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ENTREVISTA - Sebastião de Oliveira Campos Filho
“Se o fundamental é fazer com que o cliente saia do cartório sorrindo e alegre, não se deveria deixá-lo esperando muito tempo numa fila.”
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O consultor e especialista em recursos humanos, Sebastião de Oliveira Campos Filho, foi entrevistado pelo registrador Ruy Rebello Pinho, no programa Cartório , o Parceiro Amigo , da Anoreg-BR, exibido pela TV Justiça no dia 6 de agosto de 2004.
O tema da entrevista foi o marketing dos serviços de cartórios e a importância de se criar uma nova filosofia de trabalho para o bom funcionamento da instituição.
Confira a íntegra da entrevista.
Ruy Rebello Pinho – Por que um assunto sobre marketing de serviços é pauta de um programa de cartórios?
Sebastião de Oliveira Campos Filho – É bastante curioso mesmo. O mundo mudou e os cartórios cada vez mais estão se transformando em negócios e empresas, ou pelo menos deveriam se transformar.
O cliente passou a criar uma expectativa em relação aos cartórios como ele tem numa rede de fast food , numa loja de departamentos, o que vai repercutir sobre a atividade do cartório, sem dúvida.
Ruy Rebello Pinho –O cartório estaria competindo com a Blockbuster, a McDonald’s, os bancos, etc., se bem que não necessariamente com a mesma verba de marketing. Como isso funciona?
Sebastião de Oliveira Campos Filho – Sem a verba de marketing e, principalmente, sem a filosofia de marketing própria de uma grande rede de magazine, da qual fazem parte uma loja de departamentos ou uma videolocadora, como você falou. O principal do marketing é muito mais a filosofia do que uma técnica específica, bastante incipiente, aliás, nos cartórios.
As práticas de marketing podem ser muito simples. Relacionar-se bem com o cliente não depende de grandes investimentos. Sempre que falamos em marketing, as pessoas imediatamente se remetem à propaganda, ao anúncio, à mídia. De fato, eles são apenas uma ferramenta do marketing para chegar ao consumidor, mas não necessariamente é o mesmo que poderia ser aproveitado, por exemplo, pelos cartórios, para chegar mais próximo do cliente, para encantar o cliente como se deveria.
Ruy Rebello Pinho – Já que cabe ao marketing identificar objetivos, qual seria o objetivo do cartório?
Sebastião de Oliveira Campos Filho – Essa é a primeira e uma das mais importantes perguntas que o profissional à frente de um cartório deveria se fazer. Qual é o propósito fundamental do cartório? O que um cartório deveria oferecer a seu cliente? Que tipo de serviço ele deveria prestar? Qual a razão de ser desse cartório?
Depoisque se decide exatamente qual é o negócio, qual é o foco principal e o que vai se oferecer no cartório, fica muito fácil pensar em como fazer isso.
Se o cartório decidir que o fundamental é fazer com que o cliente saia do cartório sorrindo e alegre por ter feito bons negócios, não deveria, por exemplo, deixar o cliente esperando muito tempo numa fila. O cartório poderia criar uma sala de espera para clientes VIPs; poderia ter uma recepcionista que atendesse o cliente de forma mais cortês, mais alegre; poderia, até, promover reuniões festivas de modo que o cliente conhecesse melhor a rotina do cartório. Tudo isso depende muito mais de uma filosofia de atuação do que de uma técnica específica, como disse anteriormente.
Ruy Rebello Pinho – Nesse caso, não haveria um formato que pudesse ser aproveitado por todos os cartórios?
Sebastião de Oliveira Campos Filho – Pelo contrário, o ideal é identificar formatos específicos para cada cartório, tendo em vista o público que se atende, a região em que se trabalha, o tipo de cartório, as necessidades fundamentais do cliente que comparece ao estabelecimento.
Há cartórios com uma demanda muito grande para parcelamento de taxas. Por que não procurar corresponder melhor a essa vocação? Até pouco tempo atrás, os supermercados não aceitavam cartões de crédito. Hoje, há os que aceitam até fazer parcelamentos. Por que isso não ocorre no cartório? Por que cartórios não aceitam fazer parcelamentos?
