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Cessão da locação imobiliária empresarial
Paulo Eduardo Fucci*


Publicado recentemente, artigo do Prof. Marcelo Andrade Féres (Repertório IOB de Jurisp. 24/2004, vol. III, pág. 726), de Brasília, sustenta, em síntese, que o art. 1.148 do novo CC faz previsão de que a transferência do estabelecimento empresarial sub-roga o adquirente nos contratos destinados à sua exploração.

Mas, segundo ele, no caso de locação de imóvel, o empresário precisa da anuência do locador, ex vi do art. 13 da Lei do Inquilinato. Isto, por ser esta lei específica sobre a modalidade de negócio jurídico, afastando a aplicação do novo codex , lei geral, até mesmo em decorrência do disposto no seu art. 2.036.

Embora tenha admitido a existência de controvérsia sobre o tema, tanto que cita o Enunciado n° 64, da jornada de estudos sobre o novo CC (Conselho da Justiça Federal, Brasília, agosto de 2002), do qual dissente, o respeitável trabalho deixou de registrar que sua posição não corresponde àquela tida como predominante até agora, na doutrina e na jurisprudência pátria, no que se refere às locações empresariais, que preenchem os requisitos para a ação renovatória (art. 51 da Lei 8.245/91).

Daí porque é salutar esclarecer que, com o advento da atual Lei do Inquilinato, Lei 8.245/91, que revogou a anterior, Lei 6.649/79, bem como a chamada Lei de Luvas, Dec. 24.150/34, o ilustre doutrinador João Nascimento Franco (“Ação Renovatória”, Malheiros Editores, 1994, pág. 32, nota de rodapé n° 53), revendo sua conhecida obra, reapreciou a questão e observou que “o art. 13 da Lei 8.245 corresponde ao art. 10 da anterior Lei 6.649/79 e dispositivos idênticos insertos no texto das leis anteriores, o que não impediu a estabilidade da tese, sufragada pelos Tribunais, da nulidade das cláusulas que condicionam ao consentimento escrito do locador a cessão da locação, se conjunta com a do fundo de comércio”. E, arremata, “logo, a jurisprudência continua aplicável”.

Enfim, para João Nascimento Franco (obra citada, pág. 33), um dos mais cultos especialistas na matéria, nas locações empresariais renováveis compulsoriamente; e, desde que a transferência se perfaça junto com a do estabelecimento, “no que se refere à sublocação e à cessão da locação, a jurisprudência firmou entendimento de que nula é a cláusula impeditiva, por contrariar a regra da livre circulação do fundo de comércio e implicar restrição à ação renovatória, instituída para preservá-lo”. E, não encontrou motivo para se reverter a predominância dessa tese.

Seu parecer, como de costume, está densamente fundamentado em sua obra, que menciona, como partidários da mesma tese, Alfredo Buzaid, Luiz Machado Guimarães, Oscar Barreto Filho, Milton Castro Ferreira, além de doutrina estrangeira e de diversos respeitáveis votos vencedores em julgamentos preferidos pelo E. Supremo Tribunal Federal, quando competente para conhecer da matéria.

Essa também é a posição do renomado Prof. Darcy Bessone (“Renovação da Locação” – Ed. Saraiva – 2a. edição – pág. 115/116), das Minas Gerais.

Portanto, não obstante o respeito que merece o seu digno autor, ao contrário do que conclui o estudo citado no início do presente trabalho, pelo menos quanto às locações empresariais sujeitas à ação renovatória, pode o locatário-empresário ceder a locação sem a anuência do locador, desde que isso decorra da transmissão do estabelecimento instalado no imóvel, para o mesmo cessionário.

Nesta hipótese, não se aplica a restrição do art. 13 da Lei 8.245/91, cujo advento não teve o condão de modificar o entendimento anteriormente predominante. Antes da atual Lei do Inquilinato, restrições legais ou contratuais idênticas existiam e não prevaleceram, no mais das vezes.

