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Uma Conservadora do Registro Predial em Portugal.
Entrevista com a Dra. Maria José Magalhães da Silva.


O diretor de assuntos agrários do Irib, Eduardo Agostinho Arruda Augusto, entrevistou a  Dra. Maria José Magalhães da Silva, que é Conservadora do Registo de Automóveis do Porto (o registo de automóveis está englobado na carreira do registo predial) e foi uma das alunas aprovadas no 4º Curso Ibero-americano de Direito Registral que foi ministrado novembro de 2004 na cidade de Barcelona, Espanha.

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Antes de começar a entrevista, convém esclarecer que Portugal utiliza uma terminologia um pouco diferenciada, pois usa o substantivo “Registo” em vez de “Registro”, mas privilegia o verbo registrar (igual aos brasileiros) em detrimento da forma pouco utilizada “registar” (todas as variantes são corretas, segundo o Dicionário do Aurélio).

A Dra. Maria José Magalhães da Silva, além de ser titular da Conservatória do Registo de Automóveis do Porto, é também Secretária-Geral da “Associação Sindical dos Conservadores dos Registos – ASCR”, entidade representativa dos Conservadores dos Registos em Portugal, com sede na Alameda das Linhas de Torres, nº 253, 1750-145, em Lisboa (para quem quer conhecer melhor a entidade: www.conservadoresdosregistos.pt ).

Esta entrevista contou com a colaboração do colega lusitano Dr. Luís Miguel de Castro Duarte Vidal Saraiva, que atualmente exerce funções na Conservatória do Registo de Automóveis do Porto como Adjunto do Conservador.

 Conte-nos sobre seu ingresso na carreira registral:  

Fiz os exames para ingresso na carreira dos Registos e do Notariado em novembro de 1990 e Iniciei a carreira profissional em 19 de maio de 1993, nos Serviços Anexados de Machico, na Ilha da Madeira, onde tomei posse na qualidade de Notária e Conservadora dos Registos. Em lugares com menor número de habitantes é comum a existência de serviços anexados, que incluem o cartório notarial e a conservatória do registo civil, predial e comercial, sob a direção de um único responsável: Notário e Conservador.

Em Novembro de 1997, iniciei funções na Conservatória do Registo Predial e Comercial de Vila Verde, uma circunscrição administrativa situada a dez quilômetros da cidade de Braga. E, em Julho de 2002, iniciei funções na Conservatória do Registo de Automóveis do Porto.

 Como funciona essa mudança de um cartório para outro?  

Em traços largos, sempre se dirá que, após o ingresso na carreira, os Conservadores e Notários são integrados em três quadros/carreiras distintos: um de Conservadores do Registo Civil, outro de Conservadores do Registo Predial e outro de Notários; dentro dos quadros respectivos, os funcionários são agrupados em três classes, segundo a sua antiguidade e classificação de serviço.

Para que se exerça as funções de Conservador e Notário não basta ter obtido aprovação no procedimento de ingresso na carreira. É necessário que os habilitados no citado procedimento se candidatem – e sejam providos – às vagas abertas em competente concurso de provimento, isto é, em concurso público aberto por aviso publicado no Diário da República para preenchimento de vaga de certa categoria (em determinada Conservatória e/ou Cartório) a que podem apresentar-se pessoas declaradas aptas em anterior concurso de habilitação, ou seja, o concurso é aberto para Adjuntos (candidatos a primeira nomeação), Conservadores e Notários.

Em resumo, a colocação e movimento na carreira se dão por concursos públicos abertos para provimento de lugares de Conservador e Notário, de harmonia com as necessidades dos serviços e interesse público, sendo os lugares preenchidos de acordo com as categorias funcionais, classe pessoal, classificação de serviço dos candidatos bem como alguns critérios legais de preferência.

Em termos legais, os Conservadores e Notários são funcionários públicos de nomeação definitiva, o que nos reconduz, quanto à relação jurídica de emprego, à modalidade de nomeação por tempo indeterminado .

 Quais são as exigências atuais para ser um conservador?  

