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Doação - procuração exige poder especial? - José Ribeiro[i]*


No meio notarial e registral surge, não raras vezes, discussão sobre ser válida ou não, para a prática de atos de seus ofícios, procuração na qual se outorgou ao mandatário poder para doar, sem indicar o bem a ser doado nem o nome da pessoa a quem doar. Essa questão tem relevância na medida em que tanto o notário quanto o registrador têm o dever legal de praticar os atos que lhe são cometidos de modo a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos (Lei nº 8.935/94, art. 1º).

Esses delegatários dos serviços notariais e de registro têm, a para da indiscutível função social que desempenham aos usuários desses serviços ao exercerem suas relevantes atribuições, expressiva responsabilidade no respeitante à forma e ao conteúdo dos atos que praticam, realizando verdadeiro juízo prévio da legalidade de tais atos, numa inafastável atuação preventiva de futuros litígios entre os interessados nesses atos.

Entretanto, no exercício de suas funções nem sempre é possível entendimento unânime ou pacífico sobre algum ponto relativo a determinado ato a ser praticado ou registrado, sobretudo quando se envolve interpretação de dispositivo legal a ele pertinente, o que não é nenhuma novidade, já que isso existe também no âmbito do próprio Poder Judiciário, que tem o dever de interpretar e aplicar as leis.

Por isso tem sido freqüente agitar-se, no meio Judiciário, o tema objeto deste despretensioso artigo, em conflito de interesses a ser solucionado. A discrepância de entendimento tem origem no modo de focalizar e de interpretar artigo 661 do Código Civil, verbis:

Art.661 – O mandato em termos gerais só confere poderes de administração.

§ 1º Para alienar, hipotecar, transigir, ou praticar outros quaisquer atos que exorbitem da administração ordinária, depende a procuração de poderes especiais e expressos.

(....)

Como se sabe, conforme a doutrina pátria, o mandato se classifica, quanto ao conteúdo, em: a) mandato em termos gerais, quando só conferir poderes de administração ordinária, como por exemplo, pagar imposto, fazer reparações, contratar e despedir empregados (FR, 93:514); e b) mandato com poderes especiais, quando envolver atos de alienação ou disposição, com exorbitância, portanto, dos poderes de administração ordinária, como é o caso, por exemplo, de aceitação de doação com encargo, novação, remissão de dívida, emissão de cheque, transação, imposição de ônus reais como hipoteca ([ii]1)

O § 1º do artigo 661, supra transcrito, trata do mandato com poderes especiais, figurando entre tais poderes o de alienar, que por ser termo amplo, genérico, abrange toda e qualquer forma de transferência de bens e direitos, incluindo-se aí, portanto, a doação.

Será suficiente, então, constar na procuração poder para alienar, sem indicar o bem a ser alienado?

Enquanto para uns só vale a autorização para alienar bens, quando contiver expressa menção dos bens objeto do negócio, com sua individuação correta, outros dispensam essa exigência. SILVIO RODRIGUES endossou a última opinião ao argumentar ([iii]2)

Se o outorgante confere ao procurador poderes para vender ou hipotecar bens imóveis sem dizer quais os bens que o representante pode alienar ou hipotecar, assume o risco de que este venda ou hipoteque os que entender. O que é perfeitamente justificável, tendo em vista que o mandato é um negócio com base na confiança que o constituinte deposita no representante. Querer interpretar de maneira excessivamente estrita as cláusulas do mandato constitui uma tentativa descabida e injusta de tutelar o interesse de pessoa capaz, que não encontra fundamento nem na lei nem no interesse social.

Não parece ser esse o melhor entendimento. Afigura-se não só prudente, mas também necessário e correto que seja mencionado e caracterizado, na procuração, o imóvel a ser vendido ou hipotecado, uma vez que o alto valor que o negócio encerra já impõe, por si só, essa cautela.

Daí que se apresenta mais aceitável, no particular, o entendimento de CARVALHO SANTOS, citado por ARNALDO MARMITT ([iv]3), de que:

Da necessidade dos poderes expressos e especiais para poder o mandatário alienar bens de propriedade do mandante resulta, também, a necessidade de constarem na procuração os bens a serem vendidos, devidamente individualizados, a não ser que os poderes abranjam todos os bens do mandante.