E, tal como antes houve o art. 30 do Dec. 24.150/34, hoje há o art. 45 da Lei 8.245/91, o qual, igualmente, considera “nulas de pleno direito as cláusulas do contrato de locação que visem a elidir os objetivos da presente lei”, principalmente as “que afastem o direito à renovação, na hipótese do art. 51, ou que imponham obrigações pecuniárias para tanto”. O mesmo preceito jurídico, que antes afastava a aplicação do art. 10 da Lei 6.649/79, continua a repelir o uso, pelos locadores, do art. 13 da atual Lei do Inquilinato, para, inclusive, tornar nula qualquer cláusula contratual proibitiva da cessão da locação junto com a do estabelecimento.

Parece-me, assim, estar evidente que, na realidade, o art. 1.148 do novo CC incide plenamente nas locações empresariais renováveis, legitimando, ainda mais, o direito que o locatário possui de transferir a locação, desde que o faça junto com o seu estabelecimento. E, convenção em contrário, no contrato de locação, ainda que ressalvada essa possibilidade no mesmo preceito legal, na hipótese não produziria efeito.

Não pode o locador, sem justa causa, impedir, mesmo que com base em cláusula contratual expressa, o locatário, protegido pela renovação compulsória, de dispor livremente do que é dele: o estabelecimento empresarial.

A possibilidade de o negócio continuar no mesmo local é importante e, às vezes, fundamental para a estabilidade da empresa e manutenção da clientela, sobretudo quando dependente do ponto. Sem essa garantia, o estabelecimento fica sujeito à interrupção de suas atividades no imóvel locado. Perde valor.

Impõe-se, assim, prestigiar a evolução doutrinária e jurisprudencial acerca do assunto. Condicionar o exercício desse direito do locatário, amparado pela ação renovatória, à vontade do locador, é impor condição inaceitável ao livre exercício e trânsito da propriedade empresarial, afrontando o art. 5°, inciso XXII, art. 170, parágrafo único, da Constituição Federal; art. 51 da Lei 8.245/91, arts. 122, 421 e 1.148 do novo CC, entre outros.

João Nascimento Franco (obra citada, pág. 34) ainda destaca que essa também é a tendência do legislador brasileiro, pois a Lei de Falências (Dec. – lei 7.661/45, art. 116, d 1°) faz previsão de que se inclui, na alienação do estabelecimento do falido, a transferência da locação, desde que o contrato esteja amparado pelo direito à ação renovatória. Não exige anuência do locador.

Vale a pena acrescentar que essa faculdade, aliás, embora não com tanta clareza, está mantida no texto da futura lei que deve reger a matéria (confira-se em Projeto de Lei 4.376-G, de 1993, arts. 117 e 140, sobretudo d 3°).

O sábio doutrinador menciona, também, que, na Lei de Sociedade por Ações (Lei 6.404/76, arts. 227 e 228), nos casos de incorporação e fusão, há a sucessão em todos os direitos e obrigações. E, mais uma vez, percebe-se que isso não depende de assunção do locador.

Assim também dispõe, para o caso de cisão societária, o art. 229, d 1°, do mesmo diploma legal, sendo importante sobrelevar que a recente Lei 10.303/2001, que o modificou em parte, não revogou tais dispositivos.

O novo CC, arts. 1.116 e 1.119, é expresso, no mesmo sentido, tudo indicando que o locador não tem o poder de interferir nesses fenômenos, de transformação da empresa, considerados de economia interna do locatário.

Finalmente, na mesma linha de raciocínio, ainda que exista cláusula contratual expressa exigindo isso, os Tribunais têm decidido que, normalmente, a sociedade-locatária, seus sócios ou acionistas não precisam do consentimento do locador para a transação das suas quotas ou ações; ou, para alterações de seus contratos sociais ou estatutos, conforme anotação de João Nascimento Franco (obra citada, pág. 35, nota de rodapé n° 61).

* Paulo Eduardo Fucci é advogado - OAB/SP – 99.526 - 14/01/2005



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