunidade de a música tornar-se um arquivo eletrônico arquivado?

Caio Mariano – Diria que não a música, mas a música dentro do suporte. Com a informatização dos cartórios, seria possível diminuir o trabalho da pessoa que quer registrar, ou seja, ela não precisaria sair de casa, faria o registro pela internet, com a certificação eletrônica e com segurança.

O Ministério da Cultura, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas, está implementando um projeto chamado Campo Livre, que visa resgatar e documentar a memória nacional. A idéia é resgatar todas as criações que estão em domínio público, inseri-las num grande banco de dados, para, assim, preservar a memória nacional. O objetivo é disponibilizar para as pessoas informações diretamente de um banco de dados digital e público.

Ruy Pinho –  Qual seria a idéia: fazer um download gratuito das informações? Quem pagaria a conta de manutenção?

Caio Mariano – Seria a iniciativa privada, os recursos de patrocinadores e o apoio do Ministério da Cultura e da Fundação Getúlio Vargas.

Ruy Pinho –  Como você imagina que a sociedade vai reagir ao direito de autor daqui a quinze anos, uma vez que a cada dia surgem novas tecnologias?

Caio Mariano – Se o autor tomar consciência de que sua criação é muito mais benéfica para a comunidade do que para si e, por isso, disponibilizar de forma explícita suas obras, acredito que vá haver uma explosão criativa absurda de obras advindas de outras, o que contribuirá para um progresso intelectual da humanidade em larga escala.

Ruy Pinho –  Você acha que esse sistema permite viabilizar economicamente essa pluralidade de criações?

Caio Mariano – Acho que sim, desde que se pensem novos modelos de negócios para o autor, que não o modelo já fadado à falência, como o da indústria fonográfica de dez anos atrás, que já se mostrou frágil. É necessário trilhar outro caminho.



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