Reforça-se esse entendimento na lição de PONTES DE MIRANDA ([v]4), que bem apanhou a distinção entre mandato expresso e mandato com poderes especiais, verbis:

Mandato expresso e mandato com poderes especiais são conceitos diferentes. É expresso o mandato em que se diz: “com poderes para alienar, hipotecar, prestar fiança”. Porém não é especial.  Por conseguinte, não satisfaz as duas exigências do art. 1.295, § 1º, do Código Civil que fala de “poderes especiais e expressos”. Cf. Código Comercial, art. 134, in fine, Poderes expressos são os poderes que for a manifestados com explicitude. Poderes especiais são os poderes outorgados para a prática de algum ato determinado ou de alguns atos determinados. Não pode hipotecar o imóvel “a” o mandatário que tem procuração para hipotecar, sem se dizer qual o imóvel: recebeu poder expresso, mas poder geral, e não especial. Cf. 4ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 20 de abril de 1944 (R. dos T., 151, 651). (Destacou-se).

Como já dito, o termo alienar é amplo. Abrange toda a espécie de transferência de bens e direitos. Nele está incluída portanto a doação. Se para vender ou hipotecar um bem imóvel o melhor entendimento é o de que na procuração se mencione e se caracterize o imóvel, para que não haja dúvida quanto à verdadeira intenção do mandante, a fim de evitar futuras contestações quanto ao negócio jurídico praticado, com maior razão ainda deve-se seguir esse entendimento no caso de procuração com poderes para doar bem imóvel.

É que no caso específico da doação – que é ato bem diferente da venda – a intenção do mandante, ao outorgar o mandato, é de beneficiar determinada pessoa, no caso o donatário, sem receber qualquer contra-prestação. Delibera o mandante, que vai ser o doador no ato jurídico a ser praticado pelo mandatário, enriquecer determinada pessoa (o donatário), aumentando-lhe o patrimônio na medida em que o mandante (doador) empobrece.

A doação é pois ato gratuito. Só traz benefícios ao donatário. É um contrato, no dizer de SERPA LOPES ([vi]5), realizado animus donandi, pois sem essa intenção de dar não se constitui a liberalidade. Ou como se expressou ORLANDO GOMES ([vii]6), a doação completa-se com o elemento subjetivo: o animus donandi. Salientou esse autor que é indispensável à caracterização da doação a intenção de praticar um ato de liberalidade. O doador dever ter a vontade enriquecer o donatário, a expensas próprias, tanto que não será doação o contrato a que faltar esse propósito. Para ele não basta a gratuidade. A liberalidade é traço decisivo da doação, ou seja, a vontade desinteressada de fazer benefício a alguém, empobrecendo-se ao proporcionar à outra parte uma aquisição lucrativa causa. A intenção liberal concretiza-se, em suma, no intuito de enriquecer o beneficiário.

Assim, enfocada a doação sob esse prisma, não paira dúvida de que não se pode conceber como validamente outorgada procuração com poderes para doar, se nela não se identificar o bem a ser doado nem o nome da pessoa a ser beneficiada com a doação. Uma procuração assim passada não atende ao disposto no § do artigo 661 do Código Civil, acima transcrito, posto que embora tenha poder expresso (doar), não tem poder especial, que consiste na especificação do bem e da pessoa a que ele será doado.

Não se pode supor, no caso de procuração omissa quanto ao que doar e a quem doar, que o mandante (doador) deixou à livre escolha do mandatário o bem a ser doado e a pessoa a quem doá-lo. Se a doação se caracteriza na intenção de beneficiar a determinada pessoa e exige o elemento subjetivo animus donandi por parte do doador, resta claro então não estar válida à prática da doação procuração sem tais elementos.

Esse elemento específico da doação – animus donandi – ou seja a intenção de beneficiar, implica o intuito personae (ato personalíssimo), exigindo portanto a determinação da pessoa a quem o mandante pretende favorecer. Não é possível conceber que o doador queira beneficiar toda e qualquer pessoa, até aquele que só lhe merece aversão, ou lhe seja totalmente desconhecida, exceto o caso de doações que representem atos de pura beneficência, em que se declare, por exemplo, que se quer beneficiar a todos os pobres, ou determinada classe social.

Nesse ponto calha bem a lição de PONTES DE MIRANDA ([viii]7) ao assentar que:

“Se o negócio jurídico que se há de concluir é gratuito, tem-se de indicar com quem se há de concluir. Não se pode passar procuração eficaz para que se doe a quem quer que seja, salvo se se alude a pobres ou algum círculo social, posto que a procuração para vender ou trocar não exija tal expressão e precisão sobre quem há de ser o comprador; ou o outro contraente na troca”.