O ingresso na carreira de Conservador e Notário faz-se por concurso público cujo processo de admissão exige, como condições de acesso, a licenciatura em Direito por Universidade Portuguesa ou habilitação equivalente e o preenchimento dos requisitos gerais para ingresso na função pública que são:

a) nacionalidade portuguesa, salvo nos casos excepcionados por lei ou convenção internacional;

b) 18 anos completos;

c) habilitações literárias ou profissionais legalmente exigidas para o desempenho do cargo;

d) cumprimento dos deveres militares ou de serviço cívico, quando obrigatórios;

e) não estar inibido do exercício de funções públicas ou interdito para o exercício das funções a que se candidata;

f) robustez física e o perfil psíquico indispensáveis ao exercício da função e ter cumprido as leis de vacinação obrigatória;

O procedimento de ingresso é composto por 4 fases, todas elas de caráter eliminatório, a saber: provas de aptidão ; curso de extensão universitária ou de formação; estágio prático ; exames finais ;

As provas de aptidão consistem em provas escritas sobre matérias de direito privado relacionadas com os registos e o notariado, de acordo com o programa aprovado por despacho do Ministro da Justiça e exame psicológico.

Os candidatos classificados são submetidos a exame psicológico, sendo eliminados do processo de ingresso os que obtiveram a menção de não favorável.

Os candidatos aprovados são graduados até ao número de vagas existentes, sendo os restantes excluídos; aqueles celebram com a Direção Geral dos Registos e do Notariado um contrato administrativo de provimento, adquirindo o estatuto de Auditor dos Registos e do Notariado ao abrigo do qual freqüentarão o curso de extensão universitária com duração média de seis meses.

Findo o curso com aproveitamento (são realizadas provas escritas) os auditores passam à fase seguinte, ou seja, à fase de estágio prático . Esse processo prolonga-se por doze meses, é orientado por Conservadores e Notários, sendo fixadas por despacho do diretor geral as áreas funcionais (Registo Civil, Predial/Comercial e Notariado) em que é realizada cada fase de estágio, bem como a duração de cada fase (normalmente quatro meses) e as respectivas precedências.

Concluída esta fase de estágio prático, os auditores com aproveitamento são concorrentes obrigatórios às primeiras provas finais (escritas e orais) nos seis meses posteriores.

Os auditores aprovados nas provas finais são graduados em mérito relativo pelo júri do procedimento de ingresso, graduação que será publicada no Diário da República e a partir da qual passarão a ser considerados Adjuntos (já ingressaram na carreira) continuando nos serviços onde estavam colocados na fase pós-estágio, dos quais poderão, no entanto, ser destacados por despacho do diretor geral para os serviços centrais ou outras Conservatórias ou Cartórios.

Em traços gerais, é este o procedimento legal que se encontra atualmente em vigor para regulamentar o acesso à carreira de Conservador e Notário.

 Como está estruturado o serviço registral português?  

A atividade está ligada ao Poder Executivo, que a administra pelo Ministério da Justiça. O organograma a seguir demonstra claramente como é dividido o serviço registral e notarial em Portugal:

 Qual é a forma de remuneração pelo serviço?  

O vencimento do pessoal das Conservatórias e dos Cartórios é integrado por duas componentes, a saber:

a) uma fixa, denominada “ vencimento de categoria ”;

b) uma variável, constituída pela “participação emolumentar”, que é determinada, mensalmente, pelo rendimento produzido pela respectiva repartição ou serviço e que corresponde ao que designamos de “vencimento de exercício ”.

A parte fixa é indexada a escalas indiciárias constantes de mapas elaborados para o efeito e anexos ao correspondente diploma legal publicado para o efeito; a cada Conservador corresponde uma categoria e escalão em função do seu posicionamento no âmbito da sua carreira (anos de serviço; classificação); a progressão, isto é, o salto na escala salarial, faz-se segundo módulos de três anos, é automática e oficiosa, vencendo-se o direito à remuneração pelo escalão superior no dia 1º do mês seguinte ao do preenchimento dos requisitos exigidos.

A participação emolumentar , que constitui o vencimento de exercício, é em função da receita emolumentar líquida da repartição, isto é, da receita apurada no fim do mês, deduzindo-lhe a importância alcançada pela aplicação de uma taxa fixa de 3% (utilizada no pagamento das despesas da Conservatória); da receita líquida apurada, o Conservador tem direito a uma percentagem, cujos limites se encontram fixados por Portaria. Aos serviços que não atingem determinado valor de receita emolumentar é garantido um vencimento de exercício mínimo, legalmente tabelado.

