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ENTREVISTA - Maurício Moura

“Registrar é um dos caminhos de inserir pessoas de baixa renda, sem CPF e sem RG, no ambiente econômico”.


Ruy Pinho e Maurício Moura

Maurício Moura, economista e mestre pela Universidade de Chicago, foi entrevistado pelo registrador e vice-presidente da Anoreg-SP Ruy Rebello Pinho, no programa Cartório, Parceiro Amigo , da Anoreg-BR, exibido pela TV Justiça. O programa foi gravado em São Paulo, no dia 2 de julho de 2004, e apresentado no dia 12 de novembro.

O economista falou sobre a importância da segurança jurídico-econômica proporcionada pelo registro e seus reflexos no desenvolvimento econômico do país.

Confira a íntegra da entrevista.

Não existe economia no mundo que tenha crescido e se desenvolvido sem que a propriedade privada tenha sido respeitada.

Ruy Pinho  
 – Será que Economia e Direito andam se entendendo ultimamente?

Maurício Moura – Um dos grandes problemas que os economistas têm é entender de Direito, e estou começando a achar que vice-versa. Certa vez, ao assistir a uma palestra, um economista comentou que profissionais ligados ao Direito não contribuem para o crescimento da economia. Os advogados, por exemplo, não acrescentam nada ao PIB. Nem o PIB , nem o país vão crescer com mais advogados. Pelo contrário, existe até um estudo que diz que com menos advogados o país cresce mais.

Mas isso não é verdade. Existem dois aspectos fundamentais segundo os quais o Direito afeta diretamente o crescimento e o desenvolvimento de qualquer economia. Primeiro, o respeito à propriedade privada. Não existe economia no mundo que tenha crescido e se desenvolvido sem que a propriedade privada tenha sido respeitada.

Outro aspecto fundamental diz respeito aos contratos. É na confiança que se faz negócio, é na confiança que se cresce e se investe. Os profissionais do Direito têm um papel fundamental nesses dois aspectos que impulsionam diretamente qualquer economia em todos os sentidos.

Um terceiro aspecto diz respeito à agilidade da economia, que contribui mais facilmente para abrir uma empresa, contratar, demitir, enfim, para fazer negócios. Os profissionais do Direito têm de contribuir para essa agilidade.

O registro desempenha uma atividade microeconômica de regulação e inserção do indivíduo na economia, esse é o seu papel fundamental.

Ruy Pinho
  – Pertenço ao registro de imóveis e ao registro de títulos e documentos, que prestam, ambos, segurança jurídica e têm função econômica, a de garantir a transação da propriedade privada, garantir que haja publicidade disso. Há leis sobre o registro que não levam em consideração essas duas questões.

Maurício Moura – A questão do registro é fundamental. Ele é uma forma de qualquer cidadão possuir um determinado ativo, seja documento, imóvel ou veículo, ativo esse que permite ao cidadão que ele tenha acesso a outros ativos, como, por exemplo, o crédito.

Infelizmente, no Brasil, um dos grandes problemas do crédito se deve ao fato de que grande parte da nossa economia está na informalidade. Na informalidade não existem garantias para os credores, que também não têm como levantar informações que avalizem uma concessão de crédito. Por isso o papel fundamental do registro, que desempenha uma atividade microeconômica de regulação e inserção do indivíduo na economia. Registrar é, portanto, um dos caminhos de inserir pessoas de baixa renda, sem CPF e sem RG, no ambiente econômico.

No Brasil, a lei protege o devedor. Em se tratando de imóvel, desde que seja o único do devedor, é impossível tomá-lo como forma de pagamento.

Ruy Pinho
  – Fale um pouco mais sobre o crédito.

Maurício Moura – As pessoas sempre me perguntam por que o crédito no Brasil é muito alto. Crédito é comprar dinheiro de um lado e vender de outro, como qualquer outro negócio. No Brasil de hoje custa caro comprar dinheiro, por causa da taxa de juros astronômica, por exemplo.

Outro aspecto fundamental diz respeito à garantia que qualquer credor quer ter de receber de volta o dinheiro emprestado. E para isso são indispensáveis informações sobre os tomadores de empréstimo. É muito mais fácil emprestar dinheiro à mãe, ao irmão ou a algum parente, porque se sabe onde encontrá-los. Outra necessidade é ter condições e garantias de cobrança do empréstimo, mesmo que não seja em dinheiro.