Os Tribunais Superiores já decidiram nessa linha de entendimento. O STJ, no REsp bº 79.660 – Rio Grande do Sul (95/0059841-8) e no REsp nº 31.392 – São Paulo (93/0001018-2). o STJ, no RE nº 84.501 – Rio de Janeiro, no Agravo de Instrumento nº 69.997 – São Paulo (Agravo Regimental), e no RE nº 90.779-3 – Rio de Janeiro, destacando-se deste último a seguinte ementa:

Não nega vigência ao art. 1.295, § único, do Código Civil, o acórdão que anula doação feita com procuração que não especifica o bem a ser doado, nem o donatário, quando o mandatário, às vésperas do desquite, usando procuração genérica com poderes para alienar os bens do casal, doa parte do imóvel da esposa ao filho do casal, à revelia da mandante, com quem era casado pelo regime da separação absoluta de bens.

Assim, pode-se asseverar, em conclusão, que: a) – poderes especiais e expressos, referidos no § 1º do artigo 661 do Código Civil, têm conceitos distintos: estes são os referidos no mandato (por exemplo: alienar, hipotecar, dar em pagamento, etc); aqueles correspondem à determinação específica do ato a ser praticado (por exemplo: vender ou hipotecar o imóvel tal, doar o imóvel X em favor do donatário Y, etc); b) – não pode ser aceita procuração em que constem poderes para vender ou hipotecar, sem identificar o bem objeto do negócio jurídico a ser realizado, ou para doar, sem que se mencionem o bem a ser doado e o nome da pessoa que o receberá por doação; c) – são passíveis de nulidade os negócios jurídicos realizados com procuração cujos poderes não atendam às especificações acima referidas.
 



Demissões de escreventes em Cartório - Presidente do TST ouve representantes de trabalhadores


O presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Vantuil Abdala, ouviu hoje relato de um grupo de sindicalistas que veio manifestar preocupação em relação aos impasses que têm surgido, atualmente, entre trabalhadores de cartório e os novos titulares desses órgãos de registro. Segundo o diretor nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), José Zunga de Lima, muitos trabalhadores estão sendo demitidos pelos novos titulares dos cartórios, aprovados em concursos públicos. Os sindicalistas fizeram um relato das dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores diante da mudança de regime jurídico ocorrida com os cartórios, cuja titularidade passou a ser alcançada por meio de concurso público. Segundo os representantes da categoria, que concentra mais de 230 mil profissionais em todo o País, o passivo trabalhista não tem sido assumido pelos novos titulares e os anteriores exploradores do serviço muitas vezes já estão mortos ou afastados da função para arcar com as verbas trabalhistas.

Durante o encontro, José Zunga lembrou a situação ocorrida tempos atrás com a Rede Ferroviária Federal. De acordo com a jurisprudência do Tribunal, o novo empreendedor também é responsável pelo trabalhador demitido depois da entrada em vigor do contrato de concessão. Quanto aos contratos rescindidos antes da entrada em vigor do contrato de concessão a responsabilidade é exclusiva da Rede.

Ao final do encontro, o presidente do TST sugeriu aos sindicalistas a solicitação de audiência junto ao Ministério da Justiça a fim de que uma solução seja alcançada de forma mais rápida. O órgão do governo federal é o responsável pela elaboração dos editais para os concursos públicos para a investidura em cartórios. Também participaram da audiência o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Cartórios, Francisco de Assis, o advogado Hilton Borges, além de outros sindicalistas.

Notícias do TST de 17/7/2004. Consulte aqui.



[i]* José Ribeiro é Juiz de Direito Aposentado. Ex-juiz Federal. Professor de Direito. Mestre em Direito. Advogado. Consultor Jurídico da ANOREG/PR.

[ii]1 MARIA HELENA DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais, Editora Saraiva, 17ª edição, 2002, atualizada de acordo com o novo Código Civil, 3º volume, p. 336.

[iii]2 SILVIO RODRIGUES, Direito Civil: Dos Contratos e das Declarações Unilaterais da Vontade, Editora Saraiva, 2ª edição, 2002, atualizada de acordo com o novo Código Civil, volume 3, p. 291.

[iv]3 ARNALDO MARMITT, Mandato, Aide Editora, 1ª edição, 1992, p. 182.

[v]4 PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado, Parte Especial, Editor Borsoi, Rio de Janeiro, 1972, 3ª edição reimpressão, Tomo XLIII, p. 35.

[vi]5 MIGUEL MARIA DE SERPA LOPES, Curso de Direito Civil, Fontes das Obrigações: Contratos, Livraria Freitas Bastos, 4ª edição revista e aumentada, 1964, volume III, p. 385.

[vii]6 ORLANDO GOMES, Contratos, Editora Forense, 20ª edição, 2000, atualizada e anotada por Humberto Theodoro Júnior, p. 213.

[viii]7 PONTES DE MIRANDA, Obra e Volume citados, p. 38



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