Na verdade, eles podem e devem fazê-los. O que nos falta é essa mentalidade. O cliente hoje não tem pudores em falar que precisa disso, porque ele vê essa possibilidade em outros estabelecimentos.
Ruy Rebello Pinho – Essa é uma questão interessante porque trata de dois tipos de marketing, do marketing do cartório e do marketing da instituição que representa os cartórios. Há dois diferentes objetivos a serem perseguidos.
Sebastião de Oliveira Campos Filho – Exatamente. É importante lembrar que, nessa concorrência do mercado, o cartório entra com um grande passivo. Ou seja, para o consumidor, a imagem do cartório é a de um local onde ele sabe que vai sofrer, o que é muito ruim. Ao mesmo tempo, essa é uma grande oportunidade para que os profissionais dos cartórios pensem um pouco adiante.
Se um cliente observar um vaso com flores sobre uma mesa de cartório, num ambiente onde costumeiramente ele topa com funcionários chateados, desanimados, quando não infelizes, trabalhando num ambiente cinza, com filas de clientes impacientes e aborrecidos com as taxas que são obrigados a pagar, esse cliente vai estranhar. Qualquer coisa que se fizer para aconchegar melhor o cliente, certamente, vai mudar a imagem desse cartório no mercado.
Ruy Rebello Pinho – Para mudar essa percepção do cliente, é necessário fazer um trabalho de marketing, no sentido profano da palavra, “contando uma história” ou é preciso construir uma verdade?
Sebastião de Oliveira Campos Filho – Sem dúvida nenhuma. Essa história de contar algumas mentirinhas para enganar o cliente é coisa do passado. Hoje, isso não funciona mais em qualquer estabelecimento.
Pode-se até encontrar melhores formas de dizer e divulgar a verdade, desde que se parta do interesse de servir melhor esse cliente que está sendo atendido.
Ruy Rebello Pinho – Todas essas questões se relacionam com a gestão de pessoas. Além de construir a verdade, cabe ao cartório construir uma equipe coesa em torno de uma filosofia de trabalho que corresponda a todas essas expectativas. Explique melhor.
Sebastião de Oliveira Campos Filho – O cartório não tem um produto físico e específico para ser vendido. Você não vai ao cartório comprar arroz ou uma câmera fotográfica. Vai-se lá para comprar um serviço, que está ligado diretamente a pessoas. O serviço é um bem intangível e como tal depende de alguém para prestá-lo. Não dá para falar em serviço de qualidade sem falar em pessoas de qualidade. E ao falarmos de serviço de qualidade, estamos falando de gestão de pessoas com qualidade.
Pessoascom qualidade são pessoas com objetivos claros e definidos dentro do cartório. Não é possível contar com pessoas que apenas cumprem tarefas. Elas precisam ter o propósito de atender os clientes com excelência, de contribuir para que o cartório ofereça serviços cada vez melhores, e assim por diante.
É preciso que haja um ambiente de cooperação entre a equipe. Normalmente, as equipes dos cartórios são pequenas, razão pela qual os serviços devem estar integrados para que o cliente venha a ser beneficiado com isso.
Gerenciarpessoas num modelo como esse é muito diferente do que gerenciá-las no modelo antigo, segundo o qual alguém é pago para fazer, e outros pagos para agüentar. Esses são aspectos fundamentais de uma filosofia a ser desenvolvida num cartório para que os serviços possam ser diferenciados de fato.
Ruy Rebello Pinho – Para que o funcionário saiba qual o seu objetivo dentro do cartório, é preciso que o cartório também saiba qual é o seu. É importante que cada pessoa conheça o trabalho da outra?
Sebastião de Oliveira Campos Filho – É fundamental. O cliente que vai solicitar um serviço específico no cartório também pode adquirir uma série de informações sobre outros serviços que ele desconhece e que também são realizados pelo cartório. E por que o atendente não lhe fala disso? Porque, regularmente, ele foi educado no modelo antigo de gestão, segundo a qual ele é pago para fazer uma determinada tarefa específica e não para satisfazer as necessidades do cliente. Aliás, saber as necessidades do cliente deveria ser sempre uma pergunta feita pelo atendente.
Ruy Rebello Pinho – A necessidade do cliente, por exemplo, é fazer um registro? Isso é verdadeiro?
Sebastião de Oliveira Campos Filho – O cliente tem muito mais necessidade de que a informação seja segura, o que é muito mais amplo do que fazer um registro. Ele tem necessidade de confiabilidade. É o mesmo caso de um paciente que precisa fazer uma operação. Ele pergunta ao médico se ficará bem e o médico lhe responde que acha que sim. O paciente não fica nem dois minutos no consultório desse médico, que não lhe transmite a segurança de que precisa. Claro que existe a probabilidade de a cirurgia não ser bem sucedida, mas também existem formas de se dizer isso ao paciente. O mesmo ocorre nos cartórios. Existe a probabilidade de um registro sair errado ou atrasar, mas deve existir também uma forma de se esclarecer isso, bem como, e principalmente, a transparência para o cliente do interesse do cartório de que o registro saia corretamente.
Ruy Rebello Pinho – Como inspirar a equipe para que realize um objetivo comum? Num cartório, passamos tanto tempo trabalhando que o envolvimento pessoal com o trabalho tem que ser algo muito maior que uma mera realização de tarefa. Como trazer as pessoas para esse tipo de percepção?
Sebastião de Oliveira Campos Filho – Esse é um trabalho incansável e interminável, principalmente por parte de líderes dos cartórios. A todo instante, esses líderes devem trazer à lembrança das pessoas como funciona a cabeça de quem procura os serviços de um cartório. Os funcionários precisam aproveitar cada momento para satisfazer o cliente, seja quando ele faz elogios, seja quando reclama.
É preciso dar sentido ao trabalho das pessoas, de tal modo que elas expandam a consciência de que não estão ali prestando um serviço burocrático, mas oferecendo bem-estar para o cliente. Isso faz uma diferença muito grande.
É muito rico para o funcionário saber que, ao prestar seu serviço, está fazendo, de alguma forma, um bem para o outro. Não há motivação maior para o ser humano. Por isso precisamos ressaltá-la junto a essas pessoas. Mais do que incentivos financeiros simplesmente, mais do que um plano de carreira, é preciso expandir a visão das pessoas no sentido de que estão fazendo um serviço de caráter social, um serviço que agrega valor à vida das pessoas.
Ruy Rebello Pinho – Acho interessante ressaltar que o retorno, além de material, traz muitos valores imateriais. De que forma transferir para a realidade de cada cartório esse novo momento, esse novo cenário, que rompe os paradigmas de um programa sisudo?
Sebastião de Oliveira Campos Filho – Mudando, por exemplo, o ambiente do cartório. Por que um cartório tem de ter uma imagem sisuda?Porque o cartório precisa ser cinza? Por que precisa de uma placa dizendo cartório? Por que não dispor de outros serviços que vão até o cliente? Por que não dispor de um ambiente agradável? Não há razões para não seja assim. As pessoas vão a uma locadora ou a um shopping e sempre estão em festa. Por que se tornarem de alguma forma moribundas quando vão ao cartório?
Ruy Rebello Pinho – Como fica o oficial que não recebeu formação para ser um líder e, de repente, se vê à frente de uma equipe como gerente?
Sebastião de Oliveira Campos Filho – Esse é um dos aspectos mais importantes no caso dos cartórios.
É muito complicado mudar as práticas do cartório, entender seus clientes, se não avaliarmos a mudança de perfil de quem está à frente dele. O que felizmente vem acontecendo, ainda que de maneira bastante incipiente.
A liderança parte do pressuposto de que se deve entender as pessoas de forma diferente. Partir da idéia de que as pessoas estão ali para serem mandadas e de que o líder é o sabichão, detentor da verdade, o dono do cartório, portanto, senhor de todas as coisas e pessoas, é partir do princípio errado. As pessoas não se motivam num ambiente como esse. Ninguém se motiva apenas por realizar tarefas, mas sim por agregar valor ao trabalho que faz.
Umdos grandes problemas é que os líderes não são formados para esse novo perfil de liderança nos cartórios. Há quem tenha vontade de construir um cartório diferente, mas não detém os recursos necessários a uma nova administração, recursos de gerenciamento das pessoas nesse novo modelo de gerenciamento de clientes. Imbuídos de nova filosofia, continuam recorrendo a práticas antigas ou, o que é pior, insistem em filosofia e práticas antigas, porque não sabem gerenciar pessoas e recursos de forma diferenciada.
O fundamental é formar o novo líder do cartório em busca de novas práticas. Existem programas de liderança que contribuem para o desenvolvimento de formação e motivação dos interessados. São programas que preenchem as lacunas de sua formação na graduação ou mesmo na pós-graduação.
Ruy Rebello Pinho – O que me chama atenção dentro do cartório é que, em razão das muitas tarefas multidisciplinares – jurídicas, de marketing, administrativas –, nosso conhecimento fica aquém dos limites tradicionais do que estudamos. Certa vez um amigo me disse que o maior líder que ele teve foi um treinador de voleibol. Será que temos de aprender liderança com o Bernardinho?
Sebastião de Oliveira Campos Filho – Também. A liderança se manifesta em diversas situações. Num grupo em que há alguém à frente, a liderança se manifesta, de uma forma ou de outra. Não se trata apenas de uma situação empresarial. Como você mesmo lembrou, o Bernardinho e outros profissionais do gênero estão à frente de grupos, que têm objetivos a serem cumpridos. Por isso se pode aprender com eles também.
É claro que numa situação de treinamento, de laboratório, mais voltada para a realidade empresarial, fica mais fácil entender como aquela liderança pode funcionar na prática. Gostaria de ressaltar que a liderança não é uma técnica, mas ela se manifesta por intermédio de técnicas, ela decorre da filosofia diferenciada que se assume.
Ruy Rebello Pinho – É necessário que o líder seja um líder nato?
Sebastião de Oliveira Campos Filho – Pelo contrário, hoje, está mais do que provado que a liderança se forma. Costumo dizer que todo mundo pode jogar futebol, mas tornar-se um Ronaldinho vai depender de talento.
Estamos falando de contar com pessoas mais motivadas e preparadas, de líderes que consigam trazer essas pessoas para junto do cliente. O que, muitas vezes, não é fácil aprender, porque pressupõe desaprender uma série de práticas em relação à liderança, quebrar uma série de paradigmas e crenças preestabelecidos e reaprender outras formas de gerenciar de forma diferente. Esse, no entanto, é um processo que tem que ser trilhado.
Ruy Rebello Pinho – Uma das características das equipes dos cartórios é o perfil bastante semelhante delas, talvez porque as pessoas tenham as mesmas qualidades e os mesmos defeitos. De que forma o líder poderia contribuir para essa equipe homogênea?
Sebastião de Oliveira Campos Filho – Isso ocorre em ambientes diferentes. Há uma tendência entre as pessoas de que a suposta harmonia no trabalho pressupõe que elas pensem igual. Hoje, o grande segredo da liderança é lidar com o diferente. O conflito é fundamental e pode ser extremamente produtivo. Se estivermos num ambiente em que as pessoas pensam exatamente da mesma maneira, pode-se cair na mediocridade, na pobreza.
Emcartório, sempre se contrataram profissionais com um perfil acomodado. Se aparecer alguém com idéias diferentes, naturalmente gera conflito. E conflito é tudo o que o gestor à moda antiga não quer, porque, na sua visão, seria péssimo; o que, de fato, não é, desde que seja equacionado, conversado. O conflito é o motor da história, o conflito constrói alguma coisa. É claro que existe o conflito destrutivo, mas, nesse caso, cabe à liderança impedir que isso aconteça.
Ruy Rebello Pinho – Como aproveitar a experiência centenária, muitas vezes, das serventias extrajudiciais e da equipe que está constituída?
Sebastião de Oliveira Campos Filho – Muitas vezes fica a impressão de que no cartório só existem pessoas que não estão a fim de fazer nada, acomodadas. É claro que isso não é verdade. O ideal seria aproveitar a experiência dessas pessoas, que conhecem as operações, e juntá-la à nova filosofia de gestores e das pessoas que venham a trabalhar nessas instituições.
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