No Brasil é muito difícil cobrar, porque a lei costuma proteger o devedor. Em se tratando de imóvel, por exemplo, desde que seja o único do devedor, é impossível tomá-lo como forma de pagamento. Nos Estados Unidos, no entanto, qualquer bem pode ser tomado como pagamento de dívida.

Ruy Pinho   – Fale sobre os juros.

Maurício Moura – No Brasil, o juro mais barato para o consumo é o de financiamento de carro, porque é muito fácil ser recuperado. Por isso é mais barato emprestar. É muito importante avaliar o custo que se tem para recuperar o bem. Quanto mais garantida e mais cercada for a recuperação da cobrança, mais barato será. Para isso, no entanto, são necessárias as informações e as garantias que o registro ajuda a fornecer. Só assim os juros no Brasil poderão baixar, não apenas com um decreto do Banco Central, porque, de fato, são as leis brasileiras que emperram a queda dos juros.

Ruy Pinho     – Não sei se são as leis brasileiras que emperram, acho, no entanto, que se trata de assumir a responsabilidade pelo funcionamento do sistema econômico. De fato, a interpretação consolidada no caso da hipoteca é que não interfere no preço. Quando o juiz tem um caso concreto de recuperação do crédito, é muito mais fácil avaliar o drama pessoal de quem não consegue pagar. Imagine o aspecto macroeconômico disso.

Maurício Moura – Existe na economia a lei da oferta e da demanda. Você falou do drama pessoal do cidadão que não pagou o imóvel e não tem como recuperá-lo. Como fazer para que a demanda aumente? Baixar o preço, naturalmente. Qualquer produto mais barato tende a ser demandado por mais pessoas.

Se a lei impossibilita tomar o bem de volta, acaba-se privilegiando o drama pessoal do cidadão. Se o crédito fosse mais barato, se fosse mais barato emprestar imóvel, milhares de pessoas seriam beneficiadas.

Ruy Pinho   – Na Justiça do trabalho existe um caso conhecido por desequilibrar a relação jurídica...

Maurício Moura – Quando se fala em Justiça do trabalho, tenho arrepio. No Brasil, o trabalhador custa muito caro para o empresário contratar e registrar e ganha muito mal. Para o empresário, custa muito caro contratar e registrar, então ele paga mal o funcionário. Nessa, todo mundo sai perdendo. Quando recorre à Justiça do trabalho, a tendência é o empresário perder a causa.

Como as pessoas reagem a isso? Antes de contratar, o empresário vai pensar dez vezes, o que estimula a informalidade e o desemprego. Parece até que a Justiça de trabalho vai contra qualquer tipo de emprego formal.

Ruy Pinho   – Será que esse não é um padrão do nosso Direito? Atualmente estamos com uma lei (10.267) que obriga o georreferenciamento de imóveis rurais. O georreferenciamento custa caro, razão por que essa lei está condenada à informalidade das relações econômicas imobiliárias rurais. Da mesma forma, em Porto Alegre, no caso da Lei do Parcelamento do Solo, há três loteamentos regulares e 180 irregulares. Será que o nosso Direito vai continuar jogando tudo para a informalidade?

Maurício Moura – Num relatório do Banco Mundial – Fazendo negócios em 2004 – o Brasil é apontado como o país onde se demora em média 152 dias para abrir uma empresa, ao passo que no Canadá isso ocorre em dois dias, nos Estados Unidos, em quatro e na Coréia do Sul, em cinco dias. Para se fechar uma empresa, então, demora-se muito mais.

Quem vai abrir uma empresa aqui encara a burocracia da regularização, os custos altos de contratação, a considerável carga tributária, que corresponde a 37% do PIB. Isso é inimaginável.

O empresário que pretende abrir um negócio muito bom, com muito retorno, precisa de condições de investir no país. Neste último ano, o Brasil vem perdendo posição no ranking do investimento direto, ou seja, vem perdendo dólar que chega ao país para investimento em capital produtivo, industrial, de serviços e comercial.

Essas dificuldades são repassadas para o preço do produto que vai ser oferecido, o que faz dele um produto inviável.

Nosso maior desafio é tornar ágeis as respostas jurídicas, uma vez que as mudanças nos últimos cem anos tornaram a economia muito ágil. A legislação trabalhista é dos anos quarentas. A agilidade das respostas é o grande desafio, a resposta mais importante que se espera.

A regularização fundiária pode vir a dar suporte ao crédito porque vai oferecer-lhe informações.

Ruy Pinho
  – Uma vez que o papel fundamental do Direito é garantir a segurança jurídica da propriedade privada e a segurança dos contratos, você acredita que a regularização fundiária é economicamente importante?

Maurício Moura – A regularização fundiária é fundamental para qualquer país. Quem tem regularizada sua propriedade passa a fazer parte do circuito econômico e das informações disponíveis sobre ela. São essas informações que produzem sinais de consumo, de crédito e de emprego para o mercado. Por isso, regularização fundiária é uma forma de geração de ativos e de inserção econômica.

Um dos maiores problemas no Brasil são os milhares de terrenos ilegais à espera de viabilidade de regularização. No Peru e no Chile, a experiência de regularização fundiária gerou benefícios econômicos concretos, seja do ponto de vista do crédito como do acesso a outros papéis da economia. Não existe país que não identifique, que não regularize terrenos.

Ruy Pinho   – E essa regularização tem que ser viável economicamente?

Maurício Moura – Sem dúvida. Se não for viável, ela vai estimular a informalidade. A questão é recorrer aos mecanismos corretos para torná-la viável. O que pode tornar essa operação viável ou inviável é o crédito. Mas como oferecer crédito a quem não dispõe de informações nem de garantia para ele? Creio que é preciso começar a experimentar, avaliando o impacto que a regularização vai provocar. Alguém tem que fazer isso, até mesmo de forma experimental, é preciso começar a gerar informações, que vão servir de subsídios para as próximas experiências. Trata-se de uma questão de ensaio e erro.

Ruy Pinho   – A questão da irregularidade fundiária atinge não só, mas principalmente as classes C e D. Essas classes têm capacidade de pagamento? Qual a opinião dos economistas?

Maurício Moura – Essa é uma questão interessante. Num seminário do Banco Central, em 2003, o presidente Lula sugeriu que “emprestem aos pobres, porque os pobres pagam”.

Do ponto de vista do crédito, não existem dados que comprovem que o pobre é melhor pagador que o rico, ou vice-versa. Muito pelo contrário, os índices de inadimplência tendem a ser bastante parecidos. De fato, no Brasil, existem muitas financeiras que emprestam para pobres, cujo índice de inadimplência é muito alto. O problema não é emprestar ou não para pobre, mas emprestar para quem não tem cadastro. Por isso, a regularização fundiária pode vir a dar suporte ao crédito porque vai oferecer-lhe informações.

Ruy Pinho     – Mas qual é o fundamento dessa afirmação?

Maurício Moura – Há um fundamento econômico muito interessante. Quanto menor a renda, menor a probabilidade de qualificação para o crédito. Quem ganha menos tem mais dificuldade de adquirir cartão de crédito, limite de cheque especial no banco, enfim, tem mais dificuldades de conseguir crédito. Os clientes de financeiras, que atuam no segmento de baixa renda, tendem a pagar melhor porque, se não pagarem, não vão se qualificar em lugar nenhum. Esse é o argumento econômico, se bem ele ainda não esteja empiricamente comprovado no Brasil.

Ruy Pinho   – A função econômica dos registros seria, também, garantir essas informações. Hoje, no registro de imóveis, existe uma declaração de operações imobiliárias que passamos para a Receita federal, ou seja, cumprimos nossa função de repassar informações que permitem o controle social das transações. O cartório de títulos e documentos também poderia fazer isso em relação às alienações fiduciárias dos automóveis, por exemplo. Isso seria útil?

Maurício Moura – Sem dúvida. Como se controlam riscos em qualquer atividade humana? À base de informações. Quanto mais informações menos riscos; quanto menos riscos melhores resultados na economia, um dos quais é o crédito.

Ruy Pinho   – Do ponto de vista da economia, o negócio dos cartórios traz segurança para as informações?

Maurício Moura – Com certeza. Eles conferem segurança e credibilidade às informações, tornando-as autênticas.

Ruy Pinho   – Do ponto de vista do Direito, o que você considera importante para o seu negócio?

Maurício Moura – Essa é uma discussão muito mais ampla, mas resumindo de uma forma sintética, eu diria que o Direito tem de acompanhar a agilidade da economia, oferecendo respostas objetivas e ágeis em relação aos movimentos da economia. Essa discussão é saudável, mesmo que ainda tenhamos muitos assuntos a debater.

Ruy Pinho   – Esse assunto é muito importante, especialmente se falarmos da garantia de segurança das transações, que deve ocorrer num ambiente socialmente controlado. Perceber a missão econômica do que estamos fazendo é fundamental para que possamos exercer nossa função de maneira útil.



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