 Fale-nos sobre a legislação do registo português.  

A atividade registral regula-se, em especial, pelo Código Civil; pelos códigos do Registo Civil, do Registo Predial, do Registo Comercial (e seu Regulamento) e do Registo de Automóveis (e seu Regulamento); pelo Código de Processo Civil; e por uma larga panóplia de legislação avulsa aplicável às áreas do Direito com reflexos registrais. Encontra-se acessível alguma desta legislação na página da Internet da Direção-Geral dos Registos e do Notariado:  www.dgrn.mj.pt  .

 No curso em Barcelona, que diferenças foram notadas entre o registro português e o espanhol?  

Trata-se de um assunto tão vasto e complexo que ficaria difícil em poucas palavras analisar as diferenças entre o sistema registral espanhol e o português.

Essencialmente, as diferenças entre os sistemas resultam da evolução histórica, social e política de cada um dos países.

Do pouco que nos foi possível conhecer do sistema espanhol durante o “4º Curso Ibero-americano de Direito Registral”, que teve lugar em Barcelona em novembro, pude verificar a existência de diferenças profundas, mas também de muitos pontos em comum, com raízes no Direito Romano.

São comuns muitos dos princípios informadores do sistema registral de direitos (vigente, como sistema, em ambos os países), nomeadamente os da prioridade, trato sucessivo, legalidade (ou qualificação), oponibilidade e fé publica, embora relativamente a estes dois últimos, o sistema espanhol tenha caminhado melhor no sentido do rigor e da proteção dos direitos de terceiros de boa-fé.

Relativamente às diferenças, recordo, por exemplo, que, enquanto no Direito Civil Espanhol vigora o princípio dos “ numerus apertus ” para a constituição dos direitos reais, embora com limitações resultantes do princípio da especialidade (havendo quem entenda que desta limitação decorre um princípio de “ numerus clausus” menos restritivo), em Portugal vigora o princípio do “numerus clausus” (de inspiração germânica). Essa diferença manifesta-se na caracterização de distintos caminhos entre ambos os países, quer na formulação dos atos constitutivos dos direitos quer na respectiva inscrição registral.

O fato de na Espanha os serviços registrais serem geridos pelos próprios conservadores (pelo seu colégio profissional) e de Portugal ter visto essa gestão entrar na administração pública e central do Estado, na década de 1940, também marcou significativamente a evolução dos registos em ambos os países.

 Como você vê o futuro do sistema registral português?  

O futuro do sistema registral em Portugal passará, na minha opinião, por algumas alterações legais que definam com mais clareza e rigor os efeitos que se pretendem atribuir ao registo, pela introdução de fórmulas de gestão mais ágeis e eficazes, que permitam dotar estes serviços de mais e melhores meios técnicos e humanos, buscando mais celeridade e eficiência ao serviço prestado, sem perda da segurança que proporciona.

Apesar destas necessidades, mais evidentes nas maiores urbes, os registos em Portugal têm desempenhado um papel preponderante na evolução econômica do País nas últimas décadas, garantindo a certeza, segurança e qualidade ao comércio imobiliário, que conheceu um incremento fenomenal, após a revolução de 1974.

 Como você vê a relação Portugal-Brasil no tocante à atividade registral?  

Entre Brasil e Portugal, há centenas de anos de história comum, de relacionamentos emotivos ( tapas e abraços! )... Na minha opinião, nem sempre foram devidamente respeitados nem colhidos os seus benefícios.

O oceano, que nos distancia e que nos une, poderia, no âmbito dos registos, granjear-nos oportunidades únicas de aprendizagem e crescimento. Creio respeitar a vontade dos meus colegas de direção da ASCR, dizendo que estamos dispostos a colaborar com o IRIB em tudo que estiver ao nosso alcance.

Poderemos começar por nos mantermos em contacto e dar notícias dos eventos que poderão contar com a participação de portugueses e brasileiros.

Com estes votos de aproximação, desejo a todos os registradores e notários brasileiros um Feliz 2